O sistema prisional brasileiro, na sua estrutura organizacional, passa por uma crise profunda. De tal sorte que o princípio basilar da dignidade da pessoa humana parece inexistir nas celas lotadas por criminosos habituais, ocasionais e passionais, no mesmo ambiente, impossibilitando a recuperação e afastando a possibilidade de ressocialização.
O Estado assumiu um poder intervencionista que tenta criminalizar quase todas as condutas humanas, indo contrariamente aos princípios da intervenção mínima e da fragmentariedade do Direito Penal. Essa “penalização da vida” foi uma das causas da ineficácia estatal para garantir o controle social e a ressocialização dos seus apenados.
A audiência pública do STF sobre a substituição de pena em regime semiaberto por prisão domiciliar, diante da impossibilidade do Estado fornecer vagas para o cumprimento no regime originalmente estabelecido na condenação penal, será um marco na forma do Estado produzir o direito porque não se curvará às emoções populares, mas ao amplo debate de especialistas e conhecedores profundos da temática. Crê-se que será o caminho uma Execução Penal Práxica. Deve-se entender a Execução Penal Práxica como o cumprimento integral e material do que prevê a Lei para garantia do controle social e ressocialização dos apenados[1].
A Lei 7.210/84, de 11 de julho de 1984 (LEP), prescreve, no seu artigo 91 que “a Colônia Agrícola, Industrial ou Similar destina-se ao cumprimento da pena em regime semi-aberto”. Mas quantos estabelecimentos deste tipo temos no Brasil? Pouquíssimos! Vejam a contradição da função estatal: criminaliza quase todas as ações humanas – como se isso fosse resolver o problema – e não cria a estrutura necessária, prevista em lei, para o cumprimento da pena.
A prisão domiciliar, como descreve o Art. 317 do CPP, consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial. Já a LEP, no seu Art. 117, traz que “somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I - condenado maior de 70 (setenta) anos; II - condenado acometido de doença grave; III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV - condenada gestante”.
Observe-se a importância que terá a decisão do STF sobre o RE 641.320, que tem como relator o Ministro Gilmar Mendes. Será decidido sobre a possibilidade do cumprimento de pena em regime semiaberto por prisão domiciliar, diante da impossibilidade de o Estado fornecer vagas para o cumprimento no regime originalmente estabelecido na condenação penal, enquanto não existir estabelecimento destinado ao regime semiaberto que atenda todos os requisitos da LEP. O Estado, na sua função jurisdicional, atuando ativamente, e em função da ineficácia administrativa, referente à execução da pena, poderá mudar uma regra de todo o sistema penal brasileiro.
Vale citar, integralmente, a motivação dada pelo Ministro Gilmar Mendes para convocação da audiência pública:
Tendo em vista as consequências que a decisão desta Corte terá em relação a todo o sistema penitenciário brasileiro, com inevitáveis reflexos sobre os atuais regimes de progressão prisional; os questionamentos que essa discussão poderá suscitar em relação à individualização e à proporcionalidade da pena e ao tratamento penitenciário, que impõe o estrito cumprimento da Constituição, de pactos internacionais e da Lei de Execuções Penais; bem como a necessidade de se conhecer melhor as estruturas e condições dos estabelecimentos destinados, em todo o país, aos regimes de cumprimento de pena e às medidas socioeducativas CONVOCO Audiência Pública... (MENDES, 2013, p. 02).
Caso a Suprema Corte brasileira decida favoravelmente, teremos uma mudança radical no sistema penitenciário, como prevê o Ministro Relator. O Estado, na sua função administrativa, pela ineficácia, poderá/deverá arcar com a forma de monitoramento dos que possivelmente possam ser beneficiados com esta decisão, já que “o juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando determinar a prisão domiciliar” (Art. 146-B, IV da LEP).
Destarte, não restam dúvidas de que a decisão favorável, possibilitando o cumprimento de pena em regime semiaberto por prisão domiciliar, nos termos tratados na audiência pública, marcará o Brasil, como sempre tem marcado, pelo posicionamento firme e probo da Suprema Corte em casos polêmicos, mobilizará o Poder Executivo e Legislativo para que atentem para suas funções; e garantirá, mesmo no estado caótico em que permanecem os estabelecimentos prisionais, a possibilidade dos que tenham cometido crimes de menor potencial delitivo permanecerem o contato com a comunidade familiar e social, o que nos faz imaginar a possibilidade de sociabilização.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Presidência da República. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 mar. 2013.
______. Presidência da República. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 10 mar. 2013.
______. Presidência da República. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm>. Acesso em: 10 mar. 2013.
MOREIRA, Juvimário Andrelino. Controle social e ressocialização: uma crítica à luz da Lei nº 7.210/84. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3475, 5 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23366>. Acesso em: 11 mar. 2013.
Nota
[1] Leia-se http://jus.com.br/revista/texto/23366/controle-social-e-ressocializacao-uma-critica-a-luz-da-lei-no-7-210-84.
. Controle Social e Ressocialização: uma crítica à luz da Lei 7.210/84 para uma melhor compreensão do conceito. Disponível em: