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Aspectos inconstitucionais da usucapião familiar

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11/04/2013 às 15:18
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2USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA POR ABANDONO DO LAR (USUCAPIÃO FAMILIAR)

Após discorrer sobre o histórico do instituto e também falar das mais relevantes modalidades da usucapião, chegou-se à usucapião especial urbana por abandono do lar, que é o tema base do presente trabalho.

Com a alteração legislativa proporcionada pela Lei nº 12.424/11, foi acrescentado o art. 1.240-A[7] ao Código Civil, e o ordenamento jurídico passou a contar com mais uma espécie de usucapião.

A lei 12.424, de 16 de junho de 2011 inseriu no Código Civil, em seu artigo 1.240-A e seu parágrafo 1., uma nova – e questionável – modalidade de usucapião. De acordo com o dispositivo, “aquele que exercer, por2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m2 cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”. Prossegue o parágrafo 1º.,”O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez”. (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 464)

A nova modalidade da usucapião inserida pela Lei 12.434/11 que regulou o “Programa Minha Casa, Minha Vida”, visou proteger aquele que após ser abandonado pelo cônjuge/companheiro, permaneceu no imóvel, porém, o artigo 1.240-A veio arraigado de problemáticas implícitas.

Da leitura do artigo 1.240-A, conclui-se que são requisitos indispensáveis para usucapião familiar, o imóvel ter extensão de até 250m2, a propriedade ser conjunta com ex cônjuge/companheiro, posse ininterrupta por dois anos, exclusividade da posse, ausência de oposição do outro cônjuge/companheiro, abandono do lar pelo ex cônjuge/ companheiro.

Segundo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

A nova modalidade de usucapião especial urbana – ou pro moradia – requer a configuração conjunta de três requisitos: a) a existência de um único imóvel urbano ou rural comum; b) o abandono do lar por parte de um dos cônjuges ou companheiro; c) o transcurso do prazo de dois anos. (2012, p. 464)

Logo se verifica que os requisitos desta nova modalidade são bem diferentes dos requisitos usuais das demais modalidades. Principalmente no que tange ao prazo que é bem reduzido, e ainda, o requisito inédito: abandono do lar.

Sobre o que dispõe o artigo 1.240-A, Farias e Rosenvald (2012, p. 465) alertam para o fato de que, a metragem máxima do imóvel que se amolda a esta forma de usucapir é de 250m², e ainda, com o abandono do lar, após transcorrido o biênio, o ex-cônjuge/ex-companheiro que continuou no imóvel irá pleitear a usucapião da parte do imóvel daquele que o abandonou, ocorrida a procedência desta pretensão restará inaugurada uma nova forma de extinguir compropriedade, bem diferente das já conhecidas no ramo do direito de família.

O lapso temporal que a lei informa é de apenas dois anos, ou seja, após estar na posse do imóvel do qual é coproprietário com o ex-cônjuge/ex-companheiro, aquele que ficou no imóvel depois de findado o relacionamento, pleiteará para si a outra metade do bem, através de ação de usucapião.

O abandono do lar por parte de um dos conviventes – certamente este é o requisito mais polêmico da usucapião pro-família. Afinal a EC n. 66/10 revogou todas as disposições contidas em normas infraconstitucionais alusivas à separação e às causas da separação, como por exemplo, o artigo 1573 do Código Civil que elencava dentre os motivos caracterizadores da impossibilidade de comunhão de vida, “o abandono voluntário do lar conjugal” (inciso IV). Com a nova redação conferida ao art. 226, par. 6º, da CF – “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”-, não apenas são superados os prazos estabelecidos para o divórcio, como é acolhido o princípio da ruptura em substituição ao princípio da culpa, preservando-se a vida privada do casal. (FARIAS;ROSENVALD,2012, p. 465)

O abandono do lar como requisito para usucapir um imóvel, aparece em inconformidade com a CF/88, uma vez que a imputação da culpa àquele que ensejou a dissolução do casamento/união estável já foi superada através da Emenda Constitucional n. 66 de 2010.

Além de acirrar indevidamente os ânimos, já abalados com o fim do vínculo afetivo, pela primeira vez o final de um relacionamento terá repercussões patrimoniais diretas e servirá, tão somente, para dificultar e burocratizar os procedimentos de composição de conflitos familiares, que, nos últimos anos, vêm sendo cada vez mais simplificados (permitia-se a separação em cartório extrajudicial e, agora, após a EC 66, há o divórcio direto e livre de prazos, sem necessidade de imputação de culpa ou responsabilização pelo término da relação). (NETO, A.L.B. A nova usucapião e o abandono do lar. JusNavigandi, Teresina, ano16, n.2948, jul., 2011, Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/19661 Acesso em: 28 ago. 2012.)

É perceptível que a inserção do artigo 1.240-A no ordenamento jurídico, trouxe consigo muito mais problemáticas do que a proposta de acelerar a resolução das questões patrimoniais oriundas de um término de relacionamento.

Mostra-se absolutamente desnecessário em sede de separação/divórcio reacender os problemas que advém do término do afeto, ainda mais, quando desse término resultam litígios que repercutem na esfera patrimonial.

Imputar culpa e ainda, responsabilizar aquele que deu margem a separação só se mostra como um meio de esgotar ainda mais uma relação que já se mostra afadigada pelo fim do afeto, que de longe, é o motivo base ensejador da ruptura do enlace conjugal.

 Sancionar patrimonialmente suposto culpado é acirrar ainda mais os ânimos daqueles que sequer conseguem conviver de uma maneira sadia.

No atual estágio evolutivo do direito de família, com menores intervenções obrigatórias do Estado nas relações afetivas, a lei 12.424/2011 promove verdadeiro retrocesso acerca do debate da causa, ou dos motivos, do fim do relacionamento, resolvendo desnecessários aspectos e fatos dolorosos e sigilosos das partes, procurando ‘encontrar o culpado e puni-lo. (NETO, A.L.B. A nova usucapião e o abandono do lar.JusNavigandi,Teresina,ano16,n.2948,jul,2011,Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/19661 Acesso em: 28 ago. 2012.)

A Lei nº12.424/2011 que instituiu o “Programa Minha Casa, Minha Vida”, e, por conseguinte inseriu o artigo 1.240-A no Código Civil, vai de encontro ao estágio que se encontra o direito de família, que tem se mostrado ao longo dos anos muito mais adequado e adaptável às mudanças ocorridas dentro das relações familiares.

Desta feita, o artigo 1.240-A se mostra incompatível com a Carta Magna, vez que reabre a discussão da culpa na seara do direito de família, tema já superado pela tão citada Emenda Constitucional 66 de 2010.

E se o legislador pátrio já havia entendido desde 2010 que o Estado não deve interferir nas relações estritamente privadas, que é o caso do casamento e/ou da união estável. Não se sabe as razões que levaram o legislador a inserir uma norma que implicitamente traz em seu bojo a volta da discussão da culpa no divórcio e/ou na separação.

Maria Berenice Dias, alerta em artigo sobre a usucapião e abandono do lar, aduzindo que:

Boas intenções nem sempre geram boas leis, não se pode dizer outra coisa a respeito da recente Lei 12.424/2011 que, a despeito de regular o Programa Minha, Casa Minha Vida com nítido caráter protetivo, provocou enorme retrocesso. (Dias, M.B., Usucapião e abandono do lar: a volta da culpa? Disponível em: www.mbdias.com.br Acesso em: 30/08/2012)

Muito embora tenha o legislador inserido a nova modalidade de usucapir com intuito de proteger aquele que ficou no imóvel, após o término do afeto e consequente, relacionamento, não é razoável delegar para o aplicador do direito o munusde fazer uma cognição sumária e generalizada dos motivos que ensejaram o fim de cada relacionamento e imputar àquele que sabe-se lá por quais motivos, deixou o imóvel, uma sanção patrimonial, sem saber deveras quais foram estes motivos.

(...) O término da coabitação em razão dos interesses pessoais dos consortes desencadeia efeitos jurídicos relevantes como o rompimento do regime de bens, do direito à herança e da obrigatoriedade do cumprimento dos deveres recíprocos. Todavia, o art. 1.240-A do Código Civil se apoia no subjetivismo da identificação de um culpado para criar uma nova pena civil, a do perdimento da compropriedade sobre o imóvel do casal como consequência do ato ilícito do abandono injustificado do lar. (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 465-466)

Logo, em consequência de não mais querer dar continuidade naquela relação afetiva, ausentando-se do lar, a norma aparece como meio de aplicar uma sanção civil/patrimonial, àquele que o fez. Sanção esta, que não leva em conta as possibilidades que adiante restará demonstrada de alguém que sai de casa, porém por outros motivos que não o de simples desejo de abandono do lar.

Seria, assim, uma forma de pressionar a pessoa que não mais reside no lar a realizar a partilha dos bens adquiridos na constância matrimonial. Com isso, tal instituto acaba por reabrir, em campo diverso (às vezes apresentam-se em vara cível matérias de competência de vara de família), como matéria incidental dos autos da usucapião, a discussão dos motivos da dissolução da entidade familiar, o que se mostraria como um retrocesso ante a Emenda Constitucional n 66/10.(SOUZA, Marcelo Agamenon Goesde;MANOEL, Vinicius. Usucapião “familiar” ou usucapião especial urbana por abandono de lar. Consulex, 2012, n. 373, p. 55)

Uma norma não pode e nem deve ter esse condão de pressionar as pessoas, que não mais possuam condições de convivência mútua, a viver sob o mesmo teto apenas para preservar um direito seu, patrimonial. Este direito tem de ser assegurado sob outras perspectivas.

