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Soberania: um conceito em evolução

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Conclusão

Este breve estudo permite, ainda que modestamente, constatar que a atual configuração das relações entre Estados fez com que o simples de outrora se tornasse o simplório de hoje; deste modo,o conceito de soberania abandonou a unidimensionalidade – o soberano tudo pode sem jamais ser contrariado, salvo pelas leis natural e divina –em prol de uma composição plural e arrojada: o soberano pode fazer muito, mas tal poder coabita com o contingente, cada vez maior, que diz respeito ao que ele não pode fazer, como se viu na análise da expansão do Direito Internacional que culmina na relativização da soberania. Some-se, ainda, aquilo que um soberano específico – a Comunidade – não deve fazer, qual seja, imiscuir-se em matérias nas quais entes menores ou indivíduos demonstrem desenvoltura o suficiente, conforme prega o princípio da subsidiariedade.

Em síntese conclusiva, ser soberano hoje – e, como já transparece, é indiferente falarmos aqui de um Estado ou uma Comunidade – é abraçar como suatoda a gama de complexidades, nuances e caminhos sinuosos que marcam a sociedade global. Foi-se o tempo em que soberania correspondia a decidir por um “mundo” e impor-se a um “mundo”, fosse este termo referente a um feudo ou a uma nação: hoje, a soberania assume o compromisso de refletir omundo, desprovido de aspas que um dia garantiram a ela um cerco protetor.


Bibliografia

FRÓES, Rodrigo Dias Rodrigues de Mendonça. Direito Comunitário: O Apogeu do Velho Continente e o Longo Caminho da América Latina, publicado na Revista de Direito dos Monitores da Universidade Federal Fluminense, ano 2, número 6, Setembro/Dezembro de 2009, pp. 15-20.

GUERRA, Sidney. Soberania e o Direito à Liberdade Religiosa, in Soberania – Antigos e Novos Paradigmas, coord: GUERRA, Sidney e SILVA, Luiz Roberto. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p.84 e 85.

LUPI, André Lipp Pinto Basto. Soberania e Direito Internacional Público, in Soberania – Antigos e Novos Paradigmas, coord: GUERRA, Sidney e SILVA, Luiz Roberto. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p. 102.

MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, v. 1.

MONTEBELLO, Marianna. O Princípio da Subsidiariedade no Direito Comunitário, publicado em Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro – Vol. XV: Direito Internacional, coord. Lauro da Gama e Souza Jr. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

SILVA, Roberto Luiz. Soberania Estatal no Contexto do Direito Comunitário e da Integração, in Soberania – Antigos e Novos Paradigmas, coord: GUERRA, Sidney e SILVA, Luiz Roberto. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p. 311.

UNIÃO EUROPEIA. Site oficial: http://eur-lex.europa.eu/ .

WISNIK, José Miguel. Tema Livre. Texto publicado na coluna do autor no jornal O Globo, Segundo Caderno, p. 2, de 20/11/2010.


Notas

[1] V. SILVA, Roberto Luiz. Soberania Estatal no Contexto do Direito Comunitário e da Integração, in Soberania – Antigos e Novos Paradigmas, coord: GUERRA, Sidney e SILVA, Luiz Roberto. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p. 311.

[2]V. GUERRA, Sidney. Soberania e o Direito à Liberdade Religiosa, in Soberania – Antigos e Novos Paradigmas, coord: GUERRA, Sidney e SILVA, Luiz Roberto. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p.84 e 85.

[3] A parábola contada tem berço nas passagens bíblicas do Evangelho segundo São Mateus (14:3-11) e São Marcos (6:21-28). Justifica-se seu uso ilustrativo atestando-se a força que gradativamente adquiriu na cultura ocidental, primeiramente pelas mãos de Oscar Wilde, que fez dela uma peça, em francês, entre 1891 e 1892,tendo sido, adiante, vertida para o alemão em libreto de Hedwig Lachmann paraSalomé, ópera em um ato de Richard Strauss, que estreou em 1905.

