3 Definição de assédio sexual
Assediar quer dizer perseguir com insistência, importunar, molestar, com perguntas ou pretensões insistentes. Assédio significa insistência inoportuna junto de alguém com perguntas, propostas ou pretensões.
As principais características do assédio sexual são as seguintes: a) envolve necessariamente a conduta sexual; b) essa conduta não pode ser consentida pelo assediado, pois havendo consentimento dos assediados não existirá assédio; c) deve haver abuso para tentativa de obter o favor sexual; d) o ato pode ocorrer tanto uma vez como ser habitual. Voltaremos a tratar no ponto 4.4 da caracterização do assédio sexual.
A liberdade sexual pode ser definida como o “direito de disposição do próprio corpo ou de não ser forçado a praticar ato sexual”.[10]
Para a caracterização do crime de assédio sexual é necessário que a conduta do assediador extrapole a barreira da razoabilidade, traduzindo em pressões ou ameaças com o fim de obter favorecimento sexual do assediado. É uma pressão de um superior no trabalho para obter favores sexuais do subalterno. Para Ernesto Lippman[11] é o “pedido de favores sexuais pelo superior hierárquico, com promessa de tratamento diferenciado em caso de aceitação e/ou ameaças, ou atitudes concretas de represálias no caso de recusa, como a perda do emprego, ou de benefícios.”
Portanto, simples elogios ou galanteios acompanhados de certas sutilezas comuns entre os povos, principalmente latinos, não caracterizam o assédio sexual.
3.1 Evolução legislativa
Em 1977, surgiu nos Estados Unidos da América a primeira legislação sobre a matéria, estando atualmente regularizada em vários países, definindo como chantagem ou clima de intimidação, de humilhação ou hostilidade.
No Brasil, anteriormente à regulamentação, o assédio sexual era tido apenas como constrangimento ilegal, previsto no art. 146 do Código Penal, sendo um crime de menor potencial ofensivo, podendo ser julgado nas varas do Juizado Especial Criminal. Não existia nenhuma punição específica para o crime de assédio sexual nas leis penais ou trabalhistas.
Movimentos feministas ligados a grupos de trabalhadores lutaram pela criminalização do assédio sexual, objetivo somente alcançado com a Lei nº. 10224/2001, cujo projeto foi apresentado por Iara Bernadique, Benedita da Silva e Marta Suplicy, que acrescentou ao CP o artigo abaixo:
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Podemos conceituar assédio sexual como o pedido de favores sexuais pelo superior hierárquico, com promessa de tratamento diferenciado em caso de aceitação e/ou ameaças, ou atitudes concretas de represálias no caso de recusa, como a perda de emprego, ou de benefícios.
Portanto, para a caracterização do assédio sexual no âmbito das relações de trabalho, é necessário passar pela verificação do comportamento do empregador ou dos prepostos que, abusando da autoridade inerente à função ou condição, pressiona o empregado com fins de obtenção ilícita de favores. Ressalte-se que meros galanteios ou simples comentários de admiração, ainda que impróprios, se exercidos sem qualquer tipo de pressão, promessa ou vantagem, não configuram o assédio para efeitos de reprimenda.
O assédio sexual é uma forma de abuso de poder no ambiente de trabalho. Conforme veremos adiante, existem dois tipos de assédio sexual: chantagem (é o tipo criminal previsto pela Lei 10.224/01) e intimidação (intenção de restringir, sem motivo, a atuação de alguém ou criar uma circunstância ofensiva ou abusiva no trabalho).
3.2 Espécies
A doutrina majoritária aponta duas espécies: assédio sexual por chantagem e assédio sexual por intimidação.[12]
A primeira pressupõe, necessariamente, abuso de poder por parte do empregador ou de preposto seu, sendo marcada pelo uso ilegítimo do poder hierárquico.
A segunda viola o direito a um meio ambiente de trabalho sexualmente sadio, tendo como características as incitações sexuais inoportunas, solicitações sexuais ou outras manifestações do mesmo caráter com o único objetivo de prejudicar ou criar uma situação hostil, de intimidação ou abuso no ambiente em que se tem a prática do ilícito penal, não se revelando importante o poder hierárquico oriundo da subordinação jurídica do empregado ao seu empregador, isto é, poderá ser praticado por companheiro de trabalho da vítima, ambos na mesma posição hierárquica na empresa.
