Artigo Destaque dos editores

O tempo de trabalho e a sua função social

Exibindo página 2 de 3
26/12/2012 às 08:19
Leia nesta página:

2 FLEXIBILIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO E O ATUAL CONTEXTO SÓCIO-ECONÔMICO

Há quem refira que passamos por uma terceira revolução industrial, da microelectrônica, onde a robótica substitui a energia humana e as novas tecnologias das comunicações tornam o trabalho humano supérfluo. O que temos observado é o desaparecimento de setores ou níveis anteriormente existentes na construção, na produção, no marketing, na venda e mesmo na gestão. Pela primeira vez, o “ídolo” trabalho submete-se involuntariamente a um regime de racionamento duradouro.

A atual conjuntura econômica vem submetendo quantidades cada vez maiores de indivíduos ao desemprego. Por outro lado, observa-se que a reduzida quantidade de  indivíduos que permanecem empregados são submetidos a uma exigência de trabalho e de eficiência cada vez maior. As empresas querem fazer “mais com menos”, ou seja, maior produtividade com o menor custo possível.

Neste contexto, o capitalismo torna-se uma instituição de minorias. Em busca de sobras de trabalho para se alimentar, o capital faz estourar as fronteiras da economia nacional e globaliza-se numa concorrência predatória. Regiões inteiras do mundo são privadas dos fluxos globais de capital e de mercadorias. Os Estados e nações desorganizados implodem, e as populações, empurradas para a loucura pela luta concorrencial de sobrevivência, digladiam-se na guerra étnica dos bandos.

Em meio a tudo isso surgem as mais variadas idéias para se “driblar” a crise do capitalismo. Os empresários buscam a ajuda dos governos, na intenção de obter incentivos e políticas públicas que de alguma forma amenizem o impacto oriundo de uma economia globalizada. Mas o empresariado não busca apenas a interferência estatal. Também busca a ajuda dos órgãos de classe, que têm papel fundamental no mundo das relações de trabalho, possibilitando a criação de normas específicas para a categoria, pelo que se tem as normas coletivas como instrumentos valiosos de flexibilização de direitos trabalhistas em meio a situações emergenciais e temporárias (é o que se espera). É neste cenário que se desenvolverá o presente capítulo.

2.1 NORMAS COLETIVAS, FLEXIBILIZAÇÃO E A ATUAL CONJUNTURA ECONÔMICA

A globalização da economia trouxe intensos reflexos no campo da regulação das relações de trabalho. Mas não é possível dar uma definição exata de globalização econômica. Arion Sayão Romita[80] salienta que se trata, na verdade, de um conjunto de fatores que determinam a mudança dos padrões de produção, criando uma nova divisão internacional do trabalho, que denomina de “internacionalização da produção e do trabalho”.

A fábrica tradicional, resultado das primeiras revoluções industriais e que alcançou seu mais alto grau de organização baseada nas concepções taylorista e fordista, perdeu seu espaço para organizações flexíveis, baseadas em noções toyotistas, sem rigidez, à base de relações contratuais flexibilizadas entre capitalistas e trabalhadores.

O que se observa é uma economia que se desenvolve em escala mundial, onde os mercados de insumo, consumo e financeiro se internacionalizam, de sorte que a noção de fronteira geográfica clássica se torna obsoleta. As atividades produtivas se espalham por vários países e continentes, permitindo às empresas multinacionais distribuir seus investimentos pelos territórios onde a legislação seja mais favorável. Surgiram, em razão dessa transformação produtiva, atividades precárias, como o trabalho temporário, jornadas reduzidas, trabalho partilhado, freelance, teletrabalho, dentre outros[81].

No Brasil vivenciamos uma situação de desemprego conjuntural, que é reflexo direto dos problemas internos, como a queda do nível de emprego provocada pela recessão e outras crises na economia. Com a globalização criou-se o desemprego estrutural, advindo da abertura do mercado de trabalho do país e da inovação tecnológica. Houve significativas mudanças na estrutura do trabalho. As empresas foram obrigadas a reduzir seus custos e aumentar a produtividade[82].

Diferentes fatores como a crise econômica e as inovações tecnológicas fizeram possível a existência de novas formas de organização do trabalho e mais especificamente do tempo de trabalho. Com o abandono do rígido e imutável modelo tradicional, surge o trabalho a tempo parcial, intermitente, distribuição flexível da jornada mediante contagens mensais ou anuais, horário flexível, disponibilidade, enfim, novas formas de flexibilização de tempo laboral.

2.1.1 Entendendo o instituto da flexibilização nas relações de trabalho: necessidade ou forma de fragilização do sistema protetivo trabalhista?

Alguns chamam o fenômeno da flexibilização de Direito Emergencial do Trabalho[83] ou ainda, Direito do Trabalho da Crise[84], resumindo-o ao seu principal fim: ser um meio de se adaptação das relações trabalhistas às sucessivas mutações ocorridas na economia mundial, como a globalização, o desemprego crescente, aumento da economia informal, as novas tecnologias e métodos de trabalho, dentre outros.

