Resumo: O menor sob guarda ostenta a condição de dependente do segurado do RGPS para fins de recebimento de pensão por morte quando o óbito de tal segurado tiver ocorrido na vigência da redação original do artigo 16, § 2°, da Lei n° 8.213/91 (isto é, até o dia 13.10.1996), porquanto na nova (atual) redação do mencionado preceito legal (dada pela Medida Provisória n° 1.523/96, que posteriormente foi convertida na Lei n° 9.528/97) o ventilado menor foi excluído do rol de dependentes do segurado. Ademais, a despeito de se concluir, neste trabalho, pela constitucionalidade material da nova redação do § 2° do artigo 16 da Lei n° 8.213/91, os Tribunais pátrios têm variado o entendimento sobre a questão, pelo que a pacificação jurisprudencial a respeito somente ocorrerá após o julgamento, pelo STF, da ADI n° 4.878/DF.
Palavras-chave: menor sob guarda; dependência do segurado do RGPS; pensão por morte; constitucionalidade do art. 16, § 2°, da Lei n° 8.213/91; jurisprudência.
Sumário: Introdução. 1. O Benefício Previdenciário Pensão por Morte. 2. A Guarda da Criança e do Adolescente (Menor). 3. O Menor sob Guarda e a Sua (Não) Condição de Dependente do Segurado do RGPS para Fins de Recebimento do Benefício Previdenciário Pensão por Morte. 4. A Constitucionalidade Material da Nova Redação do § 2° do Artigo 16 da Lei n° 8.213/91. 5. O Entendimento dos Tribunais Brasileiros. Conclusão. Bibliografia
INTRODUÇÃO
Dúvida que atualmente permeia a compreensão da população sobre o universo jurídico é a relacionada ao menor sob guarda e a sua condição, ou não, de dependente do segurado do Regime Geral da Previdência Social – RGPS para fins de recebimento do benefício previdenciário pensão por morte, máxime após a alteração do artigo 16, § 2°, da Lei n° 8.213/91 pela Medida Provisória n° 1.523, de 11 de outubro de 1996 (posteriormente convertida na Lei n° 9.528/97). O presente trabalho, pois, objetiva, por intermédio de breves considerações normativas (inclusive constitucionais) e jurisprudenciais, aclarar a mencionada condição jurídica do menor sob guarda.
1. O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO PENSÃO POR MORTE
Dentre os benefícios compreendidos no RGPS, encontra-se a pensão por morte (Lei n° 8.213/91[1], art. 18, II, “a”), que é devida, a contar da data do óbito (quando requerida até trinta dias após a morte do segurado, nos termos do art. 74, I, da Lei n° 8.213/91), do requerimento administrativo junto ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS[2] (quando postulada depois de trinta da data do falecimento do segurado, a teor do que dispõe o art. 74, II, da Lei n° 8.213/91) ou da decisão judicial (no caso de morte presumida[3], conforme previsto no art. 74, III, da Lei n° 8.213/91), ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, esteja aposentado ou não.
Ademais, o referido benefício terá o valor mensal de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento, observado o teto dos benefícios do RGPS insculpido no art. 33 da Lei n° 8.213/91[4] (Lei nº 8.213/91, art. 75).
Por fim, no que concerne à pensão por morte, a Lei n° 8.213/91 também preconiza:
“Art. 76. A concessão da pensão por morte não será protelada pela falta de habilitação de outro possível dependente, e qualquer inscrição ou habilitação posterior que importe em exclusão ou inclusão de dependente só produzirá efeito a contar da data da inscrição ou habilitação.
§ 1º O cônjuge ausente não exclui do direito à pensão por morte o companheiro ou a companheira, que somente fará jus ao benefício a partir da data de sua habilitação e mediante prova de dependência econômica.
§ 2º O cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato que recebia pensão de alimentos concorrerá em igualdade de condições com os dependentes referidos no inciso I do art. 16 desta Lei.
Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1º Reverterá em favor dos demais a parte daquele cujo direito à pensão cessar. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 2º A parte individual da pensão extingue-se: (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
I - pela morte do pensionista; (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995)
II - para o filho, a pessoa a ele equiparada ou o irmão, de ambos os sexos, pela emancipação ou ao completar 21 (vinte e um) anos de idade, salvo se for inválido ou com deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente; (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
III - para o pensionista inválido pela cessação da invalidez e para o pensionista com deficiência intelectual ou mental, pelo levantamento da interdição. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 3º Com a extinção da parte do último pensionista a pensão extinguir-se-á. (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 4º A parte individual da pensão do dependente com deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente, que exerça atividade remunerada, será reduzida em 30% (trinta por cento), devendo ser integralmente restabelecida em face da extinção da relação de trabalho ou da atividade empreendedora. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
(...)
Art. 79. Não se aplica o disposto no art. 103 desta Lei[5] ao pensionista menor, incapaz ou ausente, na forma da lei.”.
2. A GUARDA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (MENOR)
Noutro giro, a guarda é uma das formas de colocação da criança ou do adolescente (por uma opção de simplicidade na terminologia, no presente trabalho ambos são chamados menores) em família substituta à natural (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA[6], art. 28[7]), caracterizando-se pela obrigação da prestação de assistência moral, educacional e material à criança ou adolescente, e pela atribuição ao seu detentor (guardião) o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais (ECA, art. 33).
À demasia, a guarda se destina a regularizar a posse de fato do menor durante os processos de tutela e adoção (ECA, art. 33, § 1º[8]), podendo excepcionalmente ser deferida em outros casos para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável (ECA, art. 33, § 2º[9]).
Finalmente, ela ostenta caráter provisório, já que poderá ser revogada a qualquer tempo, ouvido o Ministério Público e mediante ato judicial fundamentado (ECA, art. 35).
3. O MENOR SOB GUARDA E A SUA (NÃO) CONDIÇÃO DE DEPENDENTE DO SEGURADO DO RGPS PARA FINS DE RECEBIMENTO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO PENSÃO POR MORTE
Passemos, portanto, à análise da situação do menor sob guarda para fins de dependência do segurado do RGPS e, pois, recebimento do benefício previdenciário pensão por morte.
Inicialmente, por oportuno, cumpre registrar que, com relação à eficácia da lei no tempo, o ordenamento jurídico brasileiro consagra o princípio do “tempus regit actum” (do tempo rege o ato; art. 6º, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB[10]), segundo o qual se aplica ao fato jurídico a lei em vigor quando da sua ocorrência. Noutras palavras, o ato jurídico se rege pela lei em vigor na época em que ele ocorreu ou em que resultaram preenchidos os requisitos para o exercício do direito decorrente de tal ato.
Destaque-se que o referido princípio também se aplica no âmbito do Direito Previdenciário, consoante entendimento jurisprudencial de que “em matéria previdenciária, a lei de regência é a vigente ao tempo em que reunidos os requisitos para a concessão do benefício”[11]. E precisamente com relação à pensão por morte, a Súmula nº 340 do Superior Tribunal de Justiça – STJ vaza:
Súmula nº 340/STJ: “A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado.”.
Partindo dos teores dos aludidos princípio e Súmula, cumpre-nos, portanto, examinar a legislação em vigor quando do óbito do segurado do RGPS para, então, saber se o menor sob guarda é considerado seu dependente, sobretudo para o fim de recebimento da pensão por morte.
Com referência à condição de dependente do segurado para fins de recebimento de benefício do RGPS, esta é regulada pelo artigo 16 da Lei nº 8.213/91, que em sua redação original dispunha:
“Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
II - os pais;
III - o irmão, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
IV - a pessoa designada, menor de 21 (vinte e um) anos ou maior de 60(sessenta) anos ou inválida.
§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.
§ 2º Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado; o menor que, por determinação judicial, esteja sob a sua guarda; e o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições suficientes para o próprio sustento e educação.
§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.” (grifo nosso).
Percebe-se, pois, que, sob a ótica da redação original do § 2º do artigo 16 da Lei n° 8.213/91, o menor sob guarda é equiparado a filho e, portanto, é dependente do segurado do RGPS. Assim, quando o óbito do segurado tiver ocorrido na vigência de tal redação, ao menor sob guarda é devida a pensão por morte. Esta conclusão, inclusive, é corroborada pelo § 3º do artigo 33 do ECA, que dispõe que “a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários”.
Sucede, porém, que a referida redação foi alterada pela Medida Provisória n° 1.523, de 11 de outubro de 1996 (com vigência a partir de sua publicação, ocorrida em 14.10.1996), posteriormente convertida na Lei n° 9.528/97, que deu ao § 2º do artigo 16 da Lei nº 8.213/91 o seguinte teor:
“Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
(...)
§ 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)” (sem destaques no original).
Verifica-se que a nova redação do dispositivo em tela excluiu o menor sob guarda da condição de equiparado a filho e, por conseguinte, da sua condição de dependente do segurado do RGPS. Desse modo, se o óbito do segurado tiver ocorrido após a vigência da nova redação do § 2º do art. 16 em comento (a partir de 14.10.1996), não é devida pensão por morte ao menor sob guarda.
Impõe esclarecer, ainda, que, como não houve modificação no § 3º do artigo 33 do ECA (que, como visto, confere ao menor sob guarda a condição de dependente para fins previdenciários), há o surgimento de uma antinomia a respeito da matéria em espeque (em se tratando de óbito do segurado ocorrido a partir de 14.10.1996), a qual encontra solução nos princípios da especialidade (“lex specialis derrogat legi generali”) e cronológico (“lex posterior derrogat legi priori”)[12].
De fato, o princípio da especialidade reza que a norma mais específica prevalece sobre a menos específica, ao passo que o princípio cronológico indica a prevalência da norma temporalmente posterior sobre a anterior. Destarte, considerando que a nova redação do § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/91 é especial (já que trata especificamente da matéria “dependência para fins previdenciários”) e posterior (uma vez que, como visto, foi editada, publicada e entrou em vigor após) em relação ao § 3º do art. 33 do ECA, aquela norma tem prevalência sobre esta, pelo que a nova redação do § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/91 derrogou a porção do § 3º do art. 33 do ECA que afirma a dependência do menor sob guarda para fins previdenciários.
Por conseguinte, pode-se concluir, em suma, que: i) se a morte do segurado tiver ocorrido até o dia 13.10.1996, o menor sob guarda é considerado seu dependente e, portanto, lhe é devida a pensão por morte; e ii) por outro lado, se o falecimento do segurado ocorreu após tal data (a partir do dia 14.10.1996), não é devida pensão por morte ao menor sob guarda, porquanto ele não é mais considerado dependente do mencionado defunto.
4. A CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DA NOVA REDAÇÃO DO § 2° DO ARTIGO 16 DA LEI N° 8.213/91
Urge registrar, noutro giro, que alguns juristas sustentam a inconstitucionalidade material da nova redação do § 2° do artigo 16 da Lei n° 8.213/91, em razão da suposta incompatibilidade deste preceito legal com os princípios constitucionais do direito adquirido (CF, art. 5°, XXXVI), da isonomia (CF, art. 5°, caput) e da proteção integral do menor (CF, art. 227, caput e § 3°, II e VI).
Contudo, entendo que não se encontra caracterizada a mencionada inconstitucionalidade material do dispositivo em comento.
Em realidade, no que concerne à apontada ofensa ao inciso XXXVI do art. 5° da Carta Magna[13], é cediço que direito adquirido é aquele direito que pode ser exercido ou, noutros verbetes, é aquele que, conquanto ainda não exercido, já está incorporado ao patrimônio de seu titular, visto que já preenchidos todos os requisitos fáticos para o seu exercício[14].
Ora, no caso específico do óbito do segurado do RGPS ocorrer após a vigência da nova redação do § 2° do art. 16 da Lei n° 8.213/91, na vigência da redação original deste dispositivo legal, que previa a dependência do menor sob guarda para o fim de recebimento da pensão por morte, não se concretizaram todos os pressupostos fáticos para o exercício do direito à pensão por morte. Assim, não havia direito adquirido a tal benefício previdenciário, mas mera expectativa de direito, pelo que resulta incólume o art. 5°, XXXVI, da Constituição Federal.
