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A disciplina constitucional das outorgas para exploração de serviços de radiodifusão

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15/02/2013 às 17:14

Resumo:


  • A radiodifusão no Brasil é regulada pela Constituição Federal de 1988, que estabelece a necessidade de concessão, permissão ou autorização para sua exploração, além de definir princípios para a programação e limites para a propriedade de empresas do setor.

  • As outorgas para radiodifusão são processadas com a participação dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, visando assegurar a observância do interesse público e evitar o uso político dos meios de comunicação.

  • Discussões atuais envolvem a revisão de certos aspectos da legislação, como as proteções excessivas aos radiodifusores e a eficácia do Conselho de Comunicação Social, indicando a necessidade de ajustes para melhor atender à dinâmica contemporânea e às exigências democráticas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Apresentam-se as normas constitucionais referentes à radiodifusão, identificando alguns aspectos que hoje se encontram em discussão. São feitas críticas a essas normas, que têm revelado dificuldades práticas em sua aplicação, e ao benefício exagerado aos radiodifusores, sem igual em outros serviços públicos concedidos.

Resumo: Os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, nos termos da Constituição Federal, devem ser explorados por meio de outorgas de concessão, permissão e autorização. O advento da Carta de 1988 trouxe sensível evolução da disciplina constitucional dessas outorgas, ante um contexto histórico de uso com fins políticos e econômicos, dissociados de sua relevância social e cultural. Tratou a Constituição Cidadã de temas como os princípios a serem observados na programação, a propriedade de empresas de radiodifusão e o processamento das outorgas no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O presente artigo promove uma discussão sobre as disposições constitucionais referentes às outorgas de radiodifusão, bem como identifica aspectos de sua aplicação que se encontram, atualmente, em discussão nos órgãos legislativos e na doutrina.

Palavras-chave: radiodifusão, concessão, televisão, comunicação social.


1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 – CF (BRASIL, 1988), diferentemente de suas predecessoras, dedicou à comunicação social disciplina própria, consubstanciada em seus arts. 220 a 224,  em defesa à democracia que se buscava instaurar no Brasil, após duas décadas de regime de exceção (PIERANTI; ZOUAIN, 2006).

Tratou a Carta Cidadã, em seu art. 220, da garantia à liberdade de pensamento, expressão e informação; da explícita vedação a toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística; e da vedação ao monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social, bem como da desnecessidade de licença para publicação de veículo impresso de comunicação.

Nos arts. 221 a 223, a Constituição de 88 voltou-se eminentemente a estabelecer um conjunto normativo em proteção aos serviços de radiodifusão. Foram assuntos objeto de disciplinamento constitucional o conteúdo veiculado pelas emissoras de rádio e de televisão (art. 221), a propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão (art. 222), e o procedimento para outorga e renovação de concessões, permissões e autorizações de rádio e de televisão (art. 223).

A CF indicou, no art. 221, princípios a serem seguidos na produção e na programação das emissoras de rádio e televisão. Ademais, restringiu, conforme o disposto no art. 222, a propriedade de prestadoras desses serviços.

Em seu art. 223, a Constituição estabeleceu um marco regulatório mínimo disciplinador das outorgas para exploração de serviços de radiodifusão. Indicou prazos de outorga; rito para seu processamento, observando-se a obrigatória apreciação do ato de outorga pelo Congresso Nacional; não renovação de outorga somente por deliberação do Congresso Nacional, com quórum qualificado; e cancelamento de outorga somente por decisão judicial.

A Carta Magna, por intermédio do art. 224, determinou ainda que fosse instituído, no âmbito do Congresso Nacional, o Conselho de Comunicação Social, com vistas a assegurar a aplicação das normas impostas pelos artigos supracitados.

É de se ressaltar que o art. 21, inciso XII, alínea “a”, da Constituição Federal, resguardou como competência da União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens.

Inegável, portanto a importância atribuída pela Constituição Federal aos serviços de radiodifusão. O rádio inicialmente, e a televisão, hoje de modo preponderante, tornaram-se meios essenciais à disseminação da informação e ao fomento da cultura.

