Resumo: Este artigo tem como objetivo a análise do projeto de Código de Obrigações elaborado por Caio Mário da Silva Pereira. Passando pelo histórico legislativo e pela própria biografia do autor, é realizada uma análise da inspiração deste para sua elaboração, bem como uma verificação da linguagem, técnica, método e topografia utilizada. Por fim, é analisado o seu conteúdo em comparação com os dispositivos e institutos jurídicos presentes no Código Civil de 1916 e de 2002.
Palavras-chave: Caio Mário da Silva Pereira; Código de Obrigações; codificação; história do direito brasileiro.
1 INTRODUÇÃO
Não é possível compreender o presente sem revisitar a história. Desta regra não escapa a elaboração da legislação civil brasileira, a qual por anos a fio foi subserviente aos textos portugueses. É injusto, no entanto, dizer que faltaram esforços para a criação de um Código Civil verdadeiramente pátrio, deixando que os nomes de eminentes juristas sejam eclipsados por aqueles que lograram êxito em sua empreitada, como Clóvis Beviláqua e Miguel Reale. Afinal, não são poucos aqueles que deixaram sua contribuição na formação da tradição jurídica e que continuam até hoje contribuindo – seja pelo seu vanguardismo, seja por gerar o embrião de uma nova corrente de pensamento – com a modernização da ciência jurídica.
Neste contexto é que se encaixa o projeto de Código de Obrigações elaborado por Caio Mário da Silva Pereira. Objeto deste estudo, referido projeto será contextualizado em relação aos demais principais projetos e diplomas legais encontrados na história brasileira. Logo após, será realizada breve biografia de seu autor, para que seja possível compreender a vida e inspiração buscada para realização de seus trabalhos.
Em seguida, serão analisadas as características próprias do projeto de Código de Obrigações: sua linguagem, técnica, método e topografia. Adiante, é realizada uma análise comparativa entre alguns dispositivos do projeto de Código de Obrigações e os diplomas civis de 1916 e 2002. E para encerrar, serão apresentados os possíveis motivos, evidentes ou não, que levaram à sua rejeição pelo governo brasileiro.
2 BREVE HISTÓRICO LEGISLATIVO: DA ORIGEM DA LEGISLAÇÃO NACIONAL À ELABORAÇÃO DO CÓDIGO DE OBRIGAÇÕES
A ideia de codificação do Direito brasileiro é nitidamente derivada das três sucessivas compilações portuguesas, as Ordenações, que dispunham sobre os mais diversos aspectos da sociedade lusitana da época. A razão era bastante simples: organizar o direito pátrio, torná-lo coerente, harmonioso e, sobretudo, inteligível. Coube a D. Afonso, em 1446, empreender a primeira compilação, que ficou conhecida como Ordenações Afonsinas. Estas, no entanto, estavam longe de serem consideradas ideais, principalmente por conta da subordinação que havia às Decretais de Gregório IX.
Em 11 de março de 1521, o rei D. Manoel as substituiu pelas Ordenações Manoelinas, estas que corrigiam várias falhas da compilação anterior, mas, igualmente, ainda estavam muito aquém da legislação que se esperava para organizar devidamente a sociedade portuguesa. Aliado a isso, relevante acontecimento histórico ajudou a encurtar o tempo de vigência destas Ordenações. Houve em 1580 a reunião dos tronos de Portugal e Espanha, em razão da prematura morte de D. Sebastião I na batalha de Alcácer-Quibir, o que fez Filipe II da Espanha ascender ao trono das duas nações. Este fato fez com que se criasse uma necessidade de reformar a legislação, o que resultou na terceira grande compilação: as Ordenações Filipinas.
Embora sejam legislações próprias de Portugal, não se pode esquecer que até então o território brasileiro era mera colônia portuguesa e, dessa maneira, se aplicavam também em terras tupiniquins a legislação lusitana. E nem mesmo a proclamação da independência foi capaz de cortar o cordão umbilical, pois em 23 de outubro de 1823 foi editada uma lei determinando a continuidade da aplicação das Ordenações Filipinas e demais legislações até que uma nova, pátria, fosse elaborada.
