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República, federação e organização territorial do Brasil

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25/12/2012 às 15:15
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Nossa federação não é nem melhor e nem pior que outras; apenas tem suas peculiaridades e não é fruto de um artificialismo dos primeiros republicanos, mas sim decorrente de uma situação que advém do que existiu sempre no país em virtude de seu gigantesco tamanho.

Sumário: INTRODUÇÃO. 01. A REPÚBLICA. 02. A FEDERAÇÃO.  02.01 CONCEITO DE FEDERAÇÃO. 02.02 ORIGENS DA FEDERAÇÃO. 02.02.01 OS PRIMÓRDIOS DA FEDERAÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E SEU DESENVOLVIMENTO NAQUELE PAÍS. 02.02 02. A ORIGEM E “ARTIFICIALIDADE” DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA. 02.03 OS COMPONENTES DA ORGANIZAÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. 02.03.01 A UNIÃO. 02.03.02 OS ESTADOS FEDERADOS. 02.03.03 O DISTRITO FEDERAL. 02.03.04 OS MUNICÍPIOS. 02.03.04.01 OS MUNICÍPIOS COMO ENTIDADES FEDERATIVAS. 02.04 OUTRAS DIVISÕES DO ESPAÇO GEOGRÁFICO NACIONAL. 02.04.01 OS TERRITÓRIOS. 02.04.02 OUTRAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO BRASILEIRO.  02.04.02.01 REGIÕES DE DESENVOLVIMENTO. 02.04.02.02 REGIÕES METROPOLITANAS. 02.04.02.03 AGLOMERAÇÕES URBANAS. 02.04.02.04 MICRORREGIÕES. CONCLUSÕES.


INTRODUÇÃO

O presente estudo se detém nas primeiras palavras do artigo primeiro da Constituição da Republica onde consta o nome “A República Federativa do Brasil”, nome oficial do nosso Estado.

Tal nome é carregado de significados e conceitos muito importantes para entendermos como é que funciona o Estado brasileiro, ou seja, as ideias de República e de Federação.

O conceito de República e de Federação decorre do contexto da Constituição, pois não é por ela formalmente explicitado.

No Brasil a União, os Estados federados, os Municípios e o Distrito Federal são todos autônomos, tendo áreas de atuação delimitadas na própria Constituição da República, razão de aqui não ser correto se falar em níveis de governo, mas sim em esferas de governo, porque, salvo nos casos previstos na Constituição da República, uma esfera de governo não pode impor sua vontade à outra.

Contudo, nossa organização se assemelha mais à da Alemanha do que à dos Estados Unidos, pois aqui também a maior parte do poder de legislar pertence à União, até em questões de crucial interesse dos Estados ou Municípios, como, por exemplo, a regulamentação de tributos feita por Lei Complementar Nacional, sendo também aqui, como na Alemanha, a legislação fiscal na sua essência competência legislativa da União, havendo também aqui superposição de tarefas.[1]

Mesmo assim, todas essas nossas entidades políticas são a República brasileira, mesmo que parcialmente, o que nos leva à questão do que seria essa República e qual seria o significado da expressão “federativa”, sendo isso o que esse texto pretende elucidar.

Para tanto iniciamos tratando brevemente da noção de república para nos determos em seguida na de federação, discutindo seu conceito, origens e a forma que se manifesta no Brasil para, finalmente, observarmos como se dá outras organizações jurídicas de nosso espaço geográfico.

Essas questões são muito importantes pois no dia a dia do serviço público se percebe uma grande confusão de conceitos e ideias que muitas vezes atravancam decisões, como, por exemplo, na cômica e trágica discussão a respeito de o Aedes aegypti ser federal, estadual ou municipal, gerando uma paralisação em algo tão importante como o combate à dengue e a manutenção da saúde pública.

Esse texto obviamente, pelas suas naturais limitações, não tem a pretensão de resolver todos os problemas decorrentes de nossa organização ou sequer mencioná-los, mas apenas fazer uma incursão por ela de forma a compreendê-la um pouco melhor.


01. A REPÚBLICA

Dalmo de Abreu Dalari ensina que foi com Maquiavel que a república despontou como sendo o oposto da monarquia, sendo que a ideia de república se desenvolveu por meio das lutas contra o absolutismo monárquico para afirmar a soberania popular.[2]

Esse autor elenca como sendo três as características fundamentais da república: a temporariedade (o Chefe de Governo, bem como o de Estado, tem um prazo limitado para governar); a eletividade (há eleição para escolha dos governantes, direta ou não); e a responsabilidade (os governantes respondem por seus atos).[3]

O Brasil é um Estado que adota a república e a República Federativa do Brasil na sua integralidade é que forma o Estado brasileiro em sentido estrito, como o declara a Constituição da República:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

Desse artigo se nota que a República tem partes, ou seja, os Estados federados, os Municípios e o Distrito Federal, além da União, parte dela também, mas ela não é nenhuma delas isoladamente, apenas o conjunto dessas partes é que é a República.

A soberania do Estado brasileiro reside no povo nos termos do art. 1º, § 1º, da Constituição da República:

Art. 1º Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

 Internamente apenas a República como um todo exerce a integralidade da soberania popular.

A Constituição no seu art. 4º afirma que “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: [...]” (grifo nosso).

Como se vê nesse artigo, é a República que externamente é o Estado brasileiro e uma de suas partes, a União, faz a representação externa desse todo, embora não seja o todo, como se vê no seguinte artigo:

Art. 21. Compete à União:

I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais;

II - declarar a guerra e celebrar a paz;

III - assegurar a defesa nacional;

IV - permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente;

Dalmo de Abreu Dalari ensina que a ideia de soberania está sempre relacionada à de Poder e em termos exclusivamente políticos essa ideia significa “o poder incontrastável de querer coercitivamente e de fixar as competências”, não se preocupando tal poder em ser legítimo ou jurídico, mas apenas absoluto, tendo meios de impor sua vontade. Tal conceito traz a inconveniência de se entender que somente são soberanos os Estados grandes e fortes, pois nesse caso a soberania se basearia no poder do mais forte.

Em sentido apenas jurídico, segundo o mesmo mestre, a soberania se trata do “poder de decidir em última instância sobre a atributividade das normas, vale dizer, sobre a eficácia do direito.” Nesse sentido, é soberano o poder que decide qual a regra jurídica a ser aplicada no caso, podendo também negar a juridicidade de uma norma. Essa concepção torna os Estados iguais, pois em todos a ideia de direito não diverge, o que permite que mesmo atos de Estados fortes possam ser considerados antijurídicos e daí sofrer reação dos demais.

Finalmente, ainda no ensinamento desse professor, há a concepção culturalista, a qual não aceita a noção de que a questão se resuma à força ou ao Direito, pois os fenômenos estatais têm facetas múltiplas, sociais, jurídicas e políticas. Nessa noção a soberania não é um simples poder de fato e embora não seja integralmente submetida ao Direito, encontra limites na ética e na noção de bem comum, sendo que somente entre tais limites o Poder Soberano pode agir como tal.

