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Aspectos polêmicos do crime de contrabando na importação

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25/03/2013 às 09:55
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OBJETO MATERIAL. O que é mercadoria proibida?

A norma penal é expressa em mencionar “mercadoria proibida”.

Pergunta-se: qual o conceito de mercadoria?

A maioria dos doutrinadores não chega a adentrar ao assunto, limitando-se a dizer que mercadoria é qualquer coisa móvel passível de comercialização12. Entretanto, o conceito é demasiadamente amplo, pois, em tese, qualquer coisa móvel pode ser objeto de comercialização.

Cremos que o tipo é mais restritivo do que o afirmado pela doutrina.

Com efeito, o conceito jurídico de “mercadoria” é diferente de “produto”. Produto é conceitualmente qualquer bem que satisfaça uma necessidade humana. Mercadoria é o bem que se destina ao comércio. O artigo 966 do Código Civil define a atividade empresarial como aquela profissionalmente organizada para a produção ou circulação de produtos e serviços. Quem adquire produtos e serviços sem finalidade empresarial não adquire mercadoria. É por tal razão que o CDC jamais utiliza a expressão “mercadoria”, mas sim, “produto”, pois, mercadoria é conceito que induz à compreensão de que haverá utilização empresarial, o que não é compatível com o conceito jurídico de consumidor.

O eminente professor ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA esclarece a distinção, dizendo:

“não é qualquer bem móvel que é mercadoria, mas só aquele que se submete à mercancia. Podemos, pois, dizer que toda mercadoria é bem móvel, mas nem todo bem móvel é mercadoria. Só o bem móvel que se destina à prática de operações mercantis é que assume a qualidade de mercadoria. ... Portanto, é a destinação do objeto que lhe confere, ou não o caráter de mercadoria. ... Para que um bem móvel seja havido por mercadoria, é mister que ele tenha por finalidade a venda ou a revenda. Em suma, a qualidade distintiva entre bem móvel (gênero) e mercadoria (espécie) é extrínseca, consubstanciando-se no propósito de utilização no comércio” (ICMS, Malheiros, 6ª ed., São Paulo, pág. 39).

Essa, também, foi uma das teses utilizadas pelo Supremo Tribunal Federal para dizer que não incide ICMS na venda de bens do ativo fixo da empresa, porquanto ausente o conceito jurídico de mercadoria, conforme o seguinte aresto:

“ICMS. VENDA DE BENS NO ATIVO FIXO DA EMPRESA. NÃO INCIDÊNCIA DO TRIBUTO. A venda de bens do ativo fixo da empresa não se enquadra na hipótese de incidência determinada pelo art. 155, I, b, da Carta Federal, tendo em vista que, em tal situação, inexiste circulação no sentido jurídico-tributário: os bens não se ajustam ao conceito de mercadorias e as operações não são efetuadas com habitualidade. Recurso extraordinário não conhecido” (RE 194300, Relator Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 24/04/1997, DJ 12-09-1997 PP-43737 EMENT VOL-01882-05 PP-01017).

Conclui-se, por evidente, que na “importação ou exportação de mercadoria proibida” exigida pelo caput do artigo 334 do Código Penal, está implícita a finalidade empresarial, ou seja, a intenção de lucrar com o bem importado. Reserva-se, portanto, a caracterização do contrabando para aquelas importações expressamente proibidas e que, pelas características de qualidade ou quantidade, revelem a destinação do bem à atividade lucrativa. Quem introduz no país bem cuja importação é proibida, mas para uso próprio ou mesmo por encomenda de amigo ou parente, mas sem evidências de finalidade empresarial, não comete contrabando. Perdura o ilícito administrativo com a apreensão e perdimento do bem, mas não há o crime do artigo 334 do CP.

Não olvidamos que a tese é polêmica. Mas bem razoável.

Com efeito, não pretende o Estado punir criminalmente qualquer importação proibida. O Direito Administrativo já faz isso - e muito bem, com a pena de perdimento. A finalidade da norma é punir aquele que burla a proibição como uma oportunidade de obter lucros.

Tomemos como exemplo pessoas que vão ao Paraguai e compram uma ARMA DE PRESSÃO para uso próprio. Sabemos a importação é proibida13 (proibição relativa). Porém, aquele que traz uma única arma de pressão, sem obedecer os trâmites legais, não deve responder pelo crime do art. 334 do CP, ficando sujeito apenas à apreensão e à pena de perdimento.

