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Títulos de crédito: uma análise sobre o princípio da cartularidade diante da desmaterialização dos títulos virtuais.

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22/11/2012 às 14:03
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3. A EMISSÃO VIRTUAL DOS TÍTULOS DE CRÉDITO FRENTE À DESMATERIALIZAÇÃO

3.1. O comércio eletrônico e os documentos virtuais

No final do século XX, o comércio começou a traçar uma nova extensiva via; a internet, caminho virtual em que pessoas de partes distantes do mundo se encontram. A expansão da internet se deve ao potencial para o incremento dos negócios e atendimento aos consumidores revelado pelo comércio eletrônico (comércio-e).[32]

Na segunda metade dos anos 1990, a rede popularizou-se em razão das comodidades oferecidas ao ato de consumo.[33] Criaram-se novos hábitos de comércio, as transações comerciais atuais em sua maioria se dão por meio eletrônico, dando-se entre pessoas dos lugares mais remotos possíveis, distâncias entre cidade, estados, países e continentes.

Com base no art. 170 da CF/88, o Código Civil adotou o princípio da liberdade de criação e emissão de títulos atípicos ou inominados, visando a atender às necessidades econômicas e jurídicas do futuro, tendo em vista a origem consuetudinária da atividade mercantil.[34] O princípio da livre iniciativa comercial, advém dos costumes que os comerciantes brasileiros, agregam com novas práticas de comércio.

O Código Civil de 2002, em seu art. 212, II, c/c art. 225[35], prevê a juridicidade de documentos mecânicos e eletrônicos, ao referir-se a reproduções mecânicas ou eletrônicas de fato ou de coisas, aceitando-os como meio para se fazer prova plena, de fatos, se a parte, contra quem for exibido, não lhes impugnar com exatidão. Outrossim, o art. 332 deste mesmo diploma legal, admite que são aptos como formas de prova, todos os meios legais, mesmo não elencados no Código Civil. Tais disposições servirão para acolher e resolver parte dos conflitos instaurados com a multiplicação de relações que se dão através do mundo eletrônico.[36] Os documentos eletrônicos estão devidamente aparelhados no ordenamento pátrio.

O princípio da equivalência funcional ou da não discriminação emana a regra de que nenhum ato jurídico pode ser considerado inválido somente por ter sido celebrado por transmissão eletrônica de dados.[37] Esse princípio serve para preencher a lacuna existente no ordenamento, no que diz respeito aos documentos emitidos por meio eletrônico.

A informática gerou quebra de numerosos padrões, no direito um dos exemplos mais marcantes é o documento eletrônico, gerado transmitido, acessado e armazenado em sua forma original, constituída por bits, sem necessidade da impressão em papel. Essa tecnologia tentou com várias alternativas substituir a emissão do documento em papel, como por exemplos, através da microfilmagem e a digitalização de documentos. Porém estas soluções não dispensaram a impressão dos documentos, permitindo somente o armazenamento de sua cópia eletrônica. A questão é que qualquer documento, pra ter valor probatório, deve atender aos requisitos da autenticidade, no sentido de permitir identificar sua autoria, de integridade, quanto ao controle de eventuais alterações, depois de gerado o documento e da acessibilidade, em relação às informações nele contidas.[38] As assinaturas devem exercer as funções que lhe cabem: declaratória, probatória e declarativa.

A assinatura eletrônica é o meio que atende aos requisitos probatórios de um documento “comum”, através das chaves públicas e privadas. Neste diapasão, chaves são identificações pessoais “a assinatura digital goza de fé pública e prevenção juris tatum de veracidade.”[39] A Lei Modelo da UNCITRAL sobre o comércio eletrônico, Capítulo I – Das Disposições Gerais, art. 7º trata da assinatura:

1.Quando a Lei requeira a assinatura de uma pessoa, este requisito considerar-se-á preenchido por uma mensagem eletrônica quando: a) For utilizado algum método para identificar a pessoa indicar sua aprovação para a informação contida na mensagem eletrônica; e b) Tal método seja tão confiável quanto seja apropriado para os propósitos para os quais a mensagem foi gerada ou comunicada, levando-se em consideração todas as circunstâncias do caso, incluindo qualquer acordo das partes a respeito.

Assim, assinatura digital é o resultado do emprego do sistema criptográfico de chaves públicas, gerando um conjunto de bits, dependendo do sistema empregado, pode constituir um arquivo em separado ou ser integrante do próprio corpo do documento eletrônico, um inter-relacionado ao documento, se este sofrer qualquer alteração a assinatura será invalidada.[40] A chave para seu uso pessoal é confidencial (privada), a outra é de conhecimento público. A chave privada codifica os dados, gerando a assinatura digital e a pública serve para decodificar os mesmos dados, a assinatura só pode ser conferida pela chave pública correspondente, a decodificação é feita exclusivamente pelas autoridades certificadoras.

Cabe salientar que a assinatura digital ou eletrônica, não é única por pessoa, ela baseia-se no conteúdo do documento em questão, é único “o par de chaves” gerado por pessoa, para conferir a validade do documento virtual.

A Medida Provisória nº 2.200-2, de 2001, institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, ligada à Agência Brasileira de Informação, transforma o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação em autarquia, e dá outras providências. Com a MP, é garantida a possibilidade da assinatura eletrônica por meio de criptografia assimétrica ou chave pública, no ordenamento jurídico pátrio deve ser estendida aos Títulos de Crédito, pois a Medida Provisória praticamente esgota a questão, [41] pois o art. 1º institui:

[...] Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras.

Isso, em conjunto com o art. 10 da Medida Provisória 2.200-2 [42], conferem mesmo valor dos documentos físicos aos documentos públicos ou particulares, produzidos em meio eletrônico.

Existe um Projeto de Lei de nº 4.906/2001, que dispõe sobre a validade jurídica e o valor probatório de documentos eletrônicos e da assinatura digital, regula a certificação digital e institui normas para as transações de comércio eletrônico; em conjunto com a ICP - Brasil colocaria fim a inexistência de legislação infraconstitucional, que trate especialmente do comércio, documentos eletrônicos e assinatura digital.

A assinatura eletrônica/digital gerada pela criptografia assimétrica não pode ser confundida com a assinatura digitalizada, que nada mais é do que a própria assinatura autógrafa, transformada em imagem por escâner. Essa assinatura digitalizada não confere a segurança de documento eletrônico algum, diferente da assinatura digital criada especialmente para garantir a inviolabilidade e integridade de tais documentos.

A segurança da assinatura digital é atribuída à complexidade do sistema de criptografia assimétrica. Devido à sua combinação, estima-se que um invasor levaria mais de mil anos para quebrar uma chave. Como é possível se elaborarem combinações que diminuam esse tempo, preserva-se a inviolabilidade renovando o certificado a cada dois ou três anos, quando são acrescidos novos números à chave.[43]

O amplo movimento transacional dos créditos iniciou-se há séculos e prossegue em sua evolução, deixando-nos cada vez mais distantes da troca direta de bens e serviços (o escambo). Os avanços da tecnologia eletrônica nos transportaram a contextos em que se tornaram possíveis rotinas ainda mais ousadas, nomeadamente um amplo movimento de crédito sem representação material, mas com mera representação virtual, confinando às combinações eletromagnéticas dos arquivos eletrônicos. Em virtude desse fenômeno, passou-se a falar em virtualização ou em desmaterialização dos títulos de crédito.[44]

Este fenômeno este que teve inicio na França com a implantação em 1967 e aperfeiçoamento em 1973 (Lettre de Change-relevé), adotado pela Alemanha, no chamado LastschriHuerrehr [45], esse título de crédito era uma letra de câmbio remetida ao banco por fitas magnéticas, posteriormente espalhou-se por vários outros países.

[...] questões despertadas pela desmaterialização dos títulos de crédito diz respeito às alterações, no ordenamento jurídico, necessários à disciplina da nova realidade. O direito francês talvez tenha sido o primeiro a se preocupar com o assunto, em 1965, quando a comissão de Gilet formulou proposta de modernização do sistema de desconto de créditos comerciais, que tentou reunir agilidade do processamento eletrônico de dados com a segurança do direito cambiário, por meio de instrumentos como a fatura protestável. [ ...][46]

Após terem cumprido com êxito sua função, com o passar dos anos e tendo sobrevivido às inúmeras mudanças nos sistemas econômicos, os títulos iniciam o seu período de decadência, que poderá levar até mesmo o seu fim como instituto jurídico. O que se pode prever é que no mínimo serão percebidas importantes transformações.

3.2. Duplicata escritural

De um modo genérico, segundo Fran Martins[47] títulos escriturais, virtuais ou eletrônicos, são aqueles que simplesmente não tem cártula, nascem por via de computador, e pelos meios de transmissão eletrônicas de dados.

No dia 15 de dezembro de 1976 foi promulgada a Lei nº 6.404, que regula as ações escriturais. Em 1979, a Associação dos Bancos de São Paulo, com o objetivo de racionalizar e modernizar a gestão bancaria dos títulos de crédito, implantou a duplicata escritural. Na década de 1980, todo o sistema bancário foi automatizado, alcançado o Brasil à dianteira dos países utilizadores do sistema. A princípio somente os serviços bancários foram informatizados, mas em seguida, daria início uma gradativa e irreversível substituição dos títulos cartulares por títulos eletrônicos.[48] Com essas modificações pode-se perceber um resultado satisfatório, porém, a padronização do sistema da duplicata virtual, apareceria anos depois.

A duplicata virtual é um título formal, e obedece aos requisitos exigidos pelo art. 2º, §1º, da Lei 5.474/68 (Lei das Duplicatas). Segundo Falconeri[49], a duplicata escritural é fruto da informatização das práticas comerciais, a duplicata virtual popularizou-se no mercado, originou a desnecessidade do vendedor-sacador de entregar nas mãos do comprador-sacado a duplicata em 30 dias contados de entrega da mercadoria para que este interponha o aceite e a desobrigação do comprador-sacado de enviar a cártula de crédito, após ter interposto o seu aceite.

Com efeito, a duplicata escritural é um título desmaterializado, no mercado brasileiro o único em número e exercício, estão presentes em sua estrutura as mesmas informações da duplicata comum. Graças aos excelentes resultados práticos obtidos em virtude da simplificação da cobrança e manifesta redução de gastos, a ‘duplicata escritural’ tem encontrado grande receptividade nas praças brasileiras.

Ademais, no procedimento da duplicata escritural, o credor saca uma duplicata virtual contra o devedor e registra isso no computador (e no livro de registro de duplicatas), assinando com sua chave privada. Essa assinatura, então, é criptografada pela autoridade certificadora competente para o caso. O credor envia as informações através da Internet para a instituição financeira, que credita o valor da dívida na sua conta. Através de um computador interligado ao sistema a informação é enviada para o credor também, onde deverá pôr o aceite e efetuar o pagamento através de transferência bancária eletrônica, ou a guia de compensação bancária pode ser enviada pelos correios e poderá pagar em qualquer agência de qualquer banco.

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No procedimento o aceite na duplicata escritural é obrigatório, pois está estabelecido em sua própria legislação; esse tipo de aceite decorre do recebimento da mercadoria pelo sacado, se a mercadoria não for recusada de maneira formal dentro de 30 dias, tem-se o aceite tácito.

A executividade do título de crédito necessita de prova, e esta se dá também através do protesto. O art. 1º da Lei de 9.492 de 1997 (Lei de Protesto) define o protesto como “ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.”

