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Previdência complementar como direito fundamental

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04/12/2012 às 14:32
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IV. Direitos fundamentais e previdência complementar:

Após essas breves linhas, uma pergunta que se impõe é se podemos catalogar  a previdência privada complementar como um direito constitucional fundamental?

Considerando a importância que a doutrina atribui àqueles direitos que se amolduram sob o rótulo de direitos fundamentais, seja pelo seu significado axiológico dentro do contexto constitucional, seja pela própria força normativa (eficácia) imposta pelo §1º, art. 5º da CF/88 (as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata), tem se questionado sobre a posição da previdência privada complementar dentre os direitos constitucionalmente tutelados (fazem parte do art. 202 da CF/88), especialmente se integra o conceito de direitos fundamentais, o que a colocaria num patamar de importância superior.

Importante rememorar a teoria que classifica os direitos como formal e materialmente  constitucionais, sendo aqueles todos os que estão incluídos formalmente no texto da  Constituição e estes os que, embora não estejam escritos no texto constitucional, também são assim considerados em razão de sua importância e carga axiológica.

Também para os direitos fundamentais existiria a classificação daqueles fundamentais sob o aspecto formal, que seriam aqueles direitos elencados no Título II (direitos e deveres individuais e coletivos,  direitos sociais, da nacionalidade, direitos políticos e dos partidos políticos, etc.), e aqueloutros materialmente fundamentais que não estão incluídos no texto constitucional, mas por permissão do §2º, art. 5º da CF/88 (os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte) são assim considerados[15].

Mas o que de fato significa e faz caracterizar um direito como fundamental?

Ingo Wolfgang Sarlet, utilizando os ensinamentos de Robert Alexy, lembra da dificuldade de se definir o que sejam direitos fundamentais sem se realizar um cotejo com o direito positivo constitucional de cada país, já que cada Estado elege seus valores primordiais e os positivam em suas Constituições.

Discorre o constitucionalista pátrio, propondo arriscadamente uma conceituação aberta e universal de direitos fundamentais como sendo "todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser  equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura do catálogo)"[16].

Na nossa Constituição em vigor, que qualifica nossa República como Estado Social e Democrático de Direito[17], pode ser considerado como direito fundamental aqueles relacionados ao direito individual de igualdade e liberdade, como meio de proteção do indivíduo contra o Estado (art. 5º), bem como os direitos sociais que são aqueles destinados à prestação positiva do Estado em relação aos seus indivíduos (principalmente, artigos 6º e 7º, mas incluindo os direitos da ordem econômica e da ordem social - art. 170 e 193, respectivamente).

Outros direitos fundamentais podem ser extraídos das cláusulas de abertura referenciadas (§2º, art. 5º e parte final do art. 7º da CF/88).

Assim, a previdência privada complementar por fazer parte da seguridade social deve ser considerada como serviço concretizador dos direitos fundamentais com vistas à ampliação da cobertura básica ofertada pelo Estado no Regime Geral e nos Regimes Próprios (previdência pública).

Como dito antes, o fato do serviço de previdência complementar ser executado por entidades privadas não tem como consequência automática a exclusão da sua natureza jurídica como direito fundamental.

Não é demais lembrar que os serviços de saúde e educação também são executados por particulares, paralelamente aos serviços públicos, e nem por isso há a defesa da ausência da natureza jurídica de direito fundamental.

Mas qual a vantagem de se considerar a previdência social (nela incluída a previdência pública e a previdência privada) como direito fundamental?

Algumas características ou efeitos decorrentes da categorização das normas jurídicas constitucionais como direitos fundamentais são elencados pela doutrina[18], embora exista certa variação e discordância no conjunto dessas características apontadas.

São essas, em breve síntese, as principais características dos direitos fundamentais:

§ os direitos fundamentais são universais, usufruíveis por todas as pessoas (a qualidade de ser humano é suficiente para o gozo dos direitos fundamentais), e absolutos por se situarem no patamar máximo da hierarquia normativa, embora possam ser limitados por outros direitos fundamentais ou outros valores com sede constitucional;

§  os direitos fundamentais possuem um caráter evolutivo e sua consagração no texto constitucional depende do momento histórico de cada Estado, podendo alguns direitos considerados fundamentais posteriormente perderem tal qualificação diante de novos valores sociais, ou mesmo terem ampliado seu âmbito de aplicação;

