1 – Introdução
Um dos temas mais disputados na doutrina e na jurisprudência recente do Brasil diz respeito ao prazo prescricional das pretensões indenizatórias dirigidas contra a Fazenda Pública. São pretensões de reparação civil nas quais a parte demanda contra o ente fazendário, com vistas a obter alguma espécie de ressarcimento por um dano eventualmente ocorrido. Nessa seara, portanto, o objeto da disputa consiste em saber qual o prazo de prescrição aplicável a ações que veiculem pretensões ressarcitórias.
A questão não é tão simples. Envolve uma mixórdia de leis no tempo, muitas das quais criadas para beneficiar a Fazenda Pública, subtraindo-a do regime geral de prescrição comumente veiculado pelo Código Civil.
É movido pelo desejo de esclarecer essa disputa que se apresenta este artigo. Dois são os seus objetivos fundamentais: saber qual a legislação especial aplicável à Fazenda Pública e como essa mesma legislação passou a ser interpretada com o advento do Código Civil de 2002. Ao final, darei atenção especial à jurisprudência do STJ sobre a matéria, que restou, no final do ano de 2012, consolidada por meio do julgamento, sob o rito dos recursos repetitivos, do REsp 1.251.993/PR. 2 - Histórico da legislação relativa ao prazo prescricional das pretensões contra a Fazenda Pública Historicamente, coube ao Código Civil o estabelecimento dos prazos de prescrição aplicáveis às pretensões no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, dispunha a Lei 3.071 (Código Civil de 1916), no seu art. 177, o seguinte.
Art. 177. As ações pessoais prescrevem, ordinàriamente, em vinte anos, as reais em dez, entre presentes e entre ausentes, em quinze, contados da data em que poderiam ter sido propostas.
A redação do art. 177 do CC-1916 havia sido dada pela Lei 2.437/55, que alterara a previsão original de 30 anos. Ou seja, já em 1955 o legislador brasileiro entendeu que o prazo prescricional da pretensão relativa a direitos pessoais necessitava ser reduzido. A opção então adotada foi a de diminuí-lo para 20 anos.
É justamente esse prazo de prescrição de 20 anos que a doutrina convencionou denominar de prazo prescricional vintenário - não obstante esse adjetivo "vintenário" não possuísse, como ainda não possui, registro em boa parte dos dicionários brasileiros, os quais aludem apenas ao substantivo "vintena", para referir-se à vigésima parte de algo.
O fato é que, ao tempo do CC-1916, era indiscutível a importância do famigerado prazo de prescrição vintenária para o sistema jurídico. O motivo era que ele se reportava às ações pessoais, classificação dentro da qual estavam abrangidas as demandas que veiculassem pretensões de reparação civil. Na verdade, a polêmica era bem mais extensa, pois, mesmo quando a ação tinha natureza real, sucessivos entendimentos pretorianos digladiavam-se quanto à aplicabilidade do art. 177. Prova disso é que o STJ, em 1994, interveio para uniformizar a interpretação da lei federal quanto a uma dessas controvérsias, no que editou o seguinte enunciado sumular:
STJ Súmula nº 119 - 08/11/1994 - DJ 16.11.1994
Ação de Desapropriação Indireta - Prescrição
A ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos.
Essas considerações históricas servem ao propósito de ilustrar o cenário de permanente disputa quanto à aplicação dos prazos do art. 177 do CC-1916. Afinal, prazos de prescrição e de decadência, por importarem, respectivamente, a perda da pretensão ou do direito potestativo, adquirem relevância significativa no contexto de qualquer ordenamento jurídico que busque concretizar o ideal de segurança jurídica nas relações travadas em sociedade.
3 - A prescrição das pretensões contra a Fazenda Pública no Código Civil de 1916: o afastamento do prazo vintenário pelo prazo quinquenal
O prazo de prescrição de 20 anos, como salta aos olhos de qualquer um, é realmente muito longo. Sob a sistemática do CC-1916, havia, por exemplo, de concluir-se que uma pretensão de indenização estava protegida durante duas décadas! Sem dúvida, um lapso temporal mui extenso.