No entanto, o tratamento dado pela Lex Magna às outorgas de radiodifusão  criou sistema complexo de repartição de competências entre órgãos dos três Poderes, com sérias dificuldades em sua aplicação cotidiana. Ademais, permanecem questões polêmicas na aplicação e na interpretação das normas insculpidas no art. 223, que já levaram, até mesmo, uma subcomissão da Câmara dos Deputados a propor sua extirpação do corpo da Carta da República (CCTCI, 2007).

Nesse contexto, o presente ensaio discute a disciplina constitucional brasileira referente às outorgas para exploração de serviços de radiodifusão sonora (rádio) e de sons e imagens (televisão). Buscar-se-á descrever as referidas normas, com vistas a compreender seus objetivos e sua aplicação, bem como identificar alguns aspectos que se encontram, atualmente, em discussão nos órgãos legislativos e na doutrina.

Para tanto, o presente trabalho se inicia com uma digressão sobre em que consiste a radiodifusão e qual a sua importância, prosseguindo com um breve histórico sobre o tratamento do assunto no ordenamento jurídico brasileiro. Segue com uma descrição das disposições da Carta de 1988 referentes às outorgas de rádio e de televisão, identificando motivações para seu conteúdo e pontos que hoje se encontram em discussão e crítica nas Casas Legislativas e em estudos doutrinários.


2. CONCEITO E IMPORTÂNCIA DA RADIODIFUSÃO

Radiodifusão é definida, nos termos do Decreto nº 52.795/1963, como sendo o “serviço de telecomunicações que permite a transmissão de sons (radiodifusão sonora) ou a transmissão de sons e imagens (televisão), destinada a ser direta e livremente recebida pelo público” (BRASIL, 1963).

Pode-se ainda citar o conceito fornecido por Chabalgoity (apud PINTO, 2004, p. 39), esclarecedor quanto ao conteúdo transmitido pela radiodifusão:

Modalidade de telecomunicação que irradia programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas (noticiosos, entrevistas, comentários, entretenimento, publicidade, avisos e assuntos de utilidade pública, entre outros) a serem, livremente, recebidas pelo público em geral. Pode ser sonora ou de sons e imagens.

Em conformidade com as definições acima, a radiodifusão engloba os serviços de rádio e televisão recebidos gratuitamente pelo público. Não se incluem nesse conceito, portanto, os serviços de televisão por assinatura, os quais não são acessados de forma livre, mas sim sob condição de pagamento.

Faz-se mister observar que os serviços de radiodifusão são transmitidos por meio de uso de radiofrequências. Desse modo, qualquer receptor de rádio ou televisor poderá receber os sinais enviados pelo radiodifusor, sem pagamento de tarifas ou preços, o que torna a radiodifusão um poderoso instrumento para alcançar grande massa populacional com seu conteúdo.

Nesse sentido, confere-se que o rádio e a televisão aberta possuem elevada penetração nos domicílios brasileiros, como se pode observar dos dados agregados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, e que indicam, para o ano de 2009, que 87,9% dos domicílios do país possuíam receptor de rádio, enquanto 95,7% possuíam televisor (IBGE, 2010).

A radiodifusão possui também acentuada importância no campo político, eis que o controle de meios de comunicação de massa por grupos políticos pode ser usado como ferramenta para promoção de aliados ou crítica de inimigos, com vistas a aquisição de votos e poder. Nesse sentido, cabe citar a lição de Venício A. de Lima e Cristiano Lopes Aguiar (2007) quanto ao fenômeno que denominam “coronelismo eletrônico”:

Ao controlar as concessões [de radiodifusão], o novo “coronel” promove a si mesmo e aos seus aliados, hostiliza e cerceia a expressão dos adversários políticos e é fator importante na construção da opinião pública cujo apoio é disputado tanto no plano estadual como no federal.

