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Títulos de crédito: uma análise sobre o princípio da cartularidade diante da desmaterialização dos títulos virtuais.

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22/11/2012 às 14:03
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2. DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO CAMBIAL

Princípio significa “o início”, o começo de qualquer coisa. Os princípios são os fundamentos de uma ciência, construídos com o passar dos tempos e através dos costumes das sociedades. No entanto os princípios não são imutáveis, estes devem atender, assim como as normas, as necessidades de cada época.

Daí a definição de princípios como deveres de otimização aplicáveis em vários graus segundo as possibilidades normativas e fáticas; normativas, porque a aplicação dos princípios depende dos princípios e regras que a eles se contrapõem; fáticas, porque o conteúdo dos princípios como normas de conduta só pode ser determinado quando diante dos fatos. [...] [18]

Para que os princípios possam ser aplicados, é preciso observar se estes estão em concordância com o atual estágio da sociedade. Caso os fundamentos que regem aquele princípio, encontrem-se em total discordância com a realidade, se ainda couber uma nova interpretação pode ser injetada, do contrário perde sua eficácia e deixa de ser aplicada ao caso concreto. Cabe aos princípios o papel de complementaridade da interpretação normativa, no caso de algum tipo de lacuna, criado pela “desatualização” da norma jurídica.

É a partir dos princípios do direito cambial, que decorre a principal característica dos títulos de crédito, sua negociabilidade. As garantias conferidas pelo regime cambial para o titular do direito de crédito, são maiores que as conferidas no regime jurídico civil. Dessa maneira para entender como se originou a disciplina, é obrigatório o estudo de seus princípios fundamentais.

O título de crédito evoluiu e teve seu reconhecimento possível com a ciência de que o mesmo se reveste de determinados princípios, os quais permitem cumprir a sua finalidade de ser negociável. Esses princípios especificamente diferenciam os títulos de crédito dos demais documentos, e são os seguintes: a) literalidade; b) cartularidade ou incorporação; c) autonomia;[19] este último se subdivide em subprincípios da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé, e abstração.

Os princípios, em especial do direito comercial como um todo, são baseados em valores, práticas e costumes dos comerciantes de anos, décadas e até séculos, o que não quer dizer que esses mesmos princípios são imutáveis, ao contrário estes devem ser adaptados a novas práticas empresariais, ou em último caso, o seu desuso, pois, os princípios têm de ir ao encontro das necessidades contemporâneas.

No que tange ao direito cambial, o princípio da cartularidade, frente à nova realidade virtual, demonstra ser totalmente defasado, o que já significa seu desuso e em breve seu completo desaparecimento. Já princípio da literalidade, poderá adaptar-se a emissão em meio eletrônico.

Na opinião de Fabio Ulhoa Coelho[20], apenas um dos três princípios norteadores dos títulos de crédito, não seria incompatível com a desmaterialização dos títulos de crédito e sua emissão em meio eletrônico, o princípio da autonomia, e seus subprincípios da abstração e da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé, não sofreriam qualquer alteração diante da virtualização dos títulos cartulares. O mesmo doutrinador acredita que a partir do princípio da autonomia, o direito comercial/empresarial poderá recoser a disciplina dos títulos de crédito, quando o papel foi absolutamente banido das relações cambiais.

2.1. Literalidade

O princípio da literalidade surgiu em meados do século XVIII com Eineccio [21], o já mencionado art. 887 do Código Civil, trás a literalidade como integrante fundamental dos títulos de crédito “[...] documento necessário ao exercício do direito literal [...] nele contido [...]”, refere-se à literalidade ao que se lê no título.

Literal, significa subordinação ao rigor das palavras. O princípio da literalidade existe para a proteção das partes envolvidas com o título de crédito, especificamente aos terceiros de boa-fé.[22] Protege tanto o credor quanto o devedor, já que só é possível a exigir as obrigações que constem na própria cártula (o credor somente tem direito de exigir o que está expresso no título; e o devedor só deve pagar o que está igualmente expresso no título).

“Os títulos de crédito são literais, porque valem exatamente a medida neles declarada.” [23] Pelo princípio da literalidade, o que não está no título, não está no mundo, é preciso, por exemplo, relacionar todos os institutos cambiais utilizados, no título, ou serão considerados inexistentes.

Como no caso do aval, um aval concedido em instrumento apartado de alguma nota promissória, por exemplo, não produzirá os efeitos de aval. No máximo, gerará efeitos em esfera civil, como a fiança. A quitação pelo pagamento de obrigação representada por título de crédito deve ser conferida no próprio título, sob a pena de não produzir efeitos jurídicos.[24] A literalidade impõe que para fazer vales obrigações cambiais estas devem estar contidas única e exclusivamente no título.