Esse mestre lista as seguintes características da soberania:

1. Unicidade – não admite num mesmo Estado duas soberanias;

2. Indivisibilidade – a soberania vale para a universalidade dos fatos ocorridos no Estado, não se admitindo a existência de várias partes separadas da mesma soberania;

3. Inalienabilidade – se ocorrer a transferência da soberania para outrem a soberania de quem a detinha desaparece; e

4.  Imprescritibilidade – a soberania somente é superior se não tiver prazo de validade, sendo desejo normal do Poder Soberano a própria perpetuidade.[4]

Dalmo de Abreu Dalari cita outras características e doutrinas, mas para o presente estudo o que foi dito já é suficiente.

Interessante, quanto à indivisibilidade, é que ele diz que a divisão do Poder em três Poderes não afeta a soberania, pois aí há apenas uma separação de funções, da mesma forma a divisão do Poder ocorrida pela federação também não afeta a soberania da República, pois igualmente é uma mera divisão de funções do Poder as quais são distribuídas entre os componentes da organização da República, sem que a sua soberania venha a perder a unicidade por ter partes, como, por exemplo, o corpo humano não a perde por ter a mesma característica.


02.A FEDERAÇÃO

02.01 CONCEITO DE FEDERAÇÃO

Dalmo de Abreu Dallari ensina que Estado Federal é uma forma de Estado e não de governo, consistente na existência de mais de um centro de poder político autônomo, se falando na doutrina em Estados Unitários, com um único centro autônomo, Estados Federativos, com mais de um, e Estados Regionais, unitários, porém menos centralizados, embora nem todos aceitem essa última classificação.[5]

José Maurício Conti esclarece que a divisão entre “Estados Unitários” e “Estados Federais” levando em conta apenas a existência de apenas uma esfera de governo ou duas não faz mais sentido, pois há uma variedade de formas de organização territorial do poder de maneira que mesmo em Estados considerados unitários pode haver mais de uma esfera de governo.[6]

Em estudo mais recente o mesmo mestre assinala que não existem Estados idênticos no mundo e as diferenças são tantas que dificultam a criação de categorias com critérios claros de forma a poder colocá-los em grupos.

No entanto, José Maurício Conti lista nesse último estudo algumas características que permitem classificar um Estado como sendo uma federação, sem que isso torne menos difícil a classificação:

a) existência de ao menos duas esferas de governo; b) autonomia das entidades descentralizadas, compreendendo a autonomia política, administrativa e financeira; c) organização do Estado expressa em uma Constituição; d) repartição de competências entre as unidades descentralizadas; participação das entidades descentralizadas na formação da vontade nacional; e f) indissolubilidade.[7]

Dessa forma, conceituamos o Estado Federal como sendo aquele que satisfizer as exigências mencionadas no parágrafo anterior.

02.02 ORIGENS DA FEDERAÇÃO.

02.02.01 OS PRIMÓRDIOS DA FEDERAÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E SEU DESENVOLVIMENTO NAQUELE PAÍS

A ideia de federação surgiu com a formação dos Estados Unidos da América e Richard C. Schroedere NathanGlick informam que o objetivo das treze colônias em 1787 era formar uma união mais perfeita e segundo eles qualquer união seria mais perfeita que a que fora criada pelos Artigos de Confederação, mas escolhas críticas foram feitas para criar essa união mais perfeita que se objetivava.

Os Estados, continuam eles, eram ciosos da soberania que adquiriram onze anos antes ao se libertarem da Inglaterra, tendo sido muito difícil equilibrar os “direitos dos Estados” com a necessidade de um governo central e tal foi feito pelos constituintes deixando os Estados regularem a vida diária de seus cidadãos, desde que isso não conflitasse com as necessidades e o bem-estar da nação como um todo.

Conforme esses autores a essa divisão de autoridades é que se deu o nome de federalismo e é basicamente a mesma ideia até hoje, sendo que a regulamentação a ser exercida pelos Estados é de tal forma admitida que dois estados americanos vizinhos frequentemente têm leis muito diferentes para regular o mesmo assunto, como, por exemplo, a questão da pena de morte.

Esclarecem esses autores, contudo, que a contenda pelos direitos dos Estados não se encerrou com a aprovação da Constituição, sendo necessária a Guerra Civil de 1861 para estabelecer a supremacia da União em questões de escravidão e a indissolubilidade da União em si.[8]

Nelson de Freitas Porfírio Júnior observa que a expressão “federalismo” não aparece na Constituição norte-americana porque os constituintes não tinham a intenção deliberada de estabelecer um Estado Federativo, mas somente reforçar o então pouco eficiente governo central, sem com isso tornar os governos estaduais desnecessariamente fracos.[9]

Bernard Schwartz afirmou que o federalismo dual original só poderia ser mantido enquanto prevalecesse a doutrina do laissez-faire a qual sofreu abalos profundos com a cada vez maior intervenção estatal, mais especificamente federal, nos Estados Unidos, deixando o governo de ser apenas regulador e negativo para ser ativo e presente.

Segundo esse autor isso ficou bem claro no caso do New Deal no qual, pela Lei Nacional de Recuperação Industrial de 1933, a União afirmou seu poder de regulamentar quase todos os detalhes do sistema econômico norte-americano, sendo que a Suprema Corte só começou a abandonar sua fidelidade à ideia original de federalismo dual em 1937, isso devido ao sistema judicial norte-americano do precedente vinculante que tende a fazer o Judiciário americano muito conservador, fazendo adaptações às vezes até tarde demais.[10]

John E. Nowak e Ronald D. Rotunda esclarecem que não foi por acaso que a Suprema Corte mudou sua jurisprudência em 1937, mas sim devido a uma reação do Presidente Roosevelt que propôs aumentar o número de Ministros da Suprema Corte e facilitar aposentadorias.

Conforme esses autores “Roosevelt argumentava que era necessário sangue novo no Tribunal e que os juízes mais velhos eram menos eficientes. Na realidade, os programas legislativos de Roosevelt para lidar com a depressão econômica estavam sendo derrubados pela não disfarçada maioria de juízes não simpáticos às ideias dele”.[11]

Bernard Schwartz disse que a Suprema Corte chegou ao extremo de dizer que a Décima Emenda à Constituição[12] era um “mero ‘truísmo’” o que significava a destruição dos fundamentos do conceito de federalismo dual, sendo que a ideia original de que a União não tinha poder sobre comércio local, pois essa questão era exclusiva dos Estados, foi substituída pela noção de que o governo federal detinha um poder absoluto para regular o comércio.

