A Lei nº 12.009, de 29 de julho de 2009, alterou a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, e regulamentou a profissão dos mototaxistas e motoboys. Os tristemente conhecidos "kamikazes urbanos".
Na Segunda Guerra Mundial, os torpedeiros e porta-aviões americanos no Pacífico frequentemente transformavam-se em imensas bolas de fogo toda vez que um avião japonês despontava no horizonte e voava diretamente sobre eles. No comando da aeronave estava um jovem piloto militar, um “kamikaze”. No idioma japonês, “kamikaze” significa “vento divino”. É o nome dado a um tufão que, segundo a lenda, em 1.281 teria impedido a invasão do Japão pelo guerreiro mongol Kublai Khan. Os “kamikazes”, também chamados “tokotai”, eram uma unidade especial de ataque criada pelo vice-almirante do Estado Maior Geral da Marinha TakijiroOnishi, e sua missão era arremessar seus aviões contra os alvos inimigos fundeados naquelas águas. Com a derrota do Japão, TakijiroOnishi pôs fim à própria vida com um “seppuku”, conhecido popularmente como “haraquiri”. No idioma japonês, “haraquiri” significa “cortar a barriga”. Segundo o Bushido, código dos samurais, os guerreiros deviam usar o “haraquiri” para não caírem em mãos inimigas, para expiar seus crimes ou delitos, desculpar-se por seus erros ou provar fidelidade a seu senhor. Mulheres samurais somente podiam praticar “haraquiri” com permissão de seu senhor. O “haraquiri” apagava todos os erros e delitos do guerreiro. Limpava a sua honra e a de seus familiares. Era um ritual quase sagrado. Primeiro, o samurai banhava-se para purificar o corpo e a alma. Em seguida, vestia um quimono branco, tomava em dois goles uma xícara de saquê, escrevia um ou dois poemas de despedida, ajoelhava-se e enfiava sua tanto, wakizashi ou um punhal no lado esquerdo do estômago e cortava-o por inteiro, até o lado direito, expondo as vísceras para mostrar pureza de caráter. Depois, puxava a lâmina para cima, fazendo um corte em cruz. Era uma morte lenta e dolorosa, e, às vezes, o samurai levava horas ou dias para morrer. Muitas vezes, diante da dor insuportável, e para apressar a morte, o samurai pedia a um companheiro leal (assistente) que lhe cortasse a cabeça. Esse ato (kaishaku) era desonroso tanto para o samurai quanto para seu assistente. A cabeça decepada do samurai não podia rolar para o chão depois da degola porque isso era considerado um desrespeito para com ele e sua família. O samurai que se recusasse a praticar “haraquiri” renunciava publicamente à honra dos samurais e era chamado “ronin” (“homem-onda”), pois, a partir de então, viveria sem destino certo, como as ondas do mar.
Na periferia das cidades e nos grandes centros urbanos, é muito comum o trânsito de motociclistas entregando pizzas, flores, documentos, talões de cheques, bilhetes de teatro, futebol e cinema, cartões de crédito, galões de água mineral e botijões de gás. Mais recentemente, passaram a transportar pessoas e coisas em precárias condições de segurança. Como, segundo a praxe do mercado, não têm salário fixo, e recebem “por entrega”, são os ponteiros do relógio que ditam as regras de trânsito, os limites de velocidade e tabelam o preço de suas vidas. São os temidos “motoboys”, verdadeiros kamikazes urbanos que fazem o terror dos espelhos retrovisores, das latarias laterais dos veículos, dos pedestres, dos velhinhos, das mulheres grávidas, das crianças do colégio, dos motoristas de ônibus, dos táxis e dos cachorros vira-latas.
De vez em quando, os jornais noticiam acidentes fatais, em que linhas de pipas com cerol postas para secar de um lado a outro da rua decepam o pescoço de um desses trabalhadores. Menos um nas ruas, mais um nas estatísticas macabras dos cadáveres adiados.
