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O relatório de impacto ambiental e o princípio da informação ambiental à luz da teoria do discurso de Habermas

18/03/2013 às 15:22
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A forma atual de promover o acesso ao RIMA dificulta a participação dos interessados, bem como restringe consideravelmente a possibilidade de integração com outros atores que, em tese, poderiam contribuir com argumentos qualificados.

Resumo: A presente tese tem como objetivo analisar a atual forma de acesso ao Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) regulamentada pela Resolução CONAMA 01/86 à luz da teoria do discurso de Habermas. O texto discorre sobre os atuais problemas de acesso ao RIMA e como tais condições representam obstáculos reais para a efetivação da participação dos interessados no processo decisório. Por fim, propõe que o RIMA seja apresentado também em formato digital na rede mundial de computadores.


1. A Contextualização sobre o atual modelo de acesso ao RIMA

A Constituição da República Federativa do Brasil estabeleceu que as atividades potencialmente causadoras de significativo impacto ambiental devem apresentar um Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA). A legislação ambiental infraconstitucional, por sua vez, determina que as informações técnicas contempladas no EIA devem ser decodificadas em uma linguagem inteligível ao público leigo e apresentadas de forma didática em um documento denominado Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).

A cópia do RIMA, segundo o artigo 11 da Resolução CONAMA nº 01, de 23 de janeiro de 1986, deve permanecer à disposição dos interessados nos centros de documentação ou biblioteca do órgão ambiental para consulta pública. Pode-se afirmar que o referido artigo é uma forma de concretização do princípio da informação ambiental.

A publicidade do estudo ambiental constitui – sem dúvida – em um dos elementos mais relevantes no atual Estado Democrático de Direito, uma vez que permite ao cidadão participar efetivamente dos processos de decisões de políticas ambientais. Entretanto, uma questão, a meu ver, ainda carece de maior aprofundamento teórico, qual seja: do ponto de vista do cidadão, em que medida o atual modelo de acesso ao RIMA garante o pleno conhecimento das informações discutidas no processo de licenciamento ambiental?

Elaborar uma resposta científica ao questionamento formulado não é uma tarefa simples. Seja pelo fato da inexistência da consolidação de dados estatísticos sobre a efetiva participação dos interessados no processo de licenciamento ambiental; seja pela ausência de pesquisas qualitativas sobre o atual nível de participação (leia-se qualificação da participação) em cotejo com as informações e resultados apresentados no RIMA.

Decerto, qualquer tentativa de formulação de uma resposta depende necessariamente da pré-compreensão do modelo teórico de “democracia” adotado pelo leitor.

Na concepção procedimentalista proposta por Habermas, o processo democrático de formação da vontade está fundamentado na institucionalização de procedimentos comunicativos. A legitimidade do processo está associada à construção de argumentos racionais entre os atores interessados na deliberação de um determinado tema. O espaço público – local de discussão e formulação de políticas públicas pelos diversos segmentos da sociedade e do Estado - deve garantir mínimas condições de uma justa negociação entre seus atores.   

Iniciar uma discussão sobre as atuais condições do discurso no processo de formação da vontade no Direito Ambiental me parece um ponto fulcral no atual contexto político brasileiro, na medida em que determinados grupos econômicos entoam que o licenciamento ambiental é o novo estorvo ao crescimento econômico do Brasil.   

O presente trabalho não pretende realizar um paralelo entre o complexo instituto do licenciamento ambiental e as condições ideais de fala do sistema procedimental proposto por Habermas. Do ponto de vista metodológico, o objeto investigado é o atual modelo jurídico de acesso ao RIMA e suas conseqüências fáticas na democratização das informações e, conseqüentemente, na qualificação dos atores que participam do processo decisório.  

Pretendo demonstrar que a forma hodierna de promover o acesso ao RIMA dificulta a participação dos interessados, bem como restringe consideravelmente a possibilidade de integração com outros atores que, em tese, poderiam contribuir com argumentos qualificados.

Como hipótese ao problema lançado sugiro uma alteração na Resolução CONAMA 01/86 de forma a introduzir no ordenamento jurídico ambiental a exigência legal de publicação do RIMA na rede mundial de computadores. Trata-se, a meu ver, de uma real possibilidade de melhoria nas condições comunicativas entre os interlocutores e, conseguinte, potencializa uma qualificação da participação dos interessados no processo democrático. 

