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O conceito de homem no jovem Marx (1843-1846)

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Notas

[1] É de se reconhecer, ab initio e sem ingenuidade, a impossibilidade de abordagem do pensamento de um filósofo da amplitude de Marx, sem incidir em alguma imprecisão ou interpretação errônea do que o autor verdadeiramente quis dizer – o que não nos exime do esforço de evitá-las. Ainda mais se considerarmos a teoria da história de Marx e o decurso de lapso temporal de 170 anos, contados do período em que Marx iniciou a sua produção filosófica. Além disso, a própria tradição marxista, com sua multiplicidade de correntes, é a expressão mais eloquente da impossibilidade de uma almejada precisão.

[2] Cf., sobre o assunto, WEBER, 2001.

[3] Antes, houvera ainda duas investidas da burguesia: a Reforma Protestante e a Revolução Gloriosa (que resultou no Bill of Rights [Declaração de Direitos], que previa a separação de poderes, o direito de petição e a proibição de penas inusitadas e cruéis [cruel and unusual punishments] – cf., sobre o assunto, COMPARATO, 2007, p. 92-98).

[4] Neste ponto, é incoercível a referência ao Manifesto do Partido Comunista, no tocante à burguesia: “Onde passou a dominar, destruiu as relações feudais, patriarcais e idílicas. Dilacerou sem piedade os laços feudais, tão diferenciados, que mantinham as pessoas amarradas a seus ‘superiores naturais’, sem pôr no lugar qualquer outra relação entre os indivíduos que não o interesse nu e cru do pagamento impessoal e insensível ‘em dinheiro’. [...] Dissolveu a dignidade pessoal no valor de troca e substituiu as muitas liberdades, conquistadas e decretadas, por uma determinada liberdade, a de comércio. Em uma palavra, no lugar da exploração encoberta por ilusões religiosas e  políticas ela colocou uma exploração aberta, desavergonhada, direta e seca” (MARX; ENGELS, 2008, p. 12).

[5] O “Código Napoleônico”, como passou a ser conhecido, destinava-se à proteção da propriedade privada da burguesia vitoriosa: “Destinava-se evidentemente a proteger a propriedade – não a feudal, mas a burguesa. O Código tem cerca de 2.000 artigos, dos quais apenas 7 tratam do trabalho e cerca de 800 da propriedade privada. Os sindicatos e as greves são proibidos, mas as associações de empregadores permitidas. Numa disputa judicial sobre salários, o Código determina que o depoimento do patrão, e não do empregado, é que deve ser levado em conta. O Código foi feito pela burguesia e para a burguesia: foi feito pelos donos da propriedade para a proteção da propriedade” (HUBERMAN, 1985, p. 1862).

[6] Nesta mesma linha de raciocínio, afirma o historiador inglês Eric Hobsbawm: “Se a economia do mundo do século XIX foi constituída principalmente sob a influência da Revolução Industrial britânica, sua política e ideologia foram constituídas fundamentalmente pela Revolução Francesa” (1996, p. 9).

[7] Cf., a este respeito, HUBERMAN (1985, p. 164): “Na Inglaterra, em 1689, e na França, em 1789, a luta pela liberdade do mercado resultou numa vitória da classe média. O ano de 1789 bem pode ser considerado como o fim da Idade Média, pois foi nele que a Revolução Francesa deu o golpe mortal no feudalismo. Dentro da estrutura da sociedade feudal de sacerdotes, guerreiros e trabalhadores, surgira um grupo de classe média. Através dos anos, ela foi ganhando força. Havia empreendido uma luta longa e dura contra o feudalismo, marcada particularmente por três batalhas decisivas. A primeira foi a Reforma Protestante; a segunda foi a Gloriosa Revolução na Inglaterra, e a terceira, a Revolução Francesa. No fim do século XVIII era pelo menos bastante forte para destruir a velha ordem feudal. Em lugar do feudalismo, um sistema social diferente, baseado na livre troca de mercadorias com o objetivo primordial de obter lucro, foi introduzido pela burguesia. A esse sistema chamamos – capitalismo”.

[8] Importa consignar, entretanto, que o próprio Marx tornou expressas as fontes de seu pensamento. Celso Frederico afirma: “Em diversos momentos, Marx referiu-se a essa característica de sua pátria, observando que, enquanto os demais povos agiam, os alemães pensavam. Por isso, quando falava das ‘três fontes’ que influenciaram o seu pensamento, fazia observações sucintas: ‘os alemães têm a cabeça filosófica, os franceses a cabeça política e os ingleses a cabeça econômica’” (FREDERICO, 2010, p. 9).

[9] Disponível em: <www.marxists.org/portugues/lenin/1913/03/tresfont.htm>. Acesso em: 02/dez/2011. Cf., também, Lenin (2003, p. 64).

[10] Tampouco o socialismo francês e a economia política inglesa o são. Contudo, é de se destacar a preeminência das divergências existentes na filosofia alemã.

[11] Ao comentar o percurso teórico, palmilhado por Marx e Engels, o Prof. Sílvio L. Sant’Anna, em seu texto introdutório à edição da Martin Claret de A Ideologia Alemã, acrescenta ainda um “sexto passo”: “Nesse percurso, hegelianismo, neo-hegelianismo, materialismo antropológico, socialismo utópico e economia política, não teriam ido além, se ambos não estivessem em permanente debate dialético e não tivessem ousado o sexto e definitivo passo, que possibilitou o salto qualitativo de suas pesquisas, para desaguar na dialética materialista. O sexto passo foi comprovar e reformular suas hipóteses dentro da própria história, em contato com o cotidiano dos trabalhadores das fábricas” (SANT’ANNA, 2007, p. 24).

[12]  Cf., v.g., o texto introdutório de José Paulo Netto em Para a Questão Judaica (NETTO, 2009, p. 10).

[13] Entre os jovens hegelianos, é preciso destacar a presença de August von Cieszkówski (1814-1894), filósofo polonês, que critica Hegel por furtar-se à especulação do futuro, tornando a totalidade, em sua dialética, defeituosa – o que poderia ser sanado “por meio da emoção, do pensamento e, sobretudo, pela vontade, pela práxis” (FREDERICO, 2009, p. 19-20). Cieszkówski teria sido o primeiro, entre os hegelianos de esquerda, a referir-se à práxis (cf., também, sobre este fato, NETTO, 2009, p. 14), posteriormente retomada por Marx.

[14] É no prefácio desta obra que Hegel apresenta a famosa afirmação: “o racional é real; o real é racional” (HEGEL apud FREDERICO, 2010, p. 11). Abbagnano (1983, p. 82), tratando de tal fórmula (“que melhor exprime a total abolição do finito na filosofia hegeliana”), assim a entende: “Esta fórmula não exprime a possibilidade de a realidade ser penetrada ou entendida pela razão, mas a necessária, total e substancial identidade de realidade e razão”. Mais à frente, Abbagnano (1983, p. 82) aponta: “Os resultados imediatos da dissolução do finito ou identidade entre realidade e razão são dois: 1.º o finito não tem qualquer realidade como finito; 2.º enquanto real, o finito não o é, mas é o próprio infinito. Através desta segunda proposição, a realidade, tal como é, surge inteiramente justificada e toda a pretensão em contrapor-lhe um dever ser cai no nada. O ser e o dever ser coincidem”. Neste sentido, acerca da questão central da teoria do conhecimento (desprezada por Hegel), não é inoportuno referir: “E. Bloch constata que o ponto fraco na filosofia de Hegel é a falta de uma crítica do conhecimento” (ZILLES, 2008, p. 11).

[15] Cf., acerca do assunto, Frederico (2010, p. 16-17).

[16] Cf. Konder (1999, p. 24); Netto (2009, p. 36, nota 18).

[17] Marx (2010). Tal obra somente foi publicada postumamente, em 1927.

[18] Cf. Frederico (2010, p. 25).

[19] Mais precisamente: “na manhã de 19 de junho, Marx casou-se com Jenny Von Westphalen” (ENDERLE, 2010, p. 17). Em Kreuznach, Marx permaneceu até outubro, mergulhado em seus estudos (ENDERLE, 2010, mesma página).