Por isso esse autor afirma que a federação americana não mais é hoje um sistema dual, o qual residia numa divisão de soberania entre iguais, mas sim um sistema em que há clara predominância do poder federal sobre o estadual. [13]

Esse poder federal cresceu ainda mais ao longo do tempo com o que esse autor chamou de “poder de bolsa”, ou seja, transferências voluntárias e condicionadas de recursos do governo federal para os Estados, tendo surgido propostas de mudança com retorno às origens, mas nem o governo federal deseja abrir mão do seu poder e nem os Estados estão dispostos a levantar fundos por si, preferindo continuar a receber as verbas federais a instituir e cobrar tributos hoje cobrados pelo governo federal,[14]pois evidentemente isso é muito mais eleitoralmente simpático e ocorre também aqui no Brasil.

02.02.02 A ORIGEM E “ARTIFICIALIDADE” DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA

A ideia de que a nossa federação é artificial comparada com a norte-americana decorre do conceito de que a nossa federação é uma criação não natural da proclamação da República, enquanto a federação do norte foi mesmo formada por Estados independentes. Daí se dizer que a nossa federação é centrífuga enquanto a norte-americana seja centrípeta.

As diferenças históricas são inegáveis, pois realmente nos tornamos independentes como um estado único e os Estados Unidos se tornaram independentes como treze estados, os quais se uniram primeiro em confederação e depois em federação.

Contudo, tal não significa que nossa federação tenha-se baseado menos em situações fáticas do que a deles, pois não foi isso o que ocorreu, ou seja, a nosso ver a nossa federação não é artificial.

As razões que nos levam a pensar assim são várias sendo que a primeira é o fato de que o Brasil já surgiu “gigante pela própria natureza”, maior até que as treze colônias do norte reunidas.

Tal gigantismo fez do Brasil uma federação de fato desde sempre, embora só mais tarde se tornasse uma federação de direito, o que pode ser ilustrado com o exemplo do Mato Grosso, por ser este Estado federado incrustado no coração do Brasil, sem contato com a costa oceânica.

Ensina Thereza Martha Presotti, professora do Departamento de História da Universidade Federal de Mato Grosso, a respeito da ligação da capital da Província do Mato Grosso no século XVIII com o centro do Poder:

Os rios foram os caminhos da conquista colonial dos sertões e minas de Cuiabá e Mato Grosso nos princípios do século XVIII. Para se chegar aos sertões centrais do continente sul-americano navegava-se por rios da bacia Paraná-Paraguai, conforme indicam antigos roteiros de sertanistas apresadores de indígenas e os percursos das monções paulistas. A viagem na trilha das águas durava de quatro até seis meses.[15](grifo nosso)

Edil Pedroso da Silva, também professora e pesquisadora da mesma Universidade, nos traz a notícia de que o caminho por terra para a capital da Capitania de Mato Grosso só foi estabelecido em 1737, via Goiás, mas, mesmo assim os caminhos aquáticos continuaram sendo a via natural de comunicação e comércio entre Mato Grosso e São Paulo.

Disse essa mestra que o Rio Paraguai não foi usado no período colonial porque grande parte dele estava na América espanhola, vedada aos portugueses, por serem inimigos de então, sendo usadas as turbulentas águas do Tietê, Paraná e Pardo, além das do Taquari, São Lourenço e Cuiabá.

Seguiu ela dizendo que mesmo após o surgimento da República do Paraguai o rio não foi aberto ao nosso Império, e só se tornou acessível, em 1856, com interrupção durante a Guerra do Paraguai, e reabertura em 1870, quando então a comunicação entre a capital do Império e a capital da província do Mato Grosso voltou a ser feita pelo Oceano Atlântico, adentrando-se na bacia do Prata e do Paraguai, passando-se para chegar lá em três países estrangeiros: Uruguai, Argentina e Paraguai.[16]

Ora, nos parece uma quimera crer que Lisboa e depois o Rio de Janeiro governassem de fato esse território e os demais não menos longínquos, pois, como se vê no que foi dito acima, o tempo para uma ordem chegar da capital até tais lugares era imenso, exigindo que os governos locais naturalmente governassem a si mesmos.

Mas não é só, pois Mirian Dolhnikoff menciona um texto de José da Costa Aguiar de 1827 no qual esse senhor se lembrava de que ao estar “na província do Pará, ouvira ali contar que em uma das câmaras do interior estivera um ofício do governo por muito tempo fechado por não haver quem o pudesse ler.” (grifo nosso)[17]

Dizem mais Boris Fausto e Fernando Devoto a respeito do Brasil:

Não raro, uma ordem ou uma disposição legal nem chegava materialmente a todo o território, isto é, não havia suficientes cópias da mesma [...] e, quando chegava muitas vezes não se dispunha da força pública para garantir seu cumprimento. [18]

Ora, como cumprir as ordens da capital, evidentemente escritas, sem que soubessem ler ou sem que houvesse quem as fizesse cumprir? Seria essa uma escabrosa exceção no Brasil de então? Duvidamos.

Interessantíssima a notícia que traz Mirian Dolhnikoffa respeito do que disse o futuro Regente Feijó, então deputado nas Cortes de Lisboa em 1821, quando ele defendia a solução de uma monarquia portuguesa federativa afirmando que “[...] que os atores políticos eram as províncias e que cada deputado representava não o Brasil, mas somente a ‘província que o elegeu, e que o enviou’[...].[19]Evidente o paralelo com as treze colônias britânicas, em que pese o fato de a nossa independência ter ocorrido em bloco e praticamente sem violência, diversamente do caso americano.

Segue ela em sua obra dizendo que a ideia de uma monarquia federativa foi defendida durante todo o império, tendo altos e baixos, até que a federação foi definitivamente reconhecida pela República.[20]Dizemos reconhecida porque, para nós, de fato a federação sempre existiu.

O fato de nossa federação ser mais centralizadora que a norte-americana não decorre, portanto, da origem da mesma, pois, como dito acima, a federação alemã também é bastante centralizadora e ela se originou de principados e outras organizações medievais independentes que se uniram durante a história para fazer a Alemanha que hoje conhecemos.

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Passemos a ver como se organiza a nossa federação.

02.03OS COMPONENTES DA ORGANIZAÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

02.03.01 A UNIÃO

A União é uma pessoa jurídica de Direito Público interno a qual exerce dois tipos de funções:

1. Ela é a entidade que representa a República externamente e em algumas situações internamente, exercendo aí parte da soberania da República; e

2. Ela realiza atividades relacionadas ao seu funcionamento interno, dela União como pessoa jurídica, caso em que tem autonomia e não soberania.

Em virtude disso, no campo do Poder Legislativo se encontram leis nacionais e leis federais no sentido estrito.

As leis nacionais são as que valem para todas as esferas de governo, como, por exemplo, o Código Civil e as leis complementares que estabelecem normas gerais de Direito Financeiro, entre outras.

As leis federais no sentido estrito são aquelas que vigem apenas para a pessoa jurídica da União, como, por exemplo, as leis que regem os servidores públicos federais.

Dentro do Poder Legislativo a Casa que precipuamente representa a Federação é o Senado:

Constituição da República: Art. 46. O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário.

O Congresso Nacional, como um todo, também representa a República ou a Federação como nos seguintes casos previstos no art. 49 da Constituição da República:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

II - autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar;

III - autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da República a se ausentarem do País, quando a ausência exceder a quinze dias;

IV - aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma dessas medidas;

V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; [...]

XV - autorizar referendo e convocar plebiscito; [...]

Por outro lado, outros incisos tratam mais de questões relacionadas à pessoa jurídica da União:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: [...]

VI - mudar temporariamente sua sede;

VII - fixar idêntico subsídio para os Deputados Federais e os Senadores, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

VIII - fixar os subsídios do Presidente e do Vice-Presidente da República e dos Ministros de Estado, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

IX - julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo;

X - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta;

XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes;

XII - apreciar os atos de concessão e renovação de concessão de emissoras de rádio e televisão;

XIII - escolher dois terços dos membros do Tribunal de Contas da União;

XIV - aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares; [...]

XVI - autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais;

XVII - aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares.

A Câmara dos Deputados, salvo no caso do impeachment do Presidente da República tem competências exclusivas previstas no art. 51 da Constituição da República mais relacionadas à pessoa jurídica da União.

A vastíssima competência da União prevista nos artigos 21[21] e 22[22] da Constituição da República tanto dizem respeito à função dela como representante da República quanto como pessoa jurídica autônoma.

O Poder Executivo representa a República quando o Presidente da República exerce funções de Chefe de Estado, tais como: sancionar e vetar leis, manter relações com Estados estrangeiros, exercer o comandado das Forças Armadas e etc..

Já o Presidente da República ao exercer funções de Chefe de Governo o faz pela pessoa jurídica da União em casos como nomear e exonerar Ministros de Estado, exercer a direção superior da administração federal, etc..

Finalmente, o Poder Judiciário no Brasil tem uma característica diversa dos demais Poderes da República, pois o Supremo Tribunal Federal tem entendido que se trata de um Poder nacional, como se vê no voto do Ministro Néri da Silveira:

O que quis efetivamente a Emenda Constitucional n° 7, agora confirmada na Constituição de 1988, foi, destarte, que existisse regime jurídico único nacional para os juízes brasileiros. Essa intenção dos constituintes tem sua razão de ser, pois o Poder Judiciário é um Poder nacional. Não obstante a existência da dualidade das Justiças - da União e dos Estados-Membros - o certo é que, dos três Poderes do Estado brasileiro, o único que se pode afirmar como um poder nacional é o Poder Judiciário. As decisões da Justiça dos Estados são susceptíveis de revisão por órgãos integrantes da Justiça da União, o que não sucede com as deliberações dos outros dois poderes. Deliberação de Assembléia Legislativa não pode ser cassada pelo Congresso Nacional, como decisão de Governador não é recorrível para o Presidente da República, no que concerne ao Poder Executivo. Isso, entretanto, sucede quanto aos órgãos da Justiça dos Estados, relativamente a órgãos superiores da Justiça da União. Há, sem nenhuma dúvida, organização de natureza nacional, hierarquizada, no âmbito do Poder Judiciário. (grifo nosso)[23]

Como se vê tal característica do Poder Judiciário se percebe pela existência dos recursos que são oferecidos contra decisões dos tribunais dos Estados e do Distrito Federal ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, além do controle que o Conselho Nacional de Justiça exerce sobre o Judiciário como um todo.

As Justiças dos Estados federados e do Distrito Federal exercem uma competência dentro da estrutura do Poder Judiciário Nacional, não sendo totalmente autônomas, como se mencionou no parágrafo anterior.

Tal falta de autonomia jurisdicional se tem mostrado com cada vez mais força a partir da existência da vinculação aos precedentes e à sumula vinculante do Supremo Tribunal Federal, bem como pelo controle exercido perante o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça por meio das reclamações.[24]

Até no âmbito administrativo essa autonomia tem sido colocada cada vez mais em cheque pela atividade do Conselho Nacional de Justiça.

Mesmo o controle penal da atividade dos governadores, magistrados estaduais e distritais e dos conselheiros dos Tribunais de Contas,[25] inclusive dos municípios, é exercida pelo Superior Tribunal de Justiça nos termos do art. 105, I, “a”:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais; [...]

Mesmo nos Estados Unidos da América, paradigma de sistema de federação, o Poder Judiciário é nacional, pois lá como cá as decisões das Justiças dos Estados federados podem ser revistas pela Justiça Nacional representada pela Suprema Corte.

Ervin Chemerinsky fala que a Constituição dos Estados Unidos da América criou um Poder Judiciário Nacional e que o reconhecimento de que a Suprema Corte poderia analisar a constitucionalidade também de atos dos Estados federados e das autoridades locais foi fixado nos casos Martin v. Hunter’s Lessee e Cohens v. Virgínia.

Além disso, segundo o mesmo autor, a Lei do Judiciário (Judiciary Act) de 1789 fixou tal poder no seu artigo 25 e no caso Cooper v. Aaron ficou estabelecido que o poder da Suprema Corte não se limitava a analisar a constitucionalidade de decisões de tribunais estaduais, mas também de leis estaduais, bem como de ações de autoridades estaduais.[26]

Mas, nos Estados Unidos, mesmo se reconhecendo que o Judiciário é Nacional, ainda assim há um maior respeito à ideia de federação, pois lá os Estados federados têm a opção de organizar suas Justiças, não havendo obrigatoriedade de padronização absoluta como a aqui imposta cada vez mais.

02.03.02 OS ESTADOS FEDERADOS

Os Estados Federados, juntamente com o Distrito Federal, são as entidades federativas, ou seja, são eles que formam a federação brasileira, razão de o Senado ser formado de seus representantes, sendo pessoas jurídicas de Direito Público interno dotadas de autonomia.

A competência dos Estados federados é bastante restrita, tendo eles quatro tipos de competências: própria, comum, concorrente e delegada.

A competência própria dos Estados federados é de natureza residual, como prevê a Constituição da República no art. 25, § 1º: “São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.” A nosso ver aqui se incluem as competências não apenas de ordem legislativa, mas também administrativa e jurisdicional, pois a Constituição não as excepciona.

A competência comum[27] é aquela compartilhada com a União, os Municípios e o Distrito Federal, enquanto a concorrente[28]o é com a União e o Distrito Federal, embora em outro estudo[29] tenhamos apontado que, mesmo nessa última, pode haver participação do Município a teor do art. 30, II, da Constituição da República que diz que “Compete aos Municípios: [...] II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; [...]”.[30]

Finalmente, a competência delegada consiste naquela que a União pode, por meio de lei complementar, autorizar os Estados federados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas no art. 22 da Constituição da República, conforme o disposto no parágrafo único do mesmo artigo.

02.03.03 O DISTRITO FEDERAL

Como o disposto na Constituição da República, no Distrito Federal fica a capital nacional, Brasília, sendo vedada a sua divisão em municípios e acumulando ele as competências municipais e estaduais.