Saliente-se, por derradeiro, que também não se sustenta a eventual argumentação de que, para os casos de morte do segurado a partir do dia 14.10.1996, há direito adquirido à aplicação da redação original do art. 16, § 2°, da Lei n° 8.213/91, porquanto, conforme já exaustivamente decidido pelo Supremo Tribunal Federal – STF[15], não há direito adquirido a regime jurídico.
Por outra face, acerca da indigitada vulneração da cabeça do artigo 5° da Constituição da República[16], sabe-se que o princípio da isonomia estabelece que se deve dar tratamento igualitário às pessoas que se encontram em situações iguais e tratamento diferenciado às pessoas que estejam em situações diferentes, na medida de suas desigualdades.
O princípio em debate, gize-se, vincula todas as manifestações do Poder Público, inclusive o Poder Legislativo (igualdade formal na lei), que não pode criar discriminações legais sem “uma pertinência lógica entre a distinção inserida na lei e o tratamento distintivo dela consequente”[17] compatível com os interesses prestigiados na Carta Política de 1988.
Além disso, de acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, para se identificar a afronta à isonomia:
“(...) tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles”[18].
Do mesmo modo é o entendimento do E. STF no que tange ao princípio em espeque, in verbis:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 77 DA LEI FEDERAL N. 9.504/97. PROIBIÇÃO IMPOSTA AOS CANDIDATOS A CARGOS DO PODER EXECUTIVO REFERENTE À PARTICIPAÇÃO EM INAUGURAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS NOS TRÊS MESES QUE PRECEDEM O PLEITO ELETIVO. SUJEIÇÃO DO INFRATOR À CASSAÇÃO DO REGISTRO DA CANDIDATURA. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. ARTIGO 5°, CAPUT E INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INOCORRÊNCIA. 1. A proibição veiculada pelo preceito atacado não consubstancia nova condição de elegibilidade. Precedentes. 2. O preceito inscrito no artigo 77 da Lei federal n. 9.504 visa a coibir abusos, conferindo igualdade de tratamento aos candidatos, sem afronta ao disposto no artigo 14, § 9º, da Constituição do Brasil. 3. A alegação de que o artigo impugnado violaria o princípio da isonomia improcede. A concreção do princípio da igualdade reclama a prévia determinação de quais sejam os iguais e quais os desiguais. O direito deve distinguir pessoas e situações distintas entre si, a fim de conferir tratamentos normativos diversos a pessoas e a situações que não sejam iguais. 4. Os atos normativos podem, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações a fim de conferir a uma tratamento diverso do que atribui a outra. É necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.”[19].
Ora, na espécie, alega-se que a violação do princípio da isonomia decorre da distinção supostamente injustificável entre o menor sob o guarda e o menor sob tutela, uma vez que a este é conferida a condição de dependente do segurado para fins previdenciários, ao passo que àquele cujo óbito do segurado tenha ocorrido a partir de 14.10.1996 não se atribui a referida condição.
Entretanto, a despeito de a guarda e a tutela serem formas de colocação do menor em família substituta (ECA, art. 28), a situação jurídica do menor sob guarda é diversa da situação jurídica do menor sob tutela.
Com efeito, na guarda: i) se objetiva regularizar a posse de fato do menor durante os processos de tutela e adoção, podendo excepcionalmente ser deferida em outros casos para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável; ii) ocorre somente a transferência parcial dos poderes inerentes ao poder familiar (com as relações jurídicas – direitos e obrigações – daí advindas) para o guardião, permanecendo os demais poderes a cargo do titular do poder familiar, a saber, os pais vivos, com os quais o menor sob guarda mantém as outras relações jurídicas decorrentes, inclusive a relação para fins de dependência previdenciária; iii) o menor é dependente de seus pais para fins previdenciários; e iv) se estabelece uma situação jurídica precária, revogável a qualquer tempo.
