Dentre as ações de comunicação passíveis de serem realizadas pelos órgãos e entidades da Administração Pública está o patrocínio, instituto disciplinado no âmbito federal pelo Decreto nº 6.555/2008 e pelas Instruções Normativas nºs 01/2009 e 05/2011, ambas da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (SECOM/PR). A utilização desse instituto, contudo, pode acarretar, na prática, questionamentos sobre se o repasse de recursos financeiros para apoio a ações de patrocínio é permitido antes da prestação da contrapartida pelo patrocinado, face à vedação de pagamento antecipado contida na Lei nº 4.320/64.
No que diz respeito ao conceito jurídico do instituto, consta no artigo 3º, IV, do Decreto nº 6.555/2008 que o patrocínio constitui uma das “ações de comunicação do Poder Executivo Federal”.
A seu turno, a Instrução Normativa SECOM/PR nº 05/2011, em seu artigo 2º, IV, descreve o instituto como a “ação de comunicação efetuada por meio de apoio financeiro concedido por órgão ou entidade do Poder Executivo Federal a projetos de iniciativa de terceiros, com o objetivo de divulgar atuação, fortalecer conceito, agregar valor à marca, incrementar vendas, gerar reconhecimento ou ampliar relacionamento do patrocinador com seus públicos interesses”, conceito esse que repete aquele anteriormente trazido pelo artigo 2º, I, da Instrução Normativa SECOM PR nº 01/2009.
Do conceito de patrocínio extrai-se, pois, que não há fornecimento ou prestação de serviços pelo patrocinado à entidade patrocinadora, mas sim realização de projeto de interesse comum de ambas as partes mediante recebimento de apoio financeiro para sua execução.
Além disso, toda ação de patrocínio exige também a concessão de contrapartida pelo patrocinado, conforme se infere do artigo 30 da mencionada Instrução Normativa SECOM/PR nº 01/2009, verbis:
“Art. 30. Cabe ao patrocinador verificar o cumprimento do objeto, a comprovação das respectivas contrapartidas, a eventual cessão de direitos patrimoniais e demais disposições contratuais.”
No tocante à realização da despesa por parte da entidade patrocinadora, no entanto, verifica-se que nem o Decreto nº 6.555/2008 nem as Instruções Normativas SECOM/PR nºs 01/2009 e 05/2011 disciplinam a forma e o momento do repasse dos recursos.
Não obstante, a Lei nº 4.320/64 – que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços das entidades integrantes da Administração Pública, em todas as suas esferas – contém, em seus artigos 60, caput, e 63, § 2º, II, as seguintes regras que interessam ao tema:
“Art. 60. É vedada a realização de despesa sem prévio empenho”.
“Art. 63...
§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:
I - o contrato, ajuste ou acôrdo respectivo;
II - a nota de empenho;
III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.”
Nesse sentido, considerando que, nos termos do Decreto nº 6.555/2008 e das Instruções Normativas SECOM/PR nºs 01/2009 e 05/2011, constituem elementos conceituais do patrocínio, de um lado, a realização de despesa, com o aporte financeiro por parte da entidade patrocinadora, e, de outro, o oferecimento de contrapartida pelo patrocinado, e em respeito aos dispositivos da Lei nº 4.320/64 acima citados, de observância obrigatória pelos entes da Administração Pública e, por isso, aplicáveis indistintamente também no caso de patrocínios por estes concedidos, entende-se que o repasse de recursos estaria condicionado à comprovação da contrapartida oferecida, mediante demonstração da entrega do material ou da prestação efetiva do serviço pelo patrocinado.
Tal entendimento encontra ressonância, inclusive, na jurisprudência do Tribunal de Contas da União, conforme se observa do trecho abaixo transcrito do Acórdão nº 3.416/2007 - 1ª Câmara, que versa sobre o momento oportuno para a realização do repasse financeiro em sede de patrocínio:
“Assunto: PATROCÍNIO. DOU de 01.11.2007, S. 1, p. 103. Ementa: o TCU determinou, com relação a patrocínio concedido pelo BNB a uma empresa privada, para a realização do Réveillon Fortaleza de 2007, que somente repasse os recursos à empresa beneficiária após a devida apresentação, ao BNB, dos comprovantes (recibos, notas fiscais/faturas) de pagamentos de materiais e/ou serviços utilizados para o evento, correspondentes ao valor igual ou superior ao patrocínio, certificando-se da pertinência da documentação apresentada com a realização do evento, que deveriam estar suportadas pelos respectivos documentos fiscais (item 9.2.1, TC-005.408/2007-0, Acórdão nº 3.416/2007-TCU-1ª Câmara).”