Ele não tem uma constituição, como os Estados federados, mas uma lei orgânica, e sua autonomia é menor do que a dos Estados federados.

Percebe-se que sua autonomia é menor porque a organização e manutenção do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Polícia Civil, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal cabe à União.

Também, embora os militares sejam subordinados ao Governador do Distrito Federal, até a utilização pelo Governo do Distrito Federal das polícias civil e militar e do corpo de bombeiros militar depende do que dispuser lei federal

Igualmente, compete privativamente à União legislar sobre a organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal, bem como sobre a organização administrativa destes.

Em compensação, a União presta assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio.

O fato de o art. 60, III, não prever a possibilidade de a Câmara Legislativa do Distrito Federal participar do processo de emenda à Constituição da República é outra restrição a essa entidade.

Essas limitações de autonomia e a falta de uma Constituição poderiam levantar a questão de se o Distrito Federal é ou não uma entidade federativa como o são os Estados Federados.

Entendemos que vários pontos da Constituição colocam o Distrito Federal em pé de igualdade com os Estados Federados, podendo ser listados os seguintes:

1. O Distrito Federal é criação direta da Constituição da República, não de outras entidades da federação;

2. A Lei Orgânica do Distrito Federal deve obediência apenas à Constituição da República;

3.  O Distrito Federal pode sofrer intervenção somente da União (art. 34, II, IV e V da Constituição da República);

4. A composição da Câmara dos Deputados o inclui (art. 45 e § 1º, da Constituição da República);

5. O Distrito Federal tem todos os três Poderes e Ministério Público; e

6.  O Senado Federal, órgão representativo da Federação, tem na sua composição membros do Distrito Federal.

Por isso, entendemos que a resposta à pergunta de se o Distrito Federal é uma entidade federativa é positiva porque as restrições ao Distrito Federal são poucas e ele não pertence a outra entidade da federação.

02.03.04 OS MUNICÍPIOS

Municipalista tradicional Hely Lopes Meirelles entendia:

“a Constituição da República de 1988, corrigindo falha das anteriores, integrou o Município na Federação como entidade de terceiro grau (arts. 1º. e 18), o que já reivindicávamos desde a 1ª edição desta obra, por não se justificar a sua exclusão, já que sempre fora peça essencial da organização político-administrativa brasileira.”[31]

Ives Gandra da Silva Martins afirma que antes da Constituição da República de 1988 os Municípios não formavam a Federação, entretanto, após essa carta, para ele, eles são considerados entidades da Federação tendo autonomia ampla, diversa da relativa que o art. 15 da Constituição da República de 1969 lhes concedia anteriormente.

Esse autor chega a dizer que os Municípios não são mais parte dos Estados federados tendo ganhado"densidade e autonomia nunca antes possuídas na história constitucional brasileira".[32]

No mesmo sentido segue Manoel Gonçalves Ferreira Filho o qual chega a dizer que o nosso federalismo é duplo havendo um federalismo dos Estados federados e o federalismo dos Municípios em cada Estado.[33]

Esse mestre, em obra mais recente, diz que o Estado Brasileiro tem uma estrutura tríplice, confirmando sua opinião de que aqui há um federalismo de segundo grau.[34]

André Ramos Tavares segue na mesma linha dizendo que no Brasil não há uma estrutura binária, entendendo que o Município integra o Estado Federal e fazem parte da Federação, o que segundo ele não mais deixa dúvida a Constituição atual nos seus artigos 1º, 18 e 34.[35]

Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártieres Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco dizem que muitos sustentam que os Municípios sejam integrantes da Federação devido à redação do art. 1º da Constituição.[36]

José Afonso da Silva afirma que a Constituição de 1988 consagrou essa ideia afirmando em seus arts. 1º e18 que a nossa República Federativa compreende também os Municípios em união indissolúvel com os Estados federados e o Distrito Federal.[37]

Desta forma, continua José Afonso Da Silva, o nosso Município é "entidade estatal integrante da Federação, como entidade político-administrativa e financeira, dotada de autonomia política, administrativa e financeira."

Lembra ele ainda que isto é uma peculiaridade de nosso sistema federativo, o que traz consequências, tais como a permissão constitucional de elaboração pelos Municípios de suas leis orgânicas e, assim, se auto-organizar, tradição que já era conhecida no Rio Grande do Sul, além da ampliação de sua competência, com a abolição de controles que antes existiam por parte dos Estados federados, exercidos por meio de leis orgânicas que esses criavam.[38]

Ele reconhece que no Brasil haja três esferas governamentais, mas duvida que o Município possa ser considerado entidade da Federação porque a Constituição menciona a expressão "unidade federada" e "unidade da federação" onze vezes, mas em nenhuma destas menciona os Municípios, fazendo-se crer que a estes não foi reconhecida esta característica.[39]

Mas há várias razões para se entender o contrário desses autores, como passamos a expor.

02.03.04.01 OS MUNICÍPIOS COMO ENTIDADES FEDERATIVAS

As onze vezes supramencionadas que José Afonso da Silva aponta como indicativas de que os municípios não são entidades federativas são previstas nos seguintes artigos da Constituição da República: arts 34, II, IV e V; art. 45, § 1º; art. 60, III; art. 85, II; art. 132; art. 159, § 2º; art. 225, § 1º, III; e ADCT arts. 13, § 4º, e 34, § 9º.

O art. 34, II, IV e V trata da intervenção da União, a qual só se dá em Estados federados e no Distrito Federal, inclusive para obrigar o repasse de receitas dos Estados para os Municípios.[40]

O art. 45 e seu parágrafo primeiro diz que a Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, mas exclui da sua composição os Municípios.[41]

Conforme o art. 60, III, apenas os Estados federados podem participar do processo de emenda à Constituição da República por meio de suas assembleias legislativas.[42]

O art. 85, II, tipifica como crime de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação.[43] Os Municípios não têm Judiciário e nem Ministério Público.

O art. 132, mesmo tendo sido apontado por José Afonso da Silva como indicação de que o Município talvez não fosse parte da federação, não nos parece ser um sinal disso, pois os Municípios, embora não contemplados em tal artigo, podem e têm procuradorias.[44]

Da mesma forma, ao contrário do mestre, entendemos que os arts. 159 e 225 da Constituição e os artigos 13 e 34 do ADCT não implicam, se vistos isoladamente, que os Municípios não sejam entidades federativas, apenas que a eles não se aplicam as regras aí mencionadas.[45]

Mas, a nosso ver a Federação é mesmo de Estados federados, nela não se incluindo os Municípios, salvo como componentes da organização interna da República, em que pese reconhecermos a existência de quatro esferas de governo autônomas: a União, os Estados Federados, o Distrito Federal e os Municípios.

Para nós os Municípios são partes do Estado federado ao qual pertencem e há várias razões para pensarmos dessa forma, além das já apontadas acima.