A constatação acima não passou despercebida aos olhos do Estado, o qual não costuma simpatizar com prazos longos em se tratando da proteção dos interesses fazendários. É bem verdade que, desde a redação original do CC-1916, o legislador sempre beneficiou a Fazenda Pública, subtraindo-a do regime legal do prazo prescricional vintenário. Com efeito, as ações contra a Fazenda, sob a égide do inc. VI do § 10 do art. 178 do CC-1916, prescreviam em 5 anos, senão vejamos:
Art. 178. Prescreve:
§ 10. Em cinco anos:
VI. As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, e bem assim toda e qualquer ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal; devendo o prazo da prescrição correr da data do ato ou fato do qual se originar a mesma ação.
Significa dizer, portanto, que o interesse do Estado em ver reduzido o prazo prescricional das demandas, cujas pretensões objetivassem algum tipo de reparação contra a Fazenda Pública, nunca deixou de ser prestigiado pelo ordenamento jurídico nacional. Mesmo o CC-1916, um diploma primevo, promulgado como um dos marcos do cipoal legislativo da República Velha brasileira, já garantia proteção especial aos interesses fazendários.
4 - A prescrição das pretensões contra a Fazenda Pública no Decreto 20.910/32: a generalização do prazo prescricional quinquenal
Ainda assim, o legislador não se deu por satisfeito e quis ampliar a proteção conferida à Fazenda pelo regime de direito público. Com esse fim, editou-se então, em 1932, o Decreto 20.910. Sua ementa era cristalina: "Regula a prescrição quinquenal". Faltou acrescentar "nas ações contra a Fazenda Pública", porque era este o seu objetivo mor: dispor, à maneira de legislação específica, sobre os prazos de prescrição aplicáveis às ações movidas contra o Estado.
Nesse sentido, o art. 1º do Decreto 20.910/32 tratou de reprisar, em linhas gerais, a redação do inc. VI do § 10 do art. 178 do CC-1916. Colaciono:
Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
A inclusão da expressão "seja qual for a sua natureza", que não constava da redação similar existente no CC-1916, teve o objetivo de aclarar definitivamente que o prazo prescricional quinquenal instituído pelo Decreto 20.910/32 era aplicável a toda e qualquer espécie de demanda contra a Fazenda Pública. Tivesse a demanda natureza de direito pessoal ou de direito real, pouco importava: a pretensão prescreveria em 5 anos.
O fundamental é perceber que o Decreto 20.910/32 foi promulgado com o propósito inequívoco de beneficiar a defesa dos interesses fazendários, os quais, como expus acima, nunca deixaram de merecer um regramento apartado daquele aplicável ao cidadão comum. Assim, por exemplo, se alguém cometesse um ato ilícito, gerador de dano passível de ser indenizado, a pretensão assecuratória desse direito, à luz do CC-1916, prescreveria em 20 anos. Todavia, se o causador do dano fosse um agente do Estado, a indenização correspondente deveria ser pleiteada no prazo de 5 anos, sob pena de a pretensão prescrever.
Com isso, fica evidente que, já nos idos do CC-1916, existia um abismo prazal, amplamente favorável ao Estado, nas pretensões ressarcitórias dirigidas contra a Fazenda Pública. Daí por que o Decreto 20.910/32 veio apenas corroborar uma tendência do ordenamento jurídico brasileiro em conferir especial proteção aos interesses fazendários.
5 - A prescrição das pretensões contra a Fazenda Pública no contexto do Código Civil de 2002: a antinomia aparente com o Decreto 20.910/32
A promulgação de um novo código sempre acarreta muitas modificações nos mais diversos subsistemas do direito. Não foi diferente com a Lei 10.406, que instituiu um novo Código Civil, ab-rogando o vetusto Código Civil de 1916.