Já na tutela, de outra banda: a) se objetiva suprir a ausência do poder familiar dos pais do menor, esta decorrente da morte deles ou da suspensão/destituição do aludido poder familiar; b) ocorre a transferência total dos poderes inerentes ao poder familiar para o tutor, com o qual o menor mantém todas as relações jurídicas advindas deste poder (todos os direitos e obrigações, mormente o dever de guarda, nos termos do art. 36, parágrafo único, do ECA), inclusive para fins de dependência previdenciária; c) o menor é dependente do tutor para fins previdenciários; e d) se estabelece uma situação jurídica mais perene que a estabelecida pela guarda, a teor do que rezam os artigos 38 e 24 do ECA[20].
Portanto, a partir dessa diferenciação entre guarda e tutela se buscou legalmente dar um tratamento distinto aos dois tipos de menores (menor sob guarda e menor sob tutela), com vistas a, com isso, garantir a observância ao princípio da isonomia, na medida em que: 1) trata-se desigualmente os desiguais; 2) evita-se o aumento da desigualdade, aumento este que se verificaria se se garantisse a condição de dependente do menor sob guarda em relação ao seu guardião, visto que, neste caso, ele teria uma dupla dependência previdenciária – seria dependente dos pais e do guardião –, em oposição às outras formas de colocação do menor em família substituta, nas quais se constata apenas uma relação de dependência previdenciária, já que não há esta relação do menor para com os pais biológicos nas hipóteses de tutela e adoção; e 3) aperfeiçoa-se e amplia-se o sistema de proteção especial (integral) do menor, como veremos a seguir.
Desse modo, a nova redação do art. 16, § 2°, da Lei n° 8.213/91 não ofende o caput do artigo 5° da Constituição Federal, porque a diferenciação legislativa nele preconizada está assentada em critério discriminatório dotado de justificativa racional afinada com os valores prestigiados no texto constitucional, maiormente a proteção integral do menor.
Por último, no que pertine à ventilada violação do art. 227, caput e § 3°, II e VI, da Constituição Federal[21], é sabido que o princípio da proteção integral do menor tem como fundamento a ideia de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, direitos estes que devem ser assegurados e protegidos, de forma diferenciada, especial, integral e com absoluta prioridade, pela família, pela sociedade e pelo Estado.
Ora, como registrado anteriormente, o menor sob guarda nos casos de óbito do segurado a partir da vigência da nova redação do art. 16, § 2°, da Lei n° 8.213/91, não obstante não seja dependente do guardião, é dependente dos pais para fins previdenciários, pelo que não está em situação previdenciária de desamparo (o núcleo essencial do bem jurídico constitucionalmente protegido está assegurado).
Não bastasse, a exclusão do menor sob guarda do rol de dependentes do segurado para fins previdenciários contribui para o aperfeiçoamento e ampliação do sistema de proteção integral/especial do menor. Isso porque estimula os processos/medidas de tutela e adoção, os quais são sabidamente mais seguros e protetivos para o menor do que a guarda, já que: i) ostentam critérios mais minuciosos/exigentes relativos à análise das reais condições do tutor/adotante para o bem-estar e a proteção do menor (artigos 36 usque 52-D do ECA); ii) possuem a característica de perenidade/irrevogabilidade[22], que são sempre mais benéficas e protetivas ao menor do que o caráter de precariedade da guarda; e iii) transferem a totalidade dos deveres inerentes ao poder familiar para o tutor/adotante, o que não ocorre com a guarda.
Desse modo, não há falar em afronta ao princípio da proteção integral do menor (e, pois, às normas constitucionais invocadas, incluindo o inciso VI do § 3° do art. 227 da Constituição Federal, que deve ser interpretado sistemática e teleologicamente) pelo art. 16, § 2°, da Lei n° 8.213/91 (em sua nova redação), porquanto o que houve, em verdade, foi a implantação de alteração legislativa destinada a elevar a efetividade do referido princípio constitucional.