[20] Isto se excluirmos a tese de doutorado – A diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro –, escrita entre 1838-1840 e defendida em 1841 (KONDER, 1999, p. 21-22), na qual Marx: (i) está “inteiramente voltado para o problema da crítica da religião” (PESSANHA, s.d., p. 12); (ii) que “projeta fundar, juntamente com Bruno Bauer e Feuerbach, uma revista intitulada Arquivos do ateísmo” (PESSANHA, s.d., p. 12-13); (iii) que “exalta Prometeu, o rebelde que concede aos homens o fogo da libertação” (PESSANHA, s.d., p. 12); (iv) que “só pode identificar-se com Epicuro, em quem encontra um tipo de materialismo capaz de levar à liberdade que sempre principia pela rejeição dos absolutos transcendentes e aterrorizadores” (PESSANHA, s.d., mesma página); (v) sendo que, desde 1837 (então, com 19 anos), já “frequentava um café na Rua dos Franceses [em Berlim], onde se reuniam alguns jovens filósofos, hegelianos de esquerda, que constituíam o ‘Doktorklub’ (Clube dos Doutores), entre os quais “se achava um – Bruno Bauer – que chegou a lecionar filosofia na Universidade de Bonn e de quem Marx veio a se tornar amigo” (KONDER, 1999, p. 19). Portanto, desde a tese de doutorado, o jovem Marx já se batia contra a filosofia idealista de Hegel, que dominava o ambiente acadêmico berlinense. Neste sentido, confira-se, outrossim, a afirmação de Silva (2009, p. 16, nota 7): “Na tese Marx afasta-se de Hegel, e acaba por refutar a opinião hegeliana de que a teoria atômica de Epicuro não se distinguia em essência da de Demócrito, a exemplo de pensadores da antiguidade e também da modernidade”.

[21] Cf. Konder (1999, p. 27). Na mesma esteira, veja o que afirma Frederico (2009, p. 15): “O caminho para romper o círculo de ferro, formado por uma realidade política opressiva e por ideólogos apoiados no monumental sistema hegeliano, passava por Feuerbach. Feuer-bach – literalmente: ‘rio de fogo’ – era para Marx o caminho certo para realizar a travessia e atingir a outra margem, a do reino da democracia e da liberdade: ‘e não há outra via para a verdade e a liberdade, exceto aquela que leva através do rio de fogo (Feuer-bach)’”. Falaremos, mais à frente, da importância de Feuerbach na filosofia de Marx.

[22] Escrito em polêmica com Bruno Bauer, também neo-hegeliano, que defendia a ideia de uma emancipação política dos judeus (como forma de acesso aos direitos garantidos aos cristãos na Prússia, àqueles negados), somente possível se os judeus renunciassem à sua religião, “em favor de um racionalismo ilustrado e idealista” (NETTO, 2009, p. 22-27). Por outras palavras, Frederico (2009, p. 95) afirma que Bauer via “no ateísmo a pré-condição para a emancipação política dos judeus”.

[23] Texto escrito em forma panfletária, no qual Marx avança da ideia de emancipação humana (analisada em A Questão Judaica), para a de uma necessária revolução social, cuja base material seria o proletariado. Muito bem escrito, apresenta frases solenes, como, v.g.: (i) “é o homem que faz a religião, não é a religião que faz o homem” (MARX, 2010b, p. 30); (ii) “o homem não é um ser abstrato, acocorado fora do mundo” (MARX, 2010b, mesma página); (iii) a religião “é o ópio do povo” (MARX, 2010b, p. 31); (iv) “a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas”, (MARX, 2010b, p. 44 ); (v) “Ser radical significa agarrar a questão pela raiz” (MARX, 2010b, p. 44); (vi) “Assim como a filosofia encontra no proletariado as suas armas materiais, o proletariado encontra na filosofia as suas armas intelectuais” (MARX, 2010b, p. 56); e (vii) “A emancipação do alemão é a emancipação do humano. O cérebro dessa emancipação é a filosofia, o seu coração o proletariado. A filosofia não pode se concretizar sem a abolição do proletariado, o proletariado não pode abolir-se sem a concretização da filosofia” (MARX, 2010b, p. 56).

[24]Arnold Ruge (1802-1880), hegeliano de esquerda, que, juntamente com Marx, editou os Anais Franco-Alemães (em única edição, publicada no final de fevereiro de 1844 – cf. KONDER, 1999, p. 29). Acerca deste momento da vida de Marx, que levou ao rompimento com Ruge, Leandro Konder comenta: “[...] a situação pessoal de Marx não era das mais animadoras: a revista editada por ele e por Ruge fora proibida na Alemanha e mais de trezentos exemplares dela [com os dois artigos de Marx, sobre A questão judaica e à Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução] haviam sido apreendidos pela polícia prussiana ao tentarem penetrar no país. Além disso, assustado com a radicalização que se processava no pensamento de Marx, Ruge desistira de continuar editando Anais Franco-Alemães e acabara até por romper relações com seu companheiro” (KONDER, 1999, p. 31).

[25] Sob a forma de dois artigos (FREDERICO, 2009, p. 112).

[26] Em junho de 1844 ocorrera um levante de operários da tecelagem na província alemã da Silésia. Acerca de tal revolta, Arnold Ruge publicou no periódico Vorwarts! (edição n.º 60), um artigo intitulado O rei da Prússia e a reforma social, assinando “Um prussiano”. Criticando a posição de Ruge, Marx publicou na mesma mídia, nos dias 7 e 10 de agosto de 1844, dois artigos sob o mesmo título: Glosas críticas marginais ao artigo “O rei da Prússia e a reforma social”. De um prussiano (TONET, 2010, p. 7-8).

[27] É de se destacar a existência de uma possível distinção entre Cadernos de Paris e Manuscritos Econômico-Filosóficos (FREDERICO, 2009, p. 127 e nota 111). Aparentemente, sem fazer qualquer diferenciação, os demais autores pesquisados fazem referência à obra aludida, assim: Manuscritos de Paris, Manuscritos de 1844 e Manuscritos Econômico-Filosóficos.

[28] Não se pense que tal mudança para Paris seja casual. Netto (2009a, p. 20) esclarece que “encerrada a experiência na Gazeta Renana, decide-se por deixar a Alemanha: tem, em associação com Ruge, o projeto de editar, na França, um periódico que vincule a reflexão filosófica alemã ao pensamento social francês – exatamente os Deusch-Französische Jahrbücher [Anais Franco-Alemães]”.

[29] Cf., acerca desta grande mulher, os comentários de Konder (1999, passim, em especial, p. 15-16, 145-146), Strathern (2006, p. 18-19) e Giannotti (1999, p. 5-6). Ademais, caso não se tenha receios de experimentar profunda emoção, leia-se a carta de Jenny Marx a Joseph Weydemeyer, escrita em Londres a 20 de maio de 1950 (FROMM, 1979, p. 207-211), para ter-se uma imagem grandiosa da nossa dama de ferro, bem como dos pungentes sofrimentos pelos quais passaram a família Marx, na oportunidade. É profundamente comovente a fé, o amor e o destemor com que o casal Marx suplanta as suas vicissitudes, malgrado o seu ateísmo e materialismo.

[30]Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) foi um socialista utópico francês, adversário da propriedade privada e do comunismo, bem como “promotor de movimentos sindicais, mutualistas e pacifistas” (REALE; ANTISERI, p. 181). “Pensador francês, precursor do anarquismo, um dos mais influentes teóricos dos movimentos reformistas do século XIX” (SANDRONI, 2007, p. 698). Em sua obra O que é a propriedade?, de 1840, afirmou: “A propriedade é roubo” e “Eu sou um anarquista” (WIKIPÉDIA. Em Confissões de um revolucionário, teria afirmado que: “Anarquia é ordem” (PIERRE-JOSEPH, 2012). Essa afirmação teria sido a inspiração para o notório símbolo do anarquismo: um A [de Anarquia] dentro de um O [de Ordem] (PIERRE-JOSEPH, 2012). Marx, que enaltecera a obra O que é a propriedade?, em A Sagrada Família, polemizou com o referido socialista, ao opor-lhe a obra Miséria da Filosofia, em resposta a Sistema das Contradições Econômicas, escrita por Proudhon (cujo subtítulo era “A filosofia da miséria”). No Prólogo à obra, Marx (2009, p. 41) escreve: “O Sr. Proudhon tem a infelicidade de ser singularmente desconhecido na Europa. Na França, tem o direito de ser um mau economista, porque passa por ser um bom filósofo alemão. Na Alemanha, tem o direito de ser um mau filósofo, porque passa por ser um dos mais vigorosos economistas franceses. Nós, na qualidade de alemão e de economista ao mesmo tempo, quisemos protestar contra esse duplo erro”. Acerca da relação Proudhon-Marx, ver Konder (1999, p. 59-61) e Netto (2009b, p. 11-40).