Em primeiro lugar os Municípios são criaturas do Estado federado, podendo, por isso, serem alterados por ele, como prevê o art. 18, § 4º da Constituição e o art. 96 do ADCT:

Art. 18 § 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 15, de 1996)

Art. 96. Ficam convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época de sua criação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 57, de 2008). (grifo nosso)

Pode-se argumentar que os Estados federados sejam criaturas da União tendo em vista o que reza o art. 18, § 3º, da Constituição da República:

Art. 18 § 3º - Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar.

O que essa regra prevê vale para alterações na estrutura dos Estados federados existentes e criação de novos e o Congresso Nacional nesse caso não atua representando a pessoa jurídica da União, mas sim a República Federativa do Brasil, assim os Estados são criaturas da República, não da União, essa apenas parte da República, como dissemos acima.

Na sua maioria, os Municípios têm suas contas fiscalizadas por Tribunais de Contas instituídos pelos Estados federados, mesmo em se tratando de verba obtida pelo exercício de suas próprias competências e atribuições estabelecidas na Constituição da República.

Os Municípios, embora possam elaborar uma Lei Orgânica, não podem elaborar uma Constituição, devendo obediência à Constituição do seu Estado federado, em tudo que essa não conflitar com a Constituição da República, o que está expresso no art. 29 da Constituição da República:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: (grifo nosso)

A Constituição da República não diz que apenas uma parte da Constituição Estadual mereça respeito, nem mesmo implicitamente, cabendo lembrar os brocardos ensinados por Carlos Maximiliano: “quando a lei quis determinou; sobre o que não quis, guardou silêncio”[46]e “interpretam-se as exceções estritissimamente”.[47]

Os Municípios tiveram sua autonomia bastante ampliada com o poder de elaborar sua própria lei orgânica, como alerta José Afonso da Silva,[48]mas isso não significa que a Constituição do Estado federado não mereça integral respeito por parte deles.[49]

Assim, por exemplo, em outro estudo, mencionamos que o princípio da indisponibilidade do interesse público expresso na Constituição Paulista no que tange a atuação da Fazenda Pública em juízo[50] se aplica também aos Municípios bandeirantes, em que pese isso não ser explícito na Constituição da República, mas apenas implícito.[51]

Como já dito, os Municípios não têm todos os Poderes, pois não têm Poder Judiciário, submetendo-se, na maioria das vezes, ao Poder Judiciário do seu Estado federado, a quem cabe declarar a constitucionalidade dos atos normativos municipais em relação à Constituição do respectivo Estado federado como um todo, nos termos da Constituição da República:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. [...]

§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão. [...] (grifo nosso)

Como derradeira pá de cal sobre o assunto lembramos que o Senado Federal, representante da Federação no Poder Legislativo da República, não tem participação dos Municípios, pois diz o Art. 46. da Constituição da República que “O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário.”

Sobre isso ensina José Maurício Conti:

“[...] A autonomia dos entes federados engloba aspectos que podem ser sistematizados em três categorias: a autonomia política, a administrativa e a financeira.

A autonomia política, essencialmente, exige que os entes federados tenham competência para legislar, participar das decisões do Poder Central, e competência delimitados para fornecimento de bens e serviços públicos. [...]” (grifo nosso)[52]

Como se viu acima, essa possibilidade de participar das decisões do Poder Central não é dada aos Municípios e, portanto, a federação é de Estados federados e o fato de que os Municípios sejam dotados de grande autonomia não os tornam entidades federativas.

Em sendo assim, então o que significam os artigos 1º e 18 da Constituição da República, apontados como tendo tornado os Municípios entidades federativas? Interessante que ao contrário dos vários artigos aqui mencionados, a corrente contrária ao nosso pensamento só aponta esses dois.

O art. 1º diz:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (grifo nosso)

Em nosso entender esse artigo proclama pura e simplesmente a natureza indissolúvel da nossa federação, não permitindo que nenhuma parte do território nacional se separe do resto, mesmo que seja o menor dos municípios e apenas isso.

Vejamos o artigo 18:

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. (grifo nosso)

O que o artigo diz é que os Municípios fazem parte da organização da República, o que é óbvio e nem precisava ser dito, reforçando a ideia da condição de autonomia dos mesmos, o que não se nega, nos limites da Constituição da República e da Constituição do respectivo Estado federado.

Fixado esse ponto, vejamos em seguida os Territórios e outras formas de organização do espaço geográfico brasileiro que não chegam a ser componentes da organização da República como os até aqui tratados, mas apenas do território nacional.

02.04 OUTRAS DIVISÕES DO ESPAÇO GEOGRÁFICO NACIONAL.

02.04.01 OS TERRITÓRIOS.

Os territórios são partes integrantes da União e, por meio dela, da República, mas não diretamente por si, como dispõe o art. 18, § 2º,[53] da Constituição da República, sendo considerados autarquias territoriais.

Em virtude disso a União organiza e mantém o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública dos territórios, os quais funcionam em conjunto com o Distrito Federal, conforme o art. 21, XIII, da Constituição da República, cabendo à União legislar privativamente sobre esses assuntos, na forma do art. 22, XVII, da mesma Carta.

Os territórios têm sua organização administrativa também regulada por lei federal, podendo ser divididos em Municípios e prestando contas ao Congresso Nacional, mediante parecer prévio do Tribunal de Contas da União (art. 33 da Constituição da República).

O Governador do Território é nomeado pelo Presidente da República e aprovado pelo Senado Federal e se o Território tiver mais de cem mil habitantes ele terá, embora federais, Judiciário com dupla instância, Ministério Público e Defensoria, além de Câmara Territorial, dispondo a lei federal sobre a eleição e competência deliberativa desta.

Nos Territórios Federais, a jurisdição e as atribuições cometidas aos juízes federais caberão aos juízes da justiça local, na forma da lei federal.

Também ele será dotado de Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, evidentemente organizados e mantidos pela União, o mesmo ocorrendo com os servidores civis e os serviços públicos. Os militares são subordinados ao respectivo governador.

O sistema de ensino dos Territórios também é organizado por lei federal.

Atualmente o Brasil não tem territórios, mas poderá vir a tê-los a teor do disposto no art. 48, VI, da Constituição da República.[54]

02.04.02 OUTRAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO BRASILEIRO.

Existem outras formas de organização do território brasileiro tais como as regiões de desenvolvimento, as regiões metropolitanas, as aglomerações urbanas e as microrregiões

Manoel Gonçalves Ferreira Filho observa que as regiões de desenvolvimento não são entes federativos autônomos, no que ele tem razão,[55] sendo que na verdade nenhuma dessas entidades mencionadas neste item o são, embora possam ser criadas autarquias e empresas para cuidar dessas entidades, todas com autonomia administrativa.

Passemos a mencionar brevemente cada uma delas.