§ são inalienáveis, não podendo o seu titular impedir que seja exercitado em seu benefício (ex: direito à integridade física e a proibição da auto-mutilação), e indisponíveis, pois inviável que se abra mão irrevogavelmente dos direitos fundamentais;

§ são direitos positivados nos textos das Constituições, vigentes numa ordem jurídica concreta, impondo-se a todos os poderes constituídos, inclusive ao poder de reforma da Constituição;

§ a vinculação do poder legislativo se estabelece na medida que deve observar os direitos fundamentais no momento do processo legislativo de criação de normas jurídicas, bem como o obriga a criar as normas complementares necessárias à concretização dos direitos fundamentais;

§  vincula o poder executivo tornando nulos os atos praticados em contrariedade aos direitos fundamentais;

§  vincula o poder judiciário, pois cabe a este a defesa dos direitos fundamentais quando do exercício da atividade jurisdicional pelos magistrados, conferindo a máxima eficácia aos direitos fundamentais;

§ os direitos fundamentais possuem aplicabilidade imediata e seus efeitos independem de uma complementação normativa posterior (característica não-programática), salvo se a própria norma constitucional exigir tal complementação ou for da própria essência do direito exigir uma integração do legislador ordinário (ex: a garantia de acesso ao Judiciário não prescinde da edição de uma norma processual para indicar a forma  pela qual se realizará o direito).


V. Conclusões:

Considerando o que apresentamos neste trabalho, podemos afirmar que:

§   a Previdência Social está incluída dentre os direitos sociais de segunda geração, consistindo prestações positivas materiais proporcionadas pelo Estado aos cidadãos para concretização da justiça e do bem-estar sociais;

§  a previdência pública obrigatória (RGPS e RPPS) e a previdência privada complementar (previdência aberta e fechada) são mecanismos de proteção da Previdência Social, catalogadas como direito fundamental, essenciais à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, destinadas à manutenção do status social do segurado quando acometido das contingências sociais protegidas por lei ou pelo contrato previdenciário;

§ o fato dos serviços de previdência complementar serem executados por pessoas jurídicas de direito privado, denominadas entidades de previdência complementar, não retira a natureza de direito fundamental dessa técnica de proteção social, a semelhança do que ocorre com os serviços de saúde, assistência social e educação, os quais também são executados pelos particulares e não perdem a categorização de direito fundamental;

§ a técnica de proteção social executada mediante as ações de Previdência Social destinam-se não exclusivamente à proteção do trabalhador, ou seja, aquele que mantém relação empregatícia com empregador pessoa física ou jurídica, mas também à proteção daqueles que, embora não mantenham na atualidade vínculo laboral, como é o caso dos segurados facultativos do RGPS e dos participantes dos planos de benefícios ofertados por entidades abertas de previdência complementar, potencialmente podem vir a exercer atividade profissional remunerada e também estão sob a tutela estatal previdenciária.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

DIAS, Eduardo Rocha e MACÊDO, José Leandro Monteiro de. Curso de Direito Previdenciário. São Paulo. Método. 2008.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 3ª edição. São Paulo. Saraiva. 2008.

PULINO, DANIEL. Previdência Complementar. Natureza jurídico-constitucional e seu desenvolvimento pelas Entidades Fechadas. São Paulo. Conceito Editorial. 2011.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª edição. Porto Alegre. Livraria do Advogado. 2001.

SILVA, Devanir da. O modelo brasileiro de previdência complementar e suas perspectivas. In Conjuntura Social. Brasília. MPAS. ACS. 1997. Trimestral.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 11ª edição. São Paulo. Malheiros. 1996.


Notas

[1] O regime fechado de previdência complementar tem como órgão regulador o Conselho Nacional de Previdência Complementar, órgão vinculado ao Ministério da Previdência Social, e como órgão fiscalizador a Superintendência Nacional de Previdência Complementar – Previc, autarquia federal criada pela Lei nº 12.154/2009. Já o regime aberto de previdência complementar tem como órgão regulador o Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, e como órgão fiscalizador a Superintendência de Seguros Privados – Susep, autarquia federal criada pelo Decreto-lei nº 73/66.

[2] Os assistidos são os participantes que já estão em gozo do benefício contratado.

[3] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 11ª edição. São Paulo. Malheiros. 1996. Páginas 276 e 277.

[4] Idem.