No coronelismo eletrônico, portanto, a moeda de troca continua sendo o voto, como no velho coronelismo. Só que não mais com base na posse da terra, mas no controle da informação – vale dizer, na capacidade de influir na formação da opinião pública. (LIMA; AGUIAR, p. 3)

Portanto, a radiodifusão é socialmente relevante, vez que é capaz de atingir grande parte da população e distribuir conteúdos educativos, artísticos, culturais e informativos, bem como tem influência sobre a esfera política, por sua capacidade de influir na opinião pública. Trazem-se a lume, desse modo, algumas das motivações que levaram o constituinte originário a se ocupar desse tema na Carta de 1988.


3. BREVE HISTÓRICO DA DISCIPLINA JURÍDICA DA RADIODIFUSÃO NO BRASIL

A primeira norma jurídica a tratar explicitamente da radiodifusão no ordenamento pátrio foi o Decreto nº 20.047, de 27/5/1931, editado pelo presidente Getúlio Vargas, ainda sob a égide da Constituição de 1891 (BRASIL, 1931). Tratou referido ato normativo de estabelecer a competência exclusiva da União para regulamentar as atividades de radiodifusão, bem como a reconheceu como sendo de interesse nacional e finalidade educativa.

O Decreto nº 20.047/1931 também indicou a possibilidade de concessão para a instalação e a operação de estações de radiodifusão a sociedades civis ou empresas brasileiras, desde que obedecidas todas as exigências educacionais e técnicas estabelecidas pelo Governo Federal.

Complementando o referido normativo, o Decreto nº 21.111/1932 (BRASIL, 1932) instituiu o Regulamento para a Execução dos Serviços de Radiocomunicação no Território Nacional, o qual estabeleceu regras para as outorgas de concessões de radiodifusão. Essa norma trouxe, entre outras, as disposições de que: as concessões seriam outorgadas por decreto; teriam prazo de dez anos, renovável a juízo do governo; a diretoria das concessionárias deveria ser constituída por um mínimo de dois terços de brasileiros; intransferibilidade, direta ou indireta, da concessão; e a possibilidade de inserção de programação comercial, desde que não ultrapassasse em 10% o tempo total da programação.

Com a Constituição de 1934 (BRASIL, 1934), a radiodifusão encontrou sua primeira disciplina constitucional. O art. 5º, inciso VIII, daquela Carta impunha como competência privativa da União “explorar ou dar em concessão os serviços de telégrafos, radiocomunicação e navegação aérea”, estando a radiodifusão incluída nos serviços de radiocomunicação. A mesma disposição encontra-se na Carta de 1937 (BRASIL, 1937), sendo esta a primeira constituição a prever a possibilidade de censura prévia da radiodifusão, com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, em seu art. 122.

Com a explícita menção à radiodifusão, a Constituição de 1946 (BRASIL, 1946) indicou a competência da União para explorá-la diretamente ou mediante autorização ou concessão, em seu art. 5º, inciso XII.

Ademais, no art. 160, vedou a propriedade de empresas de radiodifusão a sociedades anônimas por ações ao portador e a estrangeiros, bem como proibiu que estrangeiros e pessoas jurídicas, excetuados partidos políticos nacionais, fossem acionistas de sociedades anônimas proprietárias dessas empresas. Ressaltou ainda que somente brasileiros poderiam ter a responsabilidade principal e a orientação intelectual e administrativa dessas empresas. A Carta de 46 garantiu a liberdade de manifestação do pensamento, independente de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, em seu art. 141, § 5º.

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Em 1962, adveio a Lei nº 4.117 (BRASIL, 1962), que instituiu o Código Brasileiro de Telecomunicações – CBT, o qual tratava dos meios de comunicação eletrônica, da telefonia e das tecnologias de transmissão de dados. Ressaltou o CBT, em seu art. 32, que os serviços de radiodifusão “serão executados diretamente pela União ou através de concessão, autorização ou permissão”. Estabeleceu a referida lei que novas concessões seriam precedidas de edital, mas sem previsão de realização de um procedimento licitatório.