O protesto da duplicata é admitido de várias maneiras, pela falta de aceite, de devolução ou de falta de pagamento, mediante apresentação da duplicata, triplicata, ou, por indicações do portador na falta de devolução do título. O ato de não protestar o título por falta de aceite ou de devolução, não elimina a possibilidade de protesto por falta de pagamento. No caso da duplicata à vista, o prazo de 30 dias para protesto começa a fluir no ato de sua apresentação.[50]

Muito antes da Lei 9.492/97, a modalidade do protesto por indicações já era previsto, conforme o art. 13 §1º (alterado pelo Decreto-Lei nº 436, de 27 de janeiro de 1969) da Lei de Duplicata: “Por falta de aceite, de devolução ou de pagamento, o protesto será tirado, conforme o caso, mediante apresentação da duplicata, da triplicata, ou, ainda, por simples indicações do portador, na falta de devolução do título.”

O art. 8º, parágrafo único, da Lei de Protestos, recepciona as indicações de protesto das duplicatas mercantis e de prestação de serviços, emitidas em meio magnético ou de gravação eletrônica de dados, a responsabilidade é toda daquele que apresenta os dados fornecidos, ficando a cargo do Tabelião a sua instrumentalização; o parágrafo único do art. 22, deste mesmo diploma legal, assegura que no caso de gravação eletrônica da imagem reprográfica ou micrográfica do título ou documento de dívida, fica dispensado no registro e no instrumento a transcrição literal, e declarações nele inseridas.

O protesto por indicações é a maneira que o credor da duplicata escritural possui de protestá-la, fornecendo ao cartório nome do devedor, quantia devida, fatura originária, anotação no livro de registro de duplicata, data de vencimento, etc., o comprovante de entrega e recebimento de mercadorias, juntamente com o protesto é necessário para ação de execução judicial da duplicata virtual.[51]

Neste mesmo sentido encontra-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DUPLICATA VIRTUAL. PROTESTO POR INDICAÇÃO. BOLETO BANCÁRIO ACOMPANHADO DO COMPROVANTE DE RECEBIMENTO DAS MERCADORIAS. DESNECESSIDADE DE EXIBIÇÃO JUDICIAL DO TÍTULO DE CRÉDITO ORIGINAL. 1. As duplicatas virtuais – emitidas e recebidas por meio magnético ou de gravação eletrônica – podem ser protestadas por mera indicação, de modo que a exibição do título não é imprescindível para o ajuizamento da execução judicial. Lei 9.492⁄97. 2. Os boletos de cobrança bancária vinculados ao título virtual, devidamente acompanhados dos instrumentos de protesto por indicação e dos comprovantes de entrega da mercadoria ou da prestação dos serviços, suprem a ausência física do título cambiário eletrônico e constituem, em princípio, títulos executivos extrajudiciais. 3. Recurso especial a que se nega provimento.[52]

No tocante a possibilidade do protesto de bloqueto de cobrança, de modo genérico, a Lei de Protesto em seu art. 1º, já mencionado, afirma que o protesto é prova de inadimplência e descumprimento de obrigação oriunda de documentos de dividas e títulos de crédito.

Os boletos têm forma predefinida pelo Manual de Normas e Instruções – MNI do Banco Central do Brasil. Não contêm assinatura usual, nem ao menos assinatura eletrônica, não se confunde com a duplicata, “a própria Lei de Protesto, em seu art. 21, esclarece que o protesto por indicação é possível apenas quando a duplicata for retida pelo sacado, corroborando com o disposto na Lei 5.474/68.” [53]

O bloqueto de cobrança não pode ser confundido com a duplicata escritural, o art. 889, §3º, do Código Civil, é taxativo, o título pode ser emitido em meio eletrônico, contendo: data emissão, a indicação precisa dos direitos que confere e a assinatura do emitente; o boleto bancário ou bloqueto de cobrança não contém se quer assinatura autógrafa.

