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Práticas comerciais no CDC: pagamento dos pontos extras em TV por assinatura no Brasil

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21/05/2013 às 15:36

Resumo:


  • As práticas comerciais no Código de Defesa do Consumidor visam proteger os consumidores de abusos por parte das empresas fornecedoras, especialmente no que diz respeito à cobrança de pontos extras em televisão por assinatura.

  • Os contratos de adesão são caracterizados por cláusulas preestabelecidas unilateralmente pelo fornecedor, limitando a capacidade do consumidor de discutir ou modificar o conteúdo do contrato.

  • Nos contratos de massa, as cláusulas abusivas são comuns, garantindo vantagens unilaterais para o fornecedor, diminuindo suas responsabilidades e transferindo riscos para os consumidores, que muitas vezes aceitam tais condições sem pleno conhecimento ou capacidade de negociação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2 OS CONTRATOS DE ADESÃO

Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo parceiro contratual economicamente mais forte (fornecedor), ne varietur, isto é, sem que o outro parceiro (consumidor) possa discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito.

O contrato de adesão é oferecido ao público em um modelo uniforme, geralmente impresso, faltando apenas preencher os dados referentes à identificação do consumidor-contratante, do objeto e do preço. Assim, aqueles que, como consumidores, desejarem contratar com a empresa para adquirirem produtos ou serviços já receberão pronta e regulamentada a relação contratual, não poderão efetivamente discutir, nem negociar singularmente os termos e condições mais importantes do contrato.

Dessa forma, limita-se o consumidor a aceitar em bloco (muitas vezes sem sequer ler completamente) as cláusulas, que foram unilateral e uniformemente pré-elaboradas pela empresa, assumindo, assim, um papel de simples aderente à vontade manifestada pela empresa no instrumento contratual massificado. O elemento essencial do contrato de adesão, portanto, é a ausência de uma fase pré-negocial decisiva, a falta de um debate prévio das cláusulas contratuais e sim, a sua predisposição unilateral, restando ao outro parceiro a mera alternativa de aceitar ou rejeitar o contrato, não podendo modificá-lo de maneira relevante. O consentimento do consumidor manifesta-se por simples adesão ao conteúdo preestabelecido pelo fornecedor de bens ou serviços.

Podemos destacar como características do contrato de adesão:

1) a sua pré-elaboração unilateral;

2) a sua oferta uniforme e de caráter geral, para um número ainda indeterminado de futuras relações contratuais;

3) seu modo de aceitação, onde o consentimento se dá por simples adesão a vontade manifestada pelo parceiro comercial economicamente mais forte.

2.1 As cláusulas abusivas nos contratos de massa

O fenômeno da elaboração prévia e unilateral, pelos fornecedores, das cláusulas dos contratos possibilita aos empresários direcionar o conteúdo de suas futuras relações contratuais com os consumidores como melhor lhes convém. As cláusulas contratuais assim elaboradas não têm, portanto, como objetivo realizar o justo equilíbrio nas obrigações das partes, ao contrário, destinam-se a reforçar a posição econômica e jurídica do fornecedor que as elabora.

Não é raro, portanto, que contratos de massa contenham cláusulas que garantam vantagens unilaterais para o fornecedor que as elaborou, diminuindo os seus deveres em relação ao consumidor, exonerando-o de responsabilidades, diminuindo assim seus riscos e minimalizando os custos de uma futura lide. Assim, por exemplo, as cláusulas referentes às obrigações do fornecedor em caso de inadimplemento total ou parcial terão como objetivo, geralmente, limitar ao máximo estas obrigações, limitar a responsabilidade contratual do fornecedor, transferi-la a terceiros ou fixar sanções indevidas para o caso de rescisão por parte do consumidor.

São as chamadas cláusulas abusivas, as quais incluídas em contratos de adesão ou em condições gerais dos contratos vão ser oferecidas à aceitação pelos consumidores. Poderíamos perguntar porquê o consumidor aceitaria contatar sob tais condições que lhe são tão gritantemente desfavoráveis.