VIANNA, buscando traçar a distinção entre a flexibilização e a desregulamentação, refere que aquela “nada mais é do que a manutenção dos direito previstos em lei como regras gerais, permitindo-se sua adaptação ou alteração mediante negociação coletiva, tudo sob a fiscalização do Estado, que impõe limites”[85]. Já desregulamentação significa tirar do poder do Estado a regulação das relações de trabalho, a fim de que as condições de emprego sejam ditadas pela autonomia privada.

Para ROCHA, a flexibilização ou flexibilidade é sinônimo de diminuição ou afrouxamento das normas de proteção trabalhista clássica e frisa que este afrouxamento visa uma adaptação da proteção clássica trabalhista, com a finalidade de se aumentar o investimento, o emprego e a competitividade das empresas. Refere que desregulamentação seria a eliminação da norma ou sua total substituição por acordos ou por usos[86].

Assim, tem-se que a flexibilização, em linhas gerais, é vista como um mecanismo de composição nas relações de trabalho, tendo por instrumento as normas coletivas de trabalho e por finalidade a adaptação das condições de trabalho à realidade da empresa e da categoria representada pelo sindicato dos empregados[87].

Os objetivos da flexibilização estariam relacionados à complementação ou suplementação das regras legais com vista à adaptação das normas às peculiaridades regionais, empresariais e profissionais, admitindo derrogações de condições anteriormente pactuadas para ajustá-las a situações circunstanciais importantes, métodos de trabalho ou implementação de nova tecnologia[88]. Seu fim está relacionado à adaptação do trabalho à realidade. Alguns doutrinadores referem inclusive que o direito do trabalho não pode negar a realidade, já que na sociedade atual teríamos um Direito do Trabalho voltado para “o direito ao trabalho” e devem ser propiciados mecanismos que possibilitem às empresas enfrentar a competição internacional e possibilitar a manutenção e criação de empregos[89].

 De acordo com Ives Gandra da Silva Martins Filho[90], a necessidade de valorização das normas coletivas decorre do fracasso da reforma trabalhista - com a qual se tinha a promessa de revogação dos dispositivos que entravassem a contratação formal e seriam modernizados os mecanismos de proteção ao trabalhador – aliada à incapacidade da justiça do trabalho compor satisfatoriamente todos os conflitos que lhe chegam diariamente. Revela que na ausência de intervenção estatal, as categorias profissional e econômica têm se arranjado satisfatoriamente, referindo dados estatísticos do DIEESE de que 72% dos acordos e convenções coletivas trazem ganho real para o trabalhador.

De fato, é o que se observa. O próprio Estado está mostrando sua incapacidade de atender de forma efetiva aos anseios da sociedade relativamente às relações de trabalho.

Aqueles que têm entendimento contrário à flexibilização das relações trabalhistas referem que o instituto, analisado sob a ótica de que o negociado deve prevalecer sobre o legislado, seria uma verdadeira derrocada das conquistas trabalhistas, fragilizando o sistema protetivo insculpido na CLT. Referem os adeptos dessa linha que num país com sindicalismo fraco, onde apenas algumas categorias melhor organizadas podem fazer frente à pressão econômica patronal, seria temeroso abandonar os trabalhadores nas mãos de entidades sindicais que não têm condições de defender seus interesses satisfatoriamente[91].

Nesse sentido, entende-se que a negociação coletiva, embora seja mecanismo desejável de solução dos conflitos entre capital e o trabalho, no ordenamento jurídico brasileiro não pode flexibilizar, de modo amplo, direitos trabalhistas básicos.

Rodrigo Garcia Schwarz refere que “nada mais traduz a precarização do trabalho do que a subordinação absurda e exacerbada do direito social à política econômica”. E salienta que ao se procurar subordinar a legislação trabalhista à ordem econômica e ao se buscar justificar a sua instabilização pela sua pouca efetividade, em breve estaremos também revogando os demais direitos sociais no Brasil, como direito à saúde e à educação[92].

Na concepção de SCHWARZ, a flexibilização seria um passo para a “precarização” do trabalho, já que oportuniza ao capitalista, face à queda do seu lucro, a maximização da expropriação do trabalho assalariado. E salienta que Espanha e Argentina são exemplos de que um mercado de trabalho “flexível” não implica na criação de empregos[93].

Os adeptos da flexibilização, vocábulo este que ganhou a preferência dos estudiosos, por caracterizar da forma mais correta o “fenômeno”, explicam que o direito do trabalho tem, em suas características básicas, um certo dinamismo e adequação à realidade, estando estas inseridas num contexto político, social e econômico, que está sempre a se modificar e evoluir[94].

Considerando os limites da flexibilização do Direito do Trabalho, poder-se-ia dizer que existem atualmente 3 principais correntes: a) a flexibilista: segundo a qual para que as relações de trabalho se modernizem, deve ser possível que as convenções coletivas de trabalho contenham cláusulas in mellius e in pejus para o trabalhador, para melhor adequação à realidade, seja da época, do setor, do tamanho da empresa, etc.; b) a antiflexibilista: que defende a idéia de que a flexibilização é uma forma de eliminar direitos dos trabalhadores, significando uma espécie de retorno à barbárie e à escravidão; c) a semiflexibilista: na qual se acredita que a flexibilização deve ocorrer, mas por iniciativa dos trabalhadores e de forma gradual e de negociação[95].