As novas exigências
Os que transportam profissionalmente pessoas ou coisas em serviço comunitário de rua são chamados agora “mototaxistas” ou “motoboys”. Para ser um motoboy, é preciso ter no mínimo 21 anos completos, possuir habilitação profissional há pelo menos dois anos, ser aprovado em curso especializado regulamentado pelo Contran e trajar colete de segurança dotado de dispositivos retrorrefletivos. Para obter licença para trabalhar em serviço comunitário de rua, o motoqueiro tem de ter carteira de identidade; título de eleitor; CIC; atestado de residência; certidões negativas das varas criminais e identificação da motocicleta utilizada em serviço.As motocicletas e motonetas usadas na atividade de motofrete (transporte remunerado de mercadorias) somente poderão circular com autorização do poder público, exigindo-se registro como veículo da categoria de aluguel; instalação de protetor de motor (mata-cachorro) fixado no chassi do veículo, destinado a proteger o motor e a perna do condutor em caso de tombamento; aparador de linha (antena corta-pipas) e inspeção semestral para verificação dos equipamentos obrigatórios e de segurança.
O que não pode ser transportado
Nos serviços de motofrete, é proibido o transporte de combustíveis, inflamáveis ou produtos tóxicos, e de galões, exceto água mineral e gás de cozinha, desde que feito com side-car (carreta ou reboque). O inciso VIII, do art.244, do CTB, previa infração média e multa para quem desrespeitasse essa proibição. Com a nova lei, a infração passa a ser grave, além de multa e, como medida administrativa, a apreensão do veículo para regularização. Quem tiver mais de 21 pontos na carteira de habilitação não pode continuar trabalhando.
Responsabilidade solidária
Os motociclistas que atuam como motofretistas, e os motoboys, devem adaptar-se às disposições da Lei nº 12.009/2009 no prazo de 365 dias contados da sua regulamentação pelo Contran. De acordo com o art.6º da Lei nº 12.009, todo aquele que contratar ou firmar contrato de prestação continuada de serviço de mototaxista ou motoboy responde solidariamente pelos danos civis decorrentes do exercício da atividade.
Constitui infração à lei:
I – empregar ou manter contrato de prestação continuada de serviço com condutor de motofrete inabilitado legalmente;
II – fornecer ou admitir o uso de motocicleta ou motoneta para o transporte remunerado de mercadorias, que esteja em desconformidade com as exigências legais.
É das empresas que empregam motoboys ou mototaxistas a responsabilidade pelas despesas de regularização dos veículos (motocicletas e motonetas), uniformes (macacões, jaquetas, capacetes, adesivos retrorreflexivosetc), cursos de treinamento e reciclagem de motoristas e pagamento das multas pelo descumprimento da legislação (CLT, art.166).
Falta grave para a rescisão do contrato de trabalho
O empregado que se recusar a usar os equipamentos de segurança de que trata a Lei nº 12.009, ou a se submeter a cursos de treinamento, pode ser dispensado por justa causa (CLT, art.158, I e II; parágrafo único) de mau procedimento (art.482, “b”), desídia no desempenho das respectivas funções (art.482, “e”) ou indisciplina ou insubordinação (art.482, “h”).
Não há definição na lei do que se deva entender por “mau procedimento”, mas o conceito habita o imaginário popular e varia de uma pessoa para outra segundo os diversos graus de cultura, classe social, costume, moralidade social média etc. O art.482, “b”, da CLT, fala em “incontinência de conduta e mau procedimento”. Os termos estão baralhados. Toda incontinência de conduta é uma forma de mau procedimento, mas nem todo mau procedimento é, necessariamente, um tipo de incontinência de conduta. Esses dois tipos de falta grave não se confundem. Incontinência de conduta é expressão reservada pela doutrina e pela jurisprudência para referir-se a um desvio de comportamento sexualdo empregado, como obscenidades, pornografia, pedofilia, voyerismo, vida desregrada, acesso contínuo a sites pornográficos na internet, essas coisas. Mau procedimento é a mais ampla das justas causas. Linguagem chula entre colegas em ambiente cortês, especialmente na frente de crianças, mulheres ou idosos, palavrões, fofoca, bisbilhotice da vida alheia e brincadeiras perigosas ou de mau-gosto configuram mau procedimento. Em tese, todo comportamento do empregado que se desvie do padrão médio de normalidade é uma forma de mau procedimento. Por exclusão, toda falta grave que não puder ser encaixada no conceito das outras faltas graves é mau procedimento. Tanto a incontinência de conduta quanto o mau procedimento podem ocorrer dentro e fora do local de serviço, com o contrato em vigor ou não (férias, licenças, finais de semana etc). Se essas faltas forem praticadas fora do serviço, mas permitirem uma ligação óbvia entre o empregado e o seu local de trabalho, estará tipificada a sua gravidade e os reflexos negativos na relação de emprego serão os mesmos. Assim, comporta-se mal o empregado que, mesmo fora do horário de trabalho, dirige embriagado, participa de “rachas”, dirige ou conserva seu veículo de modo a pôr em risco a sua vida, a vida das pessoas e, por associação, o nome da empresa para quem trabalha.
