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Da pena de multa na Ação Penal 470

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Na Ação Penal 470, o STF calculou a pena de multa de forma lógica e consentânea com a vontade da lei, garantindo proporcionalidade na aplicação da pena, embora seja distinta da adotada pela grande maioria dos julgados.

Observando as penas de multa cominadas pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470/MG, mais conhecida como processo do Mensalão, podemos observar que a fixação ocorreu em parâmetros mais elevados do que o costume da jurisprudência brasileira.

Explica-se tal ocorrência, pois o Supremo Tribunal Federal calculou a pena de multa de forma distinta da adotada pela grande maioria dos julgados, forma esta que é, ressalte-se, muito mais lógica e consentânea com a vontade da lei. Vejamos:

O título V da parte geral do Código Penal trata das espécies de pena, sendo que as seções I, II e III do referido título dispõem, respectivamente, sobre as pena privativas de liberdade, restritivas de direito e multa.

A pena de multa é aplicada cumulativamente ou em substituição à pena privativa de liberdade e deve ser calculada em duas vertentes: a primeira diz respeito ao número de dias-multa e a segunda refere-se ao valor de cada dia-multa.

A aplicação da pena de multa, no que diz respeito ao número de dias-multa é feita, segundo lição de Nelson Hungria, acatada pela esmagadora maioria da jurisprudência, da mesma forma que a pena privativa de liberdade cominada, ou seja, observando-se o sistema trifásico, definido pelo art. 68, caput, do Código Penal:

“A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.”

O caput do art. 49 do Código Penal, por sua vez, dispõe que:

“A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.”

O valor do dia-multa, por outro lado, nada tem a ver com a pena privativa de liberdade aplicada, mas sim com as condições econômicas do condenado, podendo variar entre um trigésimo e cinco vezes o salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nos termos do art. 49, § 1º do Código Penal.

No que concerne ao número de dias-multa, a esmagadora maioria dos juízes aplica a pena de multa partindo do mínimo legal (dez dias multa, salvo disposição de lei especial em contrário), alterando sua dosagem nos mesmos patamares em que houve alteração da pena privativa de liberdade.

O cálculo do número de dias-multa vem sendo feito tradicionalmente da seguinte forma: parte-se de 10 dias-multa fazendo com que o aumento incida com o mesmo impacto que possui no valor mínimo da pena privativa de liberdade, ou seja, aplica-se o mesmo percentual de aumento tomando-se por base a pena mínima, tanto da privativa de liberdade, quanto da multa.

Ou seja, se a pena mínima cominada abstratamente é de 02 anos e a pena-base é fixada em 03, entende-se ter ocorrido um aumento de 50%, autorizando o aumento da pena de multa para 15 dias-multa (50% sobre 10).

Com tal forma de cálculo, é praticamente impossível a aplicação de pena de multa no máximo legal ou sequer em valores próximos ao máximo, pois ainda que a pena privativa de liberdade atinja o patamar máximo, a diferença entre as penas mínima e máxima na multa (10 a 360 dias-multa) é muito superior a qualquer pena privativa de liberdade (06 a 20 anos para o homicídio simples, por exemplo). Desta sorte, imaginemos um homicídio no qual a pena privativa de liberdade atinja o patamar de 18 anos, três vezes superior ao mínimo e muito perto do máximo cominado para o crime, a pena de multa seria de 30 dias-multa (três vezes dez - multiplicação da pena mínima por três), muito longe do máximo de 360 dias-multa.

O exemplo citado demonstra a discrepância entre a pena de multa e a privativa de liberdade, não garantindo qualquer proporcionalidade entre elas. A aplicação do mesmo percentual apenas dá aparência de coerência, que efetivamente não ocorre.

Nessa medida, a forma de cálculo adotada pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470/MG atende de forma muito mais satisfatória aos ditames legais, pois implica em efetiva proporcionalidade entre a pena de multa e a pena privativa de liberdade.