[4] Se, conforme já dito, a História traz inúmeros exemplos a defender a tese aqui endossada, a Bíblia traz, ao menos, mais um, o de Dario, rei persa que, vários séculos antes de Cristo, viu-se confrontado pela obrigação, constante de interdito por ele assinado, de lançar à cova dos leões todo aquele que rezasse a qualquer deus, tendo sido este o caso de Daniel, que mantinha, por hábito, três orações diárias. Sentindo-se penalizado, propôs a salvação de Daniel, sendo, no entanto, rechaçado por seus subalternos, os quais lhe lembraram ser “lei dos medos e dos persas” que os interditos assinados pelo rei não se poderiam mudar. Cerceado pela força da lei, restou a Dario lançar Daniel na cova dos leões, relegando sua salvação ao seu Deus (Daniel, 6:11-16). Tal exemplo foi evocado por GUERRA, op. cit., p. 85 e 86, e, uma vez responsável pela lembrança da parábola contada anteriormente, merece o devido crédito.

[5]V.SILVA, op. cit., p. 312.

[6] Este ponto e parágrafos anteriores: V. SILVA, op. cit., pp. 312 e 313.

[7]V. LUPI, André Lipp Pinto Basto. Soberania e Direito Internacional Público, in Soberania – Antigos e Novos Paradigmas, coord: GUERRA, Sidney e SILVA, Luiz Roberto. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p. 102. O autor levanta tal questão emulando Hans Kelsen, para quem “Os Estados são soberanos na medida em que não exista Direito Internacional ou que não se suponha a sua existência” – v. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 526.

[8]Idem, op. cit., p.103.

[9]Idem, op. cit., p.104.

[10]V.MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, v. 1.

[11] Sobre o ponto, Celso de Albuquerque Mello conclui que, “sendo o Estado sujeito de Direito Interno e de DI, é uma mesma pessoa, não se podendo conceber que ele esteja submetido a duas ordens jurídicas que se chocam. É o Direito na sua essência um só. A ordem internacional acarreta a responsabilidade do Estado quando ele viola um de seus preceitos e o Estado aceita esta responsabilidade, como não poderia deixar de ser. Da constatação deste simples fato podemos observar que o Estado sujeito de direito das duas ordens jurídicas dá primazia ao DI.” Op. cit., p. 135. Em que pese a clara adoção pelo autor da concepção monista do direito, de acolhida minoritária pela jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal até o presente, destaca-se o fato de ele reiterar a inexorável vinculação dos Estados ao Direito Internacional, ainda que sem deixar de ser soberanos.

[12]Conclui-se, desde já, na esteira da expressão cunhada, que tão contraditória quanto uma “solidão insólita” vem a ser uma soberania – ou qualquer outra liberdade – sem limitação alguma. Se, logo nas primeiras linhas do presente estudo, fizemos questão de sublinhar que o Direito não se dissocia jamais da sociedade que o gera e sobre a qual atua, permitir-se a elucubração hermética em torno de concepções jurídicas, sem um mínimo de contato com as noções cotidianas que lhe servem como base palpável, redundaria em uma divagação menos comprometida com a realidade do que aparenta. Desse modo – e atendo-se a exemplificações da cultura brasileira -, é de se chamar a atenção para o fato de que, antes de tudo, a relativização da soberania possui lastro no pensamento verbalizado por meio de ditos atemporais como “A liberdade de um começa onde termina a liberdade do outro”, assim como por manifestações artísticas, como a letra, sem título, de Jorge Mautner, citada por José Miguel Wisnik, que sentencia: “A liberdade é bonita/Mas não é infinita/Quero que você me acredite/A liberdade é a consciência do limite” – V. WISNIK, José Miguel. Tema Livre. Texto publicado na coluna do autor no jornal O Globo, Segundo Caderno, p. 2, de 20/11/2010.

