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Benefício assistencial de prestação continuada.

As interpretações extensivas do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso

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18/02/2013 às 15:52
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Os critérios para a concessão do benefício assistencial definidos na LOAS são muito questionados em inúmeras demandas e, consequentemente, verificamos jurisprudência em todos os sentidos, seja quanto à interpretação do critério de renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo, seja quanto ao conceito de deficiência.

Resumo: Diversas têm sido as controvérsias jurisprudenciais acerca do benefício assistencial de prestação continuada do art. 203, inciso V, da CF/88, regulamentado pela Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), que corresponde à garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. O objetivo geral deste artigo de revisão é discutir aquelas controvérsias atinentes às interpretações extensivas que o Poder Judiciário tem utilizado quanto ao art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), deixando de incluir no cálculo da renda familiar per capita, a renda advinda de benefício previdenciário de valor mínimo, bem como estendendo esse dispositivo às pessoas com deficiência. Como objetivos específicos, o estudo busca expor a fundamentação que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tem utilizado na sua defesa, bem como os princípios constitucionais relativos à matéria discutida. Afora isso, a pesquisa visa enfocar o trâmite da Ação Civil Pública nº 2007.71.06.000329-6 que vincula sobre esse assunto e produz efeitos na Subseção Judiciária de Sant’Ana do Livramento/RS (Sant'Ana do Livramento, Quaraí, Dom Pedrito, Rosário do Sul, São Gabriel e Cacequi). Foi utilizada metodologia de pesquisa bibliográfica da doutrina previdenciária e da jurisprudência dos tribunais federais e superiores. Os resultados indicam que, quanto à interpretação extensiva para as pessoas com deficiência, esta, por um lado, já foi reconhecida pelo próprio INSS, já que o art. 19 do Decreto nº 6.214/2007 fez distinção que a própria lei não mencionou. Por outro lado, a interpretação extensiva para excluir benefício previdenciário da renda per capita familiar se mostra indevida. Por fim, quanto à Ação Civil Pública, pode-se verificar que a sua decisão final que está caminhando no sentido de uma interpretação restritiva do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso. Com base nessa pesquisa, conclui-se que a interpretação extensiva do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, no sentido de excluir benefício previdenciário recebido por outro membro da família do cálculo da renda per capita, afronta uma gama de princípios constitucionais e, sobretudo, possui potencial de trazer prejuízos para a sociedade, já que os benefícios assistenciais representam, em termos orçamentários, cerca de 20 bilhões/ano, e não exigem qualquer contribuição do assistido.

Palavras-chave: Benefício assistencial. Art. 34 do Estatuto do Idoso. Interpretações extensivas.


1 INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, surgida após um longo período de ditadura militar, é tida como um marco da efetivação dos direitos e garantias fundamentais no Estado Brasileiro. Somente que a partir dessa nova “era” houve a conscientização da importância da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), fundamento constitucional que se apresenta como

um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar [...][1][grifei].

Cabe ao Estado garantir aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade e à igualdade (art. 5º da CF/88); todavia, a proteção ao direto à vida não se resume simplesmente em viver, mas sim em viver dignamente. Nesse sentido, o Estado e a sociedade devem garantir a toda pessoa de direito uma vida digna, pautada num mínimo existencial. Para tanto, o Estado elencou, no art. 3º da CF/88, os seus objetivos fundamentais: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

A partir do princípio da dignidade da pessoa humana, portanto, é que são legitimadas as ordens constitucionais e concretizados os direitos fundamentais, como, por exemplo, os direitos sociais, que garantem um mínimo de recursos para que a pessoa possa desenvolver a sua personalidade, autonomia e autodeterminação.

Segundo o art. 6º da CF/88, são direitos sociais, entre outros, a Saúde, a Previdência e a Assistência Social, direitos esses assegurados por “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade” chamado de Seguridade Social (art. 194, caput, da CF/88). Conforme registra Augusto Grieco Sant'Anna Meirinho,

a Seguridade Social visa fornecer ao sujeito de direito bem-estar em um ambiente de justiça social (conforme se depreende do art. 193 da CF/88), de forma a garantir a sua dignidade enquanto pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88). A finalidade precípua das prestações da Seguridade Social é a libertação do estado de necessidade social que acomete o ser humano em uma sociedade de massa e assolada pelas mazelas representadas principalmente pelo conflito capital-trabalho[2] [grifamos].