O mesmo se dá com MEDICAMENTOS VETERINÁRIOS, AGROTÓXICOS, Cds e DVDs de obras autorais pirateadas, GASOLINA, etc.

A lógica da razão aplicável está na finalidade da importação. Tomemos por exemplo a GASOLINA. Ora, se fôssemos tomar o entendimento de que qualquer bem é mercadoria e que qualquer proibição configura contrabando, quem viaja para o exterior e lá abastece seu veículo deveria esvaziar o tanque antes de reentrar no Brasil, sob pena de responder por contrabando! Que contrassenso!

Claro que a finalidade da norma penal em tela é punir a atividade lucrativa que se desenvolve à burla das normativas de importação.

Observe as demais figuras equiparadas14. A análise sistemática do artigo com seus parágrafos nos leva a concluir que o âmbito de incidência é a atividade lucrativa. Seja para o contrabando, seja para a figura do descaminho.

O mesmo entendimento se aplica aos MEDICAMENTOS e SUPLEMENTOS para atletas, inclusive quanto à incidência do tipo do artigo 273 e figuras equiparadas, do Código Penal.

Tivemos a grata oportunidade de participarmos do debate no qual a Procuradoria da República em Ponta Porã concluiu pela atipicidade da conduta na importação de MEDICAMENTOS e SUPLEMENTOS para atletas quando ausente a finalidade lucrativa.

Não é demais reproduzirmos promoção de arquivamento de inquérito policial pelo Ministério Público Federal em Ponta Porã/MS:

“Sem ingressar aqui no debate acerca da inconstitucionalidade da pena cominada no preceito secundário do art. 237 do Código Penal, por violação ao princípio da proporcionalidade, temos que a análise da tipicidade do fato quanto ao §1º-B deve ser criteriosa, reservando-se aos casos em que suficientemente caracterizado o dolo do agente em introduzir no mercado nacional grande quantidade de medicamentos, burlando a vigilância sanitária para auferir lucros em detrimento da saúde da população.

Ninguém olvida que a ostensiva fiscalização do mercado de medicamentos e substâncias terapêuticas é uma garantia do cidadão e um dever do Estado. A saúde pública ficaria gravemente vulnerável, com danos materiais irreversíveis ao Estado e danos ainda mais graves e irreversíveis à sociedade, se não se impusessem os mais sérios e eficazes meios de controlar a produção e comercialização de medicamentos. Sem controle, o ânimo pelo lucro espúrio fundado em um capitalismo desumano, sem dúvida, continuaria levando alguns poderosos da indústria farmacêutica nacional e internacional à barbárie de se oferecer, como curativo ou preventivo, pílulas de farinha. A repulsa a tão grave conduta motiva a necessidade de uma resposta penal adequada.

Mas, limitando nossa digressão ao âmbito da necessariedade da intervenção penal, devemos firmar a premissa que está implícito no tipo penal em tela a finalidade de introduzir mercadorias no mercado nacional de medicamentos, mediante a importação.

Com efeito, a descrição abstrata trazida pelo art.273, §1.º-B, do Código Penal, contempla, por remissão ao §1.º do mesmo dispositivo legal, as condutas de (1) importar, (2) vender, (3) expor à venda, (4) ter em depósito para vender e (5) distribuir ou entregar a consumo os produtos a que faz referência.

Como se depreende, a finalidade comercial das condutas, no crime em apreço, avulta como elemento subjetivo específico do tipo.

Nesse sentido, o magistério doutrinário de CEZAR ROBERTO BITENCOURT:

“Elemento subjetivo é o dolo, representado pela vontade consciente de praticar qualquer das condutas descritas no artigo em exame. Na hipótese do caput, não há exigência de elemento subjetivo especial do tipo; nas demais hipóteses, porém, exige-se esse elemento subjetivo, consistente no especial fim de agir – 'para vender' – do §1.º15

Sobredito elemento subjetivo específico do tipo – que somente não foi expressamente previsto, dentre as diversas ações do §1.º do art.273 do Código Penal, na espécie “importar” - está inequivocamente implícito nessa última figura. É o que resulta de uma interpretação sistemática e teleológica do art.273, seja mediante o cotejo entre as diversas figuras delitivas nele previstas, seja a partir de sua análise no contexto do ordenamento jurídico penal.