Desídia (CLT, art.482, “e”) é negligência, incúria, falta de cuidado, desatenção, desleixo, desmazelo, desinteresse. É uma falta culposa e não dolosa. Há três tipos de culpa: negligência, imprudência e imperícia. Só os dois primeiros (negligência e imprudência) caracterizam desídia no processo do trabalho. Negligência é falta de atenção no momento próprio. Imprudência é atuação temporã, impensada. Imperícia é a inaptidão do empregado para certas tarefas e isso independe de sua vontade. Pode configurar-se, também, pela má aplicação dos conhecimentos que se possui. Se a desídia for efetivamente desejada pelo empregado, haverádolo, e a falta deixa de ser desídia para ser improbidade.Em regra, a desídia é fruto da soma de vários atos sequenciais que denotam o perfil ou a intenção do empregado (impontualidade, faltas injustificadas ao serviço, desmazelo pessoal ou com as coisas da casa, recusa em inscrever-se em cursos de atualização de direção, recusa em usar equipamentos de sinalização ou de proteção nas motocicletas, serviço malfeito, refeições preparadas sem higiene ou condimento adequado etc), mas pode se configurar pela prática de um só ato, desde que grave. A doutrina entende que todas as faltas anteriores por desídia devem ser punidas, ainda que mediante simples advertências verbais, sob pena de se presumir que não eram graves ou foram toleradas pelo patrão. Não é preciso que haja um escalonamento na punição (primeiro advertência verbal, depois escrita, em seguida suspensão de um dia, dois ou três e, por fim, dispensa), mas é fundamental que cada falta, por menor que seja, tenha sido observada e reprimida. Na configuração da desídia como motivo determinante da resolução do contrato, as faltas anteriores não se somam para aumentar a gravidade da última, mas são necessárias para desenhar ao juiz um perfil do empregado e para demonstrar, se preciso, a sua culpa.
Assim como nos demais casos, as punições devem ser proporcionais à gravidade da falta; deve haver imediatidade na punição e a última falta cometida pelo empregado deve ser a causa determinante da decisão do patrão de romper o contrato (nexo etiológico entre a falta e a decisão de desfazer o vínculo). A desídia pode ocorrer no local de trabalho ou fora dele, mas sempre em função das atividades do empregado.
Indisciplina e insubordinação são coisas distintas. Indisciplina é o desrespeito às ordens gerais do patrão, às normas genéricas de conduta da casa. Insubordinação é o desrespeito às ordens diretas do superior hierárquico. Ambas pressupõem ordens lícitas, compatíveis com o contrato de trabalho, e que não afetem a vida ou a integridade física ou mental do empregado. Enquanto na indisciplina há um descaso pelas regras genéricas, na insubordinação há uma afronta às ordens diretas, dadas expressamente ao empregado. Assim, por exemplo, se o patrão proíbe a qualquer empregado (copeiro, babá, motorista, motoboy, cozinheira) que fume durante o serviço (ordem geral ou indireta) e qualquer dos empregados desobedece, há indisciplina; se, flagrando um empregado fumando em serviço, o patrão diz “fulano, apague esse cigarro“ (ordem pessoal e direta), e o empregado diz que não vai apagá-lo, há insubordinação. A indisciplina corrói a harmonia da casa, do ambiente de trabalho; a insubordinação retira ao patrão a sua autoridade sobre os empregados. Como todas as demais faltas graves, é preciso que a indisciplina ou a subordinação quebrem a confiança entre o patrão e o empregado, de tal sorte que o contrato de trabalho não possa continuar.