Sobre a contagem do prazo que dispõe o artigo 1.240-A, Farias e Rosenvald (2012, p. 466) entendem que o biênio só começou a ser contado da data da vigência da Lei 12.424/11, ou seja, 16 de junho de 2011. Aplicam para tanto o mesmo raciocínio que prevaleceu quando da criação da usucapião pela Constituição de 1988, e da usucapião coletiva urbana pela Lei 10.257/01, adequando-as aos princípios da segurança jurídica e da confiança. Pois o legislador não pode trazer surpresas ao co-titular do bem, com a criação de uma nova norma, pois estará aí lesando o direito de propriedade.

Ainda sobre o biênio lembram Farias e Rosenvald (2012, p. 467), que conforme entendimento plasmado no Enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho Nacional de Justiça Federal em novembro de 2011, a fluência do prazo de dois anos previsto pelo artigo 1.240-A, só terá início a partir da vigência da Lei. N. 12.424/2011.

O enunciado supracitado veio como forma de não surpreender o ex-cônjuge/ex-companheiro a quem se impute o abandono do lar. Logo, ainda que os laços afetivos foram extintos antes do advento da Lei n. 12.424, o usucapiente deverá esperar o lapso temporal que prevê o artigo 1.240-A, para só então invocar a nova modalidade de usucapir. E ainda, para não violar o princípio da segurança jurídica[8].

Insta ressaltar que a nenhuma lei é dada a possibilidade de retroagir ferindo um direito adquirido, nesse diapasão a norma sobre o usucapião familiar passará a valer somente para os casos em que ficar caracterizado o abandono de no mínimo dois anos a contar de 16 de junho de 2011, ou seja, aqueles que completem o biênio a partir de 16 de junho de 2013.

Então, o artigo 1.240-A ao trazer como um dos requisitos para essa modalidade, o abandono do lar, ele perquire a responsabilidade da dissolução do relacionamento, revivendo a culpa e imputando ao suposto culpado uma sanção.

Porém, como cediço, essa questão da discussão da culpa já está ultrapassada.

O entendimento de Mônica Guazzelli é de que esta nova modalidade plasmada no mencionado artigo, visa reafirmar o direito à moradia, constante no artigo 6º da CF/88. Confira-se:

A idéia do legislador não deixa de ser respeitável e representa, até mesmo, uma decorrência do princípio constitucional do uso social da propriedade, bem como da proteção da moradia como direito fundamental da pessoa humana. Com efeito, “a moradia digna é um direito humano positivado, portanto, um direito fundamental do cidadão”. (GUAZZELLI, M., Usucapião por abandono do Lar Conjugal: Repercussões no Direito de Família, Revista IBDFAM, nº 28, junho-julho/2012, p. 99)

Nesta mesma linha, Maria AglaéTedescoVilardo, entende também que a inserção do artigo 1.240-A no ordenamento jurídico veio como forma de proteger o direito a moradia, cumprindo assim, os preceitos da Constituição Federal.(VILARDO, M.A.T. Usucapião Especial e Abandono de Lar – Usucapião entre ex-casal, Revista IBDFAM, n27, abril-mai/2012)

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Em contrapartida, sobre a constitucionalidade da norma em comento, os professores Farias e Rosenvald (2012, p. 465) se posicionam no sentido de que o artigo 1.240-A padece de inconstitucionalidade, quandoafirmam que a referida norma é ineficaz diante da Constituição, quando reacende a questão da culpa no direito de família.

2.1              DO ABANDONO DO LAR

Abandono segundo o Novo Dicionário Aurélio: Abandonar: 1. Deixar, largar; 2. Deixar só, desamparar; 3. Renunciar a, desistir de; 4. Não se interessar por, não cuidar de; 5. Desprezar, menosprezar, desdenhar;

Logo, aquele que abandona o lar, deixa desamparado aquele que ficou no mesmo, não se interessa mais pelo matrimônio. Renunciou à relação.

A expressão abandono do lar está no Código Civil, quando trata da separação judicial e menciona que o abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo, pode caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida. Aliás, letra morta diante da jurisprudência que vinha ignorando esta culpabilidade e da Emenda Constitucional que admite o divórcio direto, conforme nova redação do art. 226, § 6, da CF. (VILARDO, M.A.T., Usucapião Especial e Abandono de Lar – Usucapião entre ex-casal, Revista IBDFAM, n27, abril-mai/2012, p. 49).