[13]O autor ainda observa, com mais apuro, a necessidade de superação do conceito tradicional (político-ideológico) da soberania por aquele de fonte jurídico-positiva (constitucional). V. BORGES, José Souto Maior. Curso de Direito Comunitário – Instituições de Direito Comunitário Comparado: União Europeia e Mercosul. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 169, 183 e 185.

[14] V. SEITENFUS, Ricardo; VENTURA, Deisy. Introdução ao Direito Internacional Público. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 63, e SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público, v.1, São Paulo: Atlas, 2002, p.32, apudLUPI, op. cit., p.106 e 107.

[15] André Lipp delineia as gradações desta restrição à discricionariedade com um curioso paralelo com as noções emprestadas do Direito Administrativo de arbitrariedade, discricionariedade e vinculação, sendo a primeira correspondente à total liberdade de ação do Estado, em áreas (cada vez menores) que não foram regulamentadas pelo Direito Internacional; a segunda, uma “restrição por parâmetros gerais, arriscar-se-ia principiológicos” do mesmo e a terceira o “condicionamento das condutas a padrões certos, predeterminados e fortemente exigíveis”. V. LUPI, op. cit., p. 113.

[16] Ponto anteriormente abordado no artigo Direito Comunitário: O Apogeu do Velho Continente e o Longo Caminho da América Latina, de FRÓES, Rodrigo Dias Rodrigues de Mendonça, publicado na Revista de Direito dos Monitores da Universidade Federal Fluminense, ano 2, número 6, Setembro/Dezembro de 2009, pp. 15-20.

[17] Sobre o tema, V. MONTEBELLO, Marianna. O Princípio da Subsidiariedade no Direito Comunitário, publicado em Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro – Vol. XV: Direito Internacional, coord. Lauro da Gama e Souza Jr. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

[18] Neste sentido, CHANTAL, Millon-Delson. Le principe de subsidiarité. Paris: Presses Universitaires de France, 1993, p.07, apud MONTEBELLO, op. cit., p. 121, assim expõe.: “(...) un aspect négatif: l’autorité en général et l’État en particulier ne doivent pas empêcher les personnes ou groupes sociaux de conduire leurs actions propres, c’est-à-dire de déplyer autant que possible leur énergie, leur imagination, leur persévérance dans les oeuvres par lesquelles ils se réalisent tant au profir de l’intérêt général que de l’intérêt particulier; un aspect positif: chaque autorité a pour mission d’inciter, de soutenir, et en dernier lieu, de suppléer s’il faut, les acteurs insuffisants”.

[19] V. MONTEBELLO, op. cit., p. 122.

[20] Tradução de MONTEBELLO, op. cit., p. 125. No original: “Issu d’une source autonome, le droit né du Traité ne pourrait donc, en raison de sa nature spécifique originale, se voir judiciairement opposer un texte interne qual qu’il soit sans perdre son caratère communautaire et sans que soit mise en cause la base juridique de la Communauté elle-meme. Contre ce droit ne saurait prévaloir un acte unilatéral ultérieur incompatible avec la notion de Communauté”.Íntegra em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61964J0006:FR:HTML .

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[21] Sob influência da Lei Fundamental de Bonn de 1949, o preâmbulo do projeto dispunha que “os Estados-membros decidiam confiar a órgãos comuns, de harmonia com o princípio da subsidiariedade, só os poderes necessários ao bom desempenho das tarefas que eles podem realizar de forma mais satisfatória do que os Estados considerados isoladamente”. Não se atingia, todavia, uma definição clara de quais seriam estes poderes. V. MONTEBELLO, op. cit., p. 126.

[22] No original: “La Communauté agit en matière d’environnement dans la mesure où les objectif visés au paragraphe 1 (préserver, protéger et améliorer la qualité de l’environnement; contribuer à la proteccion de la santé des personnes; assurer unie utilization prudente et rationnelle des ressources naturelles) peuvent être mieux realisés au niveau communautaire, qu’au niveau des États membres pris isolément”. V. MONTEBELLO, op. cit., p. 127.