Aparentemente, o advento do CC-2002 não haveria de repercutir de maneira intensa no cálculo do prazo prescricional das pretensões veiculadas contra a Fazenda Pública, pois, como estas se encontravam submetidas a uma legislação específica (no caso, o Decreto 20.910/32), era natural supor que o novel diploma tivesse sua aplicabilidade afastada, consoante a regra prevista no § 2º do art. 2º do Decreto-Lei 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB), nos termos da qual era possível concluir que a lei nova, que estabelecesse disposições gerais a par das já existentes, não revogava nem modificava a lei anterior.
De modo a aprofundar um pouco mais o assunto, convém recordar que o raciocínio supracitado envolve, como questão de fundo, tema da filosofia do direito, mais precisamente o relativo ao estudo das "Antinomias". Antinomias ocorrem quando as normas de um dado ordenamento, embora igualmente emanadas da autoridade competente, podem vir a conflitar, total ou parcialmente, na medida em que estipulam comandos distintos para situações idênticas. Segundo Tércio Sampaio Ferraz Junior (2003, p. 212), a antinomia jurídica pode ser classificada em antinomia real (seria aquela para a qual não há, no ordenamento, regra normativa de solução) e antinomia aparente (seria aquela para a qual existem critérios normativos). Neste último caso, a antinomia é solúvel, logo, é preciso averiguar quais são os critérios normativos determinantes da resolução. Um desses critérios é justamente o da especialidade, segundo o qual a lei especial afasta a incidência da lei geral (lex specialis derrogat lex generale).
Partindo dessas premissas filosóficas, ao menos em uma exegese inicial, os prazos prescricionais nas pretensões de reparação civil intentadas contra a Fazenda Pública continurariam a ser regidos pelo Decreto 20.910/32, haja vista este ser um diploma especial em relação ao CC-2002 (lei geral). Isto é, o critério da especialidade prevaleceria para afastar a situação aparentemente antinômica.
O problema é que o CC-2002 trouxe um novo regramento relativo ao tema da prescrição no ordenamento jurídico brasileiro. A tendência incorporada pelo legislador foi no sentido de diminuir, substancialmente, o elastério dos prazos existentes no código revogado. Exemplificativamente, se ao tempo do CC-1916 a regra geral era a de que as pretensões prescreveriam em 20 anos, o CC-2002 reduziu-a pela metade, para determinar que "a prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor" (art. 205). Só por esse exemplo é possível notar que a política legislativa que inspirou o CC-2002 foi mesmo a de evitar que as relações jurídicas permanecessem por um longo lapso temporal submetidas à ameaça constante do ajuizamento de uma ação com pretensão válida, dotada de juridicidade.
Em se tratando da responsabilidade civil, especificamente nas pretensões indenizatórias, o CC-2002 foi ainda mais enfático em confirmar a tendência de redução prazal a que aludi acima. Vejamos o teor do inc. V do § 3º do art. 206:
Art. 206. Prescreve:
§ 3º Em três anos:
V - a pretensão de reparação civil;
Dessa forma, o prazo prescrcional das pretensões reparatórias, que na vigência do CC-1916 era de 20 anos, passou a ser de apenas 3 anos com o CC-2002. Indiscutivelmente, uma redução muito grande e que não demoraria a acarretar consequências no plano doutrinal. 6 - A tese doutrinária do prazo prescricional trienal e suas consequências na jurisprudência
Foi nessa toada que parte da doutrina passou a sustentar a tese de que, com o advento do CC-2002, o prazo prescricional aplicável às pretensões ressarcitórias formuladas contra a Fazenda Pública não mais seria de 5 anos, e sim o de 3 anos. Por outras palavras, o regramento estipulado no Decreto 20.910/32 cederia lugar àquele previsto no novo Código Civil. O argumento a embasar essa tese fundava-se em uma interpretação teleológica dos diplomas em comento: o prazo quinquenal do Decreto 20.910/32 veio à lume para beneficiar as pessoas jurídicas de direito público num contexto de prazo geral vintenário e dúvidas quanto à aplicabilidade do prazo quinquenal previsto no CC-1916 a ações que não tivessem natureza pessoal. Sendo assim, a considerar o telos do legislador, no sentido de dar tratamento privilegiado à Fazenda Pública, seria razoável concluir que o prazo prescricional trienal do CC-2002, por ser mais favorável à proteção dos interesseses fazendários, haveria de prevalecer, em detrimento do disposto no art. 1º do Decreto 20.910/32.