Trouxe ainda o CBT novos prazos de outorga: dez anos para o serviço de radiodifusão sonora e quinze anos para o de televisão, com a possibilidade de renovações por períodos sucessivos e iguais, desde que cumpridas todas as obrigações legais e contratuais, mantidas a idoneidade técnica, financeira e moral, e atendido o interesse público. Ademais, disciplinou diversas obrigações aos radiodifusores, como, por exemplo, a de que um mínimo de 5% do tempo de transmissão deve ser destinado a serviços noticiosos, e ainda a de transmitir diariamente, entre 19h e 20h, exceto sábados, domingos e feriados, o programa oficial de informações do governo.

O CBT reconheceu a possibilidade de transferência da outorga, com prévia anuência do órgão competente do Poder Executivo. Elencou, ainda, em que consistiriam os abusos ao exercício da liberdade de radiodifusão a sofrerem punição estatal, bem como previu as hipóteses de cassação da outorga.

Destaque-se ainda a edição do Decreto nº 52.795/1963 (BRASIL, 1963), que aprovou o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão. Esse regulamento detalhou competências, processamento de outorgas, transferências de outorgas, renovação e cassação, entre outros assuntos relevantes.

Em 1967, já se encontrando o país sob o regime militar, foi adotada uma nova Constituição (BRASIL, 1967a). A referida Carta manteve as restrições da constituição anterior referentes à propriedade de empresas de radiodifusão, ressaltando que a responsabilidade e a orientação intelectual e administrativa dessas empresas caberia somente a brasileiros natos. Mais ainda, determinou que lei poderia estabelecer outras condições para a organização e o funcionamento das empresas de radiodifusão, “no interesse do regime democrático e do combate à subversão e à corrupção”. Idêntico dispositivo se verifica na Emenda Constitucional nº 1/1969 (BRASIL, 1969).

No mesmo ano, foi publicado o Decreto-Lei nº 267 (BRASIL, 1967b), que trouxe modificações ao CBT, impôs limites quantitativos para outorgas de radiodifusão por entidade concessionária e criou a modalidade de radiodifusão educativa.

A renovação das outorgas de radiodifusão ganhou disciplinamento, em 1983, com a publicação do Decreto nº 88.066 (BRASIL, 1983), o qual ressaltou a subordinação da renovação ao interesse nacional e ao cumprimento, pelos outorgados, das disposições legais e regulamentares aplicáveis, bem como da observância de suas finalidades educativas e culturais.

A Constituição de 1988, ora vigente, promoveu importantes alterações no que se refere à exploração de serviços de radiodifusão, conforme se avaliará na próxima seção deste ensaio. Importante ressaltar que, após sua promulgação, foram editadas a Emenda Constitucional nº 8/1995 (BRASIL, 1995) e a Lei nº 9.472/1997 – Lei Geral de Telecomunicações (BRASIL, 1997), as quais trouxeram um novo marco regulatório para os serviços de telecomunicações, com a quebra do monopólio estatal em sua prestação. Todavia, a LGT excluiu totalmente de sua aplicação os serviços de radiodifusão, que permanecem regidos pelo antigo Código Brasileiro de Telecomunicações.

Observe-se ainda que, em 1996, o Decreto nº 2.108 (BRASIL, 1996) alterou o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, com vistas a estabelecer a obrigatoriedade de realização de licitação para outorgas de radiodifusão comercial, utilizando-se do procedimento constante da Lei nº 8.666/1993 (BRASIL, 1993). Cabe notar que, até então, as outorgas eram dadas de forma discricionária e de forma não onerosa, havendo apenas o recolhimento de algumas taxas de serviço (LOPES, 2009).

É de se mencionar ainda a Lei nº 9.612/1998 (BRASIL, 1998), que instituiu o serviço de radiodifusão comunitária. Este se constitui na exploração da radiodifusão sonora, operando em frequência modulada e com baixa potência, a ser outorgada a fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos e com sede na localidade de prestação do serviço. Referido serviço deve atender às disposições da Constituição de 1988 e do CBT.