Utilizando-se da lógica argumentativa mutatis mutandis, “importar medicamentos sem registro para consumo próprio”, para efeito do art.273 do Código Penal – que tutela o bem jurídico 'SAÚDE PÚBLICA' – equivale, por exemplo, a “adquirir medicamentos sem registro para consumo próprio”, “manter em depósito medicamentos sem registro para consumo próprio” ou “transportar medicamentos sem registro para consumo próprio” - condutas essas que, ostentando o mesmo grau de reprovabilidade, considerando-se exclusivamente a necessariedade da resposta penal, não foram criminalizadas pelo legislador ordinário.

Ademais, a exegese dos incisos I a VI do §1º-B, do artigo 273, do Código Penal, nos leva a concluir que o âmbito de proteção da norma está inserido num contexto de mercado farmacêutico, cujo controle é essencial à saúde pública.

Exclui-se, portanto, do campo de incidência da norma penal em comento, aquelas importações que, pela quantidade e natureza dos produtos, se mostrarem inexpressivas para configurar um dano efetivo à saúde pública, aqui consubstanciado na burla à fiscalização do mercado de medicamentos. Afasta-se, assim, a aplicabilidade do artigo 273, §1º-B, para as importações de medicamentos se destinarem a uso próprio ou não tenham suficiente intensidade de produzir danos à atuação da ANVISA.

Esclarecemos que tal entendimento não representa qualquer aquiescência com a importação fraudulenta de medicamentos de pequeno volume.

Infelizmente, é prática constante nessa região de fronteira nos depararmos com situações em que, ora fugindo à obrigatoriedade da receita médica exigida no Brasil - seja pelo alto custo dos serviços médicos, seja pela deficiência do serviço público de saúde, seja pela arraigada cultura da automedicação - ora fugindo aos altos preços praticados no mercado nacional, ou, até mesmo, pela busca desenfreada de medicamento ainda não aprovado pelos trâmites burocráticos nacionais, pessoas são surpreendidas trazendo do Paraguai pequenas quantidades de medicamentos para uso próprio, da própria família ou de reduzido círculo de amigos que lhe fizeram a “encomenda”.

Nota-se que em tais condutas, o importador não objetiva burlar a fiscalização da ANVISA. Objetiva sim, obter o medicamento que, por algum motivo outro, justificável ou injustificável sob o ponto de vista social, não tem acesso no Brasil.

No que toca aos chamados “suplementos para atletas”, desprovidos de substâncias estimulantes, exceto cafeína, a ANVISA não exige registro, fugindo à figura do inciso I, do §1º-B, do artigo 273, do CP. Para esses produtos, o órgão de vigilância sanitária estabelece apenas exigências quanto à rotulagem, especialmente a proibição de determinados dizeres e a tradução para o português.

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Ora, não se pode dizer que falta de rotulação adequada estaria albergada pelo inciso III do §1º-B, do artigo 273, do CP, a impor a aplicabilidade do dispositivo aos casos de importação de suplementos para atletas com infringências regulamentares na rotulagem. A inteligência do inciso III nos revela que a conduta descrita aqui é a que diz respeito aos aspectos intrínsecos do produto e não às suas características extrínsecas.

Com efeito, quando a lei pune a importação de produtos terapêuticos e medicamentosos “sem as características de identidade”, não está, por certo, se referindo à rótulos, mas aos componentes físico-químicos que identificam o produto na fórmula aprovada pela ANVISA.

Assim, a importação de “suplementos alimentares” ou “suplementos para atletas”, porque expressamente dispensados de registro na ANVISA, e desde que não contenham substância proibida, não podem configurar a figura do artigo 273, §1-B, em nenhuma das hipóteses descritas nos incisos I a IV.

É claro que a conduta é reprovável pelo fato de se possibilitar, pela importação fraudulenta, que o próprio usuário/importador/encomendante se submeta ao risco de fazer uso, conscientemente, de medicamentos/produtos não fiscalizados pela ANVISA. A reprovabilidade, porém, não chega ao ponto de se lhe imputar pena mínima de 10 (dez) anos de reclusão, tal como prevista no preceito sancionador da figura típica do artigo 273 do CP.

Ora, para se “salvar” a parte sancionadora do tipo da pecha de inconstitucionalidade por afrontar de forma escancarada o princípio constitucional da proporcionalidade, não resta outra alternativa para o aplicador do Direito senão “guardá-lo” para o grande importador/adulterador de medicamentos que dirige o seu dolo contra a fiscalização da ANVISA, a fim aumentar arbitrariamente a lucratividade de seu nefasto empreendimento, pondo em risco a saúde pública. Essa sim, conduta digna do apenamento previsto para o tipo do artigo 273 do CP.