O ordenamento jurídico brasileiro encontra-se suficientemente aparelhado para, sem alteração legislativa conferir executividade do crédito registrado e negociado apenas em suporte eletrônico. A duplicata virtual é um título formal, e obedece aos requisitos exigidos pelo do art. 2º, §1º, da Lei 5.474/68 (Lei das Duplicatas), portanto sujeitar-se-á a ação monitória para execução, pelo art. 1.102-A do Código de Processo Civil “A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.”

A executividade conferida aos títulos cambiários é um atributo que resultante de sua natureza, como documentos representativos de obrigação literal, formal e exigível. Regulada pelo Código de Processo Civil (art. 585, I ) a ação cambial é a execução, proposta no lugar do pagamento do título ou no domicilio do devedor (querable). É necessário o protesto do título se a execução for proposta contra os coobrigados do título (sacador, endossante e avalistas). A execução pode ser direta (contra: o aceitante da letra e seu avalista; o emitente da nota promissória e seu avalista; o emitente do cheque; o sacado da duplicata e seu avalista) e regressiva dirigida contra os obrigados subsidiários.[54]

Ao admitir o pagamento a prazo de uma venda, o empresário não precisa registrar em papel o crédito concedido; pode fazê-lo exclusivamente na fita magnética se seu microcomputador. A constituição do crédito cambiária, por meio do saque da duplicata eletrônica, se reveste, assim, da plena juridicidade. Na verdade, o único instrumento que pelas normas vigentes, deverá ser suportado em papel, neste momento, é o livro de Registro de Duplicata. A sua falta, contudo, só traz maiores consequências jurídicas, caso decretada a falência do empresário. No cotidiano da empresa, não representa providência inviável.

O registro eletrônico de título, portanto, é amparado no direito em vigor, posto que o empresário tem plenas condições para protestar e executar. Em juízo, basta a apresentação de dois papeis: o instrumento de protesto por indicações e o comprovante de entrega de mercadorias.

Mesmo com a possibilidade de execução, e a legislação das duplicatas não impedir a emissão da duplicata escritural, esta ainda carece de uma atenção maior por parte do legislador, pois somente com aspectos específicos, se poderiam resolver os problemas resultantes das ações envolvendo a duplicata desmaterializada.

Para a execução de títulos virtuais, desmaterializados, eletrônicos ou escriturais, mais especificamente neste caso a duplicata escritural, é evidente a carência de uma legislação adequada que formalize este tipo de relação cambial de maneira definitiva e especificamente, e não apenas adequar princípios e reunir dispositivos legais esparsos.

Pelo fato da duplicata virtual, ter a execução possível pelo protesto por indicações, os cartórios devem exigir a apresentação de comprovante de entrega de mercadorias, ou de prestação de serviços para efetuar o protesto por indicações; faz-se necessária em ação de execução, outros meios de prova, porém, sem está apresentação dos comprovantes, se tornam mais passível de fraude.

Segundo Wille Duarte Costa[55] a duplicata virtual, incentiva esse tipo de fraude, pois boletos bancários têm sido emitidos como se fossem baseados em duplicatas, mas estas na não existem, não tem fundamento nenhum, nem são baseadas em contrato de compra e venda mercantil, ou seja, consideradas frias. Torna-se imprescindível ressaltar que a prática delituosa da duplicata fria ou simulada, existe muito antes do aparecimento da duplicata eletrônica.

Duplicata simulada ou fria consiste na forma fraudulenta da duplicata “é a fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponde à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado.” [56] Essa modalidade criminosa de duplicata, encontra-se tipificada no art. 172 do Código Penal Brasileiro, com pena de detenção de um a cinco anos, e multa equivalente a 20% sobre o valor da duplicata falsificada.