[5] Sarlet, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª edição. Porto Alegre. Livraria do Advogado. 2001. Página 51. O autor estuda com profundidade as três gerações ou dimensões dos direitos fundamentais, sendo a primeira geração a dos direitos individuais do cidadão em relação ao Estado, de cunho negativo ou de abstenção do poder público em relação aos indivíduos (ex: direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade); os de segunda geração os direitos sociais, econômicos e culturais, que, como acima afirmado, exigiu do Estado uma posição ativa a fim de materializar e garantir o efetivo usufruto dos direitos individuais pelo cidadão, como indutor de uma justiça social eqüitativa. E os de terceira geração são os direitos coletivos que saem do aspecto individual de cada cidadão e mantém a titularidade na coletividade, indeterminável subjetivamente (ex: direito à paz, ao meio ambiente sadio e à qualidade de vida).

[6] Idem. Páginas 188 e 189.

[7] Ao lado da Seguridade Social também se encontram arrolados como direitos fundamentais da ordem social: a educação, a cultura, o desporto, a ciência e tecnologia, a comunicação social, o meio ambiente, a proteção da família, da criança, do adolescente, do jovem, do idoso e dos índios.

[8] Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I - universalidade da cobertura e do atendimento;

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II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;

V - eqüidade na forma de participação no custeio;

VI - diversidade da base de financiamento;

VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

[9] DIAS, Eduardo Rocha e MACÊDO, José Leandro Monteiro de. Curso de Direito Previdenciário. São Paulo. Método. 2008. Páginas 27 e 28.

[10] No modelo brasileiro atual cabe aos regimes previdenciários públicos obrigatórios (RGPS e RPPS) a proteção básica, com a fixação de limites mínimos (salário-mínimo) e máximos das prestações pagas aos segurados (teto da renda mensal igual ao valor máximo do salário-de-contribuição), e aos regimes privados complementares e facultativos a ampliação da cobertura previdenciária (regimes fechado e aberto de previdência complementar).

[11] Aliás pouco se argumenta o caráter não-social ou a ausência de interesse social quando os serviços de saúde e assistência social, também o serviço de educação, é executado e gerido por pessoas de direito privado, mesmo quando estas exercem tais atividades com finalidade lucrativa.

[12] Silva, Devanir da. O modelo brasileiro de previdência complementar e suas perspectivas. In Conjuntura Social. Brasília. MPAS. ACS. 1997. Trimestral. Página 110.

[13] Por todos, sugere-se a leitura da obra do Procurador Federal Daniel Pulino (Previdência Complementar. Natureza jurídico-constitucional e seu desenvolvimento pelas Entidades Fechadas. São Paulo: Conceito Editorial, 2011) que aborda com profundidade a análise constitucional da previdência privada complementar.

[14] Os operadores jurídicos, tradicionalmente, dispensam maior atenção à tutela dos direitos quando inseridos expressamente no texto constitucional, principalmente em razão do sistema jurídico brasileiro derivar da tradição romano-germânica positivista. Embora a previdência complementar já constasse desde o texto originário da CF/88 e estivesse regulamentada desde o ano de 1977 (Lei nº 6.435/77), a evolução do seu conteúdo semântico, de fato, somente se espraiou de forma significativa a partir da edição da EC 20/1998. O despertar do interesse no estudo da matéria foi ampliado consideravelmente nos tempos hodiernos em razão da implantação da previdência complementar do servidor público (Lei nº 12.618/2012), que teve sua base normativa (§14, art. 40 da CF/88) assentada também no momento da edição da EC 20/1998.

[15] A parte final do art. 7º também permite a afirmação da existência de direitos sociais não expressos ao afirmar que "são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)".

[16] Sarlet, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª edição. Porto Alegre. Livraria do Advogado. 2001. Páginas 82 e 83.

[17] CF/88: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)

[18] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 3ª edição. São Paulo. Saraiva. 2008. Páginas 239 a 253.

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Sobre o autor
Allan Luiz Oliveira Barros

Allan Luiz Oliveira Barros. Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. Atuou na Procuradoria Federal junto a Superintendência Nacional de Previdência Complementar - Previc. Membro da Câmara de Recursos da Previdência Complementar (CRPC). Mestrando em Direito e Políticas Públicas pela UNICEUB. Máster en Dirección y Gestión de Planes y Fondos de Pensiones pela Universidade de Alcalá, Espanha. Pós-Graduado em Direito Constitucional e Direito Previdenciário. Professor de Cursos de Pós-Graduação em Direito Previdenciário e da Escola da Advocacia-Geral da União. Editor do site www.allanbarros.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Allan Luiz Oliveira. Previdência complementar como direito fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3443, 4 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23151. Acesso em: 22 dez. 2024.

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