Sônia Mascaro Nascimento defende a idéia de que a negociação coletiva é um mecanismo de adaptação das relações de trabalho às novas realidades sociais e que não é mais possível se manter a idéia de que a lei deve preponderar. Segundo a respeitável doutrinadora, desde que observados os princípios fundamentais, o negociado deve prevalecer sobre o legislado[96].

Dentro dessa linha, muito se questiona sobre a fragilidade dos sindicatos da classe operária e seu despreparo para realmente assumir a “função constitucional” que lhes foi atribuída. O que se observa, na prática, é que existe um grande “comodismo sindical”, advindo do excesso de proteção do Estado, sendo necessário pôr fim ao partidarismo excessivo, que tem a arrecadação como seu principal interesse.

A professora Sônia Mascaro Nascimento salienta que apesar de muito se falar em flexibilidade na doutrina, pouco se tem feito em termos práticos no Brasil[97].

O próprio TST, nosso órgão de cúpula trabalhista, não é unânime nessa questão. O dogma da “flexibilização = precarização = desregulamentação” foi, de certa forma, superado. Mas, diga-se de passagem, os limites do instituto ainda estão sendo delineados.

Cumpre fazer referência ao Enunciado nº. 9, da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, ocorrida em 23/11/2007[98], dedicado à flexibilização, dada a relevância do tema:

9 – Flexibilização.

I -FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS. Impossibilidade de desregulamentação dos direitos sociais fundamentais, por se tratar de normas contidas na cláusula de intangibilidade prevista no art. 60, §4º, inc. IV, da Constituição da República.

II -DIREITO DO TRABALHO. PRINCÍPIOS. EFICÁCIA.  A negociação coletiva que reduz garantias dos trabalhadores asseguradas em normas constitucionais e legais ofende princípios do Direito do Trabalho. A quebra da hierarquia das fontes é válida na hipótese de o instrumento inferior ser mais vantajoso para o trabalhador.

Na verdade, o enunciado, em seu inciso I, trata de direitos do trabalhador que devem ser preservados, sendo vistos como indisponíveis. Todavia, como refere Martins Filho, os próprios incisos do art. 7º da CF, a nosso ver, não são cláusulas pétreas, uma vez que o art. 60, §4º, IV, da CF, ao limitar o poder de emenda aos direitos e garantias individuais, não abrangeu nem os direitos coletivos do art. 5º, nem os direitos sociais do art. 7º, cingindo a sua proteção à parte dos incisos do art. 5º da CF.

Deste modo, se a intenção era a de proteger da incidência da flexibilização os direitos sociais, sob a alegação de que são intangíveis, por força do que dispõe o art. 60, §4º, IV da CF, cometeu-se um grande equívoco, pois ele não estaria abrangido por este comando legal. De qualquer forma, vamos entender que a idéia era a de salvaguardar as disposições contidas na CF acerca dos direitos sociais fundamentais. O mais interessante é que a flexibilização é tratada como sinônimo de desregulamentação[99].

Já o inciso II aborda a questão da flexibilização e sua incompatibilidade com os princípios do direito do trabalho quando forem reduzidas garantias constitucionais e legais. E complementa que somente será considerada válida a “quebra” da hierarquia das fontes na hipótese do instrumento inferior (leia-se “normas coletivas”) ser mais vantajoso ao trabalhador.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Todavia, se pergunta: estaria, neste caso, sendo considerada a norma coletiva como um “todo”, ou seja, um instrumento de negociação que pode flexibilizar em algumas cláusulas, que pode realmente reduzir direitos do trabalhador, mas com a devida compensação, com outras vantagens e benefícios? Será que foi esquecida a aplicação da “teoria do conglobamento”, muito aplicada pelos ministros do TST, desde que o negociado não colida com normas fundamentais e indisponíveis?  

Entende-se que a referida súmula “pecou” em alguns pontos e acabou por “enrijecer” o instituto, a ponto de descaracterizá-lo. O instituto perderia o seu objetivo principal de fazer prevalecer o negociado sobre o legislado (salvaguardadas as garantias constitucionais fundamentais, sob pena de se permitir uma regressão e não um avanço nas relações trabalhistas).

Mas quando se fala em flexibilização, não há como deixar de salientar o importante papel dos sindicatos, que têm a responsabilidade de definir em que momentos se deve ou não negociar os direitos trabalhistas, sempre considerando o que é melhor para o trabalhador ou ainda, para a empresa naquele momento, considerada a realidade econômica, social, política, tecnológica (dentre outros), e também local, regional ou nacional.

