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Breves reflexões sobre a nova redação do art. 387, §2º, do Código de Processo Penal

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07/02/2013 às 16:25
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C)  Da constitucionalidade do regime inicial de cumprimento de pena considerar o tempo de prisão processual para sua fixação:

Apontado que o regime inicial de cumprimento de pena indicado no art. 387, §2º, do Código de Processo Penal não poder ser confundido com a progressão de regime, resta observar se o tempo de prisão processual é discrímen suficiente para justificar a fixação de regimes de cumprimento de pena distintos para pessoas que cometeram o mesmo delito.

Como bem assenta Celso Antônio Bandeira de Mello, em seu Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, o discrímen que permite o tratamento de forma desigual dos desiguais na medida da desigualdade deve observar os seguintes elementos:

“Parece-nos que o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem a quebra da isonomia se divide em três questões:

a)  A primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação.

b) A segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado.

c) A terceira atina á consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.

Esclarecendo melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório, de outro, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para á vista do traço desigualador acohido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente, é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer, guarda harmonia com eles (in Conteudo Jurídico da Igualdade, 3ª edição, Malheiros, 2000, p. 21/22)

Com efeito, tem-se que a indicação de regimes distintos a pessoas as quais foi cominada a mesma pena pelo mesmo delito e cujos aspectos pessoais sejam similares juridicamente parece injustificável.

Isto porque o tempo de prisão processual não é elemento suficiente a justificar a adoção de regimes de início de cumprimento de pena, parte integrante da pena aplicada, distintos, sendo justificável, sim, que aquele que esteve preso tenha direito ao cômputo do tempo de prisão para que possa obter a progressão.

Ademais, o princípio da individualização da pena tem por escopo que cada um dos condenados obtenha a pena de acordo com as suas situações pessoais, fator este que é violado pela consideração do tempo de prisão processual para a verificação do regime inicial, posto que aquele que não tinha motivo para permanecer preso durante o processo pode acabar prejudicado em relação àquele que, por suas condições pessoais, teve que ter a sua prisão processual decretada.

Deste modo, tem-se que não existe discrímen que justifique a adoção de um ou outro regime inicial de cumprimento de pena, sendo apenas justificável que seja influenciado o tempo a ser cumprido para a obtenção da progressão de regime, dada a própria razão de ser da pena aplicada e a ausência de discrímen suficiente a justificar a adoção de soluções diversas para aqueles que cometeram o mesmo ilícito em condições iguais.

Necessário se faz destacar que a aplicação do princípio da isonomia ao presente caso é imperioso para que se evite que indivíduos que permaneceram soltos durante o processo, ante a desnecessidade de sua prisão cautelar, cumpram reprimenda mais severa que aqueles que tiveram a sua prisão cautelar decretada, o que nem o princípio da proporcionalidade, tampouco a razoabilidade do discrímen permitem.

Resta, ainda, uma situação não examinada pela doutrina que tem se formado sobre o tema.

Pode ocorrer situação em que o réu busque a prorrogação de sua prisão provisória com vistas a receber regime inicial de cumprimento de pena mais brando quando da prolação da sentença em razão da necessidade de redução do prazo de prisão processual por ocasião da fixação do regime de cumprimento de pena, em dissonância com o princípio que veda o venire contra factum proprium, podendo alcançar benefícios por seu próprio comportamento processual contrário ao direito.

Por estas razões, tem-se que a norma do art. 387, §2º, do Código de Processo Penal é inconstitucional em razão da ofensa ao princípio da isonomia, devendo permanecer a sistemática atual na forma da Sumula 716, do Supremo Tribunal Federal, competindo ao Juízo determinar a formação dos autos de execução provisória e acompanhar a possibilidade de ser conferida a progressão de regime, mesmo antes do transito em julgado, sendo certo que a declaração de inconstitucionalidade da norma não alterará o que já é indicado pela jurisprudência das Cortes Superiores.

A não ser assim, a doutrina deve cuidar de dois problemas.

O primeiro remete a ocasionar a contagem em mais de um feito do mesmo período de prisão e, com o trânsito em julgado, que impediria ao Juízo da execução de alterar o regime inicial de cumprimento de pena fixado e considerado o mesmo prazo de prisão processual, porque o regime inicial de cumprimento de pena estaria acobertado pela eficácia da coisa julgada e, no direito processual brasileiro não se admite, salvo uma única exceção, o rescisão da sentença proferida na fase de conhecimento em razão de falhas verificadas ulteriormente, mas anteriores à decisão.

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O segundo, a possibilidade daquele que deveria cumprir maior prazo em regime fechado para obter a progressão de regime, ser beneficiado em razão de sua prisão provisória, como indicado nos exemplos, pela modificação de regime inicial de cumprimento de pena, enquanto que aquele que permaneceu em liberdade deveria aguardar o prazo da progressão de cumprimento de pena para chegar ao mesmo patamar que aquele que cumpriu período menor de prisão provisória já estaria quando da fixação do regime inicial de cumprimento de pena na sentença.

Assim, conclui-se pela necessidade de que seja examinada a constitucionalidade da nova norma e caso se verifique a sua constitucionalidade, que sejam operacionalizados sistemas a impedir o cômputo em duplicidade da prisão provisória, que deverá ser examinada inicialmente nos Juízos de Condenação e Execução, com a posterior consolidação da questão junto aos Tribunais.

A questão não é, nem de longe pacífica, e merece reflexão.


Bibliografia consultada

Bandeira de Mello, Celso Antônio, Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª Edição, 8ª Tiragem, Malheiros Editores, 2000

Bitencourt, Cezar Roberto, Curso de Direito Penal, parte geral, volume 1, 9ª. Edição, Saraiva, 2004.

Lyra, Roberto, Comentários ao Código Penal, Vol. II, arts. 23 a 74, 2ª Edição, Editora Forense, 1955

Hammerschimt, Denise, Execução Penal, Denise Hammerschmidt, Douglas maranhão, Mário Coimbra, coordenação: Luiz Régis Prado, Editora Revista dos Tribunais, 2009.

Nucci, Guilherme de Souza, Individualização da Pena, Editora Revista dos Tribunais, 2004.

 Barros Flávio Augusto Monteiro de, Direito Penal, parte geral volume 1, 3ª. Edição revista, atualizada e ampliada, 2003.

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Sobre o autor
Gustavo Tinôco de Almeida

Juiz de Direito do Estado do Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Gustavo Tinôco. Breves reflexões sobre a nova redação do art. 387, §2º, do Código de Processo Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3508, 7 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23683. Acesso em: 4 mai. 2024.

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