Esse pensamento ganhou rapidamente adeptos. Não foram poucos os doutrinadores que encamparam a tese favorável à aplicação do prazo prescricional de 3 anos às ações condenatórias propostas contra a Fazenda Pública, em casos nos quais se objetivasse a obtenção de indenização por força de responsabilidade do Estado em evento danoso. Leonardo Carneiro da Cunha (2012, p. 86-87, grifo do autor) foi um deles, argumentando que
Em princípio, a regra especial deveria prevalecer sobre a geral, de sorte que a pretensão da reparação civil contra a Fazenda Pública manter-se-ia subordinada ao regime especial da prescrição quinquenal. Cumpre, todavia, atentar-se para o disposto no art. 10 do Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, que assim dispõe:
"Art. 10. O disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras."
Significa que a prescrição das pretensões formuladas contra a Fazenda Pública é quinquenal, ressalvados os casos em que a lei estabeleça prazos menores. Na verdade, os prazos prescricionais inferiores a 5 (cinco) anos beneficiam a Fazenda Pública.
Diante disso , a pretensão de reparação civil contra a Fazenda Pública submete-se ao prazo prescricional de 3 (três) anos, e não à prescrição quinquenal.
(...)
O que se percebe, em verdade, é um nítido objetivo de beneficiar a Fazenda Pública. A legislação especial conferiu-lhe um prazo diferenciado de prescrição em seu favor. Enquanto a legislação geral (Código Civil de 1916) estabelecia um prazo de prescrição de 20 (vinte) anos, a legislação específica (Decreto nº 20.910/32) previa um prazo de prescrição próprio de 5 (cinco) anos para as pretensões contra a Fazenda Pública. Nesse intuito de beneficiá-la, o próprio Decreto nº 20.910/32, em seu art. 10, dispõe que os prazos menores devem favorecê-la.
A legislação geral atual (Código Civil de 2002) passou a prever um prazo de prescrição de 3 (três) anos para as pretensões de reparação civil. Ora, se a finalidade das normas contidas no ordenamento jurídico é conferir um prazo menor à Fazenda Pública, não há razão para o prazo geral - aplicável a todos indistintamente - ser inferior àquele outorgado às pessoas jurídicas de direito público. A estas deve ser aplicado, ao menos, o mesmo prazo, e não um superior, até mesmo em observância ao disposto no art. 10 do Decreto nº 20.910/32.
Apesar de, data maxima venia, Carneiro da Cunha estar equivocado quando afirma que o prazo quinquenal favorável à Fazenda surgiu com o Decreto 20.910/32 - anotei antes que o próprio CC-1916, no seu art. 178, § 10, VI, já dispunha que as demandas fundadas em direito pessoal submeter-se-iam ao prazo de prescrição de 5 anos, afastando a regra geral então vigente, que era no sentido da prescrição vintenária -, sua argumentação é exemplar e ilustra muito bem a corrente doutrinária que se foi avolumando no Brasil pós-CC-2002.
Entre os administrativistas, também houve autores que se posicionaram favoravelmente à aplicação do prazo trienal. José dos Santos Carvalho Filho (2012, p. 573-574, grifos do autor) foi um deles, desenvolvendo seu raciocínio da maneira seguinte:
Se a pessoa responsável se enquadra como entidade federativa ou autárquica (incluídas, pois, as fundações de direito público), consumava-se a prescrição no prazo de cinco anos contados a partir do fato danoso. Tal prazo extintivo situava-se no âmbito da clássica prescrição quinquenal das ações pessoais contra o Estado (Decreto nº 20.910/32). Esse tipo de prescrição, como é sabido, abrangia, entre outras, a pretensão do lesado à indenização, tornando indispensável quer o pedido administrativo, quer a ação judicial.
(...)