4. AS OUTORGAS DE RADIODIFUSÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A Constituição de 1988 trata das outorgas de radiodifusão de modo mais aprofundado que o observado nas cartas políticas anteriores, trazendo disposições gerais sobre radiodifusão, envolvendo competências, restrições em estado de sítio e questões tributárias; disposições sobre os princípios da radiodifusão e a propriedade das empresas de radiodifusão; disposições sobre o processamento das outorgas de radiodifusão; e disposição sobre o Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional.

4.1 Disposições gerais sobre a radiodifusão  

Inicialmente, o art. 21, inciso XII, alínea “a”, da Constituição Cidadã, estabelece a competência da União para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens. Já no art. 22, inciso IV, indica a competência privativa da União para legislar sobre radiodifusão.

No art. 48, inciso XII, ressalta a participação do Poder Legislativo, ao definir sua competência para dispor sobre matérias de competência da União, e especificamente, sobre radiodifusão. Já o art. 49, inciso XII, atribui ao Congresso Nacional a competência exclusiva para apreciar os atos de concessão e renovação de concessão de emissoras de rádio e televisão.

Enquanto isso, o art. 139, inciso III, admite a imposição de restrições à liberdade de radiodifusão na vigência de estado de sítio.

No capítulo que trata do sistema financeiro nacional, especificamente no art. 155, § 2º, inciso X, alínea “d”, a Constituição indica hipótese de não incidência do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, nas prestações de serviço de comunicação nas modalidades de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita.

4.2 Disposições sobre os princípios da radiodifusão e a propriedade das empresas de radiodifusão

A Carta de 88 ocupou-se, ainda, de dedicar um capítulo à comunicação social, com disciplinamentos específicos para a radiodifusão, referentes a seu conteúdo, propriedade e processamento de outorgas.

A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão devem atender aos princípios expressos no art. 221 da Constituição Federal: preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; e respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

A enumeração desses princípios demonstra o reconhecimento constitucional da importância da radiodifusão como meio de se fornecer ao público em geral elementos informativos, educativos e culturais, respeitando-se princípios éticos e a valorização da família, tendo sempre em vista o interesse público.

Ainda quanto ao art. 221, cabe pontuar o comentário de Alexandre de Moraes (2007), que entende por sua inaplicabilidade:

A extrema generalidade desses princípios, somada à proibição constitucional à censura, torna a presente norma inócua no sentido de prevenção na qualidade do material exibido por rádios e televisões, devendo, porém, ser utilizada na avaliação posterior de eventual responsabilidade civil por danos materiais e morais causados. (MORAES, 2007, p. 2177)

Como instrumento de concreção dos supramencionados princípios, o art. 222 da Constituição de 1988 restringiu a propriedade de empresas de radiodifusão a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou a pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no país. Mais ainda, conforme o § 1º do referido artigo, pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão deverá pertencer a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, bem como, conforme o § 2º, estes deverão exercer privativamente a gestão das atividades e estabelecer o conteúdo da programação.

Faz-se mister notar que o texto constitucional original vedava a pessoas jurídicas a propriedade de empresas jornalísticas ou de radiodifusão, o que foi afastado pela Emenda Constitucional nº 36/2002 (BRASIL, 2002a), que trouxe a imposição dos quantitativos societários, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, supramencionados.

O § 3º do art. 222 traz norma de eficácia limitada (BULOS, 2003), com a indicação de que os meios de comunicação social eletrônica, qualquer que seja a tecnologia utilizada para sua difusão, deverão observar os princípios estatuídos pelo art. 221, garantindo-se a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais. A correspondente norma regulamentadora ainda carece de elaboração.

A disciplina sobre como se dará a participação de capital estrangeiro nas empresas de radiodifusão, tal como preconizado pelo § 1º, foi remetida à legislação infraconstitucional, nos termos do § 4º, tendo sido regulamentada pela Lei nº 10.610/2002 (BRASIL, 2002b).