02.04.02.01 REGIÕES DE DESENVOLVIMENTO

As Regiões de Desenvolvimento são previstas no mesmo título em que a Constituição da República trata das entidades supramencionadas, ou seja, no Título III (Da Organização do Estado), destinando a elas a Seção IV (Das Regiões) do Capítulo VII (Da Administração Pública) de tal título, sendo tratadas no art. 43.

Elas são uma forma de organização administrativa da União a qual pode articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais.

Conforme ensina José Afonso da Silva cada região deve ser instituída por uma lei complementar própria. Tal lei, nos termos da Constituição deve estabelecer as condições para integração de regiões em desenvolvimento e a composição dos organismos regionais que executarão, na forma da lei, os planos regionais, integrantes dos planos nacionais de desenvolvimento econômico e social, aprovados juntamente com estes.

A União pode criar para essas regiões incentivos, sempre por lei, não exigindo a Constituição lei complementar para tanto.

Entre outros os incentivos podem ser igualdade de tarifas, fretes, seguros e outros itens de custos e preços de responsabilidade do Poder Público, juros favorecidos para financiamento de atividades prioritárias, isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas ou prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda, sujeitas a secas periódicas.

No caso de terras áridas, a Constituição estabelece que a União incentivará a recuperação delas e cooperará com os pequenos e médios proprietários rurais para o estabelecimento, em suas glebas, de fontes de água e de pequena irrigação.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho lembra que esse tipo de política se iniciou com a Constituição de 1946, o que levou à criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), SUDAM (da Amazônia) e outras.[56]

José Afonso da Silva esclarece que a criação dessas regiões dá base para a criação de planos de desenvolvimento econômico e social, se podendo evoluir para um sistema de planejamento no qual o plano nacional de desenvolvimento econômico e social se torne um conjunto organizado de diretrizes e bases, como prevê o art. 174, §1º, da Constituição da República:[57]

Art. 174. [...] § 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. [...]

Em pesquisa na página do Planalto encontramos três leis complementares criando esse tipo de região nos termos do art. 43 da Constituição da República, todas no governo de Fernando Henrique Cardoso:

1.  A Lei Complementar 94/1998, a qual autorizou o Poder Executivo a criar a Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno - RIDE e instituir o Programa Especial de Desenvolvimento do Entorno do Distrito Federal;

2.  A Lei Complementar 112/2001, a qual autorizou o Poder Executivo a criar a Região Integrada de Desenvolvimento da Grande Teresina e instituir o Programa Especial de Desenvolvimento da Grande Teresina; e

3.  A Lei Complementar 113/2001, a qual autorizou o Poder Executivo a criar a Região Administrativa Integrada de Desenvolvimento do Polo Petrolina/PE e Juazeiro/BA e instituir o Programa Especial de Desenvolvimento do Polo Petrolina/PE e Juazeiro/BA.

Ao que tudo indica a ideia não tem tido continuidade ou pelo menos expansão.

02.04.02.02 REGIÕES METROPOLITANAS

As regiões metropolitanas podiam ser organizadas pela União na Constituição anterior, como se vê pelas Leis Complementares Federais 14/1973,[58] 20/1974, 52/1986, mas, como ensina José Afonso da Silva, a União as criava e não fazia mais nada, cabendo aos Estados a sua estruturação e funcionamento, estabelecendo para tanto empresas ou autarquias.[59]

A partir da Constituição da República de 1988 tal competência foi reservada aos Estados federados:

Art. 25. § 3º - Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho diz que hoje tais regiões só podem incluir municípios de um único Estado federado, diferentemente da disciplina anterior quando a competência era da União.

Explica ele que elas são entidades administrativas superpostas aos Municípios de uma determinada área cujo objetivo é melhor exercer os serviços públicos nessa área, sendo que o mesmo objetivo pode ser perseguido por meio da criação de aglomerações urbanas ou microrregiões.

Esse mestre esclarece que essas regiões decorrem de uma realidade fática consistente no fato de que é impossível resolver certos problemas típicos de uma metrópole apenas no âmbito municipal, como, por exemplo, abastecimento de água, tratamento de esgoto, proteção ao meio ambiente, transportes e etc..[60]

O Ministro Eros Grau em voto proferido no Supremo Tribunal Federal[61] esclarece que a criação da região metropolitana, aglomerações urbanas e microrregiões decorre do fato de que houve uma mudança na realidade, pois antes a cidade ficava incrustada no município e hoje muitos municípios ficam incrustados em cidades no fenômeno denominado de conurbação.

O Ministro em seu voto bem esclarece que a existência de tais organizações não compromete e não pode comprometer a autonomia dos municípios, para ele entidades da federação, estabelecendo quais são os limites do Estado federado ao criar essas entidades:

Mais ainda: o preceito inscrito no § 3º do artigo 25 do texto constitucional --- disposição especial em relação à generalidade maior do enunciado do § 1º deste mesmo artigo 25 --- não transfere aos Estados-membros a competência municipal relativa à prestação dos serviços comuns a vários Municípios; apenas refere a instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões tendo em vista a integração da organização, do planejamento e da execução de serviços comuns --- e, nisso e com isso, limita as atribuições, do Estado-membro, que poderiam decorrer do exercício daquela competência.

A norma destacada do texto constitucional é o modelo de "como as coisas devem ser" relativamente à competência para a organização e prestação dos serviços públicos "metropolitanos", objeto de demanda social no espaço de Municípios conurbados: o interesse local, no caso, se desdobra em interesse interlocal; a competência para organizá-los e prestá-los seria municipal. Esse modelo será completado pela norma destacada do preceito inscrito no § 3º do artigo 25 do texto constitucional: ainda que a competência para a organização e prestação desses serviços seja dos Municípios afetados pelo interesse interlocal, o Estado-membro poderá [deverá, mesmo] --- desde que, no caso, institua, mediante lei complementar, região metropolitana --- prover no sentido da integração da organização [inclusive planejamento] e execução deles; mas poderá [deverá] apenas isso.

Por isso mesmo essa atuação, do Estado-membro, no sentido de prover aquela integração, não compromete a integridade das competências constitucionalmente atribuídas aos Municípios. Em outros termos: a competência para organizar e prestar aqueles serviços será dos Municípios, aos quais incumbirá atuação integrada, provida pelo Estado-membro; nem por isso, no entanto, deixa de se manifestar como competência municipal. (grifo nosso)

Esclarece o Ministro que ser uma região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião não é uma questão de fato, mas de Direito:

Ainda que a Constituição de 1.988 não tenha conceituado região metropolitana, aglomeração urbana e microrregião, todas elas consubstanciam, enquanto conceitos jurídicos, realidades do mundo do dever-ser --- não do mundo do ser. Isto é: nenhum agrupamento de Municípios limítrofes é, essencialmente, uma região metropolitana.

