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A repartição de competências entre Anatel e Ministério das Comunicações: uma análise quanto à questão sancionatória

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02/12/2012 às 14:16
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4.Visão sob o enfoque natureza da infração, e não da entidade infratora.

Na esteira do entendimento aqui exposto, afigura-se interessante registrar que a discussão sobre as competências da Anatel e do Ministério das Comunicações não deve centrar-se na diferenciação entre entidades outorgadas (regulares) e não outorgadas (clandestinas) para o serviço de radiodifusão. O foco, como demonstrado, parece ter que se direcionar à natureza das infrações apuradas. Se relacionadas ao serviço de radiodifusão, a competência para aplicar a sanção é do Ministério das Comunicações; se relacionadas às competências da Agência (uso de radiofrequência e certificação de equipamentos), é da Anatel.

Discutir o assunto com base na existência ou não da outorga para o serviço de radiodifusão implica discuti-lo com base na natureza da entidade infratora, segundo a espécie de serviço prestado. Acontece que para identificar a quem pertence a competência para punir, mostra-se necessário, na verdade, identificar o bem jurídico tutelado pela norma, o que guarda relação com a natureza da infração.

Assim, uma infração a uma norma que protege o serviço de radiodifusão deve ser punida pelo Ministério das Comunicações. Por outro lado, infrações que protegem o bom funcionamento do espectro, diretamente ou por meio da regularidade dos equipamentos, devem ser sancionadas pela Anatel.

Critério bastante simples para identificar a natureza da infração é o de observar a cargo de quem está o Poder Concedente para cada situação. Pois bem. O Ministério das Comunicações está incumbido da outorga para a prestação do serviço de radiodifusão. Logo, a ele cabe a punição de infrações relacionadas ao serviço de radiodifusão. À Anatel, em outra mão, compete outorgar a autorização de uso de radiofrequência e proceder à certificação dos equipamentos. Logo, à Agência compete punir infrações relacionadas ao uso do espectro e à certificação dos equipamentos.

De fato, considerando a própria teoria dos poderes implícitos, se o Poder Concedente é da Anatel, a ela foi dada, juntamente com esse Poder Concedente, a incumbência legal para tutelar o respectivo bem jurídico. Se a lei conferiu o Poder Concedente ao Ministério das Comunicações, deu a ele a tarefa de tutelar o bem jurídico. Com relação ao uso de radiofrequência, por exemplo, o Poder Concedente pertence à Anatel, que tem a competência para tutelar o uso correto do espectro e, também, por óbvio, para punir infrações a isso relacionadas.

Ademais, do ponto de vista prático, deve-se salientar que, sendo a Anatel o Poder Concedente, dotado de todas as informações a respeito do assunto, inclusive técnicas, é essa agência reguladora que tem a expertise para dizer, em um processo administrativo sancionador, se o espectro está ou não sendo corretamente utilizado. Admitir que essa função ficasse a cargo do Ministério das Comunicações seria o mesmo que inviabilizar toda a administração do espectro, cuja competência legal é da Anatel. Não haveria como garantir que as infrações relacionadas ao espectro estariam sendo corretamente punidas pelo Ministério das Comunicações, que, por não ser o Poder Concedente, não tem expertise no assunto.

Dessa forma, tem-se que é irrelevante a discussão sobre a natureza da entidade infratora (outorgada ou não outorgada para o serviço de radiodifusão), importando, sim, a natureza da própria infração. A competência sancionatória decorre da natureza do bem jurídico ou ato administrativo violado.

A título de exemplo, imagine-se uma entidade regularmente outorgada para prestar serviço de radiodifusão, mas que esteja funcionando na frequência errada. A Anatel, em seu ato de autorização de uso de radiofrequência, havia autorizado o funcionamento, por exemplo, na frequência de 87,9 MHz, mas a entidade estava em funcionamento, digamos, na frequência de 90,5 MHz. Nesse caso, a infração diz respeito ao uso irregular do espectro, cabendo à Anatel a aplicação da sanção, mesmo que a entidade seja regularmente outorgada para prestar o serviço de radiodifusão, pois a competência sancionatória decorre da violação à autorização de uso de radiofrequência expedida pela Agência. Nesse sentido há julgado do Superior Tribunal de Justiça – STJ[10].