Todavia, não se pode olvidar que a CF/88 elege, como valor da Ordem Social, o primado do trabalho e inclui entre os fundamentos do Estado, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, da CF/88). Diante disso, a atuação do Estado é subsidiária, depois de esgotadas as condições de manutenção própria do indivíduo pelo seu trabalho ou de amparo pela sua família, e se aperfeiçoa por meio de benefícios previdenciários (Previdência Social – arts. 201/202, CF/88), se este houver contribuído à Seguridade Social e preenchido os requisitos da legislação previdenciária, ou por meio de prestações assistenciais, independentemente de contribuição (Assistência Social – arts. 203/204, CF/88), se necessitado (se encontrar em estado de miserabilidade).

Pois bem. O constituinte, na tarefa de resguardar a dignidade humana aos idosos e pessoas com deficiência hipossuficientes, dispôs, no art. 203, inciso V, da CF/88, “a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a Lei”. Trata-se do “benefício assistencial de prestação continuada (BPC)” ou “amparo assistencial”, que foi disciplinado, no plano infraconstitucional, pelos arts. 20 e 21 da Lei nº 8.742, de 07-12-1993, chamada de Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS)[3].

É indiscutível que as pessoas idosas e as portadoras de deficiência enfrentam os mais diversos tipos de discriminação. A situação fica agravada, sobretudo, quando esses membros da sociedade, potencialmente fragilizados, encontram-se desamparados, sem condições da própria manutenção ou de serem assistidos por sua família. Esse benefício, portanto, mostra-se como uma ferramenta indispensável a assegurar a dignidade daqueles idosos e pessoas com deficiência que se encontram em estado de miséria.

Todavia, pesquisando a jurisprudência, tem-se verificado que, a partir de uma interpretação extensiva de um dispositivo previsto no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), os tribunais pátrios têm estendido as hipóteses de concessão desse benefício. Foi o que ocorreu, por exemplo, na Ação Civil Pública nº 2007.71.06.000329-6 da Subseção Judiciária de Sant’Ana do Livramento/RS.

Justamente sobre essas interpretações que o presente artigo buscará tratar, expondo a defesa do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), os princípios constitucionais veiculados à matéria, bem como o trâmite da Ação Civil Pública referida acima.


2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ACERCA DO BPC DA LOAS

A LOAS, regulamentando o dispositivo do art. 203, V, da CF/88 (norma constitucional de eficácia limitada), estabeleceu os pressupostos subjetivos e objetivos para a concessão do benefício. Os critérios subjetivos são: a) ser a pessoa idosa com idade de 65 anos ou mais[4]; ou b) ser pessoa com deficiência, de qualquer idade. Por sua vez, o critério objetivo é a hipossuficiência, comprovada pela ausência de meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida pela família, sendo que o § 3º do art. 20 da LOAS definiu, para tanto, o limite da renda per capita familiar inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

É um benefício individual, não vitalício[5] e intransferível (não gera direito à pensão). Não está sujeito a desconto de qualquer natureza e tampouco gera direito ao abono anual (“13º salário”). É inacumulável com qualquer benefício da Previdência Social ou de qualquer outro Regime Previdenciário particular ou público, salvo de assistência médica e pensão especial de natureza indenizatória (art. 20, § 4º, LOAS).

A condição de acolhimento em instituições públicas ou entidades filantrópicas privada, no âmbito nacional, de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício (art. 20, § 5º, da LOAS); por outro lado, o requerente recluso, devidamente comprovado por órgão carcerário, não fará jus ao benefício assistencial, uma vez que a sua manutenção está sendo provida pelo Estado (art. 623, § 3º da IN INSS/PRES nº 20, de 10-10-2007).

O indígena e as pessoas em situação de rua também podem requerer o benefício, bem como o brasileiro naturalizado, desde que domiciliado no Brasil e não amparado pelo sistema previdenciário do país de origem[6].

O benefício é financiado com recursos da Seguridade Social (na forma do art. 195 da CF/88, ou seja, pelo orçamento dos entes federados e pelas contribuições sociais) alocados no Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS). Ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), cabe à implementação, coordenação, financiamento e monitoramento do benefício, em conjunto com as representações estaduais e municipais da Assistência Social (diretriz da descentralização político-administrativa, prevista no art. 4º da LOAS).

