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A nova Lei das Cooperativas de Trabalho: como evitar (e coibir) fraudes

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10/02/2013 às 13:07
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Terceirização

Como já fizemos antes[20], para o escopo do presente trabalho, entenderemos terceirização como conceituada por Ciro Pereira da Silva, que a descreve como “a transferência de atividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologia própria e moderna, que tenham esta atividade terceirizada como sua atividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforços gerenciais em seu negócio principal, preservando e evoluindo em qualidade e produtividade, reduzindo custos e gerando competitividade”. [21]

Consideramos muito apropriada esta conceituação, pois a mesma compreende todos os elementos do instituto, tais a delegação de atividades acessórias, ou atividades meio, para empresas realmente especializadas, que executarão tais tarefas de maneira muito mais eficiente, de forma autônoma em relação à tomadora, ou seja, sem que esta interfira na relação direta com os empregados da contratada, e com o objetivo de deixar a tomadora liberada para suas atividades principais, o que fará com que evolua em qualidade e competitividade. Só ficava difícil entender como poderia se dar a redução de custos, se a empresa contratada, além de arcar com todos os encargos trabalhistas, ainda terá que visar seu lucro. Na realidade, entendemos que a vantagem para a tomadora consiste em poder se concentrar em sua atividade principal (core business), sem se preocupar com atividades acessórias, tais as de limpeza, conservação ou vigilância, por exemplo, incrementando sua eficiência e competitividade no mercado. Mas não reduzindo custo com a terceirização, porque não há como a entrega da atividade a terceiro sair menos custosa, dentro da legalidade, se a contratada é uma empresa que também visa o lucro. Pode ser que tal raciocínio se altere com as legítimas cooperativas prestadoras de serviços a terceiros.

Não há, em nosso ordenamento, regramento sobre o instituto da terceirização, com a ressalva da Súmula 331, TST, a qual é desprovida de força normativa ou conteúdo vinculante.

No entanto, a referida jurisprudência possui ampla aceitação por parte dos operadores do Direito do Trabalho, havendo, no entanto, atualmente, forte inclinação, por parte de certa corrente doutrinária [22], para o reconhecimento da responsabilidade solidária, e não mais apenas subsidiária por parte do tomador de serviço, tema que, no entanto, não nos cabe abordar, no presente trabalho.

No atual texto da citada súmula, são permitidas as terceirizações de atividades meio, desde que sem pessoalidade e subordinação direta do trabalhador ao tomador de serviço, simplesmente porque não há qualquer óbice legal e, ao particular, tudo o que não é vedado, é permitido. Simples. Não ocorre a formação dos elementos da relação de emprego arrolados nos arts. 2º e 3º, da CLT, entre o trabalhador e o tomador.

Ocorre que a experiência vem demonstrando que, além das fraudes perpetradas pelas falsas cooperativas intermediadoras de mão-de-obra, ocorrem também os casos em que a terceirização é perfeitamente válida, como nos serviços de limpeza, conservação, fiscalização de salão, entre outros, não havendo qualquer pessoalidade ou subordinação direta com o tomador dos serviços, mas, no entanto, os trabalhadores são flagrantemente subordinados ao presidente da falsa cooperativa, verdadeiro “dono” do negócio, o qual, ao invés de constituir uma regular empresa de prestação de serviços, “monta” formalmente uma cooperativa de serviços, com o exclusivo intuito de reduzir seus custos, uma vez que o trabalhador contratado desta forma não tinha qualquer proteção do Direito do Trabalho, e, ainda, com o intuito de vencer, com maior facilidade, suas licitações, tendo em vista essa mesma redução de encargos.

Tais fraudes têm se mostrado menos comuns do que os casos de mera intermediação. Não obstante, são casos em que, às vezes, não é muito fácil a demonstração do desvirtuamento.

Para a verificação da ocorrência dessa espécie fraudulenta, pode-se começar pela análise dos diversos aspectos formais para a constituição e funcionamento das cooperativas laborais. Tais como, por exemplo, a realização da Assembléia Geral Especial anual (art. 11, caput), a decisão em AGO (Assembléia Geral Ordinária) sobre o destino das sobras liquidas ou o rateio dos prejuízos (art. 11, par. 1º), o estabelecimento de incentivos à participação efetiva dos trabalhadores na Assembléia Geral – AG (art. 11, par. 2º), a verificação de quorum mínimo de instalação das AGs (art. 11, par. 3º), a notificação pessoal dos sócios para participarem das assembléias, com antecedência mínima de 10 dias (art. 12, caput), entre diversas outras formalidades, cuja ausência pode se revelar forte indicativo de que os trabalhadores não são verdadeiramente sócios da cooperativa, e sim, empregados de seu presidente.

É o que já se verificava com relação aos requisitos da Lei 5764/71, como se infere do seguinte julgado:

“COOPERATIVA DE TRABALHO. SÓCIO COOPERATIVADO. IRREGULARIDADE NA CONSTITUIÇÃO DA COOPERATIVA. LEI 5.764/71.