No que tange ao uso irregular do espectro, por exemplo, a LGT, em seu art. 173, determina expressamente que cabe à Agência a punição, ao dispor que a inobservância dos deveres decorrentes dos atos de autorização de uso de radiofrequência sujeitará os infratores às seguintes sanções, aplicáveis pela Agência.

Em suma, a Anatel tem competência para punir entidade outorgada para prestação de serviço de radiodifusão sempre que ela cometer infração relacionada às competências da Agência. É o que ocorre com as infrações relacionadas com o uso de radiofrequência e com a certificação de equipamentos. Nesses casos a Anatel figura como o Poder Concedente, respectivamente, da autorização de uso de radiofrequência e da certificação dos equipamentos. Ressalte-se, por derradeiro, que nessa competência para punir incluem-se todos os poderes a ele inerentes, tais como os de fiscalizar, instaurar e instruir o processo administrativo e aplicar a sanção.

Durante as discussões sobre o tema em tela, pode ser invocada a figura do Decreto nº 7.462/2011. Deve-se, então, traçar um limite ao teor do art. 8º do seu Anexo I, que reza:

Art. 8º  À Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica compete:

(...)

VI - fiscalizar a exploração dos serviços de radiodifusão e de seus ancilares e auxiliares nos aspectos referentes ao conteúdo de programação das emissoras, bem como à composição societária e administrativa e às condições de capacidade jurídica, econômica e financeira das pessoas jurídicas executantes desses serviços;

VII - instaurar procedimento administrativo visando a apurar infrações de qualquer natureza referentes aos serviços de radiodifusão, seus ancilares e auxiliares;

Chama-se atenção para a impossibilidade de, numa interpretação ampliativa da expressão de qualquer natureza, contida no referido inciso VII, se restringir as competências da Anatel. Explica-se: não é possível, com base no art. 8º em referência, entender que não mais compete à Anatel a instauração e instrução de processos administrativos, bem como a aplicação da respectiva sanção, no que tange às irregularidades relacionadas com suas competências (uso de radiofrequência e certificação de equipamentos).

Ora, tal competência é expressamente prevista em lei (LGT), não cabendo à interpretação de um Decreto – instrumento normativo infralegal –, sobretudo de maneira ampliativa, retirar competência trazida por lei ordinária.

Por fim, ainda sobre o Decreto nº 7.462/2011, é preciso dizer que o inciso VII do art. 8º do seu Anexo I, ao se referir a infrações de qualquer natureza, vincula tal expressão ao serviço de radiodifusão (infrações de qualquer natureza referentes ao serviço de radiodifusão), ou seja, não inclui as infrações relacionadas às competências da Anatel (uso de radiofrequência e certificação de equipamentos). Assim, compete originalmente à Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica a instauração e instrução de processos administrativos, bem como a aplicação da respectiva sanção, mas apenas no que tange às irregularidades relacionadas com o próprio serviço de radiodifusão[11].


5. Casos particulares.

5.1. Cometimento simultâneo de infrações relacionadas às competências da Anatel e do Ministério das Comunicações.

Tecidas essas considerações, necessário tratar, agora, da hipótese em que a mesma entidade esteja cometendo simultaneamente as duas espécies de infração, quais sejam as relacionadas às competências da Anatel (uso do espectro e certificação de produtos) e do Ministério das Comunicações (serviço de radiodifusão).

É o caso, por exemplo, de a fiscalização da Anatel detectar, numa mesma ação fiscalizatória, que a entidade está usando o espectro de forma errada, em desacordo com o ato de autorização de uso de radiofrequência expedido pela Agência, e que está, concomitantemente, excedendo o tempo máximo estabelecido na legislação para transmissão de programação publicitária com fins comerciais.

Nesse caso, embora contra a mesma entidade e em razão da mesma fiscalização, a solução baseada nas competências originais seria a instauração de dois processos, um do âmbito da Anatel e outro no âmbito do Ministério das Comunicações, cada um referente às infrações inseridas na esfera de competência de cada um.

Em razão da delegação de competência realizada por meio do Convênio de 2011, contudo, cabe à mesma pessoa jurídica (Anatel) a instauração e instrução desses processos. No que toca às suas competências, a Anatel dá andamento até o término do processo, inclusive aplicando sanção. Quanto às competências originais do Ministério das Comunicações, a Anatel apenas instaura e instrui o processo, remetendo ao órgão ministerial para aplicação da sanção. De qualquer forma, por uma questão de eficiência e melhor organização processual, entende-se que o correto é a Anatel instaurar os dois processos separados, em um aplicando sanção e no outro promovendo a remessa ao Ministério das Comunicações.

5.2. Prestação clandestina do serviço de radiodifusão.

Situação diferente, mas cujas consequências são as mesmas, acontece quando a entidade está prestando o serviço de radiodifusão na clandestinidade. Nesse caso, ocorrem duas infrações, a saber: (i) uma pelo fato de materialmente prestar o serviço de radiodifusão sem a outorga conferida pelo Ministério das Comunicações; e (ii) outra pelo fato de fazer uso do espectro sem que a Anatel tenha lhe conferido autorização de uso de radiofrequência.

A entidade, portanto, passou por cima da autoridade tanto da Anatel quanto do Ministério das Comunicações, ou seja, cometeu duas infrações. De bom alvitre ressaltar que não se trata de punir duas vezes a mesma infração. Ocorreram, na verdade, duas infrações autônomas, como já dito acima (prestação do serviço de radiodifusão sem outorga do Ministério das Comunicações e uso do espectro sem autorização para uso de radiofrequência expedida pela Agência). São dois atos administrativos distintos necessários para a prestação desse serviço, independentes um do outro, cada um relacionado a um bem jurídico (exploração do serviço e uso da radiofrequência, um bem público). Inclusive os requisitos são distintos para a obtenção de um e outro.

Dessa forma, sempre que a Anatel, em sua fiscalização, detectar entidade de radiodifusão na clandestinidade, deve autuá-la por uso não autorizado do espectro e, em processo separado, autuá-la por exploração do serviço de radiodifusão sem a correspondente outorga ministerial. Quanto a esta infração, a Anatel deve instruir o feito e encaminhá-lo ao Ministério das Comunicações para aplicação de sanção. Quanto àquela, a própria Anatel deve instruir o feito e ela própria proceder à aplicação da sanção.

Além da infração por uso não autorizado do espectro, ainda é possível que se apure, nos autos desse processo no âmbito da Anatel, uma eventual infração consistente na utilização de equipamentos sem a devida certificação. Seriam, assim, duas infrações sancionadas pela Anatel e uma infração sancionada pelo Ministério das Comunicações.

Lembra-se, mais uma vez, que a competência da Anatel refere-se à administração e controle dos equipamentos e do espectro, verificando se a entidade possui certificação em seus equipamentos e autorização para o uso de radiofrequência. Neste último caso, se sim, há de se verificar, ainda, se a entidade está respeitando os termos/limites dessa autorização.

5.3. Cometimento simultâneo de infrações relacionadas às competências da Anatel.

Já restou patente, portanto, que cada infração deve ser tratada de forma independente uma da outra. Tanto que no caso tratado no tópico anterior, dois processos devem ser instaurados, um para que a Anatel aplique a sanção e outro para que Ministério das Comunicações aplique a sanção. Porém, só faz sentido falar-se em dois processos em razão de uma infração estar afeta às competências da ANATEL e a outra estar afeta às competências do Ministério das Comunicações.

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Realmente, se ambas as infrações cometidas pela entidade fiscalizada disserem respeito às competências da Anatel, é de se instaurar um único processo para apurar as duas infrações. É o que ocorre, por exemplo, quando uma entidade está materialmente prestando o Serviço de Comunicação Multimídia – SCM por meio do uso de radiofrequência sem qualquer autorização da Agência. Em casos como esse, a entidade comete duas infrações distintas, a saber: (i) prestação do serviço de SCM sem outorga da Anatel; e (ii) uso do espectro sem a devida autorização para uso de radiofrequência expedida pela Agência.

Destarte, um único processo deve ser instaurado no âmbito da Anatel destinado a apurar e punir as duas infrações. Não se deve punir apenas o uso clandestino do espectro. Da mesma forma, também não se deve punir apenas a prestação do SCM sem a devida outorga. Nesses casos, o auto de infração deve fazer constar as duas infrações, que, ressalte-se, são distintas e independentes entre si, mas que, por uma questão de conexão, merecem tratamento conjunto.

Enfim, sempre que a Anatel detectar a prestação clandestina de serviço cuja outorga seja de sua competência, e que este esteja sendo explorado por meio do uso de radiofrequência, também de maneira clandestina, deve instaurar um único processo destinado a apurar e punir as duas infrações. É possível, ainda, que nesse mesmo processo também se apure e sancione outras infrações, desde que conexas e inseridas nas competências da Anatel, dentre as quais seria exemplo a utilização de equipamentos sem a devida certificação.


6.Diferença entre prestação material e formal do serviço.

Nessa esteira, vale destacar que o fato de uma entidade prestar o serviço de radiodifusão sem autorização outorgada pelo Ministério das Comunicações não impede que ela seja considerada uma prestadora de serviço de radiodifusão, só que na modalidade clandestina.

Quando há uma outorga para o serviço, a entidade prestadora torna-se formalmente uma entidade outorgada. O aspecto formal, porém, não se confunde com o aspecto material ou de conteúdo. Este diz respeito ao serviço que a entidade efetivamente está prestando. Enfim, se a entidade está prestando efetivamente serviço de radiodifusão sem a outorga do Ministério das Comunicações, caracteriza-se como entidade apenas materialmente prestadora do serviço. Se detém a outorga do Ministério das Comunicações, diz-se que é formal e materialmente prestadora do serviço.

Realmente, o fato de ela estar prestando o serviço sem a necessária roupagem formal impede que ela seja considerada, regular e legalmente, uma entidade outorgada. Não impede, contudo, seu sancionamento na esfera punitiva da Administração.

Se assim não fosse, condutas infratoras ficariam sem a devida punição, o que não se concebe. Explica-se: no caso de uma entidade fazer uso de radiofrequência para prestar materialmente o serviço de radiodifusão sem autorização alguma, ela sofreria punição apenas por uso não autorizado do espectro (sanção aplicada pela Anatel). Porém, sairia impune quanto à exploração do serviço sem a outorga do serviço de radiodifusão (sanção que deveria ser aplicada pelo Ministério das Comunicações).

Já nos casos em que a prestação do serviço dispensa o uso de radiofrequência, dependendo apenas da autorização para prestação do serviço, a entidade que atua sem essa autorização comete infração, devendo, pois, ser punida. É o caso, por exemplo, de uma entidade prestar, sem autorização da Anatel, o Serviço de Comunicação Multimídia – SCM por meio de cabos (sem necessidade de uso de radiofrequência). Por óbvio que à Anatel, constatando o ocorrido, compete puni-la por essa infração (prestar o SCM sem autorização). Se assim não fosse, sairia impune, o que foge ao sistema sancionatório administrativo.

Mutatis mutandis, muito se ouve sobre revendedores de gás liquefeito de petróleo (conhecido como gás de cozinha) que atuam na clandestinidade. O fato de agirem sem a roupagem formal não impede que se lhes aplique sanção, porquanto são materialmente revendedores de gás de cozinha que agem sem autorização para tanto. Ao contrário, a Agência Nacional do Petróleo – ANP busca coibir tal prática, interditando os estabelecimentos e aplicando sanção. Se se considerasse, ao invés, que eles não fossem revendedores de gás de cozinha, a punição não poderia existir, já que desconfigurado estaria o elemento essencial da infração.

O mesmo raciocínio é aplicado às pessoas que trabalham no mercado informal, sem carteira assinada pelo empregador. Ora, preenchidos os requisitos da relação de emprego, a Justiça do Trabalho considera caracterizada a condição de empregado dessa pessoa, mesmo sem existir a roupagem formal prévia. E todos os diretos daí decorrentes são reconhecidos.

Outro exemplo é o do motorista de veículos. Mesmo sem possuir formalmente a carteira de motorista, o fato de eles estar conduzindo o veículo o torna materialmente um motorista, apto a sofrer a sanção estatal. Daí que a Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro – CTB) considera gravíssima a infração de conduzir veículo sem possuir Carteira Nacional de Habilitação ou Permissão para Dirigir, punindo-a com sanção de multa e apreensão do veículo.

Fica claro, portanto, que uma entidade materialmente prestadora do serviço de radiodifusão, sem autorização formal do Ministério das Comunicações, pode e deve ser punida por este órgão ministerial, sem prejuízo da punição no âmbito da Anatel pelo uso do espectro sem autorização e, eventualmente, até mesmo por ausência de certificação de equipamentos.

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Sobre o autor
Paulo Firmeza Soares

Procurador Federal em Brasília (DF). Pós-graduado em Regulação de Telecomunicações. Pós-graduando em Direito Administrativo e em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Paulo Firmeza. A repartição de competências entre Anatel e Ministério das Comunicações: uma análise quanto à questão sancionatória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3441, 2 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23101. Acesso em: 22 nov. 2024.

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