Nesse ponto o direito do trabalho se aproxima da realidade. Permitindo-se a adequação das normas à realidade do trabalhador, por intermédio das categorias profissional e econômica em cada setor (que são, na verdade, as que melhor conhecem as condições de trabalho e as circunstâncias em que ele é desempenhado), estar-se-ia efetivamente, inserindo o direito do trabalho dentro do sistema das relações de trabalho e integrando-o ao todo maior, do sistema político, social e econômico.

Refere Sônia Mascaro Nascimento que “os valores hoje mudaram: a proteção física e psíquica do trabalhador é fundamental, mas a sobrevivência da empresa, a manutenção do emprego e a adaptação à nova sociedade também são objetivos importantes”[100]. Seu entendimento é de que há uma tendência mundial no sentido de flexibilizar as relações de trabalho, citando PASTORE, que refere ser preciso “flexibilizar para sobreviver”[101]. Seus argumentos são de que, quanto maior é o número de proteções e encargos legais nas relações de trabalho, menor é o número é o número de pessoas protegidas, pois este seria um campo propício para o desenvolvimento de economias informais e precárias de trabalho, para se fugir dos elevados custos da contratação formal.

Nesse sentido, havemos de concordar, posto que o protecionismo em excesso, com normas rígidas e inadequadas à realidade, pode efetivamente resultar em prejuízos irreparáveis à classe tutelada a ponto de criar-se, como refere MARTINS FILHO, utilizando-se de uma expressão muito apropriada, um “protecionismo às avessas”, que protege tanto o trabalhador brasileiro a ponto de gerar empregos na China[102].

O Comitê Econômico e Social das Comunidades Européias, em parecer elaborado em 1995 sobre o “tempo de trabalho”, apontou a flexibilização como solução aos sistemas atuais de relações de trabalho, já que possibilitaria a adaptação do emprego às características da era pós-industrial através de negociações entre as partes, de forma coletiva ou individual, com o fim de manter as empresas em funcionamento e assegurando a manutenção de empregos e da qualidade de vida dos empregados[103].

Os estudiosos falam em novos tempos do contrato de emprego, com a chegada do fim da subordinação clássica no direito laboral. Para ROCHA uma certa flexibilização ou mesmo desregulação seria aceitável, já que o mundo mudou e com ele, há de mudar o direito do trabalho, desde que considerados os direitos mínimos do trabalhador estatuídos nas constituições nacionais. Salienta, todavia, que uma “certa flexibilização” no direito do trabalho poderia ser aceita, mas com pretensões flexibilizadoras “não tanto castradoras de velhos direitos na forma tradicional”, mas uma flexibilização também em defesa do emprego e do empregado[104].

Enfim, parece-nos que de certa forma, todos se demonstram favoráveis à flexibilização no direito do trabalho, alguns com extremas restrições, outros sem qualquer reserva, mas todos concordam que a realidade atual exige que o direito laboral ganhe novos contornos, sob pena de se tornar um sistema estanque, apenas teórico e sem nenhuma aplicação prática.

 2.1.2 A Sociedade Atual e a Flexibilização do Tempo de Trabalho

Na sociedade atual o tempo passou a ser elemento imprescindível na coordenação e integração das relações sociais, visto que o número de atividades a serem sincronizadas na modernidade é maior e em redes mais complexas. Com a maior dependência das medidas temporais, há uma ênfase excessiva na temporalidade e com isso surgiram as mais diversas formas de aproveitamento do “tempo de trabalho”.

Uma destas novas modalidades que surgiram com o objetivo de eliminar os chamados “tempos mortos de trabalho” é o chamado “horário de trabalho flexível”. Interessante referir que a iniciativa das mudanças com relação à flexibilização dos horários de trabalho partiu dos empregadores. Inicialmente os sindicatos ficaram na defensiva, mas algum tempo depois surgiu também a reivindicação sindical pela redução do tempo de trabalho.

Na atualidade a temática volta a ser objeto de ampla discussão, seja por aspectos econômicos, seja por aspectos sociais. As empresas buscam racionalização e reordenação da produção, de forma a adequá-la às novas exigências do mercado de consumo. Já o trabalhador busca, de um modo geral, a melhora na qualidade de vida: como a empresa deixou de ser o “centro de sua vida”, ele passa a buscar uma real diminuição do tempo de trabalho para ter mais tempo livre para organizar-se segundo a sua conveniência. Nas palavras do sábio Nietzche “ todos os homens se dividem, em todos os tempos e também hoje, em escravos e livres; pois aquele que não tem dois terços do dia pra si é escravo, não importa o que seja: estadista, comerciante, funcionário ou erudito[105].”

Sônia Mascaro Nascimento esclarece que o foco principal da flexibilização do horário de trabalho é possibilitar que os interlocutores sociais venham a se adaptar mais rapidamente aos novos valores sociais. E enfatiza que “o direito do trabalho é um ramo do direito que tem estreitas relações com os problemas sociais e com esses deve seguir, não podendo ficar à margem deles”[106].