Não se trata aqui de substituir o preceito secundário do artigo 273, pelo de outro, posto que não caberia ao judiciário substituir o legislador para modificar a sanção votada pelo parlamento. Ao nosso juízo, não se salvaria da inconstitucionalidade a aplicação ao crime de tráfico de medicamentos a pena do crime de tráfico de drogas, por ofensa ao princípio da legalidade. Trata-se, na verdade, de reconhecer limite ao campo de abrangência da regra penal, resultando que a conduta não se insere no seu âmbito de incidência.

Nesse sentido, o acórdão do Tribunal Regional da 3ª Região, proferido pela Quinta Turma, nos autos da Apelação Criminal nº 0001809-09.2008.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE, julgado em 12/03/2012, publicado no e-DJF3 Judicial 1, de 19/03/2012, assim parcialmente transcrito:

“PENAL - PROCESSUAL PENAL - IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTOS DESTINADOS A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS DE USO PROIBIDO OU RESTRITO NO PAÍS - PRELIMINAR SUSCITADA PELO PARQUET FEDERAL, DE ENVIO DOS AUTOS À 1ª SEÇÃO DESTE E. TRIBUNAL PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DAS TURMAS CRIMINAIS, REJEITADA -RECURSO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA AFASTAR A EMENDATIO LIBELLI REALIZADA EM PRIMEIRO GRAU - MANTIDA A IMPUTAÇÃO DA CONDUTA PREVISTA NO ARTIGO 273,§1-B, INCISOS I E VI DO CP - CONSAGRAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE - PREJUDICADA A TESE DEFENSIVA DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - MATERIALIDADE COMPROVADA - AUSÊNCIA DE DOLO - PEQUENA QUANTIDADE DE MEDICAMENTOS PARA USO PESSOAL - RECURSO DA DEFESA PROVIDO - DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU REFORMADA. 1. Inicialmente, é dever tratar da preliminar arguida pelo Ministério Público Federal, em que se visa a remessa dos presentes autos à C. 1ª Seção deste E. TRF3, para julgamento em uniformização de jurisprudência, em razão da divergência entre as Turmas desta Corte, quanto a validade e aplicação das penas previstas no art. 273, § 1º-B, I, do CP. 2. Alega que é necessário apontar que, em sede deste E. Tribunal, o debate sobre a constitucionalidade do preceito secundário do art. 273 do CP está prestes a ser sanado, com o julgamento pelo Órgão Especial, da Arguição de Inconstitucionalidade de nº 2008.61.19.004211-4, de Relatoria da Des. Fed. Marli Ferreira, que, conforme extrato de movimentação processual em anexo, foi incluída na pauta do dia 09 de novembro do corrente ano para julgamento. Está, ainda, pendente de julgamento, perante a C. 1ª Seção desta E. Corte incidente de uniformização de jurisprudência nº 0006682-70.2005.4.03.6112, da Relatoria do Des. Fed. Peixoto Jr., suscitado para resolver divergência na aplicação da pena do art. 273 entre as Turmas Criminais desta E. Corte, e no qual este Parquet já lançou parecer. 3. Anoto que já houve o julgamento pelo Órgão Especial, referente a aludida Arguição de Inconstitucionalidade, julgamento este do qual esta Relatora participou, sendo que, por maioria de votos, não se conheceu da arguição de inconstitucionalidade por ausência do preenchimento dos requisitos formais, não tendo sido a arguição conhecida, por falhas procedimentais, não chegando sequer a se adentrar no mérito da questão. 4. Além disso, esta E. Corte Regional, em outras oportunidades, já se manifestou pela constitucionalidade do referido preceito legal. Precedentes desta Egrégia Corte Regional. 