3.3 Traços distintivos entre assédio sexual e assédio moral
O assédio moral demonstra-se por meio de várias maneiras: harcèlement, na França; bullying, na Inglaterra; mobbing, nos EUA; e psicoterror laboral, acoso moral, na Espanha.
No Brasil, alguns Estados e Municípios já estão tratando o assédio moral com rigor, mas foi somente em outubro de 2001 que saiu a primeira decisão condenatória:
ASSÉDIO MORAL – CONTRATO DE INAÇÃO – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – A tortura psicológica, destinada a golpear a auto-estima do empregado, visando forçar sua demissão ou apressar sua dispensa através de métodos que resultem em sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis, sonegar-lhes informações e fingir que não o vê, resultam em assedio moral, cujo efeito é o direito à indenização por dano moral, porque ultrapassa o âmbito profissional, eis que minam a saúde física e mental da vitima e corrói a sua auto-estima. No caso dos autos, o assedio foi alem, por que a empresa transformou o contrato de trabalho em contrato de inação, quebrando o caráter sinalagmático do contrato de trabalho, e por consequência, descumprindo a sua principal obrigação que é a de fornecer trabalho, fonte de dignidade do empregado” (TRT 17ª Reg. - RO 1315.2000.00.17.00.1 – Ac 2276/2001 – Rel. Juíza Sônia das Dores Dionízio – Revista LTR 66-10/1237).
Os Tribunais estão cientes das variadas formas que o assédio moral pode assumir, de maneira que estão reconhecendo-as e punindo-as. Vejamos:
Dispensar o empregado é direito potestativo do empregador. Não se admite, porém, que lance mão habitualmente da ameaça da utilização desse direito para pressionar o empregado, visando o aumento de produção. Ao assim agir, inclusive submetendo o empregado a comentários humilhantes e vexatórios sobre sua produção e capacidade, configura-se o assédio moral, passível de indenização, pois afeta diretamente a dignidade do trabalhador e a sua integridade psíquica e até física, violando princípio fundamental da Constituição da República (art. 1o, III da C.F.). DJMG DATA: 24-07-2004 PG: 14.
Quando o empregador obriga o seu empregado a submeter-se a exame psiquiátrico além do regular e periódico, sugerindo que ele seja portador de
doença mental, acatando indicação do superior hierárquico motivada na suspeita de um comportamento "arredio e calado" que é atribuído ao obreiro, este empregador ultrapassa os limites de atuação do seu poder diretivo para atingir a dignidade e a integridade física e psíquica do empregado. DJMG DATA: 07-08-2004 PG: 11
Não há como negar que o fantasma do desemprego assusta. Ao contrário da figura indefinida e evanescente que povoa o imaginário popular, ele é real. O receio de perder o emprego deixa marcas profundas e às vezes indeléveis nos trabalhadores que sofrem o assédio moral, aqui caracterizado pela atitude patronal que, durante cerca de um ano, lembrou e exaltou aos seus empregados que a dispensa estava iminente. DJMG DATA: 27-10-2004 PG: 10.
Configura-se situação de assédio moral o constrangimento de subordinada a carinhos não solicitados e indesejados, no ambiente de trabalho, associado à cobranças públicas de regularização de situação financeira particular e dissociada da empresa. O valor da indenização por danos morais deve atender não apenas a reparação, mas também o critério pedagógico e o critério punitivo. Majoração para R$ 50.000,00. (Processo: 00967.013/00-3 RO. Data de Publicação:09/06/2003).
O assédio moral sucede da atitude deliberada e continuada de um perverso cujo objetivo é ridicularizar, menosprezar, inferiorizar a vítima e afastá-la de seu ambiente de trabalho, diminuindo sua auto-estima, ferindo o seu prestígio e sua confiança profissional e isolando-a do grupo de trabalho. O terror psicológico dentro da empresa, que configura o assédio moral, é manifestado através de comunicações verbais e não-verbais, como gestos, suspiros, levantar de ombros, insinuações, zombarias, que visam desestabilizar emocionalmente o empregado, humilhá-lo, constrangê-lo, indo do seu intencional isolamento dos demais colegas, numa “sala de castigos”, por exemplo, por não haver alcançado a meta de vendas, a atos que forçam seu pedido de demissão e até, em casos extremos, o suicídio. No entanto, a realidade diária se encarrega de demonstrar outras situações que também dão ensejo ao assédio moral.