[23] Os objetivos fundamentais da comunidade a que se refere o artigo em sua redação original constam do preâmbulo do Tratado, dotados de imperatividade: “Resolvidos a continuar o processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões sejam tomadas ao nível mais próximo dos cidadãos, de acordo com o princípio da subsidiariedade”. Leia a íntegra em http://eur-lex.europa.eu/pt/treaties/dat/11992M/htm/11992M.html .

[24]V. LARENZ, Karl: Derecho justo – fundamentos de etica juridica. Madrid: Civitas, 1993, p. 144, apud MONTEBELLO, op. cit., p. 129. É justamente este o ponto discutido – sublinhando-se a atualidade do tema – nos Processos de nº C-354/04 e C-355/04, que versam acerca dos procedimentos de combate ao terrorismo no âmbito da União Europeia. O parecer do Advogado Geral Paolo Mengozzi sobre ambos os casos discrimina com precisão a alçada dos entes comunitários e aquela de colaboração dos Estados-membros, afastando ingerências desnecessárias daqueles sobre estes. Assim sustenta, em seu item 48: “Ora, como muito bem realçou o Tribunal de Primeira Instância nos despachos recorridos, a assistência recíproca entre os Estados?Membros para efeitos da prevenção e do combate aos actos terroristas, prevista no artigo 4.° da referida posição comum, integra o âmbito da cooperação policial e judiciária em matéria penal prevista no Título VI do Tratado UE. Os recorrentes de forma alguma demonstraram, nem em primeira instância nem perante o Tribunal de Justiça, que esta assistência recíproca deveria ter sido determinada ou, pelo menos, executada mediante instrumentos comunitários. Por outro lado, não podem acusar seriamente o Conselho de não lhes ter aplicado também as sanções previstas nos artigos 2.° e 3.° da referida posição comum. Assim, não se encontra de forma alguma demonstrado que o Conselho tenha cometido um desvio de procedimento com violação das competências da Comunidade, que permita defender, mesmo que isso fosse, em abstracto, concebível, a inoponibilidade aos recorrentes da incompetência da jurisdição comunitária.” V. “Conclusões do Advogado Geral P. Mengozzi Apresentadas em 26 de outubro de 2006”, disponível em http://curia.europa.eu/jurisp/cgi-bin/gettext.pl?where=supranacionalidade&lang=pt&num=79938973C19040354&doc=T&ouvert=T&seance=CONCL#Footnote17 .

[25]Idem.

[26] Art. 23, ponto 1:”Para la realización de una Europa unida, la República Federal de Alemania contribuirá al desarrollo de la Unión Europea que está obligada a la salvaguardia de los principios democrático, del Estado de Derecho, social y federativo y del principio de subsidiaridad y garantiza una protección de los derechos fundamentales comparable en lo esencial a la asegurada por la presente Ley Fundamental. A tal efecto, la Federación podrá transferir derechos de soberanía por una ley que requiere la aprobación del Bundesrat. Los apartados 2 y 3 del artículo 79 se aplican a la creación de la Unión Europea, al igual que a las reformas de los tratados constitutivos y a toda normativa análoga mediante la cual la presente Ley Fundamental sea reformada o completada en su contenido o hagan posible tales reformas o complementaciones.”

[27] Art. 7º, item 6: “Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático e pelo princípio da subsidiariedade e tendo em vista a realização da coesão económica, social e territorial, de um espaço de liberdade, segurança e justiça e a definição e execução de uma política externa, de segurança e de defesa comuns, convencionar o exercício, em comum, em cooperação ou pelas instituições da União, dos poderes necessários à construção e aprofundamento da união europeia.” Íntegra: http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx .

[28]Íntegra do Protocolo:http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2007:306:0150:0152:PT:PDF .

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Sobre o autor
Rodrigo Dias Rodrigues de Mendonça Fróes

Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRÓES, Rodrigo Dias Rodrigues Mendonça. Soberania: um conceito em evolução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3439, 30 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23121. Acesso em: 5 nov. 2024.

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