 Tem-se que o objetivo da flexibilização do tempo de trabalho não é o de criar uma “fórmula mirabolante” para o desemprego, mas o de adaptar as relações de trabalho à nova realidade socioeconômica, aos novos modos de produção e de vida. A sociedade atual está voltada para o conhecimento, a competitividade e a informação e tudo isso faz com que o Direito do Trabalho se volte ao estudo do trabalhador no mercado de trabalho e da possibilidade da empresa enfrentar a competição internacional[107], fruto da globalização.

Cabe referir que a preferência do trabalhador por determinado modelo de jornada leva em consideração determinados fatores, como: a sua idade, que indiretamente indica o “momento da vida”, associando-se à constituição de família, investimento em estudos e proximidade da aposentadoria; a perspectiva de progressão na carreira, abrangendo o comprometimento organizacional, a motivação e satisfação com o trabalho; o gênero, especialmente em função da divisão dos papéis sociais; grade horária do trabalho, no que tange à conciliação com vida social e lazer; e o resultado para a renda familiar. Também tem igual importância o ritmo de trabalho[108].

De acordo com DAL ROSSO, três medidas do tempo influenciam na relação entre homem e trabalho: a duração (quantidade de horas por dias, semanas ou anos), a distribuição (forma como o horário se concentra ou dilui em determinados períodos) e a intensidade (esforço físico, intelectual e emocional investido no trabalho)[109].

Dentre as diversas modalidades de flexibilização do tempo de trabalho, encontramos duas a que damos especial destaque: a redução da jornada de trabalho e o horário de trabalho flexível. A primeira delas é uma reivindicação bastante antiga da classe operária, conforme se observou no primeiro capítulo deste estudo, e que na atualidade volta a ser objeto de amplos debates[110]. A segunda é uma idéia que ainda está em fase de maturação e por ser uma modalidade de flexibilização inovadora no que tange à disposição do tempo de trabalho, será igualmente objeto de análise neste trabalho. 

Observar-se-á que as alterações no tempo de trabalho, embora num primeiro momento pareçam simples de serem implantadas representam, no cenário jurídico-administrativo um grande desafio. O próprio instituto do horário de trabalho flexível, que abordaremos com maior profundidade no próximo tópico, representa uma idéia original e inovadora, pois busca implantar mudanças com base em uma política de Qualidade de Vida no Trabalho[111].

2.2 HORÁRIO DE TRABALHO FLEXÍVEL: UMA INOVAÇÃO NO QUE TANGE À FLEXIBILIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO

Cumpre inicialmente traçar a distinção entre flexibilização do horário de trabalho e horário de trabalho flexível. Embora ambos tragam consigo a idéia de flexibilização das normas trabalhistas, apresentam conceitos diferenciados, de modo que um não pode ser confundido com o outro, embora seja correto afirmarmos que o horário de trabalho flexível está inserido na flexibilização do horário de trabalho, como uma de suas modalidades[112].

A flexibilização do horário de trabalho pode ser conceituada como o conjunto de medidas maleabilizadoras das normas trabalhistas referentes ao horário de trabalho, visto historicamente como algo uniforme e invariável. Consiste na criação de novos mecanismos de horário de trabalho diferenciados, com base na reorganização, redução ou escalonamento do tempo de trabalho.

Já o horário de trabalho flexível seria uma modalidade de jornada flexível, segundo a qual o empregado, respeitando um certo horário nuclear de presença obrigatória, pode configurar sua jornada de trabalho com entradas e saídas móveis, entrando e saindo do trabalho antes ou depois, conforme o que for negociado pelas partes[113].

O objetivo principal do sistema de horário flexível é proporcionar ao empregado facilidades e conveniências para conseguir resolver assuntos de fora da empresa, sem que isso o prejudique no desempenho de suas atividades profissionais[114]. Pode ser entendido como uma maneira de organizar o tempo entre o horário de trabalho e o horário de não-trabalho, de maneira que o empregado possa melhor dispor de seu tempo por escolha pessoal da jornada que irá seguir[115].

De acordo com MARTINS, a flexibilização das regras trabalhistas é também uma forma de atenuar o princípio da proteção à relação laboral. Um dos exemplos mais comuns de flexibilização seriam as modalidades referentes à jornada de trabalho. O chamado flextime (horário flexível), muito utilizado nos países de língua inglesa, em que o funcionário entra mais cedo e sai mais cedo do trabalho, ou tem a opção de ingressar mais tarde e sair deste modo, mais tarde, estabelecendo assim o seu próprio horário de trabalho, trabalhando mais horas em determinado dia ou semana para trabalhar um menor número em outros dias seria um dos exemplos desse tipo de flexibilização. Nestes casos deve ser observado, contudo, um número mínimo de horas trabalhadas no ano, no mês ou semana[116].

No sistema de horário flexível há sempre um horário de trabalho comum para todos os empregados da empresa, chamado de horário núcleo (presença obrigatória), e os de presença opcional (períodos móveis), que são os momentos de início e término do trabalho, dentro de certos limites fixados pela empresa, sendo que o empregado é obrigado a cumprir integralmente o número de horas por dia (por exemplo, oito horas e meia). Esse sistema é mais conhecido como horário móvel ou flex time[117]. Segue exemplificação: Horário Variável: Entrada – Das 07h00 às 08h15; Período Núcleo (em que todos os empregados devem estar na empresa) – Das 08h15 às 16h30; Horário Variável: Saída - Das 16h30 às 17h45.