Outra forma de violência psicológica que não se confunde com o assédio moral é o assédio sexual, na qual o assediador pratica atos de forma a atingir a vítima na sua liberdade sexual, ou seja, é uma violação ao princípio de livre disposição do próprio corpo. Assim se manifesta a jurisprudência:
EMENTAS: 1. ASSÉDIO MORAL. PERSEGUIÇÃO PATRONAL. AUSÊNCIA DE PROVA. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. O assédio moral pode ser conceituado como o abuso praticado no ambiente de trabalho, de forma anti-ética, intencional e maliciosa, reiterado no tempo, desvinculado da conotação sexual ou racial (que configuram hipóteses com definições específicas, quais seja, assédio sexual e racismo, respectivamente), com o intuito de constranger o trabalhador, através de ações hostis praticadas por empregador, superior hierárquico ou colega de trabalho, que causem intimidações, humilhações, descrédito e isolamento, provocando na vítima um quadro de dano físico, psicológico e social. Sua natureza é predominantemente psicológica, atentando sempre contra a dignidade da pessoa humana. O assédio moral alegado pelo demandante se deveu a supostas represálias da empresa (marcação por superiores, isolamento, coação para renunciar à estabilidade, e final dispensa quando estava doente) a partir do momento em que na condição de membro da CIPA denunciou que era servida comida estragada no refeitório. Nada disso foi provado. A refeição era fornecida por empresa terceirizada, e o problema de qualidade foi detectado uma só vez. 2. FALSIFICAÇÃO DE ATESTADO. JUSTA CAUSA E LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ CONFIGURADAS. Já a falta grave alegada pela reclamada encontra amparo na prova. Inequívoca a entrega de atestados falsos, sendo negados os atendimentos sequer constantes de prontuário, ou recusados, por falsos, pelos supostos emitentes. Um dos médicos jamais clinicou emSão Paulo e atuava no Rio de Janeiro na área de dermatologia, não sendo razoável que tivesse atestado problema de coluna do autor. Procedimentos criminais já foram instaurados a respeito, caindo por terra as pretensões de reverter a justa causa ou obter indenização por dano moral inexistente. Caracterizada a má fé por parte do autor. Sentença mantida. (TRIBUNAL: 2ª Região ACÓRDÃO NUM: 20090424250 DECISÃO: 26 05 2009 TIPO: RO01 NUM: 01687 ANO: 2009 NÚMERO ÚNICO PROC: RO01 - 01687-2007-373-02-00-9 RECURSO ORDINÁRIO TURMA: 4ª ÓRGÃO JULGADOR - QUARTA TURMA).
3.4 Traços distintivos entre assédio sexual e abuso sexual
É didática a lição do ilustre Valentin Carrion[13] sobre o tema, em seus “Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho”:
“O assédio sexual se distingue do abuso sexual. O primeiro se baseia na sedução; o segundo, na violência. O assédio é de várias espécies: a) o fatal (o assediado carece de proteção; não dispõe de mecanismos de proteção; a relação é desigual e sem margem para o exercício da liberdade); b) comportamental (o assediador manipula seu comportamento de modo a torná-lo atrativo ao assediado, com promessa de vantagens ou melhorias; trata-se de chantagem); c) ameaçador (coação por ameaça de algum malefício); o assédio pode consistir em iniciativas verbais e não físicas. O assédio só se configura quando há uso do poder como forma de obter favores sexuais; quando a troca é consentida não há assédio; simplesmente o(a) empregado(a) aderiu à proposta e cedeu, em troca bilateral de interesses recíprocos.”
3.5 Caracterização
A mera tentativa de sedução não pode ser confundida com a perseguição sexual, pois em face da natureza humana, é praticamente impossível afastar o interesse sexual das relações de trabalho e em qualquer outro tipo de relação. O flerte ou a popular “cantada” não configura assédio sexual, havendo decisões da Justiça trabalhista na direção de que “frase grosseira do superior hierárquico, com conotação sexual, não configura hipótese de assédio”.[14]
Vejamos as ementas abaixa transcrita:
Ementa : - Não existindo promessa de vantagem ou ameaça de prejuízo, em câmbio de sexo, não se pode cogitar de assédio sexual, no âmbito das relações de trabalho, pois o intuito de sedução, que é inato ao ser humano, por si só não implica reparação, em caso de resistência, uma vez que a subsistência da espécie humana - abstraída a hipótese da clonagem - depende dos acasalamentos. Recurso ordinário acolhido parcialmente. (PROC. TRT-RO-413/02 (01075-2002-906-06-00-7 ).
ASSÉDIO SEXUAL: DESCARACTERIZAÇÃO - "Nenhum ser humano é imune ao amor, à chamada "química da atração e a seus mistérios bem como às ações "humanas" que daí derivam. Somente o seu exercício abusivo ou com significativo potencial ofensor a outrem pode alcançar a instância indenizatória aqui pleiteada e outras na esfera penal (também buscadas pela autora, mas, ao que parece, sem êxito). "Cantadas" civilizadas, na maioria das vezes implícitas em convites para sair, sem nenhuma conotação desvelada de sexo, sem coação ou qualquer ameaça de violência, e/ou sob condição constrangedora que pudessem embaraçar, envergonhar ou expor a suposta vítima perante terceiros, por si só, não caracterizam assédio sexual e sim mero interesse de conquista (inquietude do deus Eros), não se podendo olvidar, enfim, que as pesquisas revelam crescente números de homens e mulheres que já tiveram envolvimento com colegas de trabalho que resultaram até mesmo em casamento." (TRIBUNAL: 2ª Região ACÓRDÃO NUM: 20070756230 DECISÃO: 30 08 2007 TIPO: RO01 NUM: 00287 ANO: 2004 NÚMERO ÚNICO PROC: RO01 - 00287-2003-055-02-00-6 RECURSO ORDINÁRIO TURMA: 1ª ÓRGÃO JULGADOR - PRIMEIRA TURMA).
Leciona Luiz Flávio Gomes[15] que “é preciso bom senso para distinguir o constrangimento criminoso do simples flerte, do gracejo, da 'paquera'. Nem toda abordagem é assédio.”
São os seguintes os elementos caracterizadores do assédio sexual: a) sujeitos: agente (assediador) e destinatário (assediado); b) conduta de natureza sexual; c) rejeição à conduta do agente; d) reiteração da conduta.[16]
A superioridade hierárquica do assediante é indispensável, podendo ser o chefe, um funcionário superior, sócio da empresa ou mesmo um cliente. Sendo fundamental possuir o assediador poderes para influenciar na carreira ou nas condições de trabalho: dispensas, transferências, perda de promoções, de referências, etc. É importante lembrar que existem casos de assédio sexual envolvendo pessoas do mesmo nível hierárquico.
Vale ressaltar que para que se configure o assédio sexual, há, necessariamente, que haver resistência por parte da pessoa assediada em relação ao comportamento do assediador, pois deve ser caracterizado o constrangimento daquela frente às atitudes desse.
3.6 Prova
As vítimas de assédio têm grandes dificuldades de provar o fato, porque o ato que o caracteriza, em regra, não ocorre de forma pública. Assediador e assediado geralmente estão a sós. Esclarece Marie-France Hirigoyen[17]:
“A agressão não se dá abertamente, pois isso poderia permitir um revide; ela é praticada de maneira subjacente, na linha da comunicação não-verbal: suspiros seguidos, erguer de ombros, olhares de desprezo, ou silêncios, subentendidos, alusões desestabilizantes ou malévolas, observações desabonadoras.”
Esta peculiaridade já foi percebida pela jurisprudência nacional:
DANO MORAL – ASSÉDIO SEXUAL. "O assédio sexual é um ato que, pela sua própria natureza, se pratica secretamente. Portanto, a prova direta dificilmente existirá. Por conseguinte, os Tribunais têm levado em conta a conduta similar do agente, como forma de prova indireta. Comprovado que o agente agiu da mesma maneira em relação a outras possíveis vítimas, demonstrando um comportamento desvirtuado da normalidade, o assédio sexual restará admitido. No caso dos autos, entretanto, a conduta reiterada do agente não restou comprovada. Não há qualquer elemento de prova, mesmo a indireta, que corrobore as assertivas da reclamante, razão pela qual não se pode atribuir ao empregador a responsabilidade que a autora pretende lhe imputar”. (TRT 3ª R. – RO 8.051/98 – 4ª T. – Rel. Luiz Otávio L. Renault – DJMG)
EMENTA: ASSÉDIO SEXUAL - CARACTERIZAÇÃO E PROVA. A prova do assédio moral é primordialmente indireta. A linguagem do assédio sexual é corporal porque se vale de meios primários de comunicação não verbalizados, tais como olhares, gestos, posturas e comportamentos, que dentro do contexto cultural são vistos ou entendidos como representativos de apelo sexual (TRIBUNAL: 3ª Região DECISÃO: 08 08 2008 TIPO: RO NUM: 01325 ANO: 2006 NÚMERO ÚNICO PROC: RO - 01325-2006-091-03-00-9 TURMA: Terceira Turma).
As provocações devem ser demonstradas de maneira irrefutável para se permitir a punição do autor e indenização da vítima. Os meios de prova devem ser conservados para apresentação na Justiça do Trabalho, de forma a possibilitar a comprovação da conduta do assediador, permitindo a posterior indenização por danos morais ou ainda a rescisão indireta do contrato de trabalho.
E-mails, cartas, bilhetes, roupas rasgadas, dentre outros são tidos como os melhores meios de prova. No entanto, devido à dificuldade em se provar o assédio sexual, os tribunais do trabalho têm valorizado enormemente o depoimento do empregado assediado em consideração ao princípio da hipossuficiência do empregado, mas, destaque-se, não deve ser tomada como única prova base do assédio:
ASSÉDIO SEXUAL. PROVA. Assédio sexual que não se reconhece por falta de prova. São insuficientes os depoimentos do pai e do namorado da alegada vítima, ouvidos como informantes. (TRT 4ª região – RO nº 96.021151-9 – Rel. Juíza Maria Joaquina Carbunck Schissi – in www.trt.04.gov.br).
3.7 Repercussões no contrato de trabalho
3.7.1 Rescisão indireta do contrato de trabalho
Ocorre por ato do empregado quando o empregador descumpre alguma cláusula do contrato de trabalho. Afirma a doutrina que os atos faltosos do empregador decorrem da violação de três direitos fundamentais: direito ao respeito à pessoa física e moral, sendo abarcados por este último o decoro e o prestígio; direito à tutela das condições essenciais do contrato; e a observância pelo empregador das obrigações que constituem a contraprestação da prestação do trabalho.
A CLT estabelece as hipóteses em que é possível a rescisão indireta do contrato de trabalho:
Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
O entendimento predominante é no sentido de que se o empregador é o autor do assédio sexual ou outro superior hierárquico, o obreiro pode requerer a rescisão indireta do contrato de trabalho.
Na análise de Maurício Delgado Godinho[18], o assédio sexual, entendido como ato ofensivo praticado pelo empregador, pode ser considerado como atentatório às alíneas 'a', 'e' ou 'f' do artigo acima transcrito. Ou seja, o empregador deverá praticar atos contrários aos bons costumes ou alheio ao contrato ou lesivos à honra e boa fama, bem como à integridade física. É necessário que a conduta do agente seja grave, estando presentes o dolo ou a culpa para justificar a imediata resolução do contrato de trabalho.
Em suma, para a caracterização de um dos permissivos legais para a rescisão indireta do contrato de trabalho, é vital a existência de circunstância bastante para inviabilizar a continuidade do vínculo, sendo grave a tal ponto que torna inconciliável a manutenção do contrato.
