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Breves considerações sobre o art. 17, V, da Lei Complementar nº 123/2006

28/02/2013 às 15:47
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É sanção política e inconstitucional a exigência da regularidade fiscal para ingresso no Simples Nacional de uma micro ou pequena empresa reconhecida por lei.

Diferentemente do que entendem alguns julgadores e diferente do que a LC 123 afirma, aderir ao sistema de recolhimento de tributos do Simples Nacional não é opção nem benefício fiscal e sim obrigação, pois a não opção ou proibição de acesso ao Contribuinte pode signficar a diferença entre a continuidade ou falência da empresa, já que sabemos que, após o ingresso no Simples Nacional, a empresa tem redução de pelo menos 50% da carga tributária, bem como a redução das obrigações acessórias, variando este índice de redução de empresa para empresa.

Hoje com o endividamento fiscal das empresas que não faturam mais do que R$ 3.600.000,00, fica claro que  recolhimento pelo sistema do lucro presumido é para poucos devida a alta carga tributária imposta neste sistema e  o ingresso no Simples possibilitaria a empresa além de pagar menos tributos saldar o débito existente, porém esbarra-se na malfadada regularidade fiscal prevista no inciso V, art. 17 da LC 123.

O tema esta longe se ser pacífico visto que o Supremo Tribunal Federal – STF, por conta do Julgamento do RE 627543 – RG/RS, admitiu que a matéria é controvertida e com base no art. 543B do CPC declarou a existência de repercussão geral, ainda não julgada, para tanto publicou a seguinte ementa:

“EMENTA TRIBUTÁRIO. MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE TRATAMENTO DIFERENCIADO. SIMPLES NACIONAL. ADESÃO - DÉBITOS FISCAIS PENDENTES LC nº 123/06. A controvérsia  relativa à constitucionalidade das normas contidas no inciso V do artigo 17 da LC nº 123/06 as quais impedem o recolhimento de impostos e contribuições na forma do Simples Nacional a microempresa ou empresa de pequeno porte que possua débito com o Instituto do Seguro Social (INSS) ou com as fazendas públicas federal, estadual ou municipal, cuja exigibilidade não esteja suspensa - possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes. Existência de repercussão geral.”

Tal situação nasceu pois o inciso V, do art. 17 da LC 123 é um contrasenso ao espírito do Legislador Constitucional previsto no art. 170, IX e art. 179, bem como no Legislador Federal que edificou a LC 123, assim seguindo os ensinamentos de Clóvis Bevilaqua de que “Interpretar a lei é revelar o pensamento, que anima as suas palavras” e Maria Helena Diniz de que “O brocardo ‘dura lex, sed lex’ não deve prevalecer, pois a norma não nasce para ser dura, mas sim justa” fica claro que o inciso V, do art. 17 da LC 123 não atingiu o Mens Legislatori, cláusua “sine qua non” de qualquer norma.

Para melhor interpretação do inciso V, do art. 17 da LC 123 buscamos auxílio na renomeada Lei de Introdução ao Código Civil, hoje chamada de Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro e destacamos:

“Art. 5o  Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”

O grande jurista R. Limongi no seu livro Hermenêutica Jurídica, 10ª. Edição, Ed. Rev. Tribunais cita na fl. 33 e 34 o seguinte:

“Washington de Barros Monteiro, examinado essas expressões, declara-as “metafísicas” e de difícil compreensão. Não obstante, pondera que “fins sociais são resultante das linhas mestras traçadas pelo ordenamento político e visando ao bem-estar e à prosperidade do indíviduo e da sociedade.”, em quanto, “por seu turno, exigências do bem comum são os elementos que impelem os homens para um ideal de justiça, aumentando-lhes a felicidade e contribuindo para o seu aprimoramento.

De nossa parte, nas expressões do dispositivo em apreço, vemos, antes de mais nada, a condenação legal do método dogmático ou exegético. Quanto à expressão fins sociais, pensamos que aí se pode divisar a adoção do pensamento de Alexandre Àlvares, esposado por belviláqua, segundo o qual “a aplicação da lei seguirá a marcha dos fenômenos sociais, receberá, continuamente, vida e inspiração do meio ambiente e poderá produzir a maior soma possível de energia jurídica”

No ano de 1899 Carlos de Carvalho publicou a Obra Clássica Nova Consolidaçõa das Leis Civis, que nos parece atual, pois em seu  Parágrafo 6º. do art. 62, define que: "Devem concordar os textos das leis, de modo a torná-los conforme e não contraditórios, não sendo admissível a contradição ou incompatibilidade neles.”

É público e notório que o Brasil de longa data tem uma carga tributária principal e acessória opressiva, impedindo com que as empresas de pequeno porte sobrevivam mais de 5 anos e isso desistimulava os empresários a sair da informalidade, soma-se um moroso e nem sempre confiável processo legislativo, foi que o Legilador Constitucional deu  início a uma reparação histórica possibilitando as pequenas empresas a terem acesso a menor carga tributária principal e acessórira e expressou este espírito no inciso IX, do art. 170 e do art. 179 determinando respectivamente tratamento favorecido e tratamento jurídico diferenciado as microempresas e empresas de pequeno porte.