A flexibilização do horário de trabalho é classificada como quantitativa interna, porque engloba a utilização do tempo do empregado. Essa flexibilização quanto ao tempo de duração do trabalho pode ocorrer através do flexible working hours ou flextime, prática esta que permite aos trabalhadores acordar o início e o término do horário de trabalho para adapta-lo a suas necessidades pessoais. Alguns referem que esse tipo de flexibilização do horário de trabalho seria mais utilizada em relação aos trabalhadores de “colarinho branco”[118]. Todavia, vem crescendo na atualidade o número de empresas optantes por essa modalidade de maleabilização do horário de trabalho, como forma conseguir a satisfação de seus funcionários e conseqüentemente, obtendo-se maior produtividade, empenho e assiduidade[119].

O horário flexível, conforme já referido, consiste no empregado ter um horário de entrada e de saída, podendo, no entanto, chegar ou sair antes ou depois, sendo reposta a diferença no mesmo dia ou em outros. Quando essa reposição é feita no mesmo dia ou dentro da mesma semana, sem que passe de dez horas por dia e da soma de seis jornadas normais na semana, a hipótese se enquadra na figura de compensação, com fundamentação no Artigo 59, § 2º, da CLT. Quando, entretanto, se faz a reposição de forma diversa, seja pelo excesso de horas em certos dias, seja pelo acúmulo de horas de trabalho em outras semanas, caracteriza-se como compensação extra-legal, ou seja, não prevista em lei[120].

Trata-se de um benefício não-financeiro, pois é oferecido na forma de vantagem ou facilidade para os empregados. Portanto, sua classificação quanto à natureza é "não-monetária"[121]. A implantação do horário de trabalho flexível depende de negociação coletiva, isto é, de acordo coletivo ou convenção coletiva.

Pode-se dizer que existem basicamente 3 modalidades de horário flexível[122], a saber:

a) Horário flexível diário, quando o empregado tem a liberdade de entrar e sair do trabalho no horário que quiser, podendo variar de um dia para o outro, sem horário de permanência obrigatório durante o dia, devendo, no entanto, totalizar 44 horas semanais.

b) Horário flexível integral ou horário livre, pelo qual os empregados têm total independência para gerir o seu próprio tempo de trabalho, de acordo com as tarefas que têm que realizar.

c) Horário fixo variável, no qual a empresa permite aos empregados optar por um, entre diversos horários propostos, que deverá ser cumprido com a mesma rigidez com que são cumpridas as jornadas convencionais da empresa.

Ousamos referir que no Brasil foi criada uma modalidade própria de horário flexível, que vamos dar o nome de horário flexível moderado. Nele as empresas oferecem alternativas ao horário padrão, estipulando um horário-núcleo, no qual todos devem estar na empresa. O que ocorre na verdade é uma flexibilização quanto ao horário de início e de término da jornada, sendo que essa margem de flexibilização pode variar de empresa para empresa[123]. Algumas dão uma margem de duas horas – horas estas que completam o expediente diário de trabalho – para flexibilização, ou seja, essas duas horas que faltariam para completar a jornada são administradas pelo próprio empregado, que pode cumpri-las chegando antes do horário-núcleo, após este ou pode ainda deixa-las para outro dia, desde que no mês cumpra a carga horária estipulada[124].

Há quem refira que a flexibilização do horário de trabalho é uma exigência do mundo globalizado e uma tendência do mercado, em especial em se tratando de multinacionais, que precisam de horários flexíveis para se relacionar com outros países[125].

Grandes companhias estão percebendo que abolir a rigidez nos horários de entrada e saída aumenta a satisfação dos funcionários e pode ser uma providência fundamental para atrair e manter bons profissionais. A tendência está se espalhando rapidamente e já atinge, em graus variados e em departamentos diferentes, 73% das maiores empresas instaladas no Brasil, número este que se aproxima dos EUA, onde o percentual de companhias que oferecem o benefício saltou de 50% para 80% nos últimos dez anos[126].

No Brasil o horário flexível tem um aspecto mais moderado, mas é visto como um grande avanço em relação aos tempos em que o cartão ponto reinava de forma soberana. Esta prática tem sido adotada em empresas como Avon, Dow Química, Xérox, Gerdau, Kodak, Levis e Algair[127], bem como Motorola, IBM e Promom. As próprias empresas já não vêem mais a rigidez de horário como algo positivo em termos de produtividade. O trabalho excessivo, as jornadas extenuantes e os próprios viciados em trabalho não são mais vistos com bons olhos. Foi-se o prestígio dos chamados workaholics, daqueles que fazem do trabalho a sua vida e esquecem do resto do mundo. A vida em sociedade passou a ter grande valor. E o contrato de trabalho passou a incorporar essas mudanças culturais, agregando, com a jornada de trabalho flexível, cunho social a relação laboral. O horário de trabalho flexível tem o seu valor social, porque considera que o trabalhador também tem outras preocupações na vida, como família, lazer, filantropia, vida em sociedade. Trata-se da busca constante pelo equilíbrio entre vida profissional e pessoal.