Tal aplicação proporcional se dá da seguinte forma: o patamar de aumento da pena de multa é igual ao da pena privativa de liberdade, respeitando a diferença entre os limites mínimo e máximo desta.

No caso de uma pena privativa de liberdade abstratamente cominada com variação de quatro a oito anos, caso a fixação concreta tenha sido em seis anos, o aumento atingiu a metade. Portanto a pena de multa deve ser aumentada na metade entre o mínimo (10 dias-multa) e o máximo (360 dias-multa), portanto em 175 dias multa.

O cálculo é feito por meio de uma regra de três, na qual os fatores são compostos da diferença entre as pena privativa de liberdade máxima e mínima, no exemplo 08 – 04 = 04, a diferença entre os patamares máximo e mínimo da pena de multa 360 – 10 = 350 e a diferença entre a pena privativa de liberdade efetivamente aplicada e a pena mínima abstratamente cominada, no exemplo, 06 – 04 = 02. Nessa medida, 02 está para 04 assim como X está para 350, de forma que X = 2 x 350/4, ou seja, 175 dias-multa.

Caso a técnica normalmente utilizada pela jurisprudência fosse aplicada ao presente caso, o resultado seria a cominação de apenas 15 dias-multa, o que não está em consonância com a pena privativa de liberdade. Na realidade, ainda que fosse cominada pena privativa em seu patamar máximo, dentro do critério tradicional de aplicação da pena de multa, conforme já ressaltado, esta sequer se aproximaria de 360 dias-multa. Com a aplicação do critério tradicional a pena privativa de liberdade no máximo (08 anos) teria a correspondente pena de multa de somente 20 dias-multa (utilização do cálculo com aplicação do mesmo percentual em relação à pena mínima).

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A forma de cálculo adotada pelo Supremo Tribunal Federal resulta na existência efetiva de proporcionalidade estabelecida para a aplicação da pena corporal, de forma que o patamar de aumento da pena de multa é realmente igual ao da pena privativa de liberdade, respeitando a diferença entre os limites mínimo e máximo desta.

Cumpre salientar que algumas leis extravagantes cominam patamares distintos no que se refere ao número de dias multa. A Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06), por exemplo, traz penas de até dois mil dias-multa, com valores que variam entre 1/30 a 5 salários mínimos, podendo ser aumentadas até o décuplo (art. 43).

Nesse caso, a forma de cálculo adotada pelo Supremo Tribunal Federal se apresenta como a única solução possível. Por exemplo, no art. 34 da Lei nº 11.343/2006, a pena privativa de liberdade abstratamente cominada é de 03 a 10 anos de reclusão, e a pena de multa de 1.200 a 2.000 dias-multa. Pois bem, se a pena corporal for elevada para 06 anos, a pena de multa deveria dobrar, o que se revela também absurdo, na medida em que seria fixada além do máximo, sendo que a pena de prisão está distante de seu patamar mais elevado. Pelo critério do Supremo Tribunal Federal chegamos ao aumento com a correta proporcionalidade entre a pena privativa de liberdade e de multa. Assim, o aumento de 03 está para 07 (diferença entre o mínimo de 03 e o máximo de 10) assim como X está para 800 (diferença entre o mínimo de 1200 e o máximo de 2000). Com isso, X = 2400/7, ou seja, o aumento de 3 anos nessa pena privativa de liberdade equivale a um aumento na  pena de multa de 342 dias-multa, ficando as penas em 06 anos e 1542 dias-multa.   

Venho utilizando o critério de cálculo adotado pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470/MG há muitos anos nas sentenças que prolato, mas não sem estar sujeito a críticas e incompreensões. Desta sorte, reputo tal elemento da decisão mais um fato positivo que pode ser retirado do julgado.

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Sobre o autor
Luiz Renato Pacheco Chaves de Oliveira

Juiz Federal criminal em São Paulo (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Luiz Renato Pacheco Chaves. Da pena de multa na Ação Penal 470. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3521, 20 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23778. Acesso em: 2 nov. 2024.

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