Neste crime o vendedor, objetivando conseguir uma vantagem econômica indevida, emite a duplicata, não correspondente ao negócio efetivamente realizado. O sujeito passivo caracteriza-se por aquele que recebe a duplicata de boa-fé (tomador) ou o que a aceita, como caução, bem como o sacador de boa-fé, quando sofre protesto por falta de aceite e pagamento[57] Sendo a falsificação do livro de registro de duplicatas, o sujeito passivo passa a ser o Estado, pois fere a credibilidade dos títulos e documentos de um modo geral.

O crime se consuma com a mera criação da duplicata, pois é crime formal, não exigindo rompimento de dano patrimonial, nem obtenção de lucro, havendo então por este último mero exaurimento. É crime doloso, de tentativa inadmissível (unissubsistente). Trata-se de crime de ação pública incondicionada.

3.2.1. Cheque eletrônico e compensação virtual do cheque cartular

No mercado financeiro surgiu a figura do cheque eletrônico sendo este, constituído de uma Transferência Eletrônica de Fundos, no mais, os clientes das instituições bancárias, podem contratar um serviço, onde um cartão de débito é utilizado para efetuar pagamentos. Pela semelhante função, o cheque eletrônico, ganhou o codinome.

Tornou-se hábito na sociedade contemporânea o uso dos cartões magnéticos, alguns de crédito (vendas a prazo), outras de débito automático (o cheque eletrônico), do mesmo modo que o cheque cartular, o cheque eletrônico é diretamente vinculado a um estabelecimento bancário, sendo que pelo último faz-se necessário senha eletrônica, pra o uso do cartão, que serve como forma de pagamento em diversos segmentos.

Para Lister de Freiras Albernaz[58] “cheque eletrônico” tem sua validade inquestionável, mesmo como um “substituto” da ordem de pagamento a vista, um dos títulos de crédito mais usados, o Cheque. A representação eletrônica da operação de débito (pagamento à vista), não é cópia do título, mas base eletrônica de sua existência, análoga ao do papel.

O “cheque eletrônico”, não se assemelha as características do cheque cartular, que é uma ordem incondicional de pagamento à vista, com expresso em seu corpo, data e lugar da emissão por exemplo. Afasta-se então, a possibilidade do cheque eletrônico ser um título desmaterializado

A compensação virtual do cheque, não descaracteriza a sua emissão por meio de cártula, foi divulgada a partir da circular de nº 3.532 de 24.04.2011 do Banco Central. Essa compensação magnética exclui somente o transporte do cheque físico, para outras instituições.

A partir de então os bancos passaram a operar o sistema digital por imagem. Os benefícios são diversos, desde a maior agilidade para compensação dos créditos, como a prevenção do extravio, furto e clonagens das cédulas de cheque.

Nesse procedimento, o banco captura as informações contidas no cheque, através de um código de barras, e a imagem da folha, e encaminha as informações e o documento escaneado para a câmara de compensação do banco, que faz o processamento do arquivo e o encaminha ao banco de origem, que fica com o cheque físico.

3.3. A efetivação dos títulos de crédito virtuais e os benefícios a sociedade brasileira.

Os títulos de crédito impressos no papel exerceram a função de mobilizar riquezas por vários séculos de maneira impar, porém a globalização criou ferramentas muito mais eficientes do que o papel (dispendioso e até digamos politicamente incorreto, no ponto de vista ambiental); como a função dos títulos é a circulação rápida e segura de crédito, derivadas de relações comerciais, pouco importa a forma que este deve ter material ou virtual, contanto que seja o meio que otimize as funções do título.

Seguindo essa evolução da sociedade, surge o título de crédito eletrônico ou virtual, sendo toda e qualquer manifestação de vontade, expressa por algum programa de computador, representativo de um fato necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado. [59]

A única modalidade de titulo eletrônico, virtual ou escritural, presente no mercado brasileiro, é a duplicata escritural. Como foi possível diferençar, a duplicata virtual não se assemelha ao cheque eletrônico, tampouco ao bloqueto de cobrança.

Sendo a duplicata escritural a única figura de transmissão cambiária, que apresenta não só os requisitos dos títulos de crédito como também detém a executividade, pois, a Lei das Duplicatas, não desautoriza sua emissão eletronicamente, e em conjunto com a Lei de Protesto que aceita o protesto por indicação, no caso das duplicatas mercantis e prestação de serviços emitidas virtualmente.

Os benefícios que a virtualização dos títulos pode trazer é uma extensa via de mão dupla, que deve ser coordenada por legislação própria e especifica de títulos dessa natureza. A agilidade em que se dá a transação feita por duplicata virtual, em conjunto com a segurança em que alguns implementos como a assinatura digital tornam a duplicata escritural no título pioneiro, de uma série de outros.

A assinatura eletrônica através das chaves públicas consegue exercer as funções declarativa, declaratória e probatória, provê a autenticidade e integridade de determinado título de crédito emitido eletronicamente, então em consequência, a validade e eficácia dos títulos eletrônicos, previstos pelos arts. 887 e 889, do novo Código Civil.

A assinatura eletrônica assegura aos documentos suas funções declarativa, de dizer quem é o autor da assinatura; probatória, que determina a veracidade dos dados e a vontade declarada; e a declaratória, que garante que o que há expresso no documento condiz com a vontade do contratante.[60]

Em uma realidade não muito distante, todas as transações comerciais, serão operadas através do meio eletrônico, com o uso de assinaturas eletrônicas ou digitais e senhas pessoais, e os títulos de crédito não vão fugir dessa realidade. Dada a agilidade que se busca a todo instante e as distâncias que são quebradas pelo uso da tecnologia, os novos costumes agregam-se ao direito empresarial de tal maneira que é impossível uma reversão, seria um retrocesso, sendo do ponto de vista prático e até ecológico, o não uso do papel representa uma economia não só em dinheiro, mas em matéria prima.

Não se pode deixar de notar, o sobressalto que os cartões magnéticos tomaram nos últimos anos. É fato que os cartões magnéticos não são títulos de crédito, em nenhuma de suas formas, nem ao menos impropriamente, porém, faz-se necessário entender o modo como essa maneira de circulação de dinheiro virtual/eletrônico, tornar-se popular, e suas variadas formas ainda desconhecidas ou ainda não estudadas.

Os cartões magnéticos são operados por senhas ou códigos fornecidos pelo banco, algumas operações com os cartões são feitas por “home banking”, programas de computador especializados nas transações, realizadas na própria residência do cliente através do uso do computador, ou os saques feitos em terminais, nas agências ou fora delas. [61]

Existem dois tipos de cartão: com ou sem contrato. O primeiro é mais usado. Sua utilização implica em uma passagem numa maquina leitora, que descarrega-o. Serve como dinheiro, cartão de ponto, controle de estacionamento, passagem de ônibus, entre outros. Usado com ou sem senha, o smart card é feito de PVC ou plástico similar e assemelha-se ao cartão magnético bancário ou de crédito. A diferença entre um e outro é que o smart card é composto por uma CPU, para processar as informações, e vem com memória RAM e ROM, como se fosse um computador, tendo embutido antena e chip que emite sinais a serem lidas por aparelhos receptores. Em alguns casos usa-se o cartão inteligente como dinheiro eletrônico, devendo carregar o cartão apenas com a importância em que se deseja, na agência bancária ou em casa por aparelhos de “verifone”, ligados ao banco. [62]

Diante destas considerações, não poderemos deixar de abordar o mecanismo de pagamento chamado e-cash, transferência de direito virtual ou eletrônico. Com o e-cash é possível o armazenamento da titularidade do crédito, e a troca dessa titularidade, em disco rígido, já que o dinheiro passou a simplesmente um conjunto de dados.[63]

A maioria das transações comerciais são realizadas através destes tipos de cartões, ou pelo uso do computador/internet, a segurança e facilidade no uso de tecnologias tão democráticas, somente reforça o pensamento de que o mundo dos documentos materializados está chegando ao fim.