Pode-se dizer que o horário flexível está tendo uma boa aceitação no âmbito nacional, em especial pelas multinacionais e empresas que mantém algum tipo de relação com o exterior, já que são necessários horários flexíveis para a comunicação com outros países, em razão de diferenças de fusos horários.

As vantagens para os funcionários que podem administrar seu horário de trabalho são inúmeras, já que dessa têm a oportunidade de amenizar os efeitos da falta de tempo, dentre as quais cabe destacar a possibilidade de se dedicar mais à vida pessoal (família, amigos, lazer); realizar um tratamento médico (cuidar da saúde de um modo geral, até mesmo fazer academia, praticar algum esporte); investir em capacitação profissional (realizar cursos, ter mais tempo para os estudos); dentre outros.

O horário flexível surge como uma ferramenta capaz de aumentar a satisfação profissional, o que reflete em maior produtividade, aumento da capacidade de concentração e criatividade, além de reduzir o absenteísmo e melhorar a qualidade de vida dos empregados.

Algumas empresas se mostram receosas de adotar o sistema de horário flexível por desconfiarem que os empregados abusariam desse direito, diga-se, benefício. Ocorre que a prática demonstra justamente o contrário, ou seja, nas empresas em que cada profissional tem autonomia para administrar o próprio tempo e realizar suas tarefas da forma que julgar conveniente, é comum encontrar quem trabalhe doze ou mais horas por dia.

Esse tipo de atitude do trabalhador “descontrolado” (que faz do trabalho a sua vida) acaba por gerar um efeito negativo (o que não é o objetivo desse sistema), devendo a empresa trabalhar em um processo de conscientização para isso não reverter em desfavor do empregado e da própria empresa (baixo rendimento do funcionário, malefícios à saúde física e mental deste, aumento dos riscos de acidentes de trabalho, dentre outros).

No sistema de horário flexível o empregado lucra com a possibilidade de gestão própria da vida profissional e pessoal e a empresa ganha em qualidade dos serviços prestados. Nas empresas onde o programa é adotado, a preocupação com cumprimento de horários é colocada de lado para haver uma focalização maior nos resultados alcançados por aquele profissional, que é o que realmente interessa.

A empresa IBM, que implantou o sistema no ano 2000, referiu que as principais mudanças verificadas foram: aumento da produtividade, maior satisfação em trabalhar, maior autonomia, melhora da qualidade de vida e da concentração dos colaboradores. A empresa salienta que com o programa consegue reter profissionais de talento, para que se desenvolvam dentro da empresa[128]. De fato, trata-se de um diferencial em termos de benefícios. Embora sem cunho salarial, é um atrativo de peso para o trabalhador da atualidade.

Um exemplo também interessante de ser referido é o da companhia TOTVS S.A., em que os funcionários podem chegar no intervalo das 07h00 às 09h00 e sair com este mesmo intervalo depois de oito horas de trabalho, havendo um horário central principal onde toda a equipe está presente (para troca de idéias, informações, interação). A empresa, cumpre referir, passa a ter foco na cobrança de resultados/produção e deixa de fazer uma gestão meramente por horas trabalhadas, até porque horário trabalhado não é sinônimo de produtividade.

No horário flexível o funcionário passa a ter muito mais responsabilidade, devendo ter compromisso não mais com o cumprimento da jornada de trabalho, mas com cumprimento do projeto/trabalho que precisa elaborar. Há um comprometimento muito maior.

Pode-se dizer que a adoção do horário flexível é uma demonstração de preocupação da empresa com o bem-estar do empregado. É muito claro que se o trabalhador estiver satisfeito, isso reverte em benefício da empresa de inúmeras formas, as quais já relacionamos supra em vários pontos.

A Ford é uma das empresas que defende esta repercussão altamente positiva da flexibilização do horário de trabalho tanto para os empregados como para o empregador.[129] Sabe-se que as empresas almejam lucro e produtividade, ou seja, não há como negar que a empresa gira em torno do capital, nem seríamos inocentes a ponto de pensar que as empresas que adotam o horário flexível o fazem por mero assistencialismo. Na verdade a empresa ganha muito com a adoção desse sistema de flexibilização horária.

No caso da Ford, referida como exemplo de empresa que adota o horário flexível, a justificativa para implementação desse modelo flexibilizador é baseada no fato de que o funcionário, tendo essa possibilidade de programar seus horários de trabalho para poder cuidar de sua vida e de sua família, passa a ter melhores resultados no trabalho, já que há uma contribuição da empresa para com o seu bem-estar diário[130].

No sistema de flexibilidade horária cumprir metas é o aspecto preponderante e é em função destas que o funcionário passa a ser cobrado e não pelo simples fato de que deve cumprir um horário.