A seguir demonstrarei, em breve comentários, os conceitos e temas centrais da teoria do discurso de Habermas. 


2. A Teoria do Discurso: A idéia do consenso ideal como marco regulador

A revolução industrial apresentou-nos o conceito de sociedade de massa. O fenômeno da massificação social foi o resultado de um processo de intensa urbanização, da substituição do modo de produção doméstico e rural pelo sistema fabril, além do inicio do conceito de consumo em larga escala.

Com a consolidação da lógica da produção e consumo da Revolução Industrial, o Estado e a sociedade presenciaram o surgimento de conflitos existentes fora da dimensão exclusivamente privada (entre particulares) e pública (cidadão X Estado ou Estado Nacional X Estado Nacional). Tem-se, assim, o início de conflitos nas relações de trabalho, saúde publica, meio ambiente, relações de consumo e tantas outras que não se limitavam a dicotomia público e privado.

Os referidos conflitos são caracterizados pela potencialidade de lesão da coletividade (indeterminação dos sujeitos), indivisibilidade do objeto e intensa litigiosidade entre os atores envolvidos no conflito. O nosso ordenamento jurídico, por sua vez, positivou o conceito de direitos difusos no artigo 81 do Código de defesa do consumidor como "os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”.

O mundo pós-moderno desmistificou o mito da existência de uma verdade absoluta vinculada aos sistemas políticos ou econômicos como presenciamos até o final da guerra fria. As tensões surgidas na atual sociedade - caracterizada pela pluralidade, complexidade, e ainda, a multifacetariedade – são desenvolvidas em um espaço publico, democrático e, acima de tudo, híbrido em sua atuação administrativa, isto é, por um lado a Administração Pública promove a discussão entre os interessados; por outro, a mesma Administração Pública fomenta o consenso entre as partes. No lugar de verdades previamente concebidas inicia-se um processo gradual de revalorização dos argumentos racionais das partes.

Para Habermas, a força legitimadora do processo democrático está na institucionalização de procedimentos que garantam as condições mínimas para um agir comunicativo fundamentado em regras justas de negociação. Não se trata, pois, de simplesmente avaliar se a ordem jurídica possibilitou, ou não, a participação dos interessados no processo de formação da vontade. A perspectiva democrática procedimentalista é avaliada a partir da verificação se o processo decisório permite uma concordância entre os atores a partir de um discurso racional. Como explica o Prof. Alexandre Travessoni:"Para Habermas, são validas as normas que possam ser aceitas pelos participantes de um discurso racional. A idéia de consenso está baseada, portanto, na força da argumentação racional."[1]

A racionalidade proposta aqui por Habermas, entretanto, não é a racionalidade subjetiva (homem capaz de observar, conhecer e alterar o objeto) e sim a racionalidade comunicativa. A pré-compreensão da racionalidade habermasiana é de grande relevância na medida em que altera o foco do debate: uma razão centrada no objeto (razão subjetiva) para uma razão centrada na relação sujeito-sujeito (razão intersubjetiva).      

A idéia de argumentação racional do discurso entre as partes se desenvolve, para Habermas, em um consenso ideal. Expliquemos melhor: no consenso ideal de Habermas os participantes desenvolvem os seus discursos em perfeitas condições comunicativas, vale dizer, os atores são dotados de um conhecimento equivalente da matéria a ser discutida (condição cognitiva); não existem limitações de ordem política ou econômica no processo de participação; aos participantes do discurso são vedados quaisquer tipos de coação no processo de convencimento.  

O filósofo alemão não defende, entretanto, que os elementos que integram o consenso ideal, sejam aplicados integralmente no mundo empírico. Pelo contrario. Habermas admite que o consenso ideal (abstrato) é uma idéia reguladora. “Acontece que a situação ideal do discurso possui a forca de uma idéia reguladora: alem de servir como guia para discursos empíricos, ela torna possível criticar os resultados neles obtidos. Só podemos buscar, seja no Brasil, seja em qualquer outro lugar, um discurso empírico mais próximo das condições ideais justamente porque pressupomos as condições ideais. E apos participar de um discurso empírico podemos criticar o consenso nele obtido porque temos condições idéias como modelo.[2]”.    