Em verdade, a maioria dos consumidores que concluem contratos pré-redigidos, o fazem sem conhecer precisamente os termos do contrato. Normalmente, o consumidor não tem a oportunidade de estudar com cuidado as cláusulas do contrato, seja porque ele as receberá só após concluir o contrato, seja porque elas se encontram disponíveis somente em outro local, seja porque o instrumento contratual é longo, impresso em letras pequenas e em uma linguagem técnica, tudo desestimulando a sua leitura e colaborando para que o consumidor se contente com as informações gerais (e nem sempre totalmente verídicas) prestadas pelo vendedor. Assim, confiando que o fornecedor cumprirá, pelo menos, o normalmente esperado naquele tipo de contrato, ele aceita as condições impostas, sem plena consciência de seu alcance e de seu conteúdo.

Mesmo que o consumidor tenha oportunidade de inteirar-se plenamente do conteúdo contratual, lendo com calma as cláusulas pré-contratuais redigidas, ainda assim pode vir a aceitar as cláusulas abusivas, ou porque a cláusula estava redigida de maneira a dificultar a compreensão de seu verdadeiro alcance para uma pessoa sem conhecimentos jurídicos aprofundados, ou porque o consumidor necessita do bem ou serviço oferecido.

Por causa dessa fragilidade do consumidor que a vigência do Código de Defesa do Consumidor, trouxe nova visão acerca das relações contratuais, passando a priorizar o interesse público e o bem comum.

2.2 Relativização dos contratos no direito do consumidor

Na questão contratual, nossa memória privatista pressupõe que, quando vemos o contrato, assistimos ao aforismo que diz pacta sunt servanda, posto que no direito civil essa é uma das características contratuais, com fundamento na autonomia da vontade.

Quando nos referimos às relações contratuais privatistas, o que se faz é uma interpretação objetiva de um pedaço de papel com palavras organizadas em proposições inteligíveis e que devem representar a vontade subjetiva das partes que estavam lá, na época do ato da contratação, transmitindo o elemento subjetivo para aquele mesmo pedaço de papel. E, uma vez que tal ato foi feito, pacta sunt servanda, isto é, os pactos devem ser respeitados.

Acontece que isto não serve para as relações de consumo. Esse esquema legal privatista para interpretar contratos de consumo é completamente equivocado, porque o consumidor não senta à mesa para negociar cláusulas contratuais. Ele simplesmente vai ao mercado e adquire produtos regulados por contratos de adesão.

Portanto, com a vigência do Código de Defesa do Consumidor, que trouxe nova visão acerca das relações contratuais, passando a priorizar o interesse público e o bem comum, a aplicação do princípio pacta sunt servanda não se mostra mais revestido de caráter absoluto. Havendo desequilíbrio entre as partes contratantes, impõe-se a revisão do contrato.

Havendo desequilíbrio entre as partes contratantes impõe-se a revisão do contrato em favor da parte hipossuficiente, excluindo-se as cláusulas abusivas e ilegais e restabelecendo-se o equilíbrio contratual, já que no momento em que o pacto foi celebrado não restava outra alternativa ao consumidor senão a de aceitar o contrato de adesão.

Um bom exemplo da aplicação da relativização do pacta sunt servanda é a revisão contratual de financiamento de veículos automotivos, dos quais consta a cobrança da Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) e da Tarifa de Análise de Crédito (TAC), cláusulas consideradas abusivas.

Outro exemplo pertinente é a revisão de contratos bancários.


3 TV POR ASSINATURA NO BRASIL

A origem da TV a Cabo está ligada à combinação de uma série de fatores. Nos primeiros anos a TV via cabo era um serviço de distribuição dirigido basicamente ao atendimento das necessidades de pequenas comunidades do interior dos EUA, que não recebiam os sinais de TV ou que recebiam muito mal as imagens. O cabo eliminou o problema de recepção de canais abertos e ampliou os serviços de televisão.

Os primeiros sistemas de TV a Cabo surgiram em 1948, em áreas remotas dos Estados da Pensilvânia e Oregon, nos EUA. No Brasil, o primeiro sistema de distribuição de sinais de TV via cabo de que se tem notícia surgiu na cidade de São José dos Campos, em São Paulo, em 1976, com a implantação de um sistema de cabos que distribuía os sete canais abertos de VHF. Hoje esse serviço tem cerca de 2.000.000 (dois milhões) de assinantes e deverá chegar, nos próximos 5 anos, a 7.000.000 (sete milhões) de assinantes.