O abandono do lar, por largos anos fora elencado como um dos motivos ensejadores e caracterizadores da impossibilidade da vida em comum. O abandono do lar como motivo caracterizador da impossibilidade da comunhão de vida, segue equiparado, a exemplo, da tentativa de morte, que muito mais que um empecilho à vida conjugal, é ato repugnado pela sociedade, e ainda, tipificado no Código Penal como infração penal.

Observe o artigo 1.573 do Código Civil de 2002, in verbis:

Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:

I - adultério;

II - tentativa de morte;

III - sevícia ou injúria grave;

IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;

V - condenação por crime infamante;

VI - conduta desonrosa.

 Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.

Elencar o abandono do lar, como um requisito para impossibilidade de comunhão de vida ao lado da sevícia, tentativa de morte, dentre outros motivos alarmantes, se mostra um tanto quanto desarrazoado.

Frise-se ainda, que a jurisprudência brasileira já vinha se posicionando no sentido de que para a dissolução do casamento/união estável, basta tão somente a vontade de um dos cônjuges.

Sobre a adequação do artigo 1.240-A do CC/02 ao ordenamento jurídico, Maria Vilardo, ensina que:

Embora tenha sido resgatado o requisito abandono, não se pode utilizar o mesmo conceito do século passado. Para conferir legitimidade à lei devemos entender o abandono do lar como a saída do lar comum de um dos cônjuges e a seqüencial despreocupação com o dever de assistência ao cônjuge ou com o cuidado dos filhos (..) (VILARDO, M.A.T., Usucapião Especial e Abandono de Lar – Usucapião entre ex-casal, Revista IBDFAM, n27, abril-mai/2012, p. 50).

Em complemento a este entendimento, afirma a referia autora ainda:

O abandono do lar não pode ser interpretado conforme a lei que o criou no século passado. Deve ser interpretado no sentido de deixar a família ao desamparo podendo ser utilizado para conferir maior segurança àquele que ficou responsável pela prole e, por conseqüência, conferindo-lhe mobilidade para o caso de necessitar vender o imóvel comum, mesmo não havendo filho.(VILARDO, M.A.T., Usucapião Especial e Abandono de Lar – Usucapião entre ex-casal, Revista IBDFAM, n27, abril-mai/2012, p. 50).

No tocante a este requisito, embora boa parte da doutrina entenda que se mostrou como um retrocesso jurídico há aqueles que entendam que o que houve foi um erro do legislador, ao inserir no bojo da norma o requisito do abandono do lar. Entendem esta parte da doutrina, que embora o legislador quisesse elencar o requisito desamparo à família, editou, incorrendo em erro, abandono do lar, que traz apolemização deste.

Assim, compreende Douglas Phillips Freitas:

(..) entendo que houve atecnia na dicção da legislação naexpressão “abandonou o lar”, que, sem dúvidas, remeto o leitor ao instituto do “abandono familiar”. Porém, para efeitos de aplicação eficaz da norma deve ser lida como “separação de fato” e “abandono patrimonial” e os efeitos decorrentes destes institutos, onde, no primeiro, impõem-se o fim da comunicação patrimonial, e, no segundo, da perda do patrimonial, ambas situações previstas na lei. (FREITAS, Douglas Phillips. Usucapião e Direito de Família. Comentários ao art. 1240-a do Código Civil. JusNavigandi, Teresina, ano 16, nº 3005,23set.2011.Disponível em:http://jus.com.br/revista/texto/20060Acesso em: 07/11/2012)

Há, portanto, uma dualidade de posicionamento acerca do requisito abandono do lar.

2.2              DA EXTINÇÃO DA CULPA NO DIVÓRCIO

Culpa é segundo o Novo Dicionário Aurélio: Falta voluntária contra o dever; omissão; desleixo; causa de mal ou dano; imputação; delito, crime, pecado.

Mensurar culpa quando dos desenlaces amorosos, familiares, mostra-se muito delicado, e inviável, porque quando se fala em desamor esta investigação com o fito de achar um culpado, e mais, imputar a este uma sanção se mostra ainda mais daninha àquela relação falida.

Logo, se afigura perigoso, querer mensurar quem é culpado e quem é inocente quando se trata de relações amorosas, que envolvem sentimentos e o findar destes. Pois nem sempre é possível precisar quem deu margem a impossibilidade de continuidade de determinada relação. A investigação da culpa no âmbito conjugal, portanto, se mostra incompatível.