 Importante ainda ressaltar que Habermas defende que condições reais do discurso sejam dotadas de um grau mínimo de procedimentos garantidores da aproximação das condições ideais. A institucionalização do mínimo é uma condição fundamental para o início da evolução para um processo político de formação da vontade no modelo habermasiano. Isto posto, perguntamos: 

Quais seriam as condições mínimas do discurso em um processo de licenciamento ambiental? Como aperfeiçoar as atuais condições institucionalizadas – mais especificamente o acesso ao RIMA - de modo a aproximar o processo de licenciamento ambiental às condições ideais proposta por Habermas?

Preliminarmente entendo ser importante demonstrar a forma como está estruturado o regime jurídico do EIA/RIMA e, posteriormente, apontar, objetivamente, os principais óbices do instituto dentro de uma concepção procedimenstalista do processo democrático.


3. Considerações gerais sobre o Estudo Prévio de Impacto Ambiental

Toda atividade realizada pelo ser humano – seja ela de natureza industrial, científica, comercial, turística ou recreativa – provoca impactos, positivos ou negativos, no meio em que se desenvolve. Poderíamos até afirmar que não é possível desassociar impacto ambiental e atividade humana, na medida em que considerarmos o homem como um dos elementos que integram o próprio conceito de meio ambiente. Assim, ao se interagir com os diversos elementos do meio (fauna, flora, atmosfera) que compõem o sistema ambiental, o ser humano necessariamente provocará impactos ambientais negativos.

Tais atividades, entretanto, podem gerar diferentes escalas de impacto no meio ambiente. O Direito Ambiental – obviamente - não regulamenta todas as atividades capazes de causar qualquer nível de impacto negativo no meio ambiente. Para fins do presente artigo, desenvolverei algumas considerações sobre os princípios e as regras jurídicas que regulamentam as obras ou atividades potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. 

A lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981[3] institui como um dos instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente a Avaliação de Impactos Ambientais (AIA).  Trata-se, sem dúvida, de um divisor de águas na implementação de um modelo jurídico-preventivo ambiental. De certo, após a introdução da Avaliação de Impactos Ambientais, a definição sobre a viabilidade de um empreendimento não foi mais realizada apenas do ponto de vista econômico, social ou político. Na avaliação discricionária da viabilidade do empreendimento realizada pela Administração Publica foi introduzida uma nova variável, a saber: os potenciais impactos sócio-ambientais do projeto. A AIA tem como escopo principal ser um instrumento capaz de subsidiar tecnicamente os atores envolvidos no processo decisório sobre a viabilidade sócio-ambiental, ou não, de um determinado empreendimento.   

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A avaliação de impactos ambientais, por sua vez, deve ser compreendida como um gênero da qual fazem parte várias espécies de instrumentos de avaliação de impactos. Neste sentido, a própria Resolução CONAMA 237, de 19 de dezembro de 1997 [4] define os estudos ambientais como “todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento, apresentado como subsídio para a análise da licença requerida, tais como: relatório ambiental, plano e projeto de controle ambiental, relatório ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco”. O órgão ambiental, com fundamento na legislação federal e estadual, exigirá do empreendedor uma das modalidades de avaliação de impactos ambientais de acordo com a natureza, porte, localização e demais peculiaridades do empreendimento. Por outro lado, poderá também dispensar, de forma fundamentada, a apresentação de qualquer estudo ambiental caso seja verificado que a atividade gera apenas impactos ambientais em pequena escala. O Estudo de Prévio de Impacto Ambiental – ou simplesmente Estudo de Impacto Ambiental – constitui uma das mais importantes espécies de AIA existentes no atual Direito Ambiental brasileiro. 

A relevância do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) no direito brasileiro foi demonstrada com a consagração de sua obrigatoriedade no próprio texto Constitucional em casos de empreendimentos de significativo impacto ambiental.

O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) foi regulamentado pela Resolução CONAMA nº 01, de 23 de janeiro de 1986. O referido diploma dispõe sobre regras sobre a competência dos órgãos ambientais, o conteúdo mínimo do EIA e, ainda, uma relação exemplificativa dos empreendimentos que deverão apresentar o Estudo de Impacto Ambiental. 

A Resolução CONAMA nº 01, de 23 de janeiro de 1986 estabeleceu também a obrigatoriedade de apresentação do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) como documento complementar que refletirá, de forma objetiva e adequada ao público leigo, as conclusões do Estudo de Impacto Ambiental. Em outras palavras: O EIA avalia os possíveis impactos ambientais do empreendimento de forma complexa e interdisciplinar. O RIMA decodifica as informações e conclusões para a sociedade civil interessada no projeto. 

O RIMA não deve ser compreendido como um resumo ou um recorte das partes mais importantes do EIA. Pensar desta forma significa descaracterizar por completo o instituto. Trata-se de um documento que tem como objetivo explicar de forma didática (mapas, cartas, quadros, gráficos e demais técnicas de comunicação visual) os principais aspectos favoráveis e as desvantagens do projeto. O Ministro Hermam Bejamim ensina que:

“O EIA é o todo: complexo, detalhado, muitas vezes com linguagem, dados e apresentação incompreensíveis para o leigo. O RIMA é a parte mais visível (ou compreensível) do procedimento, verdadeiro instrumento de comunicação do EIA ao administrador e ao publico[5]”.

O RIMA – como um instrumento de materialização do principio da informação ambiental – merece um estudo aprofundado e uma atenção especial dos estudiosos do Direito Ambiental, uma vez que eventuais vícios encontrados em sua formulação ou apresentação podem macular todo o processo de conhecimento e avaliação da viabilidade ambiental do empreendimento, tornado o próprio ato administrativo de expedição da licença ambiental de operação um ato administrativo nulo.


4. Apontamentos sobre a atual dificuldade de acesso ao RIMA

O artigo 11 da Resolução CONAMA nº 01, de 23 de janeiro de 1986 define que cópias permanecerão à disposição dos interessados nos centros de documentação do órgão ambiental responsável pelo licenciamento ambiental.

Trata-se, é verdade, de uma regra elaborada de acordo com o principio da razoabilidade e proporcionalidade, vez que faculta ao interessado conhecer as vantagens e desvantagens do projeto, bem como os possíveis impactos sócio-ambientais em caso de instalação e operação do empreendimento, por meio da leitura do relatório produzido. A norma presume que aquele que possui interesse em conhecer os resultados do projeto deve comparecer ao órgão ambiental e avaliar os potenciais impactos do empreendimento.

Não resta duvida que seria um absurdo exigir do empreendedor a obrigação de fornecer uma copia completa do RIMA a cada individuo que assim solicitasse. O RIMA é um documento, na maioria das vezes, bastante extenso. Não há como negar, portanto, que a redação do artigo 11 é excelente se avaliarmos as possibilidades de publicação de um documento da natureza do RIMA no contexto histórico em que a norma foi publicada, ou seja, em meados da década de 80 do século passado.

Entendo que as principais dificuldades no gerenciamento do acesso ao RIMA no atual sistema podem ser descritas da seguinte forma:

4.1 Dificuldade no fluxo da informação

A primeira questão é a dificuldade natural da livre e ampla circulação de um documento no meio físico. De fato, ao compararmos um documento em meio físico com um documento em meio digital, do ponto de vista do fluxo das informações, as diferenças são absolutamente desmesuradas. A facilidade ou dificuldade de acesso aos documentos em meio físico é avaliada de acordo com a distância em que cada cidadão se encontra da Administração Pública.  

Em sede de EIA/RIMA, percebe-se que o projeto contempla áreas de influência em um enorme espaço geográfico, como por exemplo, diversos municípios atingidos pela atividade do empreendedor ou áreas urbanas e rurais distantes do órgão ambiental responsável pelo licenciamento ambiental. Neste sentido, a proposta do presente artigo visa eliminar o problema de acesso à informação surgido a partir da constatação de enormes distâncias entre o cidadão e o centro de informações do órgão ambiental.   

4.2 Custo elevado de reprodução

Um outro fator que dificulta o amplo e irrestrito acesso ao RIMA é o alto custo da fotocópia caso o interessado deseje possuir uma reprodução integral do documento apresentado ao órgão ambiental.  Paulo Affonso Leme Machado, ao comentar sobre o acesso ao Rima, ensina que:

“Essa acessibilidade devera ser permanente, isto e, nos horários de funcionamento desse dentro de documentação. Se a copia integral do RIMA (excluída a parte secreta, se houver) for retirada do centro de documentação, suspensa esta a acessibilidade. Portanto, incumbe à Administração Publica fornecer copias aos interessados, ainda que através de pagamento das copias[6]”.

Ressalta-se, ainda, que os interessados pelo acesso ao RIMA (na maioria das vezes) são pessoas naturais, associações de bairro ou organizações não-governamentais que, em muitos casos, não possuem uma estrutura financeira capaz de suportar o referido custo elevado.

Afirmariam alguns que a situação de hipossuficiência financeira não impende que o interessado avalie os principais aspectos do projeto na própria Administração Publica. Ouso, contudo, discordar. Ora, é ilusório imaginar que um interessado possa analisar tecnicamente um documento da complexidade do RIMA no balcão do órgão ambiental! 


5. A Internet como mecanismo de melhoria das condições de fala

Entendo que a Internet pode ser considerada um instrumento viável do ponto de vista financeiro, tecnológico e político para melhorar as condições de fala dos participantes do processo de licenciamento ambiental. Não obstante o baixo nível de inclusão digital no Brasil, o IBGE[7] já divulgou pesquisa que demonstra que 21% da população já acessou a Internet pelo menos uma vez. Obviamente, a sugestão do uso da Internet - como mecanismo de divulgação do RIMA - não elimina a necessidade de apresentação do estudo em meio físico conforme ocorre nos dias atuais.

Abaixo demonstrarei os principais argumentos que corroboram com a proposta de alteração do sistema de acesso ao RIMA atualmente exigido pela legislação ambiental.

5.1 Baixo custo para o empreendedor

A inserção do RIMA na Internet possui obviamente um custo (disponibilizar a pagina da Internet para o acesso, material humano para eventual suporte em caso de problema no acesso, etc). Os custos devem ser suportados pelo interessado em licenciar sua atividade. Entretanto, não podemos afirmar que os custos envolvidos são de grande monta a ponto de tornar inviável a proposta. Trata-se de um ônus que se origina da obrigação geral de fornecer todas as informações possíveis do empreendimento a um maior número possível de interessados.

5.2 Possibilidade de influencia na qualidade do RIMA

Entendemos ainda que, em tese, existe a possibilidade que o amplo acesso ao RIMA pela Internet venha influenciar, de forma indireta, na qualidade técnica dos trabalhos apresentados aos órgãos ambientais. Expliquemos melhor. Atualmente é truísmo afirmar que um dos maiores problemas do processo de licenciamento é a péssima qualidade de alguns trabalhos técnicos apresentados por consultorias especializadas em elaboração de EIA-RIMA. A disponibilidade do estudo ambiental na Internet permitirá que o acesso ao RIMA seja realizado por novos atores sociais, tais como, técnicos, acadêmicos, especialistas e a mídia em geral. A conseqüência desta maior exposição é o surgimento de novos focos de argumentações técnicas ou jurídicas sobre os procedimentos, metodologias e resultados apresentados. Aumenta-se, pois, os argumentos dos diversos interessados em discutir de forma mais profunda e criteriosa o processo de licenciamento.

5.3 Viabiliza a participação qualificada dos atores

O objetivo central da informação do RIMA é, ao apresentar os resultados de forma simples, objetiva e didática, permitir a efetivação do principio da participação. Sabemos que o principio da informação ambiental não possui um fim em si mesmo. Não. O principio da informação ambiental existe para subsidiar a possibilidade de uma participação efetiva dos atores interessados no processo decisório. “É verdade que para o exercício de intervenção é necessário que se garanta a informação dos atos. Do contrario, teríamos participação desinformada o que, em termos de EIA, e uma heresia. Logo, podemos ver o principio da informação como pressuposto necessário para efetivação do principio da participação publica[8]”.

Assim, acreditamos que a ampla publicação do RIMA pela Internet pode gerar um aumento no fluxo de informação qualificada nas mais diversas redes sociais.  A discussão, em canais abertos e democráticos, entre os biólogos, sociólogos, engenheiros, juristas, geógrafos, urbanistas, antropólogos e demais especialistas pode se tornar um importante elemento de apoio técnico aos interessados em conhecer e interpretar – de forma qualificada - os resultados do estudo.  

5.4 Democratiza o acesso a um numero maior de interessados

O acesso ao RIMA pela Internet promoverá a discussão – portanto, uma maior participação – de um maior numero de interessados na decisão do processo de licenciamento ambiental.

O aumento da presença dos interessados (aumento quantitativo), somado a uma maior participação de atores qualificados tecnicamente (aumento qualitativo) resultará, a meu ver, em uma considerável melhoria nas condições em que o discurso se desenvolverá. Independente do resultado final do licenciamento ambiental, o processo decisório será fruto de condições de discurso mais próximas da ideal, uma vez que será garantida a participação de um maior número de interessados qualificados e, portanto, o processo de licenciamento se revestirá de maior legitimidade.