É destacável ainda a obrigação, imposta pelo § 5º, de que as alterações de controle societário das empresas de radiodifusão sejam comunicadas ao Congresso Nacional, em respeito à competência que este detém para apreciação de atos de outorga, bem como de renovação.

Ainda quanto à propriedade das empresas de radiodifusão, há que se observar a vedação ao monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social, prevista no art. 220,  § 5º, da Lei Maior. Tal vedação se faz necessária, conforme a lição de José Afonso da Silva (2006):

A Constituição, como se vê do artigo em comentário [art. 220], garante a liberdade de pensamento, de criação, de expressão e de informação sob qualquer forma, processos ou veículo, sem restrições. Por isso mesmo é que proíbe que os meios de comunicação social sejam objeto de monopólio ou oligopólio. É um regra especial para o setor, correspondente àquela que reprime o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (art. 173, § 4º). A regra específica era necessária, primeiro porque se poderia argumentar que os meios de comunicação social não estariam sujeitos à regra geral sob o argumento de não serem atividades econômicas; segundo porque há uma forte tendência ao monopólio ou ao oligopólio no sistema de comunicação social. O poder de persuasão de certas emissoras, em certo momento, é manifesto, ainda que não raro esse poder provenha da maior capacidade de organização tecnológica e programática. (SILVA, 2006, p. 826)

4.3 Disposições sobre o processamento das outorgas de radiodifusão

Quanto ao controle, renovação e cancelamento de concessões, permissões e autorizações para exploração do serviço de radiodifusão, a Carta Cidadã estabeleceu, no art. 223, competência tripartida entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Ao Poder Executivo Federal compete expedir os atos de outorga e de renovação aos concessionários, permissionários e autorizatários, conforme o caput do art. 223.

Cabe mencionar que, de acordo com o Decreto nº 52.795/1963 (BRASIL, 1963), a outorga de concessões, aplicáveis aos serviços de televisão e de radiodifusão sonora de caráter nacional ou regional, dá-se por ato de competência do Presidente da República – no caso, a publicação de decreto; enquanto isso, a outorga de permissões, afetas aos serviços de radiodifusão sonora de caráter local – o que inclui as rádios em frequência modulada (FM) – concretiza-se por meio da publicação de portaria do Ministro de Estado das Comunicações.

Referidos atos de outorga ou de renovação não produzem efeitos até que haja sua aprovação pelo Poder Legislativo Federal, em respeito aos §§ 1º, 2º e 3º do art. 223, o que se materializa pela publicação de decreto legislativo.

O § 1º do art. 223 estabelece como prazo para deliberação dos atos de outorga ou de renovação, pelo Congresso Nacional, o previsto no art. 64, §§ 2º e 4º, a contar do recebimento da mensagem que os encaminhar. Como consequência, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal deverão apreciar o ato, cada qual sucessivamente, em até 45 dias, sob pena de sobrestamento de todas as deliberações legislativas da respectiva Casa, salvo as que tenham prazo constitucionalmente estabelecido, e ressalvando-se que tal prazo não corre nos períodos de recesso parlamentar.

A não renovação de uma outorga de radiodifusão depende de aprovação do Congresso Nacional, sendo exigido um quórum de dois quintos dos parlamentares, com votação nominal, nos termos do § 2º do art. 223. Desse modo, caso o Poder Executivo entenda que um outorgado não possa ver renovada sua concessão ou permissão, eis que, por exemplo, não atendeu aos requisitos impostos no Decreto nº 88.066/1983 (BRASIL, 1983), tal decisão deverá ser aprovada pelas Casas Legislativas, com o citado quórum qualificado, para que se concretize.

Ainda na esfera de competências reservadas pelo texto constitucional ao Poder Legislativo, o § 3º indica ser necessária a aprovação do Congresso Nacional para que o ato de outorga produza efeitos legais. Desse modo, torna-se impossível a assinatura de contrato de concessão ou de permissão, bem como o início da operação do radiodifusor, antes da publicação do decreto legislativo que aprove o decreto – no caso de concessão – ou a portaria ministerial – no caso de permissão.