Literalidade se distingue de legitimação, a primeira faz menção ao direito contido no título, no que tange a segunda, esta está diretamente relacionada, ao sujeito a quem tem direito de exigir o direito contido no título de crédito.

A obrigação exigível decorrente encontra-se expressa no título, todas as informações contidas no título são necessárias (os elementos que não podem faltar). Existem particularidades referidas a cada título de crédito, quando a forma em que são escritos, a exemplo, a letra de câmbio possui oito elementos literais, sem os quais não pode ser considerada como tal (a expressão letra de câmbio, ou a simples denominação letra, o mandato puro e simples de pagar a quantia determinada, o nome do sacado, época do pagamento, lugar onde deve ser efetuado o pagamento, o nome da pessoa a quem o a ordem de que, deve ser paga, na data e lugar onde a letra foi passada, assinatura do sacador).

A nota promissória também contém sua denominação própria inserida no próprio título, a promessa pura e simples de pagar, a época do pagamento, o lugar indicado para o pagamento, nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, data e local de onde é emitida, assinatura do subscritor (aquele que emite a nota promissória).

No que tange aos títulos virtuais como anteriormente exposto, este princípio deve ser readequado. O título emitido virtualmente pode sim obedecer ao princípio da literalidade, sendo necessária a reformulação do entendimento: “o que não se encontra no título eletrônico ou documento eletrônico, não está no mundo.” A emissão virtual, pode trazer a literalidade tão exigida nos títulos de crédito, apesar de que não estará condicionada ao que estiver expresso no documento materializado, mas sim em um documento eletrônico.

2.2. Cartularidade ou Incorporação

A palavra cártula é empregada como sinônimo do instrumento representativo do crédito, onde se materializa o direito de crédito. Chartula do latim é o diminutivo de charta (papel feito de entrecasca do papiro, na antiguidade). A cártula é um pequeno papel, onde se lança um escrito onde são resumidas as informações essenciais para a sua representação. No entanto nem todo papel onde é anotada a obrigação de um devedor caracterizada, no sentido técnico do termo, é um titulo de crédito, este, pode ser apenas uma prova da relação obrigacional. O título de crédito não apenas prova a obrigação, mas a apresenta. Assim, o exercício do direito constante do titulo de crédito tem como condição a sua apresentação.[25]

O princípio da cartularidade surgiu com a criação do próprio título de crédito, significando a materialização ou incorporação de um direito de crédito no documento, a cártula, é essencial à existência do direito nele contido, sendo necessária a sua apresentação para sua exigibilidade.

Também denominada incorporação significa que o direito de crédito deve ser incorpodado/materializado na cártula. Decorrente da necessidade de apresentação, através do papel, para a realização do crédito, não existindo direito de exercer a titularidade sem o mesmo, pois o emitente ou portador se sujeita a apresentá-lo, para exercer o Direito Cambiário.

A incorporação do título de crédito tem como efeito, dar legitimidade àquele que detém a posse da cártula, de exigir a prestação (o direito na cártula incorporado). Sem essa apresentação do título materializado, o devedor pode ser desobrigado a cumprir a obrigação, o título deve ser pago ao seu portador.

O princípio em questão dá a garantia de que aquele que postula a satisfação de seu crédito é o titular do direito em questão. Têm-se a ideia de que cópias autenticadas, não tem a mesma validade de que os documentos originais, pois aquele quem as apresenta, pode ter transferido o título de crédito através de endosso por exemplo. No entanto, em jurisprudência, da 7ª Câmara Cível do TJ/PR, foi dispensada a apresentação dos títulos originais, pois foi juntada cópias autenticadas e demais documentos comprobatórios da relação cambial.

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO MONITÓRIA -CÓPIAS AUTENTICADAS DAS NOTAS FISCAIS E TRIPLICATAS DEVIDAMENTE PROTESTADAS - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PAGAMENTO. 1. Dispensa-se a apresentação dos originais dos títulos de crédito quando são juntadas cópias autenticadas das notas fiscais e comprovantes de entrega de mercadorias que deram origem às triplicatas, devidamente protestadas, caracterizando-se, no caso em exame, como documentos idôneos para atestar a existência do crédito afirmado pela embargada, na ausência de prova em contrário. 2. Apelação desprovida.

(5715079 PR 0571507-9, Relator: Guilherme Luiz Gomes Data de Julgamento: 30/06/2009, 7ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 187)[26]

O princípio da cartularidade deixou de abranger totalmente os títulos de crédito, mais especificamente a duplicata mercantil ou de prestação de serviços, onde é excepcionado. A lei, concede ao credor dessa espécie de título de crédito, que exerça a titularidade do direito de crédito, mesmo sem estar na posse do documento. Dessa maneira o protesto por indicações, faculta a apresentação da duplicata, para protestá-la, podendo fazê-lo apenas fornecendo ao cartório os elementos que a individualizam.