O vigente Código Civil, no entanto, introduziu várias alterações na disciplina da prescrição, algumas de inegável importância. Uma delas diz respeito ao prazo genérico de prescrição (art. 205). Outra é a que fixa o prazo de três anos para a prescrição da pretensão de reparação civil. Vale dizer: se alguém sofre dano por ato ilícito de terceiro, deve exercer a pretensão reparatória (ou indenizatória) no prazo de três anos, pena de ficar prescrita e não poder mais ser deflagrada.
Como o texto se refere à reparação civil de forma genérica, será forçoso reconhecer que a redução do prazo beneficiará tanto as pessoas públicas como as de direito privado prestadoras de serviços públicos. Desse modo, ficarão derrogados os diplomas acima no que concerne à reparação civil. Contudo, as demais pretensões pessoais contra a Fazenda continuam sujeitas à prescrição quinquenal prevista no Decreto nº 20.910/1932.
Cumpre nessa matéria recorrer à interpretação normativo-sistemática. Se a ordem jurídica privilegiou a Fazenda Pública, estabelecendo prazo menor de prescrição da pretensão de terceiros contra ela, prazo esse fixado em cinco anos pelo Decreto nº 20.910/32, raia ao absurdo admitir a manutenção desse mesmo prazo quando a lei civil, que outrora apontava prazo bem superior àquele, reduz significativamente o período prescricional, no caso para três anos (pretensão à reparação civil). Desse modo, se é verdade, de um lado, que não se pode admitir prazo inferior a três anos para a prescrição da pretensão à reparação civil contra a Fazenda, em virtude de inexistência de lei especial em tal direção, não é menos verdadeiro, de outro, que tal prazo não pode ser superior, pena de total inversão do sistema lógico-normativo; no mínimo, é de aplicar-se o novo prazo fixado agora pelo Código Civil. interpretação lógica não admite a aplicação, na hipótese, das regras de direito intertemporal sobre lei especial e lei geral, em que aquela prevalece a despeito do advento desta. A prescrição da citada pretensão de terceiros contra as pessoas jurídicas públicas e as de direito privado prestadoras de serviços públicos passou de quinquenal para trienal.
Mesmo entre os civilistas, a corrente favorável a que se aplicasse o prazo trienal do CC-2002 em detrimento do quinquenal do decreto ganhou força. Aderindo a esse pensamento, Farias e Rosenvald (2012, p. 747) explicitam que
(...) a ação promovida pelo particular contra a Administração Pública deverá ser ajuizada dentro do prazo previsto na norma jurídica. A matéria está regulada pelo Decreto nº 20.910/32, que fixou um prazo quinquenal menor para a propositura das ações contra as Fazendas federal, estadual e municipal. Em seguida, o Decreto-lei nº 4.597/42 elasteceu a regra para alcançar, também, as autarquias. Não alcançava, contudo, as pessoas jurídicas de direito privado componentes da Administração Pública indireta.
A regra da prescrição quinquenal da pretensão contrária ao Estado foi esquadrinhada quando se encontrava em vigor o Código Civil de 1916, que, por sua vez, estabelecia o prazo de vinte anos para a ação reparatória de danos no direito privado. Com o advento da Lei Civil de 2002, porém, o prazo da pretensão reparatória de danos foi diminuído para três anos, aplicando-se, por igual, às pretensões dirigidas à Fazenda Pública. É que não há justificativa para um tratamento diverso para regulamentar as pretensões reparatórias contra o Estado, devendo se submeter ao prazo trienal - que foi estabelecido em razão da especificidade da pretensão de direito material subjacente. Considere-se, inclusive, que na vigência do Código Civil de 1916 o Estado mereceu prazo diferenciado, não podendo se submeter a um prazo tão elástico (que era de vinte anos). Ora, se, hodiernamente, nem mesmo os particulares podem se submeter a prazos tão alongados, merecendo diminuição para três anos, esta redução haverá de atingir, também, as pretensões ressarcitórias dirigidas à Fazenda Pública.