O cancelamento de outorga de concessão ou permissão, antes de vencido seu prazo, em conformidade com o § 4º do art. 223, envolverá o Poder Judiciário, eis que se dará somente com decisão judicial.

Finalmente, o § 5º do art. 223 estabelece que o prazo da concessão ou permissão será de dez anos para as emissoras de rádio e de quinze para as de televisão.

A leitura das normas referentes ao processamento de outorgas de radiodifusão revela preocupações do constituinte originário, certamente exaltadas pela transição então vivida rumo a um regime democrático: a possibilidade de não renovação ou de cancelamento de outorgas por arbitrariedades de governantes do momento, e a possibilidade de uso político de atos de outorga pelos mesmos governantes, beneficiando aliados e extirpando opositores do acesso aos meios de comunicação de massa.

Buscou-se, dessa forma, submeter os atos de outorga, de renovação e de não renovação ao controle político, a fim de aferir o atendimento ao interesse público e impedir benesses ou perseguições, bem como subordinar cancelamentos de outorga à imparcialidade do controle judicial, de modo a verificar a validade e a veracidade da motivação para esse ato extremo. Com efeito, Luciana Sardinha Pinto (2004), ao destacar a natureza política, e não técnica, do controle exercito pelo Congresso Nacional, ressalta que:

o ato de outorga deixa de ser um ato discricionário do Poder Executivo, que possuía, conforme a legislação anterior, a exclusividade da escolha do direito de outorgar, renovar, declarar peremptas as permissões e concessões, sem nenhuma garantia, sem nenhum respeito pelo esforço e investimento do empresário. (PINTO, 2004, p. 176-177)

Todavia, diversos questionamentos têm sido levantados quanto à extensão e à pertinência dessas disposições, passadas mais de duas décadas da aprovação da Constituição Cidadã.

Na Câmara dos Deputados, a Subcomissão Especial, instituída pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, para proceder a uma análise das mudanças nas normas referentes à apreciação de atos de outorga e renovação de serviços de radiodifusão, concluiu em seu relatório final (CCTCI, 2007) que as disposições contidas nos §§ 2º e 4º do art. 223 se constituíam hoje em um instrumento injustificado de proteção aos radiodifusores, sem igual em outros serviços públicos.

Sobre o § 2º, referente à aprovação de não renovação de outorga, o citado relatório destaca que nem mesmo leis ordinárias demandam quórum qualificado e votação nominal para aprovação, sem que haja justificativa para preservação de tamanho privilégio, garantido somente às rádios e às televisões.

Quanto ao § 4º, disciplinador do cancelamento de outorga, o relatório da subcomissão aponta para a disfunção que gera sua aplicação, eis que, ainda que se identifique uma irregularidade grave na prestação do serviço de radiodifusão, o Poder Executivo “enfrenta sérios embaraços para recuperar o direito à plena tutela sobre ele”, haja vista depender de uma decisão judicial, sendo esta uma prerrogativa inexistente em qualquer outra espécie de serviço público.

Como consequência, a Subcomissão Especial sugeriu a discussão de propostas de emendas constitucionais para suprimir os §§ 2º e 4º do art. 223.

A aplicação do § 4º do art. 223 já sofreu discussão também no âmbito do Tribunal de Contas da União, que decidiu, conforme explicitado no sumário do Acórdão 1900/2008 – TCU – Plenário:

1. O cancelamento de outorga de que trata o art. 223, § 4º, da Constituição Federal busca resguardar concessões e permissões regularmente outorgadas de eventual arbítrio da Administração no sentido de, antes do prazo definido, extingui-las.

2. Ato de outorga concedida com vício de ilegalidade deve, em decorrência do poder de autotutela, ser anulado pela autoridade administrativa que celebra o ato, não sendo necessária a decisão judicial referida no art. 223, § 4º, da Constituição Federal. (TCU, 2008)

No caso concreto avaliado pela Corte de Contas, o Ministério das Comunicações identificara irregularidade cometida pela empresa de radiodifusão vencedora de licitação para outorga de serviço de radiodifusão, por ocasião da fase de habilitação. Como já haviam sido publicados tanto o ato de outorga quanto o decreto legislativo que o aprovara, o Ministério entendeu pela necessidade de ação judicial para cancelamento de outorga.