5. Assim, não conhecida a arguição de inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273 do CP, por vício procedimental, e estando, ainda, pendente de julgamento o outro processo referido pelo douto Procurador Regional da República - autos nº 0006682-70.2005.4.03.6112, perante a 2ª Turma desta E. Corte Regional, de relatoria do E. Desembargador Federal Peixoto Jr, não constando em nosso Sistema Processual - Siapro, que tal processo foi, de fato, remetido pela 2ª Turma à apreciação da Colenda 1ª Seção deste Tribunal, não é o caso de se remeter os presentes autos, seja ao Órgão Especial ou seja à 1ª Seção deste E. Tribunal, pois, das apelações juntadas aos autos,não houve qualquer arguição formal de inconstitucionalidade do artigo 273, §1º-B do CP . Observa-se, dos apelos interpostos, que a acusação requer o afastamento da aplicação da emendatio libelli, e, consequentemente, que haja a condenação do réu às penas do artigo 273, § 1º-B, incisos I e VI do CP. A defesa, por sua vez, requer a absolvição do réu, ou, então, que seja reconhecida a atipicidade da conduta, pela aplicação do princípio da insignificância, ou, ainda, o reconhecimento da tese do crime impossível ou do erro de proibição, ou alternativamente, caso seja o réu condenado quer pelo delito de descaminho quer pelo delito de importação de medicamentos proibidos pelo órgão competente - a ANVISA, seja reconhecido que o delito não passou de sua forma tentada. Preliminar rejeitada. (…) 10. Não se pode negar que há um excessivo rigor do legislador pátrio na fixação da pena abstratamente prevista para o delito do artigo 273,§1º-B, CP, desproporcional ao mal praticado, quando posta em confronto com sanções relativas a condutas bem mais graves como os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, estupro e homicídio. E, com base neste entendimento, muitos juízes acabam aplicando a pena prevista para o crime de tráfico ilícito de entorpecentes ou a prevista para o crime de contrabando ou descaminho, que prevêem pena mínima bem mais branda, de 05 (cinco) anos e de 1 (um) ano de reclusão, respectivamente, socorrendo-se da analogia in bonam partem, ou seja, aplicando sanção bem menor do que a pena mínima prevista no artigo 273 CP, que é de 10 (dez) anos de reclusão. (…) 34. Por fim, o bem jurídico tutelado pelo art. 273, do CP, visa proteger a saúde pública, proibindo a importação de medicamentos em grandes quantidades. Por tal motivo, a importação de pequenas quantidades de medicamentos não demonstra a destinação comercial dos produtos e não tem o condão de causar potencial lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora tipificada no art. 273 do CP . Precedentes do E. TRF da 4ª Região. 35. Assim, não restando demonstrada a intenção (elemento subjetivo do tipo penal - dolo) por parte do apelado/apelante Ednaldo em praticar qualquer das condutas previstas no artigo 273 do Código Penal, não há como dar total provimento ao recurso ministerial, sendo sua absolvição medida que se impõe. 36. Preliminar suscitada no parecer do MPF rejeitada. Recurso ministerial parcialmente provido apenas para proceder ao afastamento da emendatio libelli. Recurso da defesa provido para absolver o réu por não restar demonstrado, nos autos, o dolo de praticar a conduta descrita no artigo 273, § 1º-B, incisos I e VI do Código Penal” (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ACR 0001809-09.2008.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE, julgado em 12/03/2012, e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/03/2012).