[31]Jean Joseph Charles Louis Blanc (1811-1882) foi um importante socialista utópico francês e “um dos líderes da revolução de 1848” (SANDRONI, 2009, p. 87).

[32]Christian Johann Heinrich Heine (1797-1856) “foi um importante poeta romântico alemão, sendo conhecido como ‘o último dos românticos’. Boa parte de sua poesia lírica, especialmente a sua obra de juventude, foi musicada por vários compositores notáveis como Robert Schumann, Franz Schubert, Felix Mendelssohn, Brahms, Hugo Wolf, Richard Wagner e, já no século XX, por José Maria Rocha Fereira, Hans Werner Henze e Lord Berners” (HEINRICH, 2012).

[33]Mikhail Alexandrovitch Bakunin (1814-1876) foi um “Revolucionário russo, criador do anarquismo coletivista” e um discípulo de Proudhon; “rebelou-se contra os princípios mutualistas do mestre e negou a eficácia das cooperativas de trabalhadores numa sociedade dominada pelo capital” (SANDRONI, 2009, p. 57).

[34] Dessa relação de socialistas, não se pode excluir a influência do pensamento de dois dos maiores socialistas utópicos: Claude Henri de Saint-Simon (1760-1825) e de seu discípulo, Charles Fourier (1772-1837), embora ambos já tivessem falecido antes de Marx passar a residir em Paris. Antes mesmo de Saint-Simon, é mister citar François Noël Babeuf (1760-1797), o Gracchus Babeuf, jornalista que participou da Revolução Francesa e foi líder da Conjuração dos Iguais, bem como Robert Owen (1771-1858), um reformista social galês. Finalmente, não se pode olvidar as ideias de Louis-Auguste Blanqui (1805-1881), o revolucionário socialista francês, cognominado “O Encarcerado”, porquanto tenha passado 37 anos de sua vida preso, em razão de sua luta pelo sufrágio universal, pela igualdade de direito entre homens e mulheres e pela supressão do trabalho infantil.

[35] Na única edição dos Anais Franco-Alemães (cf. nota 24, supra).

[36] De fato. Cf., a passagem aludida, no prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política (1859), de Marx: “Engels, com quem mantive constante intercâmbio escrito de ideias, desde a publicação do seu genial esboço sobre a crítica das categorias econômicas (nos Anais Franco-Alemães), havia chegado por caminho diferente (veja-se o seu livro A Situação da Classe Operária na Inglaterra) ao mesmo resultado que eu” (MARX; ENGELS, 1961, p. 302).

[37] Nesse sentido, confira-se a afirmação de Celso Frederico (2009, p. 130-131): “Sem dúvida, Engels não só iniciou Marx no estudo da Economia Política como também lhe forneceu elementos conceituais para a crítica dessa ciência. Há uma passagem em que Engels, discutindo a relação entre preço e valor, afirma que na economia ‘tudo é colocado de cabeça para baixo: o valor que é, à partida, fonte do preço, é situado na dependência do seu produto. Essa inversão, sabe-se, é a essência da abstração (comparar Feuerbach sobre esse ponto’”.

[38] Sobre este segundo encontro entre Marx e Engels, além da referência de Paul Strathern, confira-se as de Leandro Konder (1999, p. 38-39) e Silvio Sant’Anna (2007, p. 15).

[39] Cf. a referência já no prefácio da obra (MARX, 2004, p 20).

[40] Trata-se do sexto passo apontado pelo Prof. Silvio Sant’Anna (cf. nota 11, supra).

[41] Cf., sobre o assunto, Marx, 2011; Trotsky, 2011; González, 1982.

[42] Fábio Konder Comparato afirma que “a indagação central de toda a filosofia é bem esta: – Que é o homem? A sua simples formulação já postula a singularidade eminente deste ser, capaz de tomar a si mesmo como objeto de reflexão” (2007, p. 3). Não sem razão, o jovem Sócrates teria sido despertado para as reflexões filosóficas ao ler a máxima inscrita no templo de Apolo, em Delfos: “conhece-te a ti mesmo” (COMPARATO, 2006, p. 49).

[43] É de se destacar que a referência ao jovem Marx, aqui, não segue a taxonomia althusseriana: “obras de juventude (1840-1844); obras de cesura (1845); obras de maturação (1845-1857) e obras de maturidade (1857-1883)” (MAGALHÃES, p. 105). Preferimos tratar o Marx de A Sagrada Família, Teses sobre Feuerbach e A Ideologia Alemã, como jovem, porquanto, efetivamente o fosse e o próprio Althusser ter restringido as obras de maturidade aos anos de 1857 (com a Introdução à Crítica da Economia Política [cf. MARX, 1999, p. 25-48, e MARX, 2011b, p. 39-64], mais de 10 anos depois de A Ideologia Alemã) até 1883 (ano de sua morte). Por outro lado, a classificação althusseriana serve apenas como recurso didático, mas não como paradigma teórico-filosófico. Nem se olvide a existência de outras periodizações da obra marxiana. Enderle (2005, p. 17) refere à de José Chasin, que divide a obra marxiana em fase juvenil e fase adulta (os Manuscritos de 1843 são a obra de transição entre uma e outra fase). Netto (2009, p. 33), separando o jovem Marx do Marx da maturidade, atribui ao primeiro período as obras que vão deste a tese de doutorado de 1841 até A Ideologia Alemã (1845-1846). Nós, neste primeiro contato com a vasta, profunda e rica obra marxiana, evitamos – arbitrariamente, confessamos – o exame da tese de doutorado. Em verdade, o recorte temporal realizado nesta monografia supera consideravelmente os limites para uma pesquisa de graduação em filosofia e, mais que isso, demanda-nos mais tempo, dedicação e fôlego do que possuímos no momento – o que não nos impedirá de chegarmos a bom termo.

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[44] Acerca da polêmica, em torno das distintas perspectivas da metafísica e da ontologia, bem como da utilização de tais termos, confira-se os respectivos verbetes em Abbagnano (2007, p. 766-776 e 848).

[45] Cf., a afirmação, em Marx e Engels (2007a, p. 44): “O primeiro pressuposto de toda a história humana é, naturalmente, a existência de seres humanos vivos”. As traduções de Luis Claudio de Castro e Costa (MARX; ENGELS, 2007b, p. 10) e Marcelo Backes (MARX; ENGELS, 2007c, p. 41), relativas ao trecho em comento, são bem parecidas.

[46] Cf., acerca deste ponto, a afirmação de Marx (2010a, p. 82): “Não se deve condenar Hegel porque ele descreve a essência do Estado moderno como ela é, mas porque ele toma aquilo que é pela essência do Estado. Que o racional é real, isso se revela precisamente em contradição com a realidade irracional, que, por toda parte, é o contrário do que afirma ser e afirma ser o contrário do que é”.

[47] Netto (2009a, p. 20) afirma que “é com A essência do cristianismo, de 1841 (Feuerbach, 1988), que ele aporta elementos fundamentais para a passagem definitiva de Marx ao materialismo – com essa obra, Feuerbach abre a Marx alternativas e problemáticas que só serão devidamente equacionadas em 1845-1846”. Acerca do impacto de tal obra à sua época, Engels comentou: “Só tendo vivido [...] a força libertadora desse livro é que se pode imaginá-la. O entusiasmo foi geral – e momentaneamente todos nós nos transformamos em ‘feuerbachianos’” (ENGELS apud NETTO, 2009a, p. 36, nota 20).

[48] Importa, aqui, referir a um comentário de Kostas Papaioannou (referendado por Celso Frederico), através do qual acusa Marx de, equivocadamente, identificar a Ideia com o Estado, quando, na verdade, este seria apenas “o momento final e não o obscuro princípio a movimentar toda a realidade social” (FREDERICO, 2009, p. 57-58). Entretanto, não é o próprio Hegel quem faz tal identificação, ao afirmar a personalidade do Estado (sua certeza-de-si-mesmo) como suprassunção das particularidades, que, no Eu quero, resolve-as, “dando início a toda ação e realidade”? Reveja a referida afirmação hegeliana, consoante a respectiva transcrição acima. Quem profere o Eu quero que dá início a “toda ação e realidade”, senão o monarca que encarna o Estado e é, em seu Si-mesmo, a objetivação da Ideia? Se há um equívoco, segundo nos parece, este não está em Marx, mas em Hegel (ou, no mínimo, foi fomentado por este). Cf., ainda, sobre o assunto, Frederico (2009, p. 22).