Vejamos o que diz a jurisprudência:
EMENTA: Rescisão indireta. Assédio sexual. Ausência de provas. Não havendo como se tipificar a conduta do “assistente da gerência” como de assédio sexual, não só porque os fatos narrados não foram provados, como também, ainda que se admitisse que realmente aconteceram, estes não se deram de forma continuada a caracterizar a perseguição, resultando num estado de sujeição ou intimidação das vítimas, não há como reconhecer a existência de qualquer motivação para rescisão indireta dos contratos de trabalho das reclamantes. Recurso Patronal a que se dá provimento para afastar a rescisão indireta dos contratos de trabalho das autoras, considerando que não restou provado nos autos o “assédio sexual noticiado”, devendo, consequentemente, serem excluídos da condenação, os títulos de avisos prévios, 13ºs proporcionais, férias proporcionais mais 1/3, FGTS mais 40% e indenizações por danos morais, remanescendo, apenas, a baixa nas CTPS's com as datas de 20.09.01 e a liberação das guias do FGTS no código pertinente. PROC. N.º 00201-2003-906-06-00-7 (RO)
EMENTA: ASSÉDIO SEXUAL - RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PELOS ATOS DO PREPOSTO - PROVA INDICIÁRIA - Ao empregador incumbe a obrigação de manter um ambiente de trabalho respeitoso, pressuposto mínimo para a execução do pacto laboral. A sua responsabilidade pelos atos de seus prepostos é objetiva (art. 1.521, III, do CC e Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal), presumindo-se a culpa. A prova dos atos atentatórios da intimidade da empregada é muito difícil, pois geralmente são perpetrados na clandestinidade, daí porque os indícios constantes dos autos têm especial relevância, principalmente quando apontam para a prática reiterada do assédio sexual com outras empregadas. Tal conduta tem como conseqüência a condenação em indenização por danos morais (art. 5o., X, da CR/88) e a rescisão indireta do contrato de trabalho (art. 483, e, da CLT). (TRIBUNAL: 3ª Região DECISÃO: 18 06 2002 TIPO: RO NUM: 4269 ANO: 2002 NÚMERO ÚNICO PROC: RO - 00081-2002-075-03-00 TURMA: Quinta Turma).
3.7.2 Justa causa para extinção do contrato de trabalho
Conceitua-se justa causa como um efeito gerado de ato ilícito ou contratual, implícito ou explícito que possibilita ao empregador a rescisão do contrato sem ônus.
A prática de assédio sexual pode ensejar a justa causa para a rescisão do contrato de trabalho. A jurisprudência e a doutrina pátrias têm enquadrado o assédio como incontinência de conduta ou mau procedimento, ou ainda, como ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa própria ou de outrem.
ASSÉDIO SEXUAL. TIPIFICAÇÃO COMO INCONTINÊNCIA DE CONDUTA. REQUISITOS. O assédio sexual grosseiro, rude e desrespeitoso e concretizado em palavras ou gestos agressivos, já fere a civilidade mínima que o homem deve à mulher, principalmente em ambiente sociais de dinâmica rotineira e obrigatória, é que nestes ambientes (trabalho, clube etc.) o constrangimento moral provocado é maior, por não poder a vítima desvencilhar-se definitivamente do agressor. (TRT 3ª Reg. RO 2211/94, Rel. Maurício José Godinho Delgado, MG II de 23.04.94, p.91).
JUSTA CAUSA. ASSÉDIO SEXUAL. INCONTINÊNCIA DE CONDUTA. CONFIGURAÇÃO. O ASSÉDIO SEXUAL NO ÂMBITO TRABALHISTA ENCONTRA-SE TIPIFICADO COMO INCONTINÊNCIA DE CONDUTA PREVISTA NA ALÍNEA B DO ARTIGO 482 CONSOLIDADO HIPÓTESE AUTORIZADORA DA DISPENSA POR JUSTA CAUSA ANTE O USO DO PODER PELO ASSEDIADOR PARA OBTER FAVORES SEXUAIS DE OUTRAS EMPREGADAS NO LOCAL DE TRABALHO TOLHENDO SUAS VÍTIMAS DO EXERCÍCIO DE SUA LIBERDADE. RECURSO IMPROVIDO(TRIBUNAL: 21ª Região ACÓRDÃO NUM: 29.564 DECISÃO: 09/11/1999 TIPO: RO NUM: 00398 ANO: 1997 NÚMERO ÚNICO PROC: RO - TURMA: TP).
Segundo Dorval de Lacerda[19], a incontinência de conduta é definida como “procedimento do indivíduo que traduz uma vida irregular o bastante para, por isto, fazer-lhe perder a respeitabilidade e, sobretudo, sendo empregado, a confiança imprescindível do contrato de trabalho”.
Em 1999, a Deputada Iara Bernadi apresentou à Câmara dos Deputados o projeto de lei nº. 62 que modifica, em parte, os arts. 482, 483 e 468 da CLT, incluindo a prática de assédio sexual a trabalhador como justa causa para rescisão indireta de contrato de trabalho, possibilitando que a vítima pleiteie a devida indenização e/ou mudança de local de trabalho