Ressalte-se que há muito já se concluiu que o aumento da pena abstratamente cominada ao delito não tem o efeito desejado de prevenção geral, tampouco, de prevenção especial. O que coíbe a prática ilícita é a certeza da punição; e isso só poderemos obter com meios mais eficazes de fiscalização do comércio fronteiriço. Não é um problema de estrutura legal, mas sim de estrutura administrativa.

Assim, nos casos de pequena importação de medicamento, em que fique caracterizado o uso a círculo restrito, bem como nos casos de importação de suplementos para atletas, fica excluída a incidência do artigo 273 do Código Penal, restando, portanto, a repressão estatal por outras figuras jurídicas, cíveis e penais, notadamente a pena de perdimento, a imposição fiscal e a punição a título de contrabando, que se mostram tanto necessárias quanto adequadas e, sob o ângulo da proporcionalidade estrita, suficientes para intimidar e reprimir a prática da conduta empreendida em grau mínimo.

Acrescente-se, por fim, que há entendimento que, no exercício da exegese do tipo previsto no artigo 273 do CP, não se poderia dissociar o §1º-B do caput, de modo que só restará configurado o crime nas hipóteses dos incisos I a IV, do §1º-B, quando se tratar de medicamento que tenha sua composição falsificada, corrompida, adulterada ou alterada, de modo a por em risco a saúde pública, conforme expressa o seguinte acórdão (nossos os grifos):

“PENAL - CONTRABANDO E DESCAMINHO - PRODUTOS ELETRÔNICOS E DE INFORMÁTICA - ART. 334 , CAPUT, DO CÓDIGO PENAL - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS SOBEJAMENTE COMPROVADAS - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INAPLICABILIDADE - ABSOLVIÇÃO DO RÉU DA PRÁTICA DO CRIME CAPITULADO NO ART. 273 , § 1º-B, I E VI, E § 2º, DO CÓDIGO PENAL, UMA VEZ QUE SE TRATA DE IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTO , CUJA COMERCIALIZAÇÃO É PROIBIDA NO BRASIL, E NÃO DE MEDICAMENTO FALSIFICADO OU ADULTERADO - CARACTERIZAÇÃO, EM TAL HIPÓTESE, DO CRIME DE CONTRABANDO, CUJA CONDUTA ESTÁ CONTIDA NA MESMA FIGURA INCRIMINADA NO ART. 334 DO CÓDIGO PENAL. I - Condenação do o réu-apelante nas penas do art. 334 , caput, e art. 273 , § 2º, c/c art. 70 do Código Penal, em virtude de terem sido encontrados, no veículo caminhonete Silverado, que conduzia, juntamente com os outros réus (absolvidos), aparelhos eletrônicos e remédios Pramil e Lipostabil, de origem estrangeira, desacompanhados da necessária documentação exigida por lei. II - Em se cuidando de medicamentos sem registro, adquiridos em estabelecimento sem licença, cuja comercialização é proibida no Brasil, mas não de medicamento falsificado, corrompido, adulterado ou alterado, tal como descrito pelo art. 273 , § 1º-B, I e VI do Código Penal, responde o réu pelo crime de contrabando, cuja conduta está contida na mesma figura incriminada no art. 334 , que resultou na caracterização do crime de descaminho, relativamente aos produtos eletrônicos e de informática, até porque "não há concurso formal de delito quando o autor ingressa em território nacional com mercadorias estrangeiras proibidas e outras que, embora não proibidas, não passam pelo crivo da fiscalização para sofrer a incidência de tributos" (RCCR nº 1997.01.00.000444-5/MG, Relatora Desembargadora Federal Eliana Calmon - que hoje integra o egrégio STJ -, 4ª Turma do TRF/1ª Região, unânime, DJU de 25/09/97, p. 78.408). Absolvição do réu da prática do crime capitulado no art. 273 , § 1º-B, I e VI do Código Penal, na modalidade culposa, prevista em seu § 2º. III - Autoria e materialidade delitivas sobejamente comprovada, em relação ao crime do art. 334 , caput, do Código Penal. IV - Inaplicabilidade do princípio da insignificância, seja em razão do disposto no art. 65 da Lei nº 10.833/2003, quanto ao crime descaminho, seja porque, em relação ao contrabando, não há o que perquirir, acerca do pagamento ou não de tributos, porque não há tributo a ser recolhido, em relação a mercadoria, cuja importação é proibida. V - Dosimetria da pena que se sustenta, por estar em harmonia com o disposto no art. 59 do Código Penal. VI - Apelação parcialmente provida” (ACR 0001079-47.2004.4.01.3803 / MG, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL ASSUSETE MAGALHÃES, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 p.51 de 18/02/2011).

Por tudo o que se expôs, concluímos que só haverá o crime do artigo 273 quando se tratar de grande importação de medicamentos que ponham em risco a saúde pública em desrespeito à fiscalização da ANVISA. Nas demais hipóteses, o crime é o do artigo 334.

No caso dos autos, conforme o Laudo de f. 54/123 e informação de f. 139, xxxxxx importou do Paraguai 30 (trinta) diferentes produtos, sendo que 21 (vinte e um) produtos foram configurados como SUPLEMENTOS PARA ATLETAS e 9 (nove) produtos restaram configurados como MEDICAMENTOS. De um total de 113 (cento e treze) frascos importados apenas 20 (vinte) estão enquadrados como medicamentos, que, segundo depoimento da investigada, eram para uso pessoal e de sua família.

Concluímos, pois, que não restou comprovada a incidência do tipo do artigo 273, §1º-B, do Código Penal, em qualquer dos seus incisos, seja para os produtos classificados como suplementos para atletas, seja para aqueles classificados como medicamentos.

Cumpre-nos agora analisar a conduta sob o tipo do artigo 334, do Código Penal, na modalidade contrabando.