[49] Eis uma afirmação que “Hegel admitiria, visto que a religião cristã é a religião verdadeira e a Trindade é a forma fundamental da lógica” (COLLIN, 2008, p. 41).

[50] Fernando Magalhães (2009, p. 103-104) afirma que “Hardt e Negri propõem, hoje, a Multidão como o novo sujeito revolucionário, quer dizer, como o proletariado do século XXI”, como forma de superação das confusões decorrentes das expressões empregadas por Marx e Engels: proletariado, operariado, classe operária, classe trabalhadora etc. De fato, Hardt e Negri, antes de distinguirem multidão de povo, massas e classe operária, a definem como “uma rede aberta e em expansão na qual todas as diferenças podem ser expressas livre e igualitariamente, uma rede que proporciona os meios da convergência para que possamos trabalhar e viver em comum” (HARDT; NEGRI, 2005, p. 12).

[51] Tal pensamento, conforme exortação de Paul Arbousse-Bastide, em nota ao texto de Rousseau (1997b, p. 87), deve ser confrontado com o de Blaise Pascal (2003, p. 164): “Meu, teu. – ‘Este cão é meu’, diziam os pobres meninos. ‘Este é o meu lugar ao sol’. Eis aí o começo e a imagem da usurpação de toda a Terra”.

[52] As aspas constam do original.

[53] Aspas no original.

[54] Sobre este aspecto das reflexões marxianas dos Manuscritos de 1843 e de sua superação, Frederico (2009, p. 66) afirma: “O dualismo do Marx de 1843 será superado, como veremos posteriormente em suas obras maduras. Já em 1844, o termo médio fará sua aparição revolucionária por intermédio do conceito ainda mal desenvolvido de práxis, efetivando-se materialmente pelos instrumentos de trabalho interpostos entre o homem e a natureza. A práxis ou a ‘atividade empírica’ seriam, para usarmos os termos de 1843, um ferro-de-madeira: um mixtum compositum destinado a fundir ideia e matéria, ser e ação, projeto subjetivo e realidade objetiva”.

[55] Cf., sobre este ponto, a afirmação de Marx (2009a, p. 52): “A emancipação política é, sem dúvida, um grande progresso; ela não é, decerto, a última forma da emancipação humana, em geral, mas é a última forma da emancipação política no interior da ordem mundial até aqui”.

[56] De fato, o próprio Marx atesta que “A aplicação prática do direito humano à liberdade é o direito humano à propriedade privada” (MARX, 2009a, p. 64). Este direito é o de “gozar a sua fortuna e dispor dela; [é] o direito do interesse próprio [Eigennutz]” (MARX, 2009a, mesma página). Esta liberdade (da propriedade privada) e o jus utendi et abutendi que lha acompanha, “formam a base da sociedade civil” (MARX, 2009 a, mesma página). Assim, tal liberdade “faz com que cada homem encontre no outro homem, não a realização, mas antes a barreira da sua liberdade” (MARX, 2009a, mesma página).

[57] Nesta mesma esteira, escreve Marx (2009a, p. 78): “O dinheiro é o zeloso deus de Israel, perante o qual nenhum deus pode subsistir. O dinheiro rebaixa todos os deuses do homem – e transforma-os numa mercadoria. O dinheiro e o valor universal – constituído para si próprio – de todas as coisas. Roubou portanto ao mundo inteiro – ao mundo dos homens tal como à natureza – o seu valor peculiar. O dinheiro é a essência – alienada ao homem – do seu trabalho e da sua existência; e essa essência estranha domina-o, e ele adora-a”.

[58] Trata-se da Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Introdução – doravante referida apenas como Introdução –, cujo título original é Zur Kritik der Hegelschen Rechtsphilosophie. Eilentung. Utilizamos o texto constante de Marx (2010b), em confronto com Marx (2010a).

[59] Cf., a este respeito, a nota 23, supra.

[60] Cf., no texto, a exortação de Marx ao povo alemão: “vocês não podem abolir a filosofia sem efetivá-la” (MARX, 2010b, p. 41) ou, na tradução de Rubens Enderle e Leonardo de Deus, “não podeis suprimir a filosofia sem realizá-la” (MARX, 2010a, p. 150).

[61] Cf., Marx (2010a, p. 157): “A cabeça dessa emancipação é a filosofia, o proletariado é seu coração”.

[62] Nas palavras de Marx (2010b, p. 54), a caracterização do proletariado é a seguinte: “um setor que não possa se emancipar de todos os outros setores da sociedade, emancipando assim todos os outros setores da sociedade; o qual, numa palavra, representa a perda total do ser humano e que, portanto, só pode conquistar-se por meio da recuperação completa do ser humano. Essa dissolução da sociedade como camada social particular é o proletariado”.

[63] Inclusive, com a utilização de sua peculiar e corrosiva ironia (socrática?), que dissolve os argumentos dos adversários.

[64] Cf., acerca deste fato, Konder (1999, p. 49): “Ruge enfureceu-se com o artigo de Marx e escreveu, em carta a um amigo, que Marx não passava de ‘um judeu sujo’”.

[65] Cf., tal expressão, diretamente em Marx (2010c, p. 78).

[66] Na obra de Mészáros, há várias passagens com referências ao “sistema” marxiano; transcreveremos duas (extraídas da Introdução): “Apesar de suas proporções modestas – apenas cerca de 50 mil palavras – os Manuscritos econômico-filosóficos são um grande trabalho de síntese, de um tipo particular: uma síntese in statu nascendi (...). [...] Os Manuscritos de 1844 constituem o primeiro sistema abrangente de Marx. Nesse sistema, cada ponto particular é ‘multidimensional’: liga-se a todos os outros pontos do sistema marxiano de ideias; está implicado por eles assim como os implica” (MÉSZÁROS, 2006, p. 21). “Os Manuscritos de 1844 tiveram de permanecer inacabados – não podia ser de outro modo com um sistema flexível e aberto, in statu nascendi, que não deve ser confundido com uma síntese prematura de juventude. Mas sua significação, a despeito de seu caráter fragmentário, é enorme, tanto em termos do que realmente alcançaram quanto com relação à gama e ao modo de indagação por eles iniciado” (MÉSZÁROS, 2006, p. 24).

[67] Enfatize-se a peculiar revolta dos tecelões silesianos, ocorrida em junho de 1844.

[68] Ou seja, nove anos após a publicação de História e Consciência de Classe (em 1923), de Georg Lukács. Tal obra lukacsiana, produzida sob o desconhecimento das investigações marxianas de 1844, acabou por fomentar um equívoco, ao tratar de maneira equivalente, objetivação e alienação – equívoco este, que o jovem Marx, nos referidos Manuscritos, critica em Hegel (Cf., sobre o assunto, FREDERICO, 2009, p. 169-211, em especial, a nota 181, à p. 185).

[69] Informação colhida de G. Bedeschi, apud Ranieri (2001, p. 28).

[70] Registre-se que a obra de István Mészáros consta, efetivamente, da bibliografia da obra de Jesus Ranieri.

[71] Exemplo emblemático desta tensão no pensamento hegeliano é a seminal passagem da Fenomenologia do Espírito, conhecida como dialética do senhor e do escravo. Trata-se, em verdade, do item A (intitulado Independência e dependência da consciência de si: dominação e escravidão) do capítulo IV (cujo título é A verdade da certeza de si mesmo) – estende-se do parágrafo 178 ao 196. Muitos estudiosos debruçaram-se sobre este texto. Podemos referir o russo Alexandre Kojève e alguns de seus alunos de renome: Jean Hyppolite e Jacques Lacan. Entre nós, é imperioso conferir o estudo de Henrique Cláudio de Lima Vaz (VAZ, 1981). É de se destacar, entre todas, a interpretação de Alexandre Kojève, que se insere na “boa tradição marxista”, pois compreende a centralidade do trabalho da concepção filosófica de Hegel, além de depositar no trabalho servil, ou seja, no escravo, os germes possíveis da futura emancipação humana e da liberdade com a conquista da consciência-de-si autônoma (PAULA, 2010).