Como aduz Maria Berenice Dias:

A averiguação, identificação e apenação de um culpado só têm significado quando o agir de alguém coloca em risco a vida ou integridade física, moral, psíquica ou patrimonial de outra ou de outras pessoas, ou de algum bem jurídico tutelado pelo direito. Fora disso, não se encontram motivos que levem o Estado a perseguir culpados, e muito menos, tentar puni-los. A culpa sempre dispôs de espaço próprio no âmbito do direito penal. No direito comercial e no direito civil, cabe ser perquirida tão só na órbita obrigacional e contratual, em que o agir está ligado a um ato de vontade. (2011, p. 112)

Logo, na esfera do direito civil, mais precisamente, do direito das famílias, não cabe falar em culpa quando da dissolução de um matrimônio.

Conforme ensinam Gagliano e Pamplona Filho: “(...) Se o único fundamento para a decretação do divórcio é a falência afetiva da relação, afigura-se inteiramente desnecessária a aferição da culpa.” (2012, p.94).

Na mesma linha, segue Maria Berenice Dias:

Mas nada justifica a inserção da culpa no âmbito das relações familiares. A ideia sacralizada da família, considerada por muito tempo como uma instituição, sempre serviu de justificativa para buscar a identificação de um culpado pelo fim do casamento. A tentativa era desestimular a dissolução da família, intimidar os cônjuges para que não saíssem do casamento. Quando a lei permitia a inquirição de culpa ou impunha a identificação de culpados, acabava por aplicar penas no mais das vezes, de conteúdo econômico. (2011, p. 112) Grifos da autora.

Até porque no final de um relacionamento nem sempre é possível distinguir quem foi/é realmente o culpado pela dissolução do relacionamento.

A tendência no Direito de Família moderno, como ensinam Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 94), é no sentido de banir a exigência da culpa sempre que possível, eximindo este requisito para fins de consolidar efeitos jurídicos pessoais e patrimoniais, tanto na separação judicial, quanto no divórcio.

Sobre a dificuldade de romper laços afetivos sem querer responsabilizar aquele que deu um ponto final na relação Maria Berenice Dias afirma:

Ao longo da história do direito das famílias, o que se constata é a falta de sensibilidade do legislador com as especialidades da matéria familiar. Prefere ignorar que o bem jurídico tutelado é a dignidade das pessoas que compõem a família e acaba fazendo importação de institutos, como a culpa, que encontram em outros ramos do direito civil espaço mais propício à sua assimilação e aplicação. Essa postura punitiva sempre contou com um dado de ordem psicológica: a enorme dificuldade de qualquer pessoa de romper um vínculo que foi estabelecido para ser eterno. A separação abala a própria identidade da pessoa e é difícil aceitar o fim de uma união sem ceder à tentação de culpar e tentar punir quem tomou a iniciativa de, finalmente, pôr fim à infelicidade. Havia uma convergência de interesses na apenação de infratores, tanto que vários institutos perseguiam culpados e lhes aplicavam sanções. (Maria Berenice Dias apud Pedro Thomé de Arruda Neto, 2011, p. 113) Grifou-se.

O direito acompanha a evolução humana e, portanto, não poderiam os aplicadores do direito, continuar imputando sanções a um dos cônjuges quando do término do relacionamento. Se o relacionamento não tem mais razão de continuar, melhor evitar maiores transtornos, afastando-se um do outro.

Na esteira da mais avançada doutrina do direito brasileiro, outra não poderia ser a conclusão senão a de que não há mais qualquer sentido em se tentar buscar a existência de um culpado pelo fim do casamento (obviamente o mesmo serve para a união estável). Em princípio, é necessário que se reconheça que a ideia de culpa pelo fim do matrimônio é resultado da influência exercida pela Igreja Católica em nosso direito, o que se fortalece nesse caso pelo fato de ser o casamento também uma instituição eclesiástica. Não obstante, não se pode olvidar da contradição que está inserida nessa influência, já quea concepção contratual de casamento adotada pela Igreja concede mais importância à vontade dos cônjuges em casar-se (em detrimento da participação do Estado no casamento), mas a desconsidera quando o assunto é separação, permeando a dissolução do vínculo com a marca da culpa. Além da necessidade de que se conclua pelo abandono da influência da Igreja no que diz respeito à separação e o divórcio, é necessário que haja um foco diverso ao tratar essa situação. Nesse sentido, é preciso que se enfatize a ideia da separação em razão do fracasso conjugal e não porque um dos cônjuges ou ambos é/são culpados. Com efeito, essa noção vem sendo bem difundida pela doutrina e aceita por parte da jurisprudência, restando alguns de nossos dispositivos legais, principalmente do Código Civil de 2002, desatualizados e em descompasso com o modelo de família previsto pela Constituição da República de 1988. [GAGLIANO; PAMPLONA, 2012, p. 94 apud NAMIR SAMOUR – A irrelevância da culpa no fim do casamento]

Na sociedade de outrora a imputação da culpa era válida tão somente por conta do controle exercido pela Igreja Católica nas relações afetivas dos particulares. E mesmo com a falência afetiva, os casais continuavam convivendo para evitar esse estigma de divorciado, desquitado.