Cumpre referir, no entanto, que o benefício do horário flexível tem um certo limite de abrangência, já que não pode ser aplicado a todos os segmentos empresariais e setoriais. Existem setores e áreas onde a implantação do horário flexível é mais fácil, em especial quando o trabalho é mais individual (onde o que interessa é o produto final) e quando se trata de cargos de alta qualificação. Já a implantação do sistema maleável de horários nas linhas de produção torna-se praticamente impossível. Deste modo a recomendação é para que o sistema seja aplicado apenas em áreas administrativas ou tecnológicas.

Outro fator que merece cautela é a questão do aumento significativo da responsabilidade do empregado, para que administre seus horários de forma a cumprir para com suas tarefas. Alguns defendem a idéia de que para operacionalizar de forma adequada o benefício, é importante a implantação de um sistema eletrônico de controle de ponto, para que sejam monitorados os horários de entrada e saída dos empregados. Esse controle seria importante para verificar a reposição das horas, seja no mesmo dia, na mesma semana ou no mesmo mês, conforme previamente acordado e parametrizado pela empresa[131].

A grande diferença no sistema flexível de horário é que não existirá a pressão de bater o ponto em um horário fixo. Cada um tem a oportunidade de administrar compromissos e ajustar seus próprios horários. O funcionário ganha em qualidade de vida e a empresa passa a ter sensíveis melhorar no “clima organizacional”: funcionários menos estressados, com menos problemas de saúde, mais confiantes com maior capacidade de concentração.

Refere SÔNIA MASCARO NASCIMENTO que a implantação do horário flexível demanda de parte do empregador uma conduta favorável, no sentido do aumento da participação dos funcionários nos rumos da empresa, do reconhecimento da maturidade mental e do arbítrio dos mesmos[132].

Cumpre ressaltar que o horário flexível não individualiza o trabalho, de forma a coibir o trabalho em equipe, ao contrário do que se pode imaginar num primeiro momento. Embora consista na faculdade do trabalhador de fixar de forma autônoma o início e término de suas atividades, há sempre um horário de trabalho comum para a totalidade de empregados de uma empresa, reservado para tarefas que demandam interação dos funcionários, ou seja, não se deixa de valorizar a importância da comunicação entre os empregados. Esse tempo é tido como “tempo principal” ou de presença obrigatória[133].

Por outro lado tem-se que as desvantagens da implantação do horário flexível seriam relacionadas ao aumento de problemas com coordenação de pessoal, já que a empresa não terá como saber com quantos trabalhadores poderá contar a cada dia, sendo obrigada a planejar com certa folga as tarefas; aumento de gastos com forma de controle eletrônico e controle gerencial das horas de trabalho; redução da oportunidade de realização de horas extras, o que para alguns funcionários representa importante fonte de ganho.

 De qualquer modo, devido às suas peculiaridades, o horário flexível deve ser visto como uma modalidade flexibilizatória que pode não atender aos interesses de determinados setores, quer pelo ramo de atividade, quer pela função desempenhada por determinados trabalhadores. Conforme já se salientou, a implementação do horário flexível pode ser mais fácil em determinados setores econômicos, como no caso do setor de serviços.

No entanto, se observam grandes dificuldades de se adotar o sistema no “chão de fábrica”, já que neste caso há necessidade de todos os funcionários estarem ocupando seus postos na linha de produção, no mesmo horário, ou seja, é necessário “sincronização”, num processo linear e ordenado no tempo por uma série de eventos que se desenrolam interligados e interdependentes.

Embora não possa atender a todos os setores, o horário flexível tem um aspecto social muito relevante. A dinâmica social ganha com o sistema ao passo que congestionamentos do trânsito podem ser amenizados, vez que quanto mais empresas adotarem o horário flexível, mais se reduz a circulação de veículos em determinados horários, tidos popularmente como “horários de pico”, que desgastam ainda mais o trabalhador, que já chega ao trabalho irritado e quando do término da jornada, ainda tem que enfrentar uma “maratona” para retornar para sua casa. Repercute também na diminuição da superlotação dos transportes públicos e da busca concomitante de pessoas a serviços habituais no final do expediente, gerando filas infindáveis e mau atendimento.

Enfim, não há como negar os aspectos positivos do horário flexível de trabalho, seja para o trabalhador (que é o foco dessa sistemática), para a empresa (que tem muito a ganhar com essa adoção, que une bem-estar social com produtividade/lucro/capital) e para a sociedade de um modo geral (vez que com isso se passa a ter uma reestruturação na própria organização das cidades e pólos empresariais, com contenção do tráfego de veículos e pessoas concomitantemente em determinados horários e se contribuindo para desafogar o trânsito e diminuir o número de acidentes).

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Daiana Ledel Berton

Advogada, Coordenadora do Dep. Jurídico Trabalhista da empresa Calçados Beira Rio S.A., Pós-Graduada em Direito do Trabalho pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERTON, Daiana Ledel. O tempo de trabalho e a sua função social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3465, 26 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23305. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos