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A roupa nova do rei e o custo de emissão no seguro DPVAT

19/02/2013 às 11:05

Resumo:


  • A fábula "A Roupa Nova do Rei" é uma obra de Hans Christian Andersen, publicada em 1837, que conta a história de um rei enganado por falsos tecelões.

  • Os impostores convencem o rei de que o tecido que fabricam é invisível para as pessoas tolas ou incompetentes, levando-o a desfilar nu pelas ruas até ser desmascarado por uma criança.

  • No contexto real, a Resolução CNSP nº 264 de 2012 proibiu a cobrança do custo de emissão de apólice separado do prêmio no seguro DPVAT, seguindo movimento de extinguir essa taxa que não se justificava mais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Impõe-se a revogação da Lei que instituiu a taxa “custo de emissão” no seguro DPVAT, pois não subsiste mais a situação especial que a originou.

A Roupa Nova do Rei é uma fábula de autoria do dinamarquês Hans Christian Andersen, publicada em 1837. Conta a lenda que um certo rei gastava todo o dinheiro que possuía com roupas novas. Divertia-se ostentando suas roupas novas para os súditos, uma para cada hora do dia.

Certa vez chegaram ao palácio dois tecelões, dizendo-se capazes de tecer o tecido mais maravilhoso do mundo, e ainda tinham a capacidade de fazer o mesmo parecer invisível às pessoas destituídas de inteligência, ou àquelas não tivessem as qualidades necessárias para desempenhar as funções que lhes eram atribuídas.

O rei imaginou que um traje do exuberante tecido, além de magnífico, poderia fazer-lhe descobrir todos aqueles que em seu reino careciam das qualidades necessárias ao desempenho dos seus cargos, e ainda tinha o condão de fazê-lo distinguir os tolos dos inteligentes.

Encantado com as promessas, o rei entregou aos forasteiros grande quantidade de  dinheiro, de fios de seda pura e de linhas de ouro. 

Os falsos tecelões, enganando a todos, fingiam fabricar o maravilhoso tecido. Até mesmo os ministros do rei, temendo passar por tolos e por pouco inteligentes, acompanhavam os trabalhos dos impostores, e, embora nada vissem, afirmavam que o tecido que estava sendo fabricado era uma coisa realmente admirável.

O próprio rei também, ao inspecionar o trabalho dos falsos artesãos, nada via, mas não podia demonstrar pouca inteligência diante de seus ministros e conselheiros.

Assim foi que sua majestade admitiu vestir a roupa especial em um desfile, e pensou consigo mesmo que todos os seus súditos, que queriam passar por competentes e inteligentes, elogiariam a roupa nova do rei.

Até que chegou o dia em que os artesãos anunciaram: está pronto o traje de vossa majestade.

O rei, ajudado pelos impostores, vestiu cada uma das peças que compunham o traje, ante efusivos elogios dos ministros e conselheiros que afirmavam: como está elegante sua majestade, que desenho, que colorido, que roupa magnífica!

Vestido com a impecável indumentária, o rei foi ocupar seu lugar no cortejo da procissão embaixo do luxuoso dossel, e todos os que estavam nas ruas e nas janelas exclamaram: Como está bem vestido o rei! Que cauda magnífica! A roupa assenta-lhe como uma luva!

Ninguém queria deixar transparecer que não via coisa alguma, para não passar por tolo ou incapaz; e dessa forma nunca uma roupa do rei alcançara tantos elogios.

Iniciado o desfile, eis que uma ingênua criança, não vendo veste alguma, exclamou: o rei está nu.

– Ouçam o que diz este menino inocente, observou seu pai aos que o rodeavam.

O povo, enchendo-se de coragem imediatamente começou a gritar:

– Coitado, o rei está nu; o rei está completamente nu.

O rei, muito envergonhado, passou muito tempo sem sair de seus aposentos, mas deixou de lado a vaidade. Os dois trapaceiros tentaram dar o mesmo golpe em outros reinos, mas foram descobertos e presos.

Este o breve resumo da fábula.