Hoje, não cabe mais imputação de culpa nestas situações que envolvem apenas instituições familiares, e pelo fato de a Igreja Católica não mais exercer controle nas relações dos particulares, não cabe mais a mantença de um relacionamento falido, apenas para não carregar o estigma de desquitado (a) / divorciado (a) /separado (a).

Na mesma linha, Maria Berenice Dias:

A família, cantada e decantada como cellulamater da sociedade é alvo da especial proteção do Estado. O interesse em preservar o casamento fez o instituto da culpa migrar para o âmbito do direito das famílias. Com o advento da EC 66/10, que deu nova redação ao art. 226 par. 6º, da CF, o descumprimento dos deveres do casamento não mais acarreta a imposição de sanções. Felizmente, o princípio da culpa foi abandonado como fundamento para a dissolução coacta do casamento. Mesmo quem dá causa à dissolução da sociedade conjugal não pode ser castigado. O ‘culpado’ não fica sujeito a perder o nome adotado quando do casamento. Somente no que diz com os alimentos persiste o instituto da culpa, pois são restritos à mantença do mínimo necessário para sobreviver, eis que não mais cabe ser questionada a responsabilidade pelo fim da união. (2011, p. 112) Grifos da autora.

Já restou demonstrado o descabimento de imputação de culpa a quem não possui mais afeto pelo outro/a, por ter evoluído a sociedade de tal maneira que conseguiu se desprender do poder, por vezes, coator que antes era exercido pela Igreja Católica.

Neste mesmo sentido, Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 95), lecionam que diante da possibilidade de o divórcio ser decretado apenas com a constatação da separação de fato por mais de dois anos, não há mais que se falar em apuração de eventual conduta embebida de culpa para só então ser decretada a separação judicial. Apontam também a importância de que, diante de uma sociedade mais prática, não mais é o casamento a única forma de entidade familiar reconhecido pelo ordenamento brasileiro, o que retira o interesse do Estado em querer preservá-lo de qualquer modo, muito menos querer sancionar o responsável pelo término deste. Logo, diante dos valores constitucionais que visam assegurar a manutenção da família, esta só se justifica quando as pessoas encontrarem no casamento ou na união estável verdadeira felicidade. Alertam ainda, que, ao pretender apurar a culpa na causa da separação, há visível agressão ao princípio da dignidade da pessoa humana, ao querer que os cônjuges discutam sua vida em juízo, devassando ali suas intimidades.

Os motivos que devem manter as relações afetivas tem de ser somente, o afeto atrelado à vontade de ambas as partes, fazendo valer assim o direito fundamental a liberdade. Manter um convívio diário somente para evitar uma sanção a ser imposta pelo Estado chega a ser irracional, e não mais condiz com a realidade da sociedade brasileira.

Logo, o Estado como mantenedor do seu povo acompanhou essa evolução histórica consagrando a Emenda Constitucional n. 66 de 2010, e retirou da dissolução do casamento/união estável a aferição da culpa.

O Estado não deve se imiscuir nas uniões, pois, mesmo que o faça como já o fez por longos anos, não chegará ao real culpado, se é que existe um único culpado pela falência do matrimônio.

Na jurisprudência brasileira, confiram-se os julgados que mesmo antes da desculpabilização da dissolução do casamento já não levava em consideração a aferição de culpa no divórcio:

EMENTA: SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA. EXAME DA CULPA. 1. Desaparecendo a afetividade, é forçoso reconhecer a falência do casamento, tornando imperiosa a dissolução da sociedade conjugal, pois ninguém pode ser obrigado a permanecer casado. 2. É difícil, senão impossível, aferir a culpa pelo desfazimento da união conjugal, pois, quando fenece o amor, torna-se dramático analisar o espólio da relação havida. 3. Em regra, cuida-se apenas da causa imediata da ruptura, desconsiderando-se que o rompimento é resultado de uma sucessão de acontecimentos e desencontros próprios do convívio diuturno, em meio também às próprias dificuldades pessoais de cada um. 4. Descabe cogitar do exame da culpa se dele não se extrai conseqüência jurídica imediata. Recurso desprovido. (Apelação cível 70028314870, TJRS, 7 câmara cível, Relator Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Data da decisão: 22.07.2009) 