[72] Cumpre, aqui, reproduzir a explicação de Mészáros (2006, p. 19-20, nota 3), acerca do significado de alienação: “Em alemão, as palavras Entäusserung, Entfremdung e Veräusserung são usadas para significar ‘alienação” e ‘estranhamento’. Entäusserung e Entfremdung são usadas com muito mais frequência por Marx do que Veräusserung, que é, como Marx a define, ‘die Praxis der Entäusserung’ (a prática da alienação) [...], ou, em outro trecho, ‘Tar der Entäusserung (o ato da alienação) [...]. Assim, Veräusserung é o ato de traduzir na prática (na forma da venda de alguma coisa) o princípio da Entäusserung. No uso que Marx faz do termo, ‘Veräusserung’ pode ser intercambiado com Entäusserung quando um ‘ato’ ou uma ‘prática’ específica são referidos. [...] Tanto Entäusserung como Entfremdung têm uma tríplice função conceitual: (1) referindo-se a um princípio geral; (2) expressando um determinado estado de coisas; e (3) designando um processo que engendra esse estado. Quando a ênfase recai sobre a ‘externalização’ ou ‘objetivação’, Marx usa o termo Entäusserung (ou termos como Vergegenstänsdlichung), ao passo que Entfremdung é usado quando a intenção do autor é ressaltar o fato de que o homem está encontrando oposição por parte de um poder hostil, criado por ele mesmo, de modo que ele frustra seu próprio propósito”. Ranieri (2001, p. 24), colhendo o ensinamento de Mészáros, diferencia Entäusserung de Entfremdung: “Entäusserung tem o significado de remissão para fora, extrusão, passagem de um estado a outro qualitativamente diferente, despojamento, realização de uma ação de transferência. Nesse sentido, Entäusserung carrega o significado de exteriorização, um dos momentos da objetivação do homem que se realiza através do trabalho num produto de sua criação. Por outro lado, Entfremdung tem o significado de real objeção social à realização humana, na medida em que historicamente veio a determinar o conteúdo das exteriorizações (Entäusserunge) por meio tanto da apropriação do trabalho como da determinação desta apropriação pelo surgimento da propriedade privada”.

[73] Neste sentido, Marx (2004, p. 84) afirma: “A natureza é o corpo inorgânico do homem, a saber, a natureza enquanto ela mesma não é corpo humano. O homem vive da natureza significa: a natureza é o seu corpo, com o qual ele tem de ficar num processo contínuo para não morrer. Que a vida física e mental do homem está interconectada com a natureza não tem outro sentido senão que a natureza está interconectada consigo mesma, pois o homem é uma parte da natureza”. De fato, “a sociedade é a unidade essencial completada (vollendete) do homem com a natureza, a verdadeira ressurreição da natureza, o naturalismo realizado do homem e o humanismo da natureza levado a sério” (MARX, 2004, p. 107).

[74] Conforme Denis Collin (2008, p. 93): “Os indivíduos não são nem seres absolutamente livres, como pensam os idealistas, nem joguetes das circunstâncias que os determinariam”. Exemplo de concepção finalista é a de Habermas, que concede prioridade ontológica à “ação comunicativa”, em detrimento do trabalho (concebido como “ação instrumental”). Celso Frederico (2009, p. 187-188), por sua vez, entende que “o amesquinhamento da dimensão ontológica do trabalho – considerado como ‘ação instrumental’, reduzido indevidamente a uma ‘mediação de segunda ordem’ – faz da emancipação humana uma atividade da consciência, uma ação promovida pelos intelectuais pequeno-burgueses e restrita à crítica da racionalidade e da técnica como manipulação, da ciência como forma de legitimação, da ‘ação comunicativa’ como chave de uma emancipação bem comportada etc.” O sociólogo Ricardo Antunes, que fez pesquisas na Universidade de Sussex (Inglaterra) junto a István Mészáros, outrossim, critica a concepção de trabalho de Habermas e a sua filosofia da linguagem: “[...] entendo que a práxis interativa, como momento de expressão da subjetividade, encontra seu solo ontológico fundante na esfera do trabalho, onde o ato teleológico se manifesta pela primeira vez em sua plenitude. Embora a esfera da linguagem ou da comunicação seja um elemento constitutivo central do ser social, em sua gênese e em seu salto ontológico em relação às formas anteriores, não posso concordar com Habermas, quando ele confere à esfera intercomunicacional o papel de elemento fundante e estruturante do processo de sociabilização do homem. [...] Ao operar com a disjunção analítica essencial entre trabalho e interação, entre práxis laborativa e ação intersubjetiva, entre atividade vital e ação comunicativa, entre sistema e mundo da vida, perde-se o momento em que se realiza a articulação inter-relacional entre teleologia e causalidade, entre mundo da objetividade e da subjetividade, questão nodal para a compreensão do ser social. [...] Como contraposição, realiza uma sobrevalorização e disjunção entre essas dimensões decisivas da vida social, e a perda desse liame indissolúvel permite a Habermas valorizar e autonomizar a esfera comunicacional” (ANTUNES, 1999, p. 156-157). Acerca da centralidade do mundo do trabalho, outrossim, conferir Antunes (2007).

[75] Cf., neste sentido, os comentários de Fernando Magalhães (2009, p. 39): “[...] o comunismo jamais chegou a penetrar profundamente o pensamento de Marx. Seu principal objetivo, manteve-se sempre na periferia da crítica ao capitalismo. Eis a razão pela qual o comunismo foi um problema de menor vulto – em comparação com o estudo do capitalismo; afinal o comunismo não existia ainda – para as análises de Marx. Por isso essa forma de sociedade persistiu em um modelo relativamente imaturo. Esse comunismo incipiente, não completamente desenvolvido, isto é, filosófico e, até certo ponto, utópico (no sentido positivo usado pelos marxistas contemporâneos), não desaparece dos estudos posteriores de Marx. A ideia de uma sociedade totalmente sem classes mantém-se viva em nosso autor até o fim de sua vida”.

[76] Cujos caminhos foram delineados e anunciados nos Manuscritos de Paris.

[77] Trata-se de “um círculo que se formara a partir da desintegração do Clube dos Doutores e tinha por figuras de proa seu irmão [de Bruno Bauer] Edgar Bauer (1820-1886) e Kaspar Schmidt (1806-1856, depois conhecido sob o pseudônimo de Max Stirner)” (NETTO, 2009a, p. 17). A crítica ao pensamento de Max Stirner, entretanto, será apresentada em A Ideologia Alemã.

[78] Cf., a referência, no item 1.2.2 desta monografia, à p. 12.

[79] Cf., a este respeito, o subtítulo do livro A sagrada família: “contra Bruno Bauer e consortes” (MARX; ENGELS, 2003). Além da referência expressa a Bruno Bauer e consortes, o título guarda uma ironia aos irmãos Bauer, em razão do tom sacralizante com o qual estes filósofos idealistas aspergem a sua “Crítica crítica”: “A Sagrada Família”.

[80] Segundo Leandro Konder (1999, p. 42) a Gazeta Literária Geral, era uma “revista editada em Charlotemburgo, e vinha professando um aristocrático desprezo pelas multidões, ridicularizando os esforços dos revolucionários que procuravam fazer uma política de massas”.

[81] Informação colhida de Marcelo Backes (cf. MARX; ENGELS, 2003, p. 16, nota 3). O prólogo da obra é datado de “setembro de 1844” (MARX; ENGELS, 2003, mesma página).

[82] Sobre o assunto, Leandro Konder, na orelha da edição pesquisada de A Sagrada Família, afirma o seguinte: “Depois de ter tido certa desconfiança em relação a Engels, Marx tornou-se seu amigo. E juntos eles escreveram, em Paris, de setembro a novembro de 1844, A sagrada família. Na Alemanha, liderado por Bruno Bauer, emergia um grupo de intelectuais ambiciosos, hipercríticos, que se consideravam críticos dos críticos, ou Críticos críticos. Marx e Engels deram ao livro um título que aludia ironicamente à família Bauer e um subtítulo não menos irônico: ‘A crítica da Crítica crítica’” (MARX; ENGELS, 2003). Aparentemente, Bauer e consortes, arrogantemente, autointitulavam-se críticos críticos.

[83] Acerca deste fato, Collin (2008, p. 63) afirma: “Se os jovens hegelianos se dividem, homenagem é feita a Feuerbach nessa obra que se coloca ainda sob o signo do ‘humanismo real’. Alguns meses mais tarde, o ‘humanismo real’ deixará definitivamente o lugar para o comunismo e a filosofia se apagará diante da ciência materialista da história. A primeira parte de A ideologia alemã, dedicada a Feuerbach, faz a primeira exposição sistemática desse novo gênero de materialismo que Marx funda”.