Dessa forma, torna-se patente que existia, no Brasil, forte inclinação doutrinária a se considerar como prevalente o prazo de prescrição de 3 anos, previsto no CC-2002, para a pretensão à reparação civil, mesmo em relação às pessoas jurídicas de direito público. Mas a força dessa tese não se restringiu à doutrina. O próprio STJ, em alguns precedentes turmários, começava a aceitá-la. Colaciono (grifo meu):
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. PRAZO PRESCRICIONAL. INCIDÊNCIA, NA ESPÉCIE, DO ART. 206, § 3º, INC. V, DO NOVO CÓDIGO, EM DETRIMENTO DO DECRETO N. 20.910/32.
1. No âmbito desta Corte Superior, pacificou-se o entendimento no sentido de que aplica-se o prazo prescricional de três anos previsto no art. 206, § 3º, inc. V, do Código Civil de 2002, em detrimento ao de cinco anos do art. 1º do Decreto n. 20.910/32, em relação às pretensões de reparação civil contra os entes públicos sempre que assim determinarem a regra de transição e/ou a data da ocorrência do fato danoso. Precedentes.
2. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem consignou que a data do evento danos ocorreu em 9.8.2003. Assim sendo, ocorreu o transcurso do prazo trienal, pois a presente demanda foi proposta em 30.7.2008, o que caracteriza a consumação da prescrição.
3. Recurso especial não provido.
(STJ, REsp 1.238.260/PB, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 26/04/2011, p. DJe 05/05/2011).
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. DECRETO 20.910/1932. ADVENTO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA TRÊS ANOS.
1. O legislador estatuiu a prescrição qüinqüenal em benefício do Fisco e, com manifesto objetivo de favorecer ainda mais os entes públicos, estipulou que, no caso de eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o de cinco anos seria afastado nesse particular. Inteligência do art. 10 do Decreto 20.910/1932.
2. O prazo prescricional de três anos relativo à pretensão de reparação civil - art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002 - prevalece sobre o qüinqüênio previsto no art. 1º do Decreto 20.910/32. Precedentes do STJ.
3. Recurso Especial provido. (STJ, REsp 1.217.933/RS, Segunda Turma, Min. Herman Benjamin, j. 22/03/2011, p. DJe 25/04/2011).
Entretanto, em outros julgados, o próprio STJ manifestava-se em sentido contrário, ora fazendo prevalecer o prazo quinquenal. Colaciono (grifos meus):
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. INDENIZAÇÃO POR DESVIO DE FUNÇÃO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO N. 20.910/1932. ART. 206, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE.
1. Caso em que se discute se o prazo prescricional para o pagamento da indenização por desvio de função seria o trienal previsto no art. 206, § 3º, incisos IV e V, do Código Civil, ou o quinquenal estabelecido no Decreto 20.910/1932.
2. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou-se no sentido de que é quinquenal o prazo prescricional para propositura da ação de qualquer natureza contra a Fazenda Pública, a teor do art. 1° do Decreto n. 20.910/32, afastada a aplicação do Código Civil. Precedentes: AgRg no REsp n. 969.681/AC, Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJe 17/11/2008; AgRg no REsp n. 1.073.796/RJ, Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 1/7/2009; AgRg no Ag 1.230.668/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 24/5/2010.
3. Agravo regimental não provido.
(STJ, AgRg no AREsp 69.696/SE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. 14/08/2012, p. 21/08/2012).
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO. ARTIGO 206, § 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE. ARTIGO 1º DO DECRETO Nº 20.910/32. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.
1. O prazo prescricional da pretensão reparatória contra o Estado, seja federal, estadual ou municipal é de cinco anos, nos termos do artigo 1º do Decreto nº 20.910/32. Precedentes, entre eles: EREsp 1081885/RR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, julgado em 13/12/2010, DJe 01/02/2011.
2. Recurso especial provido.
(STJ, REsp 1.236.599/RR, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, j. 08/05/2012, p. DJe 21/05/2012).
Disso resultava que, em relação às demandas de caráter ressarcitório ajuizadas contra a Fazenda Pública, a jurisprudência era vacilante, ora prevalecendo o prazo prescricional de 5 anos, estatuído do Decreto 20.910/32, ora prevalecendo o prazo de 3 anos, insculpido no art. 206, § 3º, V, do CC-2002.