Discordando da posição do Ministério, a Corte de Contas firmou entendimento de que a anulação do ato de outorga, por existência de vício insanável em sua origem, não é forma de extinção unilateral de outorga, essa sim protegida pelo § 4º do art. 223, mas significa o reconhecimento de que se trata de outorga sem validade, pois concedida sob fundamento ilegal, representando ato que não existe no mundo jurídico como válido. Possível, portanto, a declaração de nulidade da outorga sem decisão judicial.

No mesmo sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça, entendendo que a previsão do § 4º do art. 223 refere-se ao cancelamento de outorgas válidas e não para o reconhecimento de nulidade (MS 8.937-DF).

4.4 Disposição sobre o Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional

O art. 224 da CF determina a instituição do Conselho de Comunicação Social, no âmbito do Congresso Nacional, como órgão auxiliar para os efeitos das normas constitucionais de comunicação social.

O citado art. 224 foi regulamentado pela Lei nº 8.389/1991 (BRASIL, 1991), a qual elenca como atribuições do conselho a realização de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações que lhe forem encaminhadas pelo Congresso Nacional, especialmente no que tange a matérias correlatas aos arts. 220, 221 e 223. Quanto a sua composição e efetividade, socorre-se novamente do magistério de José Afonso da Silva (2006):

A ideia inicial era no sentido de que esse Conselho fosse composto mediante participação paritária de representantes indicados pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo (...). No fim, o texto [da Constituição] ficou sem a cláusula que continha essa exigência de que a composição do Conselho fosse de representantes do Poder Público, como se quer de um órgão de que se espera o exercício de rigorosa função de controle. O enunciado que prevaleceu no artigo não excluía essa possibilidade, desde que a lei nele referida o quisesse. Mas ela não quis. Forjou um Conselho composto de representantes de entidades privadas, todas ligadas direta ou indiretamente ao interesse dos meios de comunicação social e da indústria cultural – ou seja, representantes das empresas de rádio, de televisão, da categoria profissional dos jornalistas, dos radialistas, dos artistas, do cinema e vídeo, e cinco representantes da sociedade civil, todos eleitos pelo Congresso Nacional, indicados pelas entidades representativas daqueles setores, para um mandato de dois anos, com possibilidade de uma recondução. Enfim, um Conselho anódino. (SILVA, 2006, p. 831)

O referido Conselho foi instalado somente em 2002, mas tem atuação descontínua, quedando-se inativo em diversos períodos por falta de indicação de seus membros. Nesse sentido, Cristiano Aguiar (2009, p.22) ressalta como dificuldades que levaram ao tardio e deficiente funcionamento do Conselho “as divergências políticas, a falta de consenso sobre o modelo de conselho a ser implementado e o fato de jamais ter havido a inserção do debate sobre as comunicações entre as prioridades do Congresso”.

O citado autor defende ainda que falta ao Conselho de Comunicação Social maior poder para que possa se firmar como um ator influente na formulação de políticas públicas de comunicação, de modo que entende se fazer necessárias alterações na Lei 8.389/1991, com vistas a dotar o conselho de poder conclusivo em relação aos projetos de lei relativos ao setor de comunicações, bem como de iniciativa para proposição de políticas públicas de comunicações.

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Sobre o autor
Marcelo Barros da Cunha

Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União. Engenheiro de Comunicações pelo Instituto Militar de Engenharia, Bacharel em Direito pelo Instituto de Educação Superior de Brasília, e Especialista em Controle da Regulação de Serviços Públicos pelo Instituto Serzedello Corrêa/TCU.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNHA, Marcelo Barros. A disciplina constitucional das outorgas para exploração de serviços de radiodifusão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3516, 15 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23728. Acesso em: 22 dez. 2024.

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