VÍNCULO DE EMPREGO. Ausentes os pressupostos fundamentais para a constituição válida e regular da sociedade cooperativa, consoante determina a Lei 5.764/71, consubstanciado no interesse comum de todos os cooperativados, evidencia-se sua caracterização, como verdadeira empresa terceirizadora de mão de obra, formando-se o vínculo diretamente entre esta e o empregado.

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS POR INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL PELO EMPREGADOR.

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO TOMADOR DE SERVIÇOS, AINDA QUE ENTE PÚBLICO. O tomador é subsidiariamente responsável frente ao contrato de trabalho dos empregados da prestadora de serviço, no caso de inadimplemento das obrigações patronais dele decorrentes, mesmo quando ente integrante da administração pública. Aplicação das súmulas 331 do TST e 11 do TRT da 4ª Região.”[23]

Mas, infelizmente, demonstra a experiência que nem sempre vai se coibir esse tipo de fraude com a mera verificação de aspectos formais.

De fato, é comum que, de um modo geral, a maioria ou até mesmo todas essas formalidades tenham sido observadas (ou forjadas) e, ainda, assim, a situação seja de fraude ou, em outras palavras, exista a configuração de todos os elementos da relação de emprego entre os trabalhadores e o presidente (ou direção) da cooperativa.

Ao analisarmos os elementos da relação de emprego, observamos que, tanto no trabalho subordinado quanto no cooperado, o trabalho é prestado por pessoa física, com pessoalidade, onerosidade, e de forma não eventual. Dessa forma, apenas a presença, ou não, de subordinação é que vai diferenciar ambas as formas de relação de trabalho.

A nova lei, em seu art. 7º, par. 6º, cria a figura do trabalho “coordenado”, quando se trata das cooperativas de serviços. Essa espécie de cooperativa, quando não se trata de serviços de alta densidade tecnológica, como, por exemplo, trabalhadores de TI, refere-se, em regra, a serviços tipicamente subordinados, tais como os de limpeza, conservação, fiscalização de salão, entre outras.

Nessa espécie de serviços, é inviável se pensar em trabalhadores verdadeiramente autônomos. Não é possível imaginar um contingente de trabalhadores de limpeza realizando serviço em um grande estabelecimento do tomador, cada um trabalhando a seu modo, sem que ninguém os organize e controle.

Por isso, o novo diploma, tentando tornar possível a prestação de trabalho tipicamente subordinado sem subordinação a ninguém, vem criar a figura do trabalho que é simplesmente “coordenado”.

Considerando que a figura do trabalho coordenado tem que ser necessariamente diferente do trabalho subordinado, para que não se torne presente o último elemento necessário à configuração da relação de emprego, temos que o “coordenador”, previsto no par. 6º, do art. 7º, do novo diploma, deve reunir alguns requisitos, para sua validade como tal:

a)  deve ser sócio, assim como os “coordenados”;

b) deve exercer a mesma atividade que os outros (faxineiro, vigilante, fiscal de salão, etc), apenas se encontrando na função eletiva de coordenador, com mandato temporário;

c) não pode deter os poderes típicos de empregador (regulamentar, fiscalizatório, diretivo ou disciplinar), limitando-se à organização e ao controle da qualidade do serviço prestado pelo conjunto de sócios;

d) deve ter sido livremente eleito pelo conjunto dos sócios que prestarão serviços naquele determinado estabelecimento do tomador;

e) quaisquer controvérsias quanto à prestação dos serviços devem ser deliberadas em reunião específica do conjunto de sócios participantes daquela atividade; e

f) sempre que o conjunto de sócios que prestarem serviços fora do estabelecimento da cooperativa for alterado de forma que não mais persista a maioria que elegeu o coordenador daquele conjunto, deverá ser realizada nova eleição para coordenador, em reunião específica para este fim, devendo ser observado o limite temporal do mandato previsto no par. 6º, do art. 7º, caso o mesmo coordenador seja mantido.

Trata-se de requisitos mínimos, quiçá previstos em futura regulamentação da nova lei, para que o “coordenador” não se revele, em realidade, um preposto do presidente da cooperativa, e este, o verdadeiro empregador dos trabalhadores “pseudocooperados”.


Conclusão

O verdadeiro cooperativismo, incluindo o de trabalho, constitui, indiscutivelmente, um relevante elemento criador de postos de trabalho, de mobilização de recursos, de geração de investimentos e de contribuição para a economia do país.

Como lembra a Recomendação n. 193 da OIT, não se desconhece que as cooperativas, em suas diversas formas, “promovem a mais plena participação no desenvolvimento econômico e social de todos os povos”.

Reconhece-se, ainda com a referida Recomendação, que a globalização criou novas e diferentes exigências, problemas, desafios e oportunidades para as cooperativas, e que se impõem modalidades mais sólidas de solidariedade humana em âmbitos nacional e internacional, para facilitar uma distribuição mais eqüitativa dos benefícios da globalização.