Logo, a existência de uma região metropolitana decorre de lei complementar, estadual, que a tenha instituído, conceituando-a como tal. (grifo nosso)

Lembra o Ministro que essa qualificação jurídica não é arbitrária, mas deve se ater aos limites estabelecidos na Constituição da República acrescentando:

A inovação trazida pela nova Constituição ao modelo de federação brasileiro está na instituição, pelo Estado-membro, de uma nova forma de administração regional, sem personalidade política, para o desempenho de funções públicas de interesse comum. Lembro tratar-se, aqui, de funções cuja especificidade decorre do rompimento do modelo, antigo, da cidade incrustada no Município.

A institucionalização dessa[s] nova[s] forma[s] de administração regional importa em tornar-se compulsório o relacionamento entre os Municípios limítrofes que compõem o agrupamento, a fim de que seja integrada a organização, o planejamento e a execução das funções públicas de interesse comum. É isso que há de novo em nossa federação, na qual o Município figura como ente federativo.

A Constituição Paulista exige lei complementar para a instituição de regiões metropolitanas, como se vê no seu art. 23, parágrafo único, 17.

O conceito de região metropolitana é dado no art. 153, § 1º, da Constituição Paulista:

Art. 153 § 1º - Considera-se região metropolitana o agrupamento de Municípios limítrofes que assuma destacada expressão nacional, em razão de elevada densidade demográfica, significativa conurbação e de funções urbanas e regionais com alto grau de diversidade, especialização e integração sócio-econômica, exigindo planejamento integrado e ação conjunta permanente dos entes públicos nela atuantes.

No Estado de São Paulo a região metropolitana objetiva promover o planejamento regional, a organização e execução das funções públicas de interesse comum, cabendo ao Estado, por lei complementar, criar para cada uma delas um conselho de caráter normativo e deliberativo, bem como dispor sobre a organização, a articulação, a coordenação e, conforme o caso, a fusão de entidades ou órgãos públicos atuantes na região, assegurada, nestes e naquele, a participação paritária do conjunto dos Municípios, com relação ao Estado.

Esse conselho integra entidade pública de caráter territorial, vinculando-se a ele os respectivos órgãos de direção e execução, bem como as entidades regionais e setoriais executoras das funções públicas de interesse comum, no que respeita ao planejamento e às medidas para sua implementação, devendo haver participação popular no processo de planejamento e tomada de decisões, bem como na fiscalização da realização de serviços ou funções públicas em nível regional.

Os municípios paulistas participam de tal conselho na forma da lei complementar estadual e cabe a eles compatibilizar, no que couber, seus planos, programas, orçamentos, investimentos e ações às metas, diretrizes e objetivos estabelecidos nos planos e programas estaduais, regionais e setoriais de desenvolvimento econômico-social e de ordenação territorial, quando expressamente estabelecidos pelo conselho metropolitano.

Também o Estado de São Paulo, no que couber, deve compatibilizar os planos e programas estaduais, regionais e setoriais de desenvolvimento, com o plano diretor dos Municípios e as prioridades da população local, estabelecendo em seus planos plurianuais de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da Administração Estadual.

Tanto o Estado quanto os Municípios bandeirantes devem destinar recursos financeiros específicos, nos respectivos planos plurianuais e orçamentos, para o desenvolvimento de funções públicas de interesse comum.

Em região metropolitana ou aglomeração urbana, o planejamento do transporte coletivo de caráter regional será efetuado pelo Estado de São Paulo, em conjunto com os municípios integrantes das respectivas entidades regionais e caberá ao Estado a operação do transporte coletivo de caráter regional, diretamente ou mediante concessão ou permissão.

No Estado de São Paulo encontramos as seguintes leis tratando de regiões metropolitanas:

1.                  Lei Complementar Estadual 94/1974 – Região Metropolitana da Grande São Paulo

2.                  Lei Complementar Estadual 815/1996 – Região da Baixada Santista, com criação de entidade autárquica e fundo de desenvolvimento;

3.                  Lei Complementar Estadual 870/2000 – Região Metropolitana de Campinas, com criação de entidade autárquica e fundo de desenvolvimento; e

4.                  Lei Complementar Estadual 946/2003 – cria a Agência Metropolitana de Campinas.

Tratando genericamente não apenas de região metropolitana mas de toda a organização regional do Estado de São Paulo encontramos a Lei Complementar Estadual 760/1994.

02.04.02.03 AGLOMERAÇÕES URBANAS

Igual ao que ocorre com as regiões metropolitanas, a criação das aglomerações urbanas é de competência dos Estados federados por força do art. 25, §3º, da Constituição da República.

As aglomerações urbanas são criadas por lei complementar estadual no Estado de São Paulo, por força do disposto no art. 23, parágrafo único, 17, da sua Constituição, a qual dá a seguinte noção de aglomeração urbana:

Art. 153 § 2º - Considera-se aglomeração urbana o agrupamento de Municípios limítrofes que apresente relação de integração funcional de natureza econômico-social e urbanização contínua entre dois ou mais Municípios ou manifesta tendência nesse sentido, que exija planejamento integrado e recomende ação coordenada dos entes públicos nela atuantes.

José Afonso da Silva diz, com razão como vimos acima, que muitas das regras das regiões metropolitanas valem para as aglomerações urbanas, noticiando a dificuldade de diferenciar os conceitos, os quais não foram claramente estabelecidos nas Constituições dos Estados federados ou mesmo por leis, afirmando que essas dificuldades de diferenciação demonstram a inconveniência de a Constituição da República prever duas instituições para um fenômeno urbano basicamente igual.

Observa esse autor que as regras previstas na Constituição Paulista para regiões metropolitanas não são aplicáveis a outros Estados Federados de diferentes condições, o que é óbvio, e mesmo a Constituição Cearense, que tratou bem desses assuntos, pouco se dedicou à questão das aglomerações urbanas.[62]

02.04.02.04 MICRORREGIÕES

Também as microrregiões são criaturas dos Estados federados, como determina o art. 25, §3º, da Constituição da República.

No Estado de São Paulo, cabe à lei complementar a criação de microrregiões, como determina o art. 23, parágrafo único, 17, da Constituição Bandeirante, tendo essa carta estabelecido o que se entende por microrregiões o art. 153, § 3º:

Art. 153 § 3º - Considera-se microrregião o agrupamento de Municípios limítrofes que apresente, entre si, relações de interação funcional de natureza físico-territorial, econômico-social e administrativa, exigindo planejamento integrado com vistas a criar condições adequadas para o desenvolvimento e integração regional.

José Afonso da Silva esclarece que essas áreas são consideradas microrregionais pelo ponto de vista nacional, constituindo esse espaço o mais apropriado para a atividade urbanística do Estado federado.[63]

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Sobre o autor
Eurípedes Gomes Faim Filho

juiz de Direito paulista desde 1989. Professor universitário desde 1988 iniciando na UNESP e tendo trabalho em outras universidades, mas no momento não em atividade docente. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAIM FILHO, Eurípedes Gomes. República, federação e organização territorial do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3464, 25 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23263. Acesso em: 8 nov. 2024.

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