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)[7], apesar de se tratar de uma autarquia previdenciária instituída pelo Decreto nº 99.350/1990, vinculada ao Ministério da Previdência Social (MPS), é o responsável pela operacionalização desse benefício (concessão, revisão, cancelamento etc.), tendo, inclusive, legitimidade passiva exclusiva nas demandas judiciais de benefícios assistenciais.

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2.1 CRITÉRIOS PARA CONCESSÃO

2.1.1 Família

Família, para efeito do cálculo da renda per capita, não é aquele previsto no Código Civil, mas sim o previsto na LOAS (art. 20, § 1º), que na sua redação original referia como sendo: “a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes”. Posteriormente, a Lei nº 9.720/1998 redefiniu esse conceito para “o conjunto das pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/1991, desde que vivam sob o mesmo teto”. Por fim, a Lei nº 12.435, de 07-07-2011 (Lei do Sistema Único de Assistência Social) alterou o conceito pela terceira vez:

Art. 20 [...]

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

2.1.2 Pessoa com deficiência

Quanto à questão do conceito de “pessoa com deficiência”, segundo a redação original do art. 20, § 2º da LOAS, era a pessoa “incapacitada para o trabalho e vida independente”. O Decreto nº 1.744/1995, hoje revogado, estabelecia a pessoa com deficiência como aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho, “em razão de anomalias ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênitas ou adquiridas, que impeçam o desempenho das atividades da vida diária e do trabalho”. Todavia, a jurisprudência em geral mitigou a exigência da incapacidade para todas as atividades da vida cotidiana, apenas exigindo a “incapacidade para a própria subsistência”.

Recentemente, considerando que o Congresso Nacional aprovou por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 09-07-2008, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, e que o Presidente da República deu executoriedade ao referido tratado, recebido em nosso ordenamento jurídico com status de emenda constitucional (conforme o § 3º do art. 5º da CF/88), por meio do Decreto nº 6.949, de 25-08-2009, pessoas com deficiência passaram a ser consideradas como aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Observe-se que o Decreto nº 6.214/2007 já havia definido incapacidade de forma a considerar não apenas aspectos físicos dos indivíduos, mas também sua interação com o meio social:

Art. 4º Para fins do reconhecimento do direito ao benefício considera-se:

[...] III – Incapacidade: fenômeno multidimensional que abrange limitação do desempenho de atividade e restrição da participação, com redução efetiva e acentuada da capacidade de inclusão social, em correspondência à interação entre a pessoa com deficiência e seu ambiente físico e social.

Por fim, com a Lei nº 12.435/2011, o § 2º do art. 20 da LOAS foi modificado, passando a conceituar pessoa com deficiência nos mesmos termos da Convenção acima referida, apenas registrando que “impedimentos de longo prazo” são “aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos”.

2.1.3 Hipossuficiência

Quanto à questão da “hipossuficiência/miserabilidade”, importante salientar que o art. 20, § 3º, da LOAS, que exige renda per capita familiar inferior a ¼ do salário mínimo, já foi alvo de inconstitucionalidade na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, movida pelo Ministério Público Federal[8], a qual foi julgada improcedente em 1998, tendo o STF se manifestado que a LOAS não restringe o dispositivo constitucional, haja vista que o próprio se reporta à lei para fixar os critérios de garantia do benefício. A LOAS apenas “traz hipótese objetiva de prestação assistencial do Estado”[9].

Apesar de muitas controvérsias, sobretudo invocadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelos tribunais regionais federais de que o limite de ¼ do salário mínimo seria um apenas um “parâmetro” para a presunção absoluta de miserabilidade, e que esta poderia ser provada por outros meios, definiu o Supremo Tribunal Federal (STF) em diversas reclamações constitucionais, que incumbe à lei, exclusivamente, indicar critérios de miserabilidade, não se admitindo que o Poder Judiciário atue como legislador, sob pena de restar ofendida a decisão proferida na ADI 1.232/DF.

Todavia, cada vez mais vemos decisões afirmando que o art. 20, § 3º da LOAS não constitui condição sine qua non para a concessão do benefício, podendo, no caso concreto, o magistrado avaliar o estado de miserabilidade por outros meios legais de prova.