É extreme de dúvidas que o trabalhador, ao se associar em uma verdadeira cooperativa para ilidir a mais-valia sobre seu trabalho, típica de uma relação contratual em que ele tem sua mão-de-obra explorada pelo empregador, poderá obter uma contraprestação mais justa por sua energia laboral dispendida, incrementando sua qualidade de vida e a de sua família.

Entretanto, é inadmissível que se utilizem desvirtuadamente da nova lei de cooperativismo laboral para, mais uma vez, tentar sepultar toda uma proteção jurídica, historicamente conquistada (ou deferida), ao trabalho humano subordinado, e que vem se demonstrando o maior e melhor instrumento de distribuição de renda em nosso país.

Trata-se, como já dissemos[24], de um conjunto de normas cogentes, obrigatórias, que tem como sujeitos passivos os empregadores privados. Sendo cogentes, não podem ser objeto de disposição por parte dos atores da relação de emprego, posto que indisponíveis.

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Sendo previstas como direitos fundamentais, no texto constitucional, havendo forte corrente doutrinária inclinando-se, inclusive, pela sua intangibilidade pelo constituinte derivado, [25] tem-se que, também, com maior razão, não podem ser afastadas pelo legislador ordinário.

Dessa forma, o real cooperativismo de trabalho tem e sempre terá seu desenvolvimento estimulado por parte dos governos e dos organismos internacionais.

Já o seu desvirtuamento deverá sempre ser duramente combatido pelos órgãos competentes, em especial pelo Ministério do Trabalho e Emprego, por meio de seus Auditores-Fiscais, em ação preventiva e repressiva, e pela Justiça especializada, quando demandada.


Notas

1 DELGADO, Mauricio Godinho. Os Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho in O MPT como Promotor dos Direitos Fundamentais. São Paulo: LTr, 2006. p. 175.

2 Disponível em http://www.oitbrasil.org.br. Acesso em 30/10/2012.

3 Caput do art. 2º. da Lei n. 12690/2012.

[4] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 329/330.

[5] Op. Cit., p. 330.

[6] Op. Cit.. p. 330/333.

[7] Extraído de PROCESSO Nº TST-AIRR-111800-32.2007.5.04.0008, decisão publicada em 27/05/2011. Grifos nossos.

[8] VASCONCELLOS, Armando Cruz. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/12288 Acesso em 29/01/2013.

[9] Cf., p. ex., CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Formas Atípicas de Trabalho. São Paulo: LTr, 2004.  p. 133-136.

[10] DELGADO, Mauricio Godinho. “Direitos Fundamentais na Relação de Trabalho”. In. Revista do Ministério Público do Trabalho. Ano XVI. N. 31. Brasília: Procuradoria Geral do Trabalho, 2006. p. 41.

[11] Idem. p. 41-44.

[12] Disponível em http://www.oitbrasil.org.br. Acesso em 29/01/2013.

[13] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 628 e ss.

[14] CARELLI, Rodrigo de Lacerda.. Terceirização e Intermediação de mão-de-obra: ruptura do sistema trabalhista, precarização do trabalho e exclusão social. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 124.

[15] Op. Cit. p. 136.

[16] CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Cooperativas de mão-de-obra: manual contra fraude. São Paulo: LTr, 2002. p. 42.

[17] COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 133.

[18] PROCESSO Nº TST-RR-299000-26.2005.5.04.0018. Decisão de 03/10/2012. 2ª Turma. Grifos nossos.

[19] Processo: RR 972009820065040021 97200-98.2006.5.04.0021. Relator(a):Augusto César Leite de Carvalho. Julgamento: 07/08/2012. Órgão Julgador: 6ª Turma TST. Publicação: DEJT 10/08/2012. Grifos nossos.

[20] VASCONCELLOS, Armando Cruz. “Da Impossibilidade de Terceirização das Atividades Inerentes das Concessionárias de Telecomunicações – Fundamentos”. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/13850. Acesso em 27/01/2013.

[21] SILVA, Ciro Pereira da. A terceirização responsável: modernidade e modismo. São Paulo: LTr, 1997. p. 30.

[22] MELO, Raimundo Simão de. Direito Ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador. 2ª. ed. são paulo: ltr, 2006. p. 254/264; e enunciado n. 10,  dentre os aprovados na 1ª Jornada de Direito material e processual na Justiça do Trabalho

[23] ACÓRDÃO 0000029-19.2010.5.04.0372 RO. TRT da 4ª Região. Julgado em 17/11/2011. 10ª Turma. Grifos nossos.

[24] VASCONCELLOS, Armando Cruz. “Da Impossibilidade de Terceirização das Atividades Inerentes das Concessionárias de Telecomunicações – Fundamentos”. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/13850. Acesso em 27/01/2013.

[25] Por todos: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7 ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007. p. 391. 

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Sobre o autor
Armando Cruz Vasconcellos

Auditor Fiscal do Trabalho (RJ). Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Direito e Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VASCONCELLOS, Armando Cruz. A nova Lei das Cooperativas de Trabalho: como evitar (e coibir) fraudes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3511, 10 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23686. Acesso em: 28 mar. 2024.

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