A LC 123 enquadrou toda empresa que tenha o faturamento bruto no patamar máximo de R$ 3.600.000,00 como microempresa e empresa de pequeno porte, assim ingressar no sistema de recolhimento de Impostos pelo Simples Nacional, como já dito não é uma faculdade, nem opção visto a determinação legal somada a considerável redução da carga tributária princial e acessória.

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Probir a entrada no Simples Nacional porque a empresa tem débito vai contra questões históricas e teleológica do Legislador Constitucional, pois as pequenas empresas, como o próprio nome já diz e confirmado pelo Legislador Constitucinal, são frágeis e demonstram isso com a geração de débitos advindos com a falta de capacidade contributiva mediante a opressiva carga de impostos previstos no sistema de lucro presumido ou real.

Washington de Barros Monteiro em seu Curso de Direito Civil define regras da juriprudência que destacamos: “a) Na interpretação deve-se sempre preferir a inteligência que faz sentido que não faz” e não faz sentido o inciso V, do Art. 17 da LC 123, pois o sistema do Simples Nacional abriga a empresas sem grande força de pagamento e isso inclusive as que devem, o Mestre Washigton de Marros Monteiro ensina ainda que:  “Tratando-se, porém, de interpretar leis sociais, preciso será temperar o espírito jurista, adicionando-lhe certa dose de espírito social, sob pena de sacrificar-se a verdade lógica”. E, o que é a LC 123, se não uma lei de inclusão social, com simplificação dos procedimentos e redução da carga tributária para tirar da informalidades empresas e possibilitar o crescimento das demais empresas.

Na verdade o inciso V do Artigo 17 da LC 123 esta trazendo tratamento reverso do fincado nos artigos 170 e 179 da Constituição Federal, uma vez que as empresas não tipificadas como micro e pequenas empresas podem mudar do lucro presumido para o lucro real e vice-versa independente da regularidade fiscal, indo de acordo com a faixa de faturamente que lhe acarrete menor imposto.

Mesmo ferindo tudo aquilo que foi até agora argumentado, poderia o legislador vincular parte da redução da carga tributária com o ingresso no Simples Nacional para pagamento do débito.

Ainda temos que analisar o inciso V, do art. 17 da LC 123 sob a ótica da chamada sanção política, para tanto trazemos as seguintes súmulas:

SÚMULA Nº 70 : é inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.

SÚMULA Nº 323 : é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

SÚMULA Nº 547 : não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades

Fica claro portanto que a exigência da regularidade fiscal para ingresso no Simples Nacional de uma empresa reconhecida como micro ou pequena por lei é sanção política, pois o Estado com bem definiu o Desembargador DES. ROQUE JOAQUIM VOLKWEISS em seu voto da Apelação Cível APELAÇÃO CÍVEL Nº 70025306838 que “possui o direito de executar os seus devedores e, diga-se de passagem, por meio e forma extremamente privilegiados, sem a insensata necessidade de vir a suprimir o reconhecimento da condição de microempresa ou empresa de pequeno porte, até porque o regime destas é avaliado não pelo que devem, mas pelo tamanho do seu faturamento.”

O prejuízo é muito maior da empresa do que para o Fisco, pois este continua com as formas de cobrar, inclusive com penhora on line, nos parece lógico entender que o recebimento do que lhe é devido só irá ocorrer com a empresa em funcionamento e é muito melhor a certeza de receber parcelado do que a incerteza de uma execução fiscal.

O Eminente Prof. Paulo Nader fl. 296 em seu livro Introdução ao Estudo do direito ensina que: ”Na decodificação da mensagem o intérprete alcança o seu objetivo adotando, às vezes, apenas o elemento gramatical e o lógico. Outras vezes, a complexibilidade normativa leva-o a esgotar os recursos de que dispõe” (Fator Histórico), neste caso como explica paulo Nader no mesmo livro na fl. 300 que quando  “a aplicação do conhecimento gramatical e lógico do texto não é suficiente é necessário a pesquisa do elemento histórico” e esclarece também que ”Como força viva que acompanha as mudanças sociais, o Direito se renova, ora aperfeiçoando os institutos vigentes, ora criando outros, para atender o desafio dos novos tempos.”

E qual o desafio da LC 123, previso no art. 179 da CF, se não conceder meio de sobrevivência e crescimento das pequenas empresas, então se nota mais uma vez que o inciso V do art. 17 da LC 123 esta desfocado do espírito das citadas normas, ainda e trazendo a interpretação do texto o fato teleológico, Paulo Nader continua ensinando que “Na moderna hermenêutia o fator teleológico assume papel de primeira grandeza. Tudo o que o homem faz e elabora é em função de um fim a ser atingido....Assim, é natural que no ato da interpretação se procure avivar os fins que motivaram a criação da lei, pois nessa descoberta estará a revelação da “mens legis”. Como se revela o fator Teleológico? Os fins da lei se revelam através dos diferentes elementos de interpretação.”

Concluímos que o inciso V, do art. 17 da LC 123/2006 é inconstitucional e na melhor das interpretações deveria ser flexibilizado.

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Sobre o autor
Adriano Luis Pereira

Sócio Fundador do A. Pereira Advogados Associados. 1996 - Graduado pela Universidade Gama Filho; 2006 - Agente Credenciado da FIFA; 2008 - Pós-Graduado em Direito Empresarial com Ênfase em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Adriano Luis. Breves considerações sobre o art. 17, V, da Lei Complementar nº 123/2006. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3529, 28 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23835. Acesso em: 22 dez. 2024.

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