O art. 13, §1º, da Lei das Duplicatas, prevê, o protesto por indicações, em conjunto o comprovante de recebimento de mercadorias de acordo com o art. 15, II, b, neste caso, o título (duplicata) foi retido pelo devedor. Em concordância com o art. 889. §3º do Código Civil de 2002, que reconhece a emissão de título criado em computador ou meio equivalente.

Tendo em vista, a emissão, da duplicata eletrônica, ou seja, desmaterializada, o princípio da cartularidade se encontra em decadência, a prática rotineira do comércio suprimiu sua exigência há tempos. E nesse processo, a importância dos costumes é clara. A sociedade de uma forma mais dinâmica e flexível agrega valores aos “documentos virtuais”.

Destarte, com avanços tecnológicos se faz mister compreender que com as transações eletromagnéticas, os títulos de crédito virtuais, os cartões de banco com tarja magnética e os documentos virtuais, todos advindos de práticas comercial contemporâneas, com o princípio da incorporação ou cartularidade tende ao esquecimento e subsequentemente poderá desaparecer por completo.

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2.3. Autonomia

Como assevera Tullio Ascareli [27], o título de crédito surgiu como um ato de confissão (documento confessório) é atualmente, direito constituído de direito autônomo.

A autonomia revela-se na medida em que cada obrigação resultante do título é autônoma com relação às demais, no caso o direito do possuidor de boa-fé não pode ser limitado ou extinguido em decorrência das relações entre os possuidores iniciais e o devedor.[28] O adquirente do título pode exercitar seu direito independentemente das anteriores.

A partir do momento em que o título de crédito circula, ele torna-se direito novo, portanto originário. O título desvincula-se da relação que lhe deu origem. O endossatário recebe o direito autônomo, pois é o documento do título que está em circulação. Não existindo vinculo, o contrário da cessão civil de crédito.

A autonomia divide-se em: autonomia do direito, autonomia das obrigações e autonomia do título. Esta última é o princípio puro da autonomia, sem ramificações, quanto que as outras fazem parte da essência dos seus subprincípios.

Os dois subprincípios, que derivam do princípio da autonomia são: o da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé (autonomia do direito), e o da abstração (autonomia das obrigações).

2.3.1.Inoponiblidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé

O princípio da inoponibilidade das exceções pessoais é ramificação da autonomia do direito. Como exemplo, aquele que se obriga em um título não pode recusar o recebimento de um título por relações particulares; também o devedor, só pode formular defesa contra o legitimo possuidor do título se ambos participam da mesma relação que deu causa ao título ou a um endosso, o possuidor exerce direito que é independente dos direitos de possuidores anteriores.

Pela inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé, o executado em virtude de um título não pode alegar, em seus embargos, matéria de defesa estranha à sua relação diretamente com o exequente, salvo provando a má-fé de mesmo.[29] O subprincípio é o aspecto processual da autonomia, é restrição as matérias que poderão ser arguidas como defesa pelo devedor do título executado.

2.3.2. Abstração

A abstração é encontrada em alguns títulos de crédito, consiste no total, desligamento, do título ao negócio que lhe deu origem. Segundo a abstração o título se desvincula absolutamente da causa que lhe deu origem. Vide art. 888 do Código Civil de 2002, “A omissão de qualquer requisito legal, que tire ao escrito a sua validade como título de crédito, não implica a invalidade do negócio jurídico que lhe deu origem.”

Essa desvinculação origina a segurança necessária a respeito do título de crédito, assim este pode circular livremente sem a necessária investigação das causas de seu surgimento.[30] A abstração é característica encontrada em somente alguns títulos, por exemplo, duplicata não possui tal característica.

Diferencia-se da autonomia, quando diz que a lei faz abstração da causa que fundamenta a origem do título, afirmando que o título é desvinculado da causa que lhe deu nascimento. Circulando a cártula os coobrigados devem cumprir as obrigações, sem que seja necessário saber o motivo da emissão do título.[31]

Quando se realiza a transferência do título para terceiros de boa-fé, automaticamente opera-se o desligamento entre o documento e a relação originária, através disso o devedor fica impossibilitado de exonerar-se suas obrigações cambiárias, por razões de irregularidade, nulidade ou vícios. A abstração complementa junto com a inoponibilidade das exceções pessoais, a proteção do credor e devedor.

A abstração, deriva da autonomia das obrigações cambiais, significa que as várias obrigações existentes no título de crédito são independentes entre si. Mesmo que uma obrigação torne-se nula ou inválida, isso não afeta as demais, que tem de ser cumpridas.

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Sobre a autora
Lais Andrade da Silva Santos

Bacharel em Direito em Maceió (AL).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Lais Andrade Silva. Títulos de crédito: uma análise sobre o princípio da cartularidade diante da desmaterialização dos títulos virtuais.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3431, 22 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23073. Acesso em: 22 dez. 2024.

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