3 AS INTERPRETAÇÕES EXTENSIVAS DO ART. 34 DO ESTATUTO DO IDOSO

Feitas essas considerações, chega-se ao ponto principal: o abrandamento do critério hipossuficiência surgido com a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, o Estatuto do Idoso, o que vem gerado muito discussão entre o Poder Judiciário e INSS e até mesmo entre os tribunais superiores.

Sabe-se que o aplicador do direito deve apreciar a vontade da lei, e não o que as palavras que a constitui representam estritamente. Daí surge a classificação da aplicação das leis em sentido amplo e em sentido estrito, sendo esta a interpretação que “consiste em determinar a significação da lei e desenvolver seu conteúdo em todas as direções” e aquela, a que “compreende também a analogia, isto é, a elaboração de normas novas para casos não contemplados, induzidos de casos afins regulados pela lei”[10].

Pois bem. A jurisprudência em geral vem atribuindo interpretação extensiva do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, determinando a exclusão, no cálculo da renda per capita familiar: a) da renda advinda de benefício assistencial ao idoso/pessoa com deficiência já percebido por membro da família quando o requerente for pessoa com deficiência; b) de renda de qualquer benefício previdenciário no valor de um salário mínimo já concedido a membro do grupo familiar, seja o requerente idoso ou pessoa com deficiência.

Nesse sentido, decidiu STJ, fundamentando tal entendimento nos princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade/isonomia:

Com efeito, observo que o legislador vem buscando assegurar a subsistência digna à pessoa idosa [...] O parágrafo único do dispositivo supracitado [art. 34 da Lei nº 10.741/2003] foi além, estabelecendo que ‘o benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS [...] Assim, no cálculo da renda familiar per capita deve ser excluído o valor auferido por pessoa idosa a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima, este último por aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003) (STJ, REsp 892305, Relator(a) Ministro Paulo Galloti, DJ de 16-02-2007) [grifamos].

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região também firmou jurisprudência nos mesmos termos do STJ:

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE. RENDA FAMILIAR PER CAPITA ART. 34 DO ESTATUTO DO IDOSO (LEI 10.741/03). […] A melhor interpretação do disposto no artigo 34 da Lei n.º 10.741/03 (Estatuto do Idoso) conduz ao entendimento de que conquanto seu parágrafo único se refira especificamente a outro benefício assistencial ao idoso, não há como restringi-lo a tal hipótese, sendo de se aplicá-lo extensiva ou analogicamente quando verificada a existência de benefício assistencial concedido a familiar deficiente, ou benefício previdenciário de valor mínimo concedido a familiar idoso, seja o postulante idoso ou deficiente. (TRF4, AC 2007.71.19.000090-8, Turma Suplementar, Relator Guilherme Pinho Machado, DE: 03-08-2009) [grifamos].

Há, inclusive, decisão da Turma Nacional de Uniformização (TNU) prevendo a “aplicação analógica” [rectius, extensiva] do Estatuto do Idoso, deixando de prover o pedido de uniformização de jurisprudência movido pelo INSS[11].

Passemos à análise dessas interpretações extensivas ao art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003.

3.1 DA EXTENSÃO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

A divergência consiste em saber se o benefício assistencial percebido pelo idoso será excluído do cálculo da renda per capita mesmo que se trate de novo benefício requerido por pessoa com deficiência, e não idoso. É que a partir de 01-01-2004, o benefício assistencial ao idoso já concedido a qualquer membro da família, passou a não ser computado para fins de cálculo da renda per capita do novo benefício requerido, conforme parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso:

Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).

Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS [grifamos].

Por outro lado, quando o requerente for deficiente, e já tiver sido concedido benefício assistencial a outro integrante idoso do mesmo grupo familiar, esse valor deve(ria), nos termos do art. 19 do Decreto nº 6.214/2007 e art. 625 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 20/2007, ser considerado para efeito de cálculo da renda per capita do novo benefício requerido.

Art. 19. O Benefício de Prestação Continuada será devido a mais de um membro da mesma família enquanto atendidos os requisitos exigidos neste Regulamento.

Parágrafo único. O valor do Benefício de Prestação Continuada concedido a idoso não será computado no cálculo da renda mensal bruta familiar a que se refere o inciso VI do art. 4º, para fins de concessão do Benefício de Prestação Continuada a outro idoso da mesma família.