[84] A citação é imprescindível: “Feuerbach é o único que tem para com a dialética hegeliana um comportamento sério, crítico, e [o único] que fez verdadeiras descobertas nesse domínio, [ele é] em geral o verdadeiro triunfador (Überwinder) da velha filosofia. A grandeza da contribuição e a discreta simplicidade com que F[euerbach] a outorga ao mundo estão em flagrante oposição à atitude contrária” (MARX, 2004, p. 117). Quais teriam sido estas “verdadeiras descobertas” a que Marx se refere? Ele mesmo responde: “O grande feito (Tat) de Feuerbach é: 1) a prova de que a filosofia não é outra coisa senão a religião trazida para o pensamento e conduzida pensada[mente]; portanto, deve ser igualmente condenada; uma outra forma e [outro] modo de existência (Daseinsweise) do estranhamento (Entefremdung) da essência humana; 2) A fundação do verdadeiro materialismo e da ciência real, na medida em que Feuerbach toma, do mesmo modo, a relação social, a ‘do homem como o homem’, como princípio fundamental da teoria; 3) Na medida em que ele confronta à negação da negação, que afirma ser o absolutamente positivo, o positivo que descansa sobre si mesmo e positivamente se funda sobre si próprio” (MARX, 2004, p. 117-118).

[85] Marcelo Backes, sobre o culto a Feuerbach, em nota ao referido parágrafo, afirma: “Quando voltou a ler seus escritos precoces, Marx disse ter se sentido ‘agradavelmente surpreso por descobrir que nós dois [ele e Engels] não precisamos nos envergonhar do nosso trabalho, ainda que o culto a Feuerbach tenha um efeito bastante humorístico sobre mim hoje em dia’ (Carta a Engels, 24.4.1867 – glosa nossa). Se Marx chega a defender o nome de Feuerbach diante dos abusos de ‘Bruno Bauer e consortes’ em algumas passagens, Engels exalta-o na presente com um entusiasmo que está longe de ser tão grande em Marx” (MARX; ENGELS, 2003, p. 111). Entretanto, também é verdade, como refere Celso Frederico (2009, p. 209), que Marx, “Numa carta dirigida ao mestre [Feuerbach] em 11 de agosto de 1844, época da redação dos Manuscritos econômico-filosóficos, ainda confessava a ‘estima excepcional e – permita-me a palavra – o amor que tenho pelo senhor” (glosa nossa). Ainda que, mesmo à época dos Manuscritos de Kreuznach, em 1843, Marx já divergisse de Feuerbach – ao menos em único ponto. Escreveu ele a Ruge: “O único ponto em que divirjo de Feuerbach é que, a meu ver, ele dá importância de mais à natureza e importância de menos à política. Ora, atualmente, a filosofia só pode se realizar aliando-se à política” (KONDER, 1999, p. 27). Finalmente, é da pena de Marx que, na obra em estudo, emerge o culto a Feuerbach: “É Feuerbach quem consuma e critica Hegel do ponto de vista hegeliano, ao dissolver o espírito metafísico absoluto no ‘homem real sobre a base da natureza’; é ele o primeiro que consuma a crítica da religião, traçando, ao mesmo tempo, os grandes e magistrais rasgos basilares para a crítica da especulação hegeliana e, por isso, de toda a metafísica” (MARX; ENGELS, 2003, p. 159).

[86] Ante a informação de que era uma revista mensal, presume-se terem sido editadas onze no total.

[87] Qual seja o aniquilamento da antítese que contrapõe riqueza e proletariado.

[88] De fato, “Bruno Bauer, seus irmãos e seus companheiros da Gazeta Literária Geral tinham uma concepção aristocrática da história. Para eles, as massas populares não possuíam movimento próprio e se caracterizavam pela inércia. O movimento da história era determinado pelas ideias dos indivíduos mais inteligentes, pertencentes à elite intelectual” (KONDER, 1999, p. 47). Na verdade, a Crítica absoluta “encarava a evolução da humanidade como se Deus tivesse pronto, dentro da cabeça d’Ele, um esquema racional perfeito, utilizando a história apenas como pretexto para demonstrá-lo. Por isso Bauer supunha que – sem precisar se envolver com as atribuições da política e sem sair da sua posição contemplativa – lhe bastava deduzir o esquema racional perfeito que se achava pronto na cabeça de Deus e apresentá-lo aos homens da ‘elite’ para que o mundo entrasse nos eixos” (KONDER, 1999, mesma página).

[89] Impossível, aqui, deixar de fazer referência ao chamado Princeps nominalium: Guilherme de Ockham. O grande discípulo de Duns Scot, assim tratou do assunto: “Nada fora da alma, nem por si nem por algo de real ou de racional que lhe seja acrescentado, de qualquer modo que seja considerado e entendido, é universal, pois é tão impossível que algo fora da alma seja de qualquer modo universal (a menos que isso se dê por convenção, como quando se considera universal a palavra ‘homem’, que é particular), quanto é impossível que o homem, segundo qualquer consideração ou qualquer ser, seja asno” (ABBAGNANO, 2007, p. 836, verbete “NOMINALISMO”).

[90] Ambas as versões das Teses, encontram-se publicadas na edição da Civilização Brasileira de A Ideologia Alemã (MARX;ENGELS, 2007c, p. 27-29 e 611-613). A editora Martins Fontes publicou o texto, traduzido dos manuscritos de Marx, sob o título Teses Sobre Feuerbach (MARX; ENGELS, 2007b, p. 99-103) e a Martin Claret publicou-o alterando a ordem das teses e separando-as por assunto, assim: (i) Teoria do conhecimento: V, I e III; (ii) Das teorias antropológicas às históricas: IV, VI, VII, IX e X; (iii) Teses de revisão: II e VIII; e (iv) Tese-síntese da cosmovisão dialético-materialista da História: XI (MARX; ENGELS, 2007a, p. 117-120).

[91] Segundo Marcelo Backes (2007, p. 12), “foi na primavera de 1845 que Marx e Engels decidiram escrever juntos A ideologia alemã. Começaram a fazê-lo em setembro do mesmo ano, terminando-a, praticamente, no verão de 1846; na parte atinente a Feuerbach, o trabalho adentrou a segunda metade do ano de 1846 e mesmo ali não foi concluída”.

[92] Trata-se de Wilhelm Christian Weitling (1808-1871): “Alfaiate de profissão, foi um dos teóricos do comunismo utópico” (MARX; ENGELS, 2007c, p. 637). Segundo Konder (1999, p. 58): “Weitling, filho de um oficial francês e de uma lavadeira alemã, era um líder operário de grande prestígio e pregava um comunismo bastante ingênuo, por ele mesmo qualificado de ‘igualitário’. Sua ambição era a de montar um exército de 40 mil marginais e trabalhadores, com o qual pretendia implantar imediatamente o seu comunismo ‘igualitário’ em toda a Europa”.

[93] Acerca da obra, manifesta-se Konder (1999, p. 64): “O Manifesto pode ser considerado, ainda hoje, a melhor introdução ao estudo do pensamento de Marx. Apesar de transcorridos mais de 150 anos desde que foi escrito, é surpreendente como o documento resistiu à ação do tempo e continua a provocar poderosa impressão nos que o leem. ‘Quem lê pela primeira vez, de um só fôlego, o Manifesto comunista, escreve o padre Henri Chambre, não pode deixar de ficar deslumbrado’”.

[94] Adolfo Sánchez Vázquez (2011, p. 221) afirma que “Toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis”. O que seria, então, atividade? “Por atividade em geral entendemos o ato ou conjunto de atos em virtude dos quais um sujeito ativo (agente) modifica uma matéria-prima dada”, ou seja, “é sinônimo de ação” e “opõe-se a passividade”, englobando atividades em “nível físico” (matéria) e “nível psíquico” (humano e animal). (VÁZQUEZ, 2011, p. 221-222). As atividades no nível psíquico podem ser do tipo sensorial, reflexo, instintivo etc. (VÁZQUEZ, 2011, p. 222). No entanto, “A atividade propriamente humana apenas se verifica quando os atos dirigidos a um objeto para transformá-lo se inicia com um resultado ideal, ou fim, e terminam com um resultado ou produto efetivo, real” (VÁZQUEZ, 2011, mesma página). Por sua vez, “o que caracteriza a atividade prática radica no caráter real, objetivo, da matéria-prima sobre o qual se atua, dos meios ou instrumentos que se exerce a ação e de seu resultado ou produto” (VÁZQUEZ, 2011, p. 227). Segundo Vázquez, “a atividade prática é real, objetiva ou material” (VÁZQUEZ, 2011, mesma página). De fato, Marx, na tese I, “enfatiza o caráter real, objetivo, da práxis, na medida em que transforma o mundo exterior que é independente de sua consciência e de sua existência” (VÁZQUEZ, 2011, mesma página). Destarte, “O objeto da atividade prática é a natureza, a sociedade ou os homens reais. O fim dessa atividade é a transformação real objetiva, do mundo natural ou social para satisfazer determinada necessidade humana. E o resultado é uma nova realidade, que subsiste independentemente do sujeito ou dos sujeitos concretos que a engendraram com sua atividade subjetiva, mas que, sem dúvida, só existem pelo homem e para o homem, como ser social” (VÁZQUEZ, 2011, mesma página). Finalmente, “a práxis se apresenta como uma atividade material, transformadora e adequada a fins” (VÁZQUEZ, 2011, p. 239).

[95] Cf. Adolfo Sánchez Vázquez (2011, p. 411): “a essência humana radicaria na natureza social, prática (produtora) e histórica do homem”.

[96] Marx e Engels (2007a, p. 44) afirmam: “A forma pela qual os homens produzem seus meios de vida depende sobretudo da natureza dos meios de vida já encontrados e que eles precisam reproduzir”.

[97] Por óbvio que sempre que a referência for de A Ideologia Alemã, as afirmações partem também de Engels, coautor da obra.

[98] Nas palavras de Marx: “Esta concepção pode ser expressa em termos especulativos e idealistas, isto é, fantásticos, tais como ‘autocriação do gênero’ (a ‘sociedade como sujeito’), e com isso a série sucessiva de indivíduos relacionados entre si pode ser representada como uma única entidade que realiza o mistério de criar-se a si própria” (MARX; ENGELS, 2007a, p. 65). Ou, ainda mais diretamente: “Acima de tudo é preciso evitar fixar mais uma vez a ‘sociedade’ como abstração frente ao indivíduo. O indivíduo é o ser social. Sua manifestação de vida – mesmo que ela também não apareça na forma imediata de uma manifestação comunitária de vida, realizada simultaneamente com outros – é, por isso, uma externação e confirmação da vida social” (MARX, 2004, p. 107 – negritamos).

[99] Abbagnano deduziu tal suposta tese, a partir da leitura do prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política. Eis a sua justificativa: “Marx formulou esta tese em oposição polémica com a doutrina hegeliana segundo a qual o sujeito da história é, pelo contrário, a Ideia, a consciência ou espírito absoluto. Ele próprio afirma que, na revisão crítica da filosofia do direito de Hegel, chegou à conclusão de que ‘tanto as relações jurídicas como as formas do estado não podem ser compreendidas nem por si próprias nem pela chamada evolução geral do espírito humano, mas têm as suas raízes nas relações materiais de existência, cuja complexidade Hegel assume, seguindo o exemplo dos ingleses e dos franceses do século XVIII, sob a designação de ‘sociedade civil’; e que a anatomia da sociedade civil deve ser procurada na economia política’ (Para uma crítica da economia política, pref. trad. ital., p. 10)” (ABBAGNANO, 1970, p. 54). Abbagnano se esquece, entretanto, que “as relações materiais de existência” nas quais as relações jurídicas e as formas do Estado tem suas raízes, são contraídas por homens vivos, indivíduos determinados, a partir do tempo histórico e do espaço geográfico específico em que se encontram. A transcrição que Abbagnano prossegue fazendo, aclara ainda mais tal verdade: “Mais precisamente, com base na antropologia, a tese surge apresentada da seguinte forma: ‘Na produção social da sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, em relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das  suas forças positivas materiais. O conjunto destas relações constitui a estrutura  econômica da sociedade, ou seja, a base real sobre a qual se ergue uma supraestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas determinadas da consciência social. O modo de produção da vida material condiciona, em geral, o processo social, político e espiritual da vida. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser mas é, pelo contrário, o seu ser social que determina a sua consciência’ (Ib., p. 10-11)” (ABBAGNANO, 1970, p. 54-55). Aqui, fica evidente que quem entra “em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade” não é a sociedade, mas os homens; da mesma forma, a “estrutura econômica da sociedade” não é o sujeito da história, mas “a base real sobre a qual se ergue uma supraestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas determinadas da consciência social”. Parafraseando, não é uma ideia de história ou de sociedade que determina o ser do homem, mas é o próprio homem, enquanto ser social, que faz a história e determina a sua própria consciência. Bem oportuna, neste momento, é a lição de Engels, em A Sagrada Família: “A História não faz nada, ‘não possui nenhuma riqueza imensa’, ‘não luta nenhum tipo de luta’! Quem faz tudo isso, quem possui e luta é, muito antes, o homem, o homem real, que vive; não é, por certo a ‘História’, que utiliza o homem como meio para alcançar seus fins – como se se tratasse de uma pessoa à parte –, pois a História não é senão a atividade do homem que persegue seus objetivos” (MARX; ENGELS, 2003, p. 111).

[100] Nicola Abbagnano (1970, p. 60-61) comenta a hipótese comunista, consoante a Crítica do Programa de Gotha: “Esta realização será possível de forma gradual. Numa primeira fase da sociedade comunista saída, após um longo trabalho de parto, da sociedade capitalista, será inevitável uma certa desigualdade entre os homens, em particular uma desigual retribuição com base no trabalho prestado. Só numa fase elevada da sociedade comunista, com o desaparecimento da divisão do trabalho e por conseguinte do contraste entre o trabalho intelectual e o trabalho manual e quando o trabalho se tornar não apenas um meio de vida, mas uma necessidade da vida e as forças produtivas tiverem alcançado o seu desenvolvimento, a sociedade, afirma Marx, ‘poderá escrever na sua própria bandeira: A cada um segundo a sua capacidade, e a cada um segundo as próprias necessidades’ (Para a crítica do programa de Gotha, 1875)”.

[101] Sobre a superação de Hegel e Feuerbach, Frederico (2009, p. 208) afirma: “Se o proletariado é o herdeiro da filosofia clássica alemã, Hegel e Feuerbach já cumpriram o seu papel e podem ser definitivamente esquecidos. Definitivamente? Difícil acreditar nessa hipótese quando se constata que esses dois grandes autores, como sombras, continuaram perseguindo os caminhos de Marx”.

[102] Eric Fromm (1979, p. 16), acerca das deturpações, afirma: “Como pode, então, a filosofia de Marx ser tão completamente mal interpretada e deformada? São diversas as razões. A primeira e mais óbvia é a ignorância”. Mas ele não se restringe a apontar esta única razão: “Outra razão consiste em terem os comunistas russos se apropriado da teoria de Marx e tentado convencer o mundo de que sua prática e teoria obedeciam às ideias dele” (FROMM, 1979, p. 17). E finaliza: “Até aqui abordamos razões racionais e realistas para a deturpação das teorias de Marx. É inegável, contudo, haver também razões irracionais que ajudaram a produzir tal distorção” (FROMM, 1979, mesma página). Substituiríamos as “razões irracionais” por outras palavras: talvez medo, fomentado pelos próprios detratores da filosofia marxiana (= a classe dominante que detém um poder dominante, inclusive dos meios de informação); talvez razões históricas, como as próprias experiências comunistas malogradas (v.g., a experiência russa, que deu origem até mesmo a obras de literatura, como a crítica A Revolução dos Bichos, de George Orwell). Finalmente, cumpre fazer referência à “arte da tesoura”, que é explicitada por José Paulo Netto (2009a, p. 27): “É conhecida a ‘arte da tesoura’: trata-se da operação que consiste em tomar frases ou passagens de um escrito, desliga-las de seu contexto histórico e cultural, retirá-las da sua estrutura textual e atribuir-lhes um sentido diverso daquele que possuem no conjunto da obra do autor que é vítima desse procedimento. Tal operação, todavia, nem sempre se produz por pura má fé – por vezes, deriva mesmo de ignorância ou ingenuidade”. Depois da explicação, Netto (2009a, mesma página) emenda: “Marx (e claro que não só ele) tem sido um objeto privilegiado da ‘arte da tesoura’”. Finalmente, entre outras referências possíveis, destacamos a confissão de Sartre (2002, p. 28): “sem tradição hegeliana e sem professores marxistas, sem programa, sem instrumentos de pensamento, tanto a nossa geração, como as precedentes e a seguinte, ignoravam completamente o materialismo histórico”. Isto ao ponto de Sartre reconhecer uma volta ao materialismo mecanicista (2002, mesma página, nota 7): “É o que explica que os intelectuais marxistas da minha idade (comunistas ou não) sejam tão maus dialéticos: sem o saber, voltaram ao materialismo mecanicista”.