Conclusões Articuladas

1. A legitimidade do processo decisório, segundo Habermas, está fundamentada na institucionalização de procedimentos e condições comunicativas. A concepção procedimenstalista exige dos atores apresentações de discursos racionais como forma de construção de um consenso.

2. O atual sistema de acesso ao RIMA, regulamentado pelo artigo 11 da Resolução CONAMA 11/86, restringe a possibilidade de um maior número de atores qualificados participarem do processo decisório, uma vez que o estudo permanece à disposição dos interessados somente no centro de documentação do órgão ambiental.  

3. Atualmente, o alto custo de reprodução de um RIMA e a dificuldade natural de se promover o fluxo da informação em um documento em meio físico (condições reais de fala) são os principais obstáculos para efetivar o acesso à informação pelos interessados em conhecer de forma consistente (condições ideais de fala) os resultados do EIA/RIMA.   

4. A Internet é uma ferramenta viável para a reprodução do RIMA. As vantagens são: a) baixo custo de implementação e manutenção para o empreendedor; b) possibilidade de influenciar a qualidade do RIMA; c) viabiliza a participação de atores qualificados; d) democratiza o acesso a um numero maior de atores.

5. Assim, a proposta do artigo consiste na alteração do artigo 11 da Resolução CONAMA 11/86 – ou elaboração de uma resolução específica sobre o assunto – de modo a exigir que o empreendedor disponibilize uma cópia do RIMA na Internet.


Bibliografia

BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcelos, “Os princípios do Estudo de Impacto Ambiental como limites da discricionariedade administrativa”, in Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 317/30, 1992.

DUTRA, Delmar José Volpato. Razão e Consenso em Habermas: A teoria discursiva da verdade, da moral, do direito e da biotecnologia. Florianópolis: Ed da UFSC. 2005

GOMES, Alexandre Travessoni e MERLE, Jean-Chistophe. A Moral e o Direito em Kant: Ensaios analíticos. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 7º Edição. São Paulo: Malheiros, 1999.

http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=846 acessado em 28 de março de 2007.


Notas

[1] GOMES, Alexandre Travessoni , “O rigorismo na ética de Kant e a situação ideal do discurso de Habermans – Um ensaio comparativo” in A Moral e o Direito em Kant:Ensaios analíticos. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007, pág. 69.

[2] GOMES, Alexandre Travessoni, Op. cit. Pág. 69

[3] A lei federal nº 6.803, de 02 de julho de 1980 dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição, e dá outras providências. A referida lei e considerada como a primeira norma a introduzir a AIA em nosso ordenamento jurídico. O artigo 10 § 3º  estabelece que

“além dos estudos normalmente exigíveis para o estabelecimento de zoneamento urbano, a aprovação das zonas a que se refere o parágrafo anterior, será precedida de estudos especiais de alternativas e de avaliações de impacto, que permitam estabelecer a confiabilidade da solução a ser adotada.”

[4] Endentemos que a Resolução do CONAMA 237 poderia – em respeito a boa técnica – ter adotado a expressão Avaliação de Impactos Ambientais no lugar de Estudos Ambientais. A redação do parágrafo único do artigo 3°, in fine, demonstra o equivoco do legislador. * O órgão ambiental competente, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, definirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento. * (GRIFO NOSSO)

[5] BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcelos, “Os princípios do Estudo de Impacto Ambiental como limites da discricionariedade administrativa”, in Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 317/30, 1992.

[6] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 7º Edição. São Paulo: Malheiros, 1999. pág. 222. 

[7] Segundo o IBGE, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD de 2005 sobre acesso à Internet e posse de telefone móvel celular para uso pessoal demonstrou que Vinte e um por cento(32,1 milhões) da população de 10 anos ou mais de idade acessaram pelo menos uma vez a Internet em algum local - domicílio, local de trabalho, estabelecimento de ensino, centro público de acesso gratuito ou pago, domicílio de outras pessoas ou qualquer outro local - por meio de microcomputador.

[8] BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcelos, ob. cit. pág. 39.  

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Sobre a autora
Carla Maia dos Santos

Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Minas Gerais. Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Gama Filho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Carla Maia. O relatório de impacto ambiental e o princípio da informação ambiental à luz da teoria do discurso de Habermas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3547, 18 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23977. Acesso em: 23 abr. 2024.

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