Passemos ao real.


O CUSTO DE EMISSÃO NO SEGURO DPVAT 

A Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) publicou no Diário Oficial da União, no dia 5 de outubro de 2012, ad referendum do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), a Resolução CNSP de nº 264, pra viger a partir do primeiro dia deste mês de janeiro de 2013, vedando “a cobrança do custo de emissão de apólice, fatura ou endosso, apartado do prêmio.”

O custo de emissão, anteriormente denominado de “custo de apólice” representa um sobrepreço, segregado do preço do seguro, cobrado pelas seguradoras, que, para estas, destina-se a satisfazer as despesas com emissão do instrumento contratual, ou seja, a apólice e seus eventuais aditivos.

Na verdade o custo de apólice – cobrado há mais de meio século pelas companhias de seguros – nunca se justificou, representa uma taxa extra imposta ao consumidor, totalmente desvinculada da garantia securitária, até porque esse custo já está integrado nas despesas administrativas embutidas no preço do produto securitário.

O mercado segurador sempre resistiu a movimentos destinados a extinguir a taxa, por representar importante parcela de receita para o setor, sobretudo porque referido valor nunca integrou as provisões técnicas que compõem às garantias das operações de seguro, lastro obrigatório exigido pelo estado.

Ao contrário, o valor cobrado vai direto para os cofres das seguradoras, sem passar pela exigência da constituição das reservas técnicas compulsórias.

Depois de muita pressão de importantes setores da sociedade, inclusive de órgãos de defesa de consumidores, a SUSEP resolveu extinguir a taxa, o que foi, mesmo com desconfiança, comemorado pelo consumidor securitário.

Informações divulgadas no site da autarquia federal (SUSEP)[1], responsável pela regulação do setor de seguros, anunciaram que “Estudo realizado pela Susep revelou que as razões que deram origem à cobrança do custo de apólice, como o alto custo da impressão do documento em papel moeda, somado às perdas com a inflação, não se justificam mais no ambiente atual.”

Revelou ainda a nota que “Segundo técnicos da autarquia, as reformas econômicas realizadas pelo governo brasileiro nos últimos anos, que mantiveram a estabilidade econômica, além do uso massivo da tecnologia em procedimentos de comercialização de seguro, reduziram significativamente os custos das operações de contratação.”

Como observado pela própria SUSEP, já não mais se justificava a cobrança da taxa; aliás, nunca se justificou.

E o que tem a ver tudo isso com o seguro DPVAT?

A sigla DPVAT corresponde ao “seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não”, previsto no Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, e regulamentado pela Lei Federal de nº 6.194/1974, com alterações posteriores introduzidas pelas leis 8.441/1992, 11.482/2007 e 11.945/2009.

A contratação deste seguro é obrigatória para todos os proprietários de veículos sujeitos a registro e licenciamento, na forma estabelecida no Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/1997), sejam pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, abrangendo veículos como automóveis particulares, táxis e carros de aluguel, ônibus e microônibus, motocicletas, motonetas, ciclomotores e similares, máquinas de terraplanagem e equipamentos móveis em geral quando licenciados.

Apresenta características de seguro social, dada a sua abrangência, sendo, entretanto, operado por seguradoras privadas. Tem por objetivo garantir às vítimas de acidentes causados por veículo, ou por sua carga, ou a seus beneficiários, indenização para os casos de morte, ou de invalidez permanente, como também para reembolso de despesas médicas e hospitalares.

No preço do mencionado seguro DPVAT também foi incluído o “custo de emissão” através da Medida Provisória 451/2008 (convertida na Lei 11.495/2009),  com o objetivo de igualar o procedimento aos demais seguros privados, constando expressamente na Exposição de Motivos da Medida Provisória 4451/2008:

“28. Propõe-se, ainda, segregar o custo de emissão e cobrança da apólice ou bilhete do seguro DPVAT do valor do prêmio, a exemplo de todas as demais linhas de seguro privado, inclusive aqueles obrigatórios, corrigindo um procedimento equivocado. Adicionalmente, ao direcionar maior parte da arrecadação ao pagamento de indenizações e à constituição das necessárias provisões, logra-se uma redução do custo global do seguro, a cargo do consumidor. Neste sentido, o projeto acrescenta os §§ 3º e 4º ao art. 12 da Lei nº 6.194, de 19 de setembro de 1974, por intermédio do art. 19 do projeto.”[2] (grifo não original)

Verifica-se que o fundamento para a criação da lei instituindo a taxa era segregar o custo de emissão do valor do prêmio (que é o custo do seguro) “a exemplo de todas as demais linhas de seguro privado, inclusive aqueles obrigatórios, corrigindo um procedimento equivocado”.

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Veja-se, entretanto, que atualmente o fundamento já não subsiste, porquanto a SUSEP, através da mencionada Resolução CNSP 264/2012, publicada no Diário Oficial da União em 08 de outubro de 2012, vedou “a cobrança do custo de emissão de apólice, fatura ou endosso, apartado do prêmio”, porque “as razões que deram origem à cobrança do custo de apólice, como o alto custo da impressão do documento em papel moeda, somado às perdas com a inflação, não se justificam mais no ambiente atual.”

Ora, se nos demais tipos de seguros – que exigem emissão de apólice – não mais se justifica a cobrança do custo de emissão, com maior razão não se justifica também no seguro DPVAT a multirreferida taxa, deixando de existir o fundamento para a cobrança da mesma nesta modalidade de seguro.

Dessa forma, impõe-se a revogação da Lei que instituiu a taxa “custo de emissão” no seguro DPVAT, uma vez que, destituída do fundamento da sua instituição, a transmuda em lei temporária tácita, que só perdura enquanto perdurar a situação especial que a originou.

Como não compete à SUSEP revogar o custo de emissão no seguro DPVAT, porque criado por Lei, impõe-se ao parlamento fazê-lo. O que é inadmissível é a manutenção de um sobrepreço, oneroso ao consumidor, que não integra a garantia, uma vez que a Lei 11.945/2009, em seu art. 12, § 4° estabelece que “§ 4º O disposto no parágrafo único do art. 27 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, não se aplica ao produto da arrecadação do ressarcimento do custo descrito no § 3o deste artigo.”[3], ou seja, essa quantia não é repassada ao Sistema de Saúde (SUS), tampouco compõe as provisões para pagamento das futuras indenizações.

Desse modo, sem adentrar ao mérito da taxa em si, por não ser o objeto desse breve artigo, ou se revoga a Lei 11.495/2009, no que diz respeito ao multirreferido “custo de emissão”, cujo fundamento para a sua criação ninguém vê, por não mais existir, ou é o caso de se dizer: o rei está nu, numa referência à fábula da Roupa Nova do Rei.


Notas

[1]http://www.susep.gov.br/setores-susep/noticias/noticias/errata-susep-aprova-proposta-que-extingue-cobranca-do-custo-de-apolice-1/?searchterm=None

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/Exm/EM-212-MF-Mpv-451-08.htm

[3] Lei 8.212/91: Art. 27 [...] Parágrafo único. As companhias seguradoras que mantêm o seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres, de que trata a Lei nº 6.194, de dezembro de 1974, deverão repassar à Seguridade Social 50% (cinqüenta por cento) do valor total do prêmio recolhido e destinado ao Sistema Único de Saúde-SUS, para custeio da assistência médico-hospitalar dos segurados vitimados em acidentes de trânsito.

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Sobre o autor
Gilberto de Jesus

Advogado em Salvador (BA). Graduado em direito pela Faculdade Unyahna (Salvador). Especializado em Direito Processual Civil pela Fundação Faculdade de Direito da UFBA. Bacharel em estatística pela Escola Superior de Estatística da Bahia (ESEB). Atua na área de Direito Securitário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JESUS, Gilberto. A roupa nova do rei e o custo de emissão no seguro DPVAT. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3520, 19 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23753. Acesso em: 23 dez. 2024.

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