[103] Citamos, neste ponto, a opinião de Denis Collin (2008, p. 11): “Fundamentalmente, a obra de Marx está inacabada; [...] nela não há nem um teoria das classes sociais, nem uma verdadeira teoria do Estado, enquanto a proposta do autor de O Capital era exatamente levar até lá a sua crítica da economia política”. Outrossim, Hannah Arendt (2007, p. 16, nota 48) registra: “[...] convém lembrar a atitude soberana do próprio Marx em relação à sua obra, que é relatada por Kautsky na seguinte historieta: Kautsky perguntou a Marx se ele não pretendia editar suas obras completas, ao que Marx respondeu: ‘Primeiro, é preciso escrever essas obras’ (Kautsky, Aus der Frühzeit des Marxismus (1935), p.53)”.

[104] Aqui, a nossa referência é direcionada, em especial, aos Manuscritos de Kreuznach e aos Manuscritos de Paris, que não foram publicados em vida, e apresentam contradições e incompletudes. Além da publicação extemporânea destas duas obras – o que também confere uma “fragmentação” à obra marxiana –, importa referir a uma das maiores obras do jovem Marx, A Ideologia Alemã, escrita com Engels, que somente foi publicada em 1932 (este fato é importante, vez que, v.g., a grande obra de Lukács, História e Consciência de Classe [1923], foi escrita e publicada sem que este importante marxista tivesse conhecimento de seu texto – e, ainda mais especialmente, dos Manuscritos de 1844, o que acabou por gerar alguns equívocos de interpretação do pensamento marxiano [cf., sobre o assunto, a nota 68, supra]).

[105] Em outra passagem (ARENDT, 2007, p. 98): “Realmente, é típico de todo labor nada deixar atrás de si: o resultado do seu esforço é consumido quase tão depressa quanto o esforço é despendido”.

[106] Entretanto, Arendt (2007, p. 111, nota 35) cola ao pensamento marxiano uma sua própria concepção de labor: “Marx chamava o labor de ‘consumo produtivo’ (Capital (Modern Library), p, 204) e jamais perdia de vista o fato de que se tratava de uma condição fisiológica”. Arendt não atingiu, para além do conceito de trabalho, em Marx, a sua concepção de práxis, quase como uma Aufhebung da poiésis e da theoria gregas. Analisando as três atividades gregas, Leandro Konder (1992, p. 128), com apoio na mitologia grega, resume o conceito de práxis, como a combinação entre theoria e poiésis: “O que Marx faz, de certo modo, foi acrescentar ao mito um movimento de gratidão: ele promoveu o casamento de Palas Atena, agradecida, com Hefesto. Combinou a theoria com a poiésis”. É de se registrar, também, a opinião de Karel Kosik, sobre a práxis: “A práxis compreende, além do momento laborativo, também o momento existencial” (KOSIK apud KONDER, 1992, p. 126). A explicação de Kosic é a seguinte: “Ela se manifesta tanto na atividade objetiva do homem, que transforma a natureza e marca com sentido humano os materiais naturais, como na formação da subjetividade humana, na qual os momentos existenciais, como a angústia, a náusea, o medo, a alegria, o riso, a esperança, etc., não se apresentam como ‘experiência’ passiva, mas como parte da luta pelo reconhecimento, isto é, do processo da realização da liberdade humana” (KOSIK apud KONDER, 1992, mesma página).

[107] Arendt refere-se, aqui, ao “advento da automação, que dentro de algumas décadas provavelmente esvaziará as fábricas e libertará a humanidade do seu fardo mais antigo e mais natural, o fardo do trabalho e da sujeição à necessidade” (ARENDT, 2007, p. 12).

[108] Tratar-se-ia do trabalho, da ação, ou, quem sabe, da vita contemplativa, cuja nostálgica apologia é externada por Hannah Arendt?

[109] Cf., sobre o assunto, Lessa e Tonet (2011, p. 18): “Entre os homens, a transformação da natureza é um processo muito diferente das ações das abelhas e formigas. Em primeiro lugar, porque a ação e seu resultado são sempre projetados na consciência antes de serem construídos na prática. É essa capacidade de idear (isto é, de criar ideias) antes de objetivar (isto é, de construir objetivamente ou materialmente) que funda, para Marx, a diferença do homem em relação à natureza, a evolução humana” (destaques nossos).

[110] Ricardo Antunes (1999, p. 147) consigna que “o constructo habermasiano relativiza e minimiza o papel do trabalho na sociabilização do ser social, na medida em que na contemporaneidade este é substituído pela esfera da intersubjetividade, que se converte no momento privilegiado do agir societal”.

[111] Consigne-se, por oportuno, uma síntese do currículo do professor Ricardo Antunes: “é professor titular de Sociologia na Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Fez mestrado em Ciência Política no IFCH-Unicamp (1980), doutorou-se em Sociologia pela USP (1986) e é Livre-Docente em Sociologia do Trabalho pelo IFCH-Unicamp (1994). Recentemente trabalhou um ano como pesquisador visitante na University of Sussex, Inglaterra” (ANTUNES, 1999, p. 259).

[112] Ou ainda, nas palavras do próprio Sartre (2010, p. 25): “Significa que o homem existe primeiro, se encontra, surge no mundo, e se define em seguida. Se o homem, na concepção do existencialismo, não é definível, é porque ele não é, inicialmente, nada. Ele apenas será alguma coisa posteriormente, e será aquilo que ele se tornar. Assim, não há natureza humana, pois não há um Deus para concebê-la. O homem é, não apenas como é concebido, mas como ele se quer, e como se concebe a partir da existência, como se quer a partir desse elã de existir, o homem nada é além do que ele se faz”.

[113] Cf., sobre o assunto, a nota seguinte.

[114] Nildo Viana (2008, p. 154) refere um interessante ponto da concepção de liberdade sartreana destacado por Paul Tillich: “O homem está condenado a ser livre, e esta frase revela uma concepção da liberdade como essência humana, mesmo sem utilizar tal expressão. Isto foi notado por outro pensador existencialista, Paul Tillich, que afirmava que o enunciado sartreano de que o homem é livre significa uma afirmação sobre a natureza humana”.

[115] A referência, aqui, é a do triunfo do capitalismo no Leste Europeu, a partir da queda do Muro de Berlim.

[116] Leandro Konder (1992, p. 133) afirma: “Em 1848, Marx previa uma polarização, na sociedade, entre as duas classes inimigas contrapostas: a burguesia e o proletariado. Para fundamentar sua previsão, escrevia: ‘as contradições de classe se simplificaram’. Vivemos uma história que Marx não viveu, vimos coisas que ele não viu e – nunca é demais repeti-lo – somos obrigados a pensar coisas diferentes daquelas que ele  pensou. Precisamos extrair as consequências da constatação de que sua previsão não se confirmou”.

[117] Henrique Soares Carneiro (HARVEY et alli, 2012, p. 7) registrou: “No ano de 2011 ocorreu um fenômeno que há muito não se via: uma eclosão simultânea e contagiosa de movimentos sociais de protesto com reivindicações peculiares em cada região, mas com formas de luta muito assemelhadas e consciência de solidariedade mútua. Uma onda de mobilizações e protestos sociais tomou a dimensão de um movimento global. Começou no norte da África, derrubando ditaduras na Tunísia, no Egito, na Líbia e no Iêmen; estendeu-se à Europa, com ocupações e greves na Espanha e Grécia e revolta nos subúrbios de Londres; eclodiu no Chile e ocupou Wall Street, nos EUA, alcançando no final do ano até mesmo a Rússia”.

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Sobre o autor
Rony Emerson Ayres Aguirra Zanini

Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Especialista em Direito Público. Bacharel em Filosofia. Advogado Trabalhista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANINI, Rony Emerson Ayres Aguirra. O conceito de homem no jovem Marx (1843-1846). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3518, 17 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23737. Acesso em: 26 abr. 2024.

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