DIVÓRCIO LITIGIOSO DIRETO - ANÁLISE DA CULPA - DISPOSIÇÕES ACERCA DE ALIMENTOS E PARTILHA DOS BENS. Com a adoção da Lei 7841/89, que modificou o art. 40, da Lei 6515/77, para que seja o divórciodireto decretado impõe-se tão-somente a comprovação do decurso do tempo (de dois anos) da separação de fato, descartada qualquer perquirição a respeito da causa da separação. (TJDFT - 20000150031060APC, Relator EDSON ALFREDO SMANIOTTO, 2ª Turma Cível, julgado em 19/02/2001, DJ 02/05/2001 p. 43)

Entretanto, a Jurisprudência brasileira acerca da discussão da culpa antes da Emenda Constitucional n.66 de 2010, não era pacífica. Confira-se:

RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO. PROVA INÚTIL E QUE FERE O DIREITO À PRIVACIDADE PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO. SEGURANÇA CONCEDIDA.

1. O direito líquido e certo a que alude o art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal deve ser entendido como aquele cuja existência e delimitação são passíveis de demonstração de imediato, aferível sem a necessidade de dilação probatória.

2. A culpa pela separação judicial influi na fixação dos alimentos em desfavor do culpado. Na hipótese de o cônjuge apontado como culpado ser o prestador de alimentos, desnecessária a realização de provas que firam seu direito à intimidade eprivacidade, porquanto a pensão não será aferida em razão da medida de sua culpabilidade (pensão não é pena), mas pela possibilidade que tem de prestarassociada à necessidade de receber do alimentando.

3. Recurso ordinário provido. (RMS 28336 / SP, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator (a) Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, julgado em 24/03/2009, DJe 06/04/2009).

Note que alguns julgadores levavam em conta o evento culpa, para sancionar aquele que não mais pretendia dar continuidade ao vínculo conjugal.

Como bem questionam Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 97), será que é possível afirmar que a culpa é apenas de um dos cônjuges, quando o amor acaba? É sobrecarregar o magistrado, fazendo com que o mesmo devasse a intimidade do casal, para então dizer quem é o detentor do cálice do mel da inocência, e ainda, quem possui a taça amarga da culpa.

Não é tarefa do juiz adentrar a intimidade do casal, até porque, se o fizer, não será capaz de precisar quando começou a ruir a relação conjugal, e muito menos as razões que a levaram à falência. E no âmbito amoroso, mais difícil ainda para o juiz, seria/é precisar a parcela de culpa de um dos cônjuges ou de ambos os cônjuges, e com isso fixar a sanção para aquele que não mais consegue conviver sob o mesmo teto do outro.

Sobre a Lei do divórcio e suas repercussões, amestram Gagliano e Pamplona Filho:

Em confronto com o sistema tradicional do revogado art. 317 do CC, a Lei do divórcio inovou substancialmente o direito brasileiro, em matéria de causas que autorizam o término da sociedade conjugal. Assim, de um lado, manteve a separação decretada como sanção às infrações de deveres conjugais fiel ao sistema divórcio-sanção. Ao mesmo tempo, aumentou as causas de separação sem o pressuposto culpa, pois, inspirado no direito alienígena, ampliou os casos de dissolução da sociedade conjugal como remédio para certas situações familiares, sem indagar se houve responsável ou culpado pelas mesmas. (GAGLIANO, PAMPLONA, 2012, p 97 apud Yussef Said Cahali – Divórcio e separação, p. 318)

Notável a evolução no direito de família, que traz novas possibilidades para o divórcio. E com isso, desentranhou da dissolução do matrimônio a imputação da culpa pelo fim do relacionamento.

Os aplicadores do direito não mais poderiam ser incumbidos da tarefa de perquirir culpa se infiltrando na intimidade do casal, e muito menos, a tarefa de imputar uma sanção a quem, a juízo dele enquanto aplicador do direito foi culpado da dissolução matrimonial.

Diante da inserção do artigo 1.240-A, resta clarividente sua incompatibilidade diante da Emenda Constitucional n. 66 de 2010 que implantou o divórcio direto, elencando como requisito formal para dissolução conjugal apenas a vontade de uma das partes.

2.3              REPRISTINAÇÃO E EFEITOS REPRISTINATÓRIOS

Repristinar é repor em vigor uma leirevogada, fazer vigorar de novo.[9]

É dizer, que uma lei anteriormente revogada por outra, volta a valer através de uma terceira que traz o seu conteúdo.

A repristinação pode ser compreendida como uma restauração, ou seja, uma forma de se voltar a uma passada estrutura ou situação jurídica.

No ordenamento jurídico brasileiro, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. A repristinação só é admitida se for expressa.

Conforme a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, anteriormente conhecida por Lei de Introdução ao Código Civil-LICC (vide Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010), não se aplica a repristinação no ordenamento jurídico brasileiro, conforme o inteiro teor do artigo 2º, in verbis:

Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

De acordo com Moraes, repristinação: “É o nome que se dá ao fenômeno que ocorre quando uma norma revogadora de outra anterior, que, por sua vez, tivesse revogado uma mais antiga, recoloca essa última novamente em estado de produção de efeitos.” (2008,p. 642).

No mesmo sentido é o conceito de Manoel Jorge e Silva Neto (2009, p. 148) ao conceituarem o fenômeno da repristinação como a restauração da eficácia da norma revogada pela revogação da norma lei revogadora.

Por outro lado, impende discorrer também acerca de um fenômeno conhecido por efeito repristinatório. Sobre a possibilidade de o legislador constituinte originário determinar, de modo, frise-se, expresso, o efeito repristinatório de norma infraconstitucional, ensinam Manoel Jorge e Silva Neto que existe, porém advertem ainda, os autores no sentido de que a repristinação e/ou os efeitos repristinatórios só serão admitidos quando houver explicitamente, cláusula normativa que a preveja expressamente, pois a repristinação jamais é presumida. (2009, p 148).

Acerca de restaurar lei anteriormente revogada, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, coadunam com o entendimento acima exposto, afirmando para tanto que só é possível proceder à restauração de lei outrora revogada quando a Constituição permitir expressamente, este fenômeno denomina-se repristinação. Ensinam também que não existe repristinação tácita (2007, p. 55).

Ou seja, ainda que haja um efeito repristinarório arraigado em norma infraconstitucional, este só pode vigorar se houver sua previsão, consequentemente, sua autorização expressa.

Confrontando o artigo 1.240-A com a Emenda Constitucional 66/10, Farias e Rosenvald, entendem haver ineficácia da referida norma infraconstitucional ante a aplicabilidade imediata da EC 66/10, pois resta patente incompatibilidade com o texto constitucional. Confira-se:

Via de consequência, ao inserir dentre os requisitos da usucapião o abandono voluntário e injustificado do lar por parte de um dos cônjuges ou companheiros, a Lei n. 12.424/11, resgata a discussão da infração aos deveres do casamento ou união estável. Vale dizer, em detrimento da liberdade e da constatação do fim da afetividade, avalia-se a culpa e a causa da separação, temáticas que haviam sido abolidas pela referida EC, cuja eficácia é imediata e direta, não reclamando a edição de qualquer norma infraconstitucional. Se as normas anteriores a EC n. 66/10 não mais são recepcionadas pelo ordenamento, certamente as posteriores – como a que ora se discute – podem ser reputadas como ineficazes perante a ordem constitucional. Destacou-se. (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 465)

Da intelecção do artigo 1.240-A do Código Civil de 2002, verifica-se em seu texto uma incompatibilidade com a Carta Maior quando da reinserção da culpabilidade nos litígios que envolvam a dissolução de um enlace conjugal. E esta ineficácia a que se referem os supracitados autores é justamente a ineficácia diante da reinserção da culpabilização no âmbito do direito de família, que se mostra incompatível com a EC 66/10.

Indicando como um dos requisitos para usucapir um imóvel na modalidade urbana especial – familiar, o abandono do lar, o artigo 1.240-A do CC/02 retoma a ultrapassada inquirição da culpa na dissolução do matrimônio.

Este requisito vai de encontro à Emenda Constitucional nº 66 de 2010, que ao implantar o divórcio direto, aniquilou a investigação do evento culpa, quando se tratar de dissolução das relações matrimoniais (casamento/união estável).

Conquanto não seja usual quando da elaboração de um trabalho de monografia, a suscitação de uma ideia original, a pesquisa culminou no entendimento de que há um efeito repristinatório implícito arraigado no cerne da norma em comento.

Implícito, porque conforme destacado alhures, ainda que seja possível haver o efeito repristinatório, este deve vir de maneira expressa no conteúdo da norma infraconstitucional, porém, no artigo 1.240-A do CC/02 o legislador editou o requisito abandono do lar, sem se preocupar com a problemática inserida de forma implícita na letra da lei.

Não há até o momento, posicionamento duotrinário acerca do efeito repristinatório suscitado, no entanto, da intelecção do artigo 1.240-A, extraiu-se a existência deste efeito, quando a supramencionada norma traz à baila a discussão da culpa no âmbito do direito de família, que como já observado, foi extirpada da seara do direito de família através da Emenda Constitucional nº 66 de 2010.

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Sobre a autora
Stephanie Lais Santos Pena

Graduanda em Direito em Salvador (BA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PENA, Stephanie Lais Santos. Aspectos inconstitucionais da usucapião familiar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3571, 11 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24163. Acesso em: 19 abr. 2024.

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