3.3.1. Modificações na legislação (Um novo Código Comercial)

O Código Comercial, datado de 1850, foi parcialmente revogado, em 2003, com a vigência do Novo Código Civil Brasileiro. O que encontra-se em vigor do Antigo Código Comercial é a sua segunda parte, que trata do Direito Marítimo. O Código Civil de 2002, incorporou, a disciplina dos Títulos de Crédito, em seu Livro I, da Parte Especial, a qual regulamenta também ao direito das obrigações.

Ignorando as especificidades do direito comercial, e seus princípios, a unificação legislativa acabou não apenas contribuindo para acentuar o esgarçar dos valores da disciplina, como também privou a ordem jurídica nacional de um regramento adequado para o atual estágio de evolução da nossa economia, seguramente integrada ao processo de globalização.[64] Somente com modificações expressivas da legislação, o direito comercial pode adequar-se as novas práticas comerciais.

O ordenamento jurídico como um todo, regulamenta as práticas sociais, como uma boa parte da normatização é baseada em costumes e princípios arraigados na cultura e nas práticas rotineiras, ainda mais quando se está falando em direito empresarial ou comercial, é necessário um intervalo de tempo, uma inserção das práticas, uma verificação a cerca do real usos dessas práticas, só então é possível que com a integração de uma nova legislação, esta possua a maior abrangência e aceitação possível.

Com o objetivo de começar uma discussão, não só sobre as práticas do comercio eletrônico e títulos de crédito virtuais, mas sobre o direito comercial como um todo, o professor Fábio Ulhoa Coelho, apresentou em 2011, uma minuta de Código Comercial. Devido ao desgaste, e a falta de aparelhamento, que a junção, legislativa do direito privado de empresa no Código Civil de 2002, este apóia, a separação destes institutos do direito privado. Neste protótipo os títulos de crédito teriam uma definição legal, mais semelhante às práticas contemporâneas, não excluindo o título cartular, mas abrangendo totalmente o título virtual. Os trechos de maior importância para o tema “títulos desmaterializados”, são os seguintes artigos presentes:

Art. 720. Títulos de crédito é o documento, cartular ou eletrônico, que contém a cláusula cambial. Art. 721. Pela cláusula cambial, o devedor de um título de crédito manifesta a concordância com a circulação do crédito sob a regência dos seguintes princípios: I – literalidade; e II – autonomia das obrigações cambiais.[65]

No caso dos títulos eletrônicos, faz-se mister dar ênfase na importância nos princípios da literalidade e autonomia, pois, estes se adaptam melhor a essa realidade virtual. A literalidade e autonomia, preservam as características próprias do título de crédito materializado em um desmaterializado (virtual), assim não perde-se a essência do instituto, este se transforma.

O porquê de um novo diploma legal é simples, o art. 889, §3º do Código Civil Brasileiro, que autoriza a emissão de títulos de crédito por meio eletrônico, deixa margens para varias interpretações, dentre elas, a quem pense que um título desmaterializado é aquele que simplesmente pode ser feito por qualquer tipo de programa de computador, apenas guiando-se pelas clausulas estabelecidas pela legislação, cláusulas essas que em sua ausência descaracterizam um título cartular. Quando mais específica for à norma, maior segurança ela trás para a sociedade.

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Sobre a autora
Lais Andrade da Silva Santos

Bacharel em Direito em Maceió (AL).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Lais Andrade Silva. Títulos de crédito: uma análise sobre o princípio da cartularidade diante da desmaterialização dos títulos virtuais.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3431, 22 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23073. Acesso em: 22 dez. 2024.

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