Quanto aos produtos classificados como “suplementos alimentares”, em que pese o fato de a rotulagem dos produtos alimentícios para atletas apreendidos não atenderem aos requisitos da ANVISA (e eventualmente de alguns deles conterem substância de eficácia alimentar cientificamente questionada) – o que deve suscitar sanções na órbita administrativa, por parte do órgão de vigilância sanitária competente –, não se depara na espécie, para efeito de caracterização da tipicidade objetiva do crime de contrabando (art.334, caput, primeira parte, do Código Penal), com a presença das elementares típicas “importar mercadoria proibida”. Repise-se, mais uma vez, que os “alimentos para atletas” são isentos de registros e que nenhum dos produtos contém substância de uso proscrito no país.

Mutatis mutandis, cite-se a hipótese de importação de brinquedos estrangeiros que não atendem às especificações do INMETRO. A desconformidade, nesse caso, ainda que com relevante repercussão na esfera administrativa, não torna a mercadoria (brinquedo), ao menos para efeito de configuração do crime de contrabando, como de importação proibida.

Nesse passo, impende considerar que é elementar típica do crime de contrabando que a importação ou exportação seja “proibida”.

Assim, não basta que a mercadoria esteja em desacordo com regras do comércio nacional; é necessário que haja específica proibição de sua introdução no território nacional.

Ora, ainda que os produtos classificados como suplementos para atletas estejam em desacordo com as normatizações do comercio nacional, não há regra explícita que proíba a sua importação, daí porque não se trata de crime de contrabando.

Ademais, devemos atentar que ainda que haja proibição expressa da importação, a elementar típica “mercadoria proibida” nos revela que só haverá contrabando, com lesão a interesse diverso da arrecadação tributária, quando o bem importado não for de livre comercialização no Brasil. De forma que a introdução de mercadorias cuja proibição de importação não está ligada ao bem em si, mas à questões de interesse fiscal, não configuram contrabando, mas sim descaminho.

Diga-se de passagem, em que pese os entendimentos contrários, à vista do até agora exposto, bem de fabricação nacional exportado cuja reintrodução é proibida não configura o delito de contrabando, haja vista que a lesão jurídica é exclusiva ao interesse fiscal. É que, ainda que a importação seja proibida, não se trata de mercadoria proibida. Eventual conduta nesse sentido deve ser tratada, portanto, apenas sob o âmbito do descaminho.

No que tange aos produtos enquadrados como “medicamentos”, na análise do tipo do crime de contrabando devemos considerar se havia finalidade lucrativa na importação”.

Assim, ainda que seja bem de importação proibida, se a quantidade e a natureza da importação não revelem atividade lucrativa, descaracteriza-se o conceito de mercadoria e resulta que a conduta é atípica sob o ponto de vista penal.

Obviamente, que a necessidade de configuração da atividade lucrativa não atinge tipos especiais como o tráfico internacional e armas e munições. Basta trazer do exterior, sem autorização legal, uma arma para uso pessoal, e estará configurado o tráfico internacional de arma, porque o tipo previsto na Lei nº10.826/03 não possuiu o elemento normativo “mercadoria”. É, portanto, situação diversa do contrabando.

Mas a exigência de interesse lucrativo dá margens para muitas polêmicas, que acho que podem ser perfeitamente resolvidas pela razoabilidade.

Importar uma máquina caça-níqueis é contrabando? Depende. Se a importação denota a atividade lucrativa (feita por um bicheiro, ou com ligações com o crime organizado ou por quem possui um bar ou boate, etc) é contrabando. Observe-se que, no caso, dada a natureza da mercadoria, basta um único exemplar para configurar a atividade lucrativa. Porém, se a importação é feita por um indivíduo excêntrico que quer usá-la na sua sala de visitas para seu próprio deleite, não há crime. Claro que a conduta é reprovável e punível com a pena de perdimento, mas não há crime.

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Sobre o autor
Enivaldo Pinto Pólvora

Analista Processual do Ministério Público Federal em Ponta Porã/MS. Exerceu a advocacia por mais de 10 anos na área tributária e penal-tributária. É graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina, tendo lá também concluído o curso de especialização em Direito do Estado, com área de concentração em Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PÓLVORA, Enivaldo Pinto. Aspectos polêmicos do crime de contrabando na importação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3554, 25 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24022. Acesso em: 4 nov. 2024.

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