Nesse contexto, tomando por base o entendimento ora esposado e a orientação do Tribunal de Contas da União de que o repasse financeiro para as ações de patrocínio somente deve ser realizado após a comprovação da contrapartida, faz-se necessário, também, analisar e identificar em cada caso concreto o momento dessa comprovação. Para tanto, passam-se a tecer abaixo alguns exemplos práticos com o intuito de ilustrar a questão suscitada.
Assim, cite-se como exemplo de contrapartida o oferecimento pela patrocinada de inscrições no evento que virá a ser realizado. Nesse caso, entende-se que o repasse poderia ocorrer antes da realização do evento, uma vez que, por ocasião deste, a efetivação das inscrições, que constituiria a contrapartida, já teria sido efetuada, não havendo, sob esta ótica, infração aos artigos 60 e 63 da Lei nº 4.320/64.
Na mesma esteira, caso a contrapartida do patrocínio consista na publicação de determinada matéria em revista, a ocorrer em período posterior ao evento, entende-se que o repasse somente poderia ser efetuado após a comprovação dessa publicação.
Tais exemplos servem para corroborar o entendimento de que o repasse financeiro deve ocorrer sempre após a comprovação da contrapartida, bem como para ressaltar a imprescindibilidade de analisar, em cada caso concreto de patrocínio, a natureza das contrapartidas oferecidas e, por conseguinte, o momento de sua comprovação, que pode variar para cada situação.
Nessa linha de raciocínio, entende-se viável ainda a possibilidade de fracionamento do repasse, a depender, igualmente, da natureza e do modo de fornecimento da contrapartida devida. Cabe frisar que tal possibilidade encontra abrigo também na jurisprudência do Tribunal de Contas da União, conforme se observa do trecho do voto condutor do Acórdão nº 1.841/2010 - 1ª Câmara, adiante transcrito:
“Assunto: PATROCÍNIO. DOU de 16.04.2010, S. 1, p. 130. Ementa: determinação à Caixa Econômica Federal para que, antes de efetuar o pagamento de parcelas de patrocínios concedidos, verifique o correto cumprimento, pelas entidades beneficiárias, das cláusulas contratuais pactuadas (item 9.2.1, TC-015.518/2006-8, Acórdão nº 1.841/2010-1ª Câmara).”
Do mesmo modo, aplicando-se por analogia as recomendações do Tribunal de Contas da União relativas a convênios, tem-se que deve ser evitado o repasse dos recursos em parcela única, como ilustra o julgado abaixo:
“Assunto: CONVÊNIOS. DOU de 22.11.2010, S. 1, p. 118. Ementa: alerta à SUDAM quanto à necessidade de, nos convênios, atentar que, nos termos do art. 42, “caput”, da Portaria Interministerial/MP, MF e CGU nº 127/2008, a liberação de recursos deve obedecer ao cronograma de desembolso previsto no Plano de Trabalho e guardar consonância com as metas e fases ou etapas de execução do objeto do convênio, de modo a evitar o repasse em parcela única (item 1.5.3.2, TC-018.920/2007-0, Acórdão nº 7.551/2010-1ª Câmara)”
Assim, a opção administrativa de fracionar o repasse dos recursos financeiros deve ser avaliada em cada caso concreto de patrocínio, devendo ser adotada sempre que viável em face da natureza das contrapartidas e da possibilidade de estas serem fornecidas em etapas, o que deve ser objeto de análise prévia pela Administração antes da formalização do respectivo contrato.
Resgatando os exemplos citados linhas acima, pode-se inferir que, no primeiro deles, o repasse seria por meio de parcela única, após a comprovação da efetivação das inscrições. Já no segundo exemplo, caso se incluam como contrapartida inscrições no evento aliadas à publicação de matéria em revista, tal ensejaria a divisão do repasse do recurso em parcelas, visto que os momentos para a comprovação de cada contrapartida seriam distintos.
Nesse passo, depreende-se, na linha da argumentação exposta, que o repasse de recursos financeiros para apoio a ações de patrocínio há de ser realizado somente após a comprovação das contrapartidas pelo patrocinado, sob pena de caracterização de pagamento antecipado vedado pelos artigos 60 e 63 da Lei nº 4.320/64. A par disso, entende-se que tal repasse pode ser previsto para ocorrer de uma única vez ou em parcelas, a depender da natureza das contrapartidas e da quantidade de etapas em que as mesmas serão fornecidas, o que deve ser previamente avaliado pela Administração em cada caso e definido no respectivo contrato de patrocínio.