E não foram poucas as tentativas de elaboração e aprovação de um Código Civil verdadeiramente brasileiro. Muitos renomados juristas, como Teixeira de Freitas, Nabuco de Araújo, Joaquim Felício dos Santos, Coelho Rodrigues, entre outros, criaram seus próprios anteprojetos. No entanto, nenhum deles recebeu a atenção merecida e foram arquivados, para a frustração de seus autores.
Só em 1899 que o então jovem Clóvis Beviláqua, a mando do Presidente da República Campos Sales, elabora seu projeto de Código Civil que, finalmente em 1916, é sancionado. “Pela Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é finalmente convertido em realidade o sonho de quase um século[1].” O diploma legal, contudo, não passou intacto tanto de críticas quanto pelo tempo. As mais emblemáticas críticas consistiam no seu excesso de individualismo, em descompasso com o período histórico e o pensamento predominante da época, e na ausência de conquistas e evoluções da ciência jurídica que já despontavam por todo o mundo. Por isso mesmo que se dizia que o Código já “nascera velho”, expressão inclusive utilizada reiteradas vezes por Caio Mário da Silva Pereira[2].
Nem mesmo a revisão trazida pela Lei nº 3.725/19 foi suficiente para atualizar perfeitamente o Código Civil, até porque não foram poucas as leis especiais posteriores que derrogaram muitos de seus dispositivos. A jurisprudência, por sua vez, não incorporou satisfatoriamente as inovações necessárias, fomentando ainda mais o desejo de se revisar ou até mesmo elaborar um novo Código Civil, condizente com o estágio evolutivo da ciência jurídica e da modernidade.
Dentro deste ambiente de grandes transformações é que o governo tratou de encomendar a Orosimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães a elaboração de um novo Código Civil. Ocorre que, ao invés de disciplinar o direito privado como um todo – assim como era esperado pelo governo, pela sociedade da época e por grande parcela dos juristas –, os eminentes civilistas optaram por redigir somente um Código de Obrigações, deixando para um momento posterior a edição de um Código Civil que tratasse das demais matérias atinentes ao direito privado. Tal decisão não ficou isenta objeções quando da divulgação do anteprojeto em 1941. Assim, embora de bastante qualidade técnica, o Código obrigacional não conseguiu sobreviver às críticas.
Neste momento é que o governo brasileiro resolve incumbir Orlando Gomes de redigir um novo anteprojeto de Código Civil, junto de uma comissão constituída por Orosimbo Nonato e Caio Mário da Silva Pereira. Este último ficou exclusivamente responsável por elaborar o anteprojeto de Código de Obrigações, objeto deste estudo, seguindo a orientação anterior de separar o direito obrigacional das demais matérias[3].
3 A BIOGRAFIA DO AUTOR
Antes de tratar especificamente do projeto de Código de Obrigações, é imprescindível que se conheça o seu autor. Afinal, é a partir de sua vida, sobretudo de sua experiência, é que se torna possível compreender a origem da inspiração de suas criações.
Caio Mário da Silva Pereira nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, em 1913. Filho mais velho entre seus quatro irmãos, tomou gosto pelo mundo acadêmico por influência de seu pai, que foi professor de Português, Latim, Francês e Geografia. As ciências jurídicas também não estavam longe de sua realidade, pois antes de ingressar na Faculdade de Direito, era empregado na Revista Forense.
Formou-se em Direito, pela Universidade de Minas Gerais, em 1935 com vinte e dois anos. Logo se tornou advogado e assumiu, por concurso, a cátedra desta mesma faculdade pela qual se formou. Do que se tem notícia, Caio Mário foi um dos “mais destacados professores, pela solidez de sua cultura, talento invulgar e invejável didática, que a todos cativava[4]”. Também foi professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Tornou-se também Consultor Geral da República do Presidente da República Jânio Quadros. À época, seu nome já havia conquistado reconhecimento nacional e internacional. Como jurista, por conta das grandes contribuições que havia feito ao mundo do Direito e, como advogado, pela sua destacada atuação perante os Tribunais superiores e em Arbitragens internacionais. Tanto que em 1962 recebeu do Instituto dos Advogados Brasileiros a “Medalha Teixeira de Freitas”.
No biênio de 1975 a 1977, foi Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, tendo grande destaque na atuação a favor dos presos políticos. Compôs como membro titular a Academie Internationale de Droit Comparé de Paris. Foi agraciado em 1999 com o título de doutor honoris causa da Universidade de Coimbra. Em 2001, foi empossado na cadeira nº 21 da Academia Mineira de Letras.
Acabou por falecer em 27 de janeiro de 2004, com noventa anos de idade, deixando como herança vasta quantidade de obras que atualmente são atualizadas constantemente por renomados juristas por ele incumbidos desta função.
4 O PROJETO DE CÓDIGO DE OBRIGAÇÕES
4.1 Características
Apresentado em 25 de dezembro de 1963, o projeto de Código de Obrigações de Caio Mário da Silva Pereira é composto por 952 artigos. Um número bastante expressivo se levar em conta que o atual Código Civil, nas matérias que foram disciplinadas pelo projeto em análise, totaliza 787 artigos. Ainda assim, não se pode dizer que o projeto de Código de Obrigações é revolucionário. O objetivo primordial do autor era criar uma legislação que conciliasse as modernas tendências e a tradição jurídica.
De qualquer maneira, pela leitura de seu conteúdo, é verificável que inova em alguns pontos. Alguns dispositivos, inclusive, têm como objetivo eliminar divergências de entendimento acerca de determinados institutos jurídicos. Contudo, é bastante perceptível a influência da tradição jurídica nacional e internacional que direcionavam – e ainda muito direcionam nos dias atuais – amplamente a concepção dos institutos jurídicos inseridos no diploma legal.
Neste sentido, Caio Mário não deixa de valorizar os trabalhos dos juristas que o precederam, como Teixeira de Freitas, o qual “desbravou a selva selvagem da legislação desordenada e fixou rumos à doutrina difusa[5]”. Não se esqueceu de averiguar também os trabalhos de Coelho Rodrigues, Felício dos Santos, Carlos de Carvalho, Orosimbo Nonato, Philadelpho Azevedo, Hahnemann Guimarães e Florêncio de Abreu. Em última análise, não recusou a inspiração advinda do próprio Código Civil de 1916, considerando-o uma admirável legislação que, apesar de precisar de reparos, ainda conseguia regulamentar suficientemente diversas relações jurídicas.
No âmbito internacional, estudou o Projeto de Código Único Franco-Italiano de Obrigações e Contratos e o Code International des Obligations. Também verificou a sistematização do direito das obrigações realizada pela Suíça, Itália e México. Não perdeu de vista as revisões que ocorreram no Código Civil francês, grego e chinês. Por fim, analisou a pretensa reforma não posta em prática do Código Civil argentino.
Assim, nas palavras do autor, o Código de Obrigações é
fruto de infatigável trabalho, aliança da tradição jurídica dos nossos maiores, da experiência rica da doutrina, da legislação e dos projetamentos, e contribuição pessoal de seu autor também[6].
Todo este estudo e dedicação poderiam induzir ao erro de pensar que o Código de Obrigações se tornou um diploma altamente técnico, o qual somente juristas poderiam compreendê-lo. Não foi, entretanto, o que ocorreu. Caio Mário tinha noção de que uma linguagem rebuscada poderia ser prejudicial, um abuso contra aqueles que não possuíam uma formação jurídica. Por isso, procurou utilizar uma linguagem mais singela possível, que qualquer um sabedor da língua portuguesa poderia compreender o que está escrito, sem abandonar a correção técnica essencial dos termos. Tentou, portanto, equilibrar a linguagem do povo com a linguagem dos técnicos.
No tocante à técnica de redação, os artigos possuem poucos parágrafos, para que não haja uma excessiva fragmentação da linha de raciocínio, algo que não só atrapalha a compreensão do que está escrito como também se torna esteticamente ruim. Buscou evitar longos períodos, que comprometem o entendimento, assim como aqueles muito curtos que propiciam uma leitura truncada e desconfortável.
Eliminou o quanto podia de definições, na convicção de que cabe à doutrina a finalidade didática. À lei permanecem os comandos, próprios a informar o destinatário de sua extensão e orientação.
Quanto ao método, Caio Mário aderiu à corrente de pensamento da escola alemã do Rechtsgeschäft. Compreende que o fato jurídico é elemento gerador do direito e da obrigação, o qual, se implantada a vontade humana, faz nascer o negócio jurídico. Ato jurídico, por sua vez, tem a função muito mais ampla que criar, modificar, transferir, resguardar ou extinguir direitos, pois é gênero do negócio jurídico; é uma fonte formal “abrangente de todo comportamento, seja social, seja individual, apto a construir direitos subjetivos[7]”.
A estrutura do Código de Obrigações se baseia no que Caio Mário considera como alicerces da obrigação: a vontade humana e a própria lei. Tais alicerces, contudo, não se relacionam de forma equânime e harmônica, mas descompassada, fazendo que prevaleça por vezes um ou o outro, conforme haja preponderância do elemento volitivo individual ou social. Como a vontade humana é fundamental para o surgimento da obrigação, o Código de Obrigações inicia suas disposições a partir da obrigação convencional (obrigações em geral até a declaração unilateral de vontade) para que, só depois, trate daquelas oriundas de uma imposição legal (enriquecimento indevido e responsabilidade civil).
4.2 Topografia
Para ficar mais clara a disposição do Código de Obrigações, é transcrita abaixo a sua formatação. É imperioso salientar que não fugindo da estrutura tradicional da legislação, o Código de Obrigações foi dividido em Títulos, Capítulos e Seções:
Título I: Negócio Jurídico Capítulo I: Disposições gerais Capítulo II: Defeitos Capítulo III: Insubsistência do negócio jurídico |
Título II: Obrigações em geral Capítulo I: Classificação Capítulo II: Cláusula penal Capítulo III: Transmissão Seção I: Cessão de crédito Seção II: Assunção de débito |
Título III: Inexecução da obrigação Seção I: Descumprimento das obrigações positivas e negativas Seção II: Retardamento ou mora na execução |
Título IV: Cessação da relação obrigacional Capítulo I: Pagamento Capítulo II: Extinção sem pagamento Capítulo III: Prescrição e Decadência |
Título V: Contrato Capítulo I: Disposições gerais Capítulo II: Cessação da relação contratual Seção I: Resilição bilateral Seção II: Resilição unilateral Seção III: Do contrato não cumprido Seção IV: Resolução por onerosidade excessiva Seção V: Impossibilidade da prestação |
Título VI: Espécies de contratos Capítulo I: Contrato preliminar Capítulo II: Compra e venda e Permuta Capítulo III: Modalidades especiais de compra e venda Capítulo IV: Doação Capítulo V: Locação Capítulo VI: Parceria rural Capítulo VII: Empreitada Capítulo VIII: Transporte Capítulo IX: Empréstimo Capítulo X: Depósito Capítulo XI: Prestação de serviços Capítulo XII: Corretagem Capítulo XIII: Mandato Capítulo XIV: Gestão de Negócios Capítulo XV: Comissão Capítulo XVI: Agência e Distribuição Capítulo XVII: Edição Capítulo XVIII: Seguro Capítulo XIX: Transação Capítulo XX: Constituição de renda e Capitalização Capítulo XXI: Jogo e a Aposta Capítulo XXII: Contratos bancários Capítulo XXIII: Fiança |
Título VII: Declaração Unilateral de Vontade Capítulo I: Promessa de recompensa Capítulo II: Concursos públicos |
Título VIII: Enriquecimento Indevido Capítulo I: Disposições Gerais Capítulo II: Pagamento indevido |
Título IX: Responsabilidade Civil Capítulo I: Reparação do dano Capítulo II: Liquidação das Obrigações |
Em comparação com o Código Civil de 1916 e o atualmente em vigor de 2002, nota-se que o projeto de Código de Obrigações foi além ao disciplinar determinadas matérias, ausentes naqueles. Os contratos de parceria rural e de edição, por exemplo, não mais existem no Código Civil de 2002. Contratos bancários e concursos públicos, por sua vez, não tiveram previsão tanto no Código Civil de 1916 quanto o de 2002.
4.3 Análise do conteúdo
É impossível, em tão reduzido estudo, analisar todos os dispositivos do projeto de Código de Obrigações com a profundidade que merecem. Por isso, serão destacados somente alguns pontos considerados relevantes que destoam das normas inseridas tanto no Código Civil de 1916 quanto no de 2002.
O primeiro destaque a ser feito é a manutenção da simulação como defeito do negócio jurídico que tem o condão de torná-lo anulável. Compreende-se como um vício na declaração de vontade e, portanto, a sua nulidade é relativa assim como ocorre no caso de dolo, erro, coação, etc. Como se sabe, o Código Civil de 2002 adotou entendimento diverso – em consonância com a orientação do BGB, §117 –, entendendo como nulo o negócio jurídico simulado, conforme o artigo 167.
No tocante à prescrição, o projeto de Código de Obrigações entende que há a extinção da própria relação jurídica. A divergência conceitual é evidente, tendo em vista que o Código Civil de 1916 adota a noção de que há com a prescrição a extinção da ação (artigo 177), enquanto que o Código Civil de 2002 exprime a ideia de que há extinção da pretensão (artigo 189). E tratando do mesmo instituto jurídico, o projeto de Código de Obrigações reduziu o prazo geral de prescrição para dez anos, assim como fez o Código Civil de 2002, já que para o Código Civil de 1916 o prazo geral para ações pessoais era de vinte anos e para ações reais dez anos entre presentes e quinze anos entre ausentes.
Também houve alteração no tratamento dado aos vícios redibitórios, já que, diferentemente do previsto no Código Civil de 1916, o prazo de caducidade da reclamação sobre coisa móvel foi aumentado para trinta dias. Além disso, o prazo de decadência não corre se pender cláusula de garantia, mas obriga o adquirente a denunciar o efeito em até quinze dias após sua descoberta. O Código Civil de 2002 ampliou este prazo para trinta dias.
Inovou o projeto de Código de Obrigações ao dar tipicidade à promessa unilateral, inserida no contexto do contrato preliminar. Aliás, importante ressaltar que o contrato preliminar não havia recebido disciplina específica no Código Civil de 1916, sendo tratado em outras leis como pré-contrato, antecontrato, contrato preparatório, compromisso ou promessa de contrato (Lei nº 58/37, Lei nº 649/49, Decreto-lei nº 745/69, Lei nº 6.766/79 e o Código de Processo Civil de 1939). Diferentemente, o Código Civil de 2002 possui Seção específica para o contrato preliminar, trazendo em dispositivo próprio regramento acerca da promessa unilateral (artigo 466).
Há referência também no projeto do Código de Obrigações à compra e venda de coisa alheia. Existem três grandes correntes sobre assunto: a primeira entende que o negócio jurídico é inexistente, a segunda que é nulo e a terceira que é anulável. O projeto de Código de Obrigações, ao admitir o convalescimento do negócio jurídico celebrado, adotou a posição de que este é anulável que, ao menos no plano legislativo, encerraria a discussão. Tanto o Código Civil de 1916 quanto o de 2002 se silenciaram sobre o assunto.
Ao tratar das doações, o projeto de Código de Obrigações eliminou a regra de consentimento pelo incapaz prevista no Código Civil de 1916 (artigo 1.170), conferindo ao negócio jurídico todos os efeitos e benefícios da liberalidade pura. O Código Civil de 2002 seguiu esta orientação em seu artigo 543, dispensando a aceitação do incapaz no caso de doação pura.
Dentro das disposições sobre o contrato de transporte, o projeto de Código de Obrigações reservou alguns dispositivos ao contrato de transporte de cruzeiro turístico, definindo as responsabilidades daquele que promove a excursão. Tanto o Código Civil de 1916 quanto o de 2002 nada trouxeram especificamente sobre o tema.
Outra opção adotada pelo autor no projeto de Código de Obrigações se deu em relação ao mútuo, a qual, da mesma maneira que defende em sua obra “Instituições de Direito Civil”, admitiu ser suficiente o consentimento para seu aperfeiçoamento[8]. Neste diapasão, afastou a discussão acerca da natureza real do contrato, que não se forma sem a efetiva tradição. Diferentemente, tanto o Código Civil de 1916 (artigos 1.256 e 1.257) quanto o Código Civil de 2002 (artigos 586 e 587) reconhecem uma natureza de contrato real ao mútuo pela necessidade de tradição da coisa.
Por fim, a antiga crítica doutrinária acerca da ausência de previsão explícita no Código Civil de 1916 da possibilidade de dano extrapatrimonial e sua consequente indenização foram incorporadas no projeto de Código de Obrigações. Tornou desnecessária a interpretação que tinha que se dar ao artigo 159 para reconhecer a existência do dano moral. O Código Civil de 2002 tratou expressamente do dano moral no artigo 186.