Art. 625. O benefício poderá ser pago a mais de um membro da família, desde que comprovadas todas as condições exigidas.

§ 1º O valor do benefício assistencial ao deficiente concedido a outros membros do mesmo grupo familiar, passa a integrar a renda para efeito de cálculo per capita do novo benefício requerido [...] [grifamos].

Num primeiro momento, o INSS defendia que o entendimento esposado no art. 625, § 2º da IN INSS/PRES nº 20/2007 encontrava seu fundamento no parágrafo único do art. 19 do Decreto nº 6.214/2007 e que este, por sua vez, estaria em consonância com o parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso.

Todavia, considerando que o posicionamento da jurisprudência sedimentou-se em sentido contrário[12], isto é, que também se deve aplicar a exclusão de um benefício assistencial recebido por outro membro do grupo familiar idoso quando da concessão de benefício assistencial à pessoa com deficiência, a própria PFE/INSS[13] acabou se manifestando pela necessidade de alteração do parágrafo único do art. 19 do Decreto nº 6.214/2007, eis que manifestamente contrário ao art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003 (Norma Técnica PFE/INSS/CGMBEN/DIVCONT nº 063/2009).

Com efeito, o Decreto restringiu o alcance do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso e fez distinção que a própria lei não mencionou. Veja-se que a norma legal dispõe que o benefício assistencial concedido a um idoso não será computado no cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS (art. 20, § 3º), e não “somente para cálculo de benefício assistencial para outro idoso”.

Para melhor entender, vejamos três hipóteses:

a)  Família A: temos dois idosos sem renda vivendo sob o mesmo teto. Um recebe o benefício. O outro idoso o requer;

b) Família B: temos um idoso e uma pessoa com deficiência sem renda vivendo sob o mesmo teto. O idoso recebe o benefício. A pessoa com deficiência o requer;

c)  Família C: temos um idoso e uma pessoa com deficiência sem renda vivendo sob o mesmo teto. A pessoa com deficiência recebe o benefício. O idoso o requer;

d) Família D: temos duas pessoas com deficiência. Uma recebe o benefício. A outra o requer.

Pergunta-se: quem tem direito? Ora, apenas os idosos da Família A e B e a pessoa com deficiência da Família C. È a aplicação do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso. Ora, nas hipóteses A, B e C, se fôssemos computar a renda do beneficiário no cálculo da renda per capita, estaríamos indo contra o espírito do Estatuto do Idoso, qual seja, de não prejudicar o idoso, e de lhe garantir um salário mínimo, sem prejuízo dos membros da família que porventura já recebam o benefício.

A aplicação à hipótese D, por outro lado, é uma interpretação extensiva que ainda encontra certo receio na jurisprudência, equivocada, segundo entende o STJ, conforme veremos adiante, na fundamentação da Ação Civil Pública nº 2007.71.06.000329-6.

3.2 DA EXTENSÃO AOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS DE VALOR MÍNIMO

Quanto à interpretação extensiva do Estatuto do Idoso no sentido de desconsiderar no cálculo da renda per capita familiar, para fins de concessão de benefício assistencial, o valor de benefício previdenciário de um salário mínimo recebido por outro idoso/pessoa com deficiência da família, a defesa do INSS é de que ela configuraria ofensa aos princípios da fonte prévia de custeio total, da legalidade, da distributividade, da reserva do possível e, por fim, da independência dos Poderes (arts. 2º, 44, caput, 48, caput, 59, III, todos da CF/88).

Ora, diz o art. 195, § 5º, da CF/88 diz que nenhum benefício ou serviço da Seguridade Social poderá ser criado, estendido ou majorado sem a correspondente fonte de custeio total (princípio da fonte prévia de custeio total). Como se pode ver, no caso, há uma extensão clara sem prévia fonte de custeio, porque amplia as hipóteses de concessão do benefício assistencial, sem indicar o correspondente custeio.

Para se alcançar em outras situações fáticas, “deve haver a interferência do legislador formal, já que a extensão subjetiva dos benefícios de Seguridade Social encontra limitação e balizamento constitucional”[14]. Assim, estar-se-ia ferindo também o princípio da legalidade, na medida em que o constituinte definiu que toda a Seguridade Social será organizada pelo Poder Público “nos termos da lei” (art. 194 da CF/88), e que o benefício em tela será devido “conforme dispuser a lei”.

Define ainda o art. 194 da CF/88, que compete ao Poder Público organizar a Seguridade Social respeitado o princípio da distributividade na prestação dos benefícios e serviços, segundo o qual “o legislador deve estudar as maiores carências sociais em matéria de Seguridade Social e dar a cada um de acordo com as suas necessidades”[15] [grifamos]. Ou seja, cabe ao Poder Legislativo e não ao Judiciário fixar as carências sociais e os respectivos benefícios para supri-las.

Essa distributividade qualificada está inexoravelmente atrelada ao princípio da reserva do possível, o qual se impõe diante das necessidades humanas tenderem a ser ilimitadas (constatação da ciência econômica) frente a recursos financeiros do Estado limitados[16].

Ampliar o número de beneficiários delimitados pelo legislador ordinário corresponderia, assim, a uma verdadeira usurpação da função legislativa pelo Poder Judiciário, em afronta ao princípio da independência dos Poderes. Vale, nesse sentido, lembrar o disposto no Enunciado nº 339 do STF[17].

Consoante o Departamento de Benefícios Assistenciais (DBA) do MDS[18], foram computados até novembro de 2012, 2.012.798 idosos e 1.744.474 pessoas com deficiência gozando do benefício assistencial de prestação continuada, o que representa um orçamento conjunto de cerca de 26 bilhões/ano. Nesse contexto, a interpretação extensiva do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso possui potencial de trazer importantes prejuízos para a sociedade (desperdício de recursos públicos), já que os benefícios assistenciais não exigem qualquer contribuição do assistido.

Deve-se ter em mente que os direitos sociais (direitos de segunda geração) necessitam, para sua efetivação, de condições econômico-financeiras do Estado e competência dos órgãos do Judiciário para intervirem no campo das políticas públicas. Em razão disso, exigem uma forma diferenciada de interpretação e judicialização, pois “a perspectiva individual/patrimonialista (própria dos direitos de primeira geração), que tem sido utilizada para os direitos sociais, não atende aos objetivos dos referidos direitos”[19].

Com efeito, o Poder Judiciário não está impedido de exercer qualquer controle sobre a atividade do legislador. O fato de competir aos Poderes Executivo e Legislativo o exercício da determinação e alocação das fontes das receitas necessárias para os benefícios não inibe a atuação o Poder Judiciário em favor da proteção e efetivação dos direitos sociais, já que os poderes são harmônicos entre si.

Tanto pela ação direta de inconstitucionalidade por omissão como pelo mandado de injunção, permite-se ao aplicador da norma reconhecer a incompatibilidade do ato impugnado com a Lei Maior sem, contudo, substituir o juízo de valor político e econômico que não lhe é afeto[20].

De certo modo, a fundamentação do INSS é convincente e bem embasada.

Afora todo o exposto, cabe destacar que diversamente do benefício assistencial de prestação continuada, os benefícios previdenciários de valor mínimo já concedidos a membro da família (pensões por morte e aposentadorias), são, em regra, definitivos/vitalícios, e não temporários, como é o caso do assistencial. Além disso, o benefício assistencial de prestação continuada não gera direito ao abono anual como os previdenciários. Portanto, mesmo que o benefício previdenciário seja mínimo, sempre terá valor superior ao assistencial.

Atualmente essa discussão relativa à inconstitucionalidade da interpretação extensiva ao art. 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003 está sendo analisada pelo STF, que, inclusive, reconheceu repercussão geral (RE 580.963/PR)[21].

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Sobre o autor
José Pedro Oliveira Rossés

Graduado em Direito pela Universidade da Região da Campanha (URCAMP) (2011). Advogado da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), Chefe da Divisão de Instrumentos Jurídicos. Exerceu o cargo de Analista Jurídico da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina. Membro do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) e membro do Comitê de Conformidade e Gerenciamento de Riscos (Compliance) da Epagri. Mestrando em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologias para a Inovação (Ufsc-Profnit). Especialização em Direito do Trabalho pela Universidade Candido Mendes (2013) e em Direito Previdenciário pela Universidade Candido Mendes (2015). Especialização em Licitações e Contratos pela Faculdade Pólis Civitas (2021).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSSÉS, José Pedro Oliveira. Benefício assistencial de prestação continuada.: As interpretações extensivas do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3519, 18 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23742. Acesso em: 22 nov. 2024.

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