Com a implantação e exploração dos serviços de TV a Cabo, tornou-se necessária a regulamentação desse serviço, o qual se encontra hoje regulado pela Lei 8.977/95, Decreto 2.206/97 e Portaria 256/97 do Ministério das Comunicações.O serviço de TV a Cabo pode ser definido como o serviço de telecomunicações que consiste na distribuição de sinais de vídeo e/ou áudio, a assinantes, mediante transporte por meios físicos. 

Essa distribuição de sinais, contida na definição do serviço de TV a Cabo, compreende programas de vídeo e/ou áudio similares aos oferecidos por emissoras de radiodifusão, bem como de conteúdo especializado e que atendam a interesses específicos, contendo informações meteorológicas, bancárias, financeiras, culturais, de preços e outras que possam ser oferecidas aos assinantes do serviço.

Inclui-se, outrossim, na definição do serviço de TV a Cabo a interação necessária à escolha de programação e outros pertinentes ao Serviço, tais como aquisição de programas pagos individualmente, tanto em horário previamente programado pela operadora como em horário escolhido pelo assinante. A exploração do serviço de TV a Cabo no Brasil somente poderá ser realizada por pessoa jurídica de direito privado que tenha como atividade principal a prestação deste serviço, que tenha sede no Brasil e que pelo menos cinqüenta e um por cento do capital social com direito a voto seja pertencente a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou, ainda, à sociedade cujo controle pertença a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos.

Estabelece, ainda, a legislação brasileira, que não poderão participar do processo de licitação as pessoas jurídicas que, já sendo titulares de concessão do serviço TV a Cabo, (i) não tenham iniciado a operação do serviço no prazo legal - que é em principio de 18 meses a contar da data da publicação do ato de outorga, (ii) que tenham tido as suas concessões cassadas, (iii) aquelas das quais faça parte algum sócio ou cotista que tenha pertencido aos quadros societários de empresas enquadradas nas condições anteriormente descritas, ou ainda (iv) aquela cuja direção seja exercida por pessoa física que goze de imunidade parlamentar ou foro especial.

Assim, após verificadas as condições mínimas legais necessárias à participação no processo de licitação, impõe-se a seguinte questão: Como uma empresa poderá demonstrar a sua intenção em explorar os serviço de TV a Cabo. A empresa interessada deverá solicitar ao Poder Executivo para que seja iniciado o processo de outorga de concessão para o serviço de TV a Cabo em determinada área do País. Esse processo de outorga, saliente-se, poderá também ser iniciado pelo Poder Executivo, independentemente de solicitação.

3.1 PONTOS EXTRAS EM TV POR ASSINATURA

A vedação da cobrança de pontos extras está estabelecida pela ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações desde abril de 2009.

Insta primeiramente esclarecer de que se trata o ponto extra. De acordo com o Art. 2º, X, do Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura (grifo nosso), ponto extra é ponto adicional ao ponto principal, de acesso à programação contratada, ativado no mesmo endereço do ponto principal do Assinante.

A ANATEL regulou a matéria com a RESOLUÇÃO Nº 528 (grifo nosso), de 17 de abril de 2009. Ela estabelece:

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Art. 29. A programação do Ponto-Principal, inclusive programas pagos individualmente pelo Assinante, qualquer que seja o meio ou forma de contratação, deve ser disponibilizada, sem cobrança adicional, para Pontos-Extras e para Pontos de Extensão, instalados no mesmo endereço residencial, independentemente do Plano de Serviço contratado.

Art.30. Quando solicitados pelo Assinante, a Prestadora pode cobrar apenas os seguintes serviços que envolvam a oferta de Pontos-Extras e de Pontos de Extensão:

I - instalação; e

II - reparo da rede interna e dos conversores/decodificadores de sinal ou equipamentos similares.

§1º A cobrança dos serviços mencionados neste artigo fica condicionada à sua discriminação no documento de cobrança, conforme definido nos arts. 16 e 17 deste Regulamento.

§2º A cobrança dos serviços mencionados neste artigo deve ocorrer por evento, sendo que os seus valores não podem ser superiores àqueles cobrados pelos mesmos serviços referentes ao Ponto-Principal (grifos nossos).

De modo a dirimir qualquer dúvida que ainda possa existir quanto a ilegalidade da cobrança de aluguel de ponto extra em televisão por assinatura, a ANATEL publicou em março de 2010 uma nota de esclarecimento sobre os pontos extras, transcrita in verbis:

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) decidiu, em 18/3/2010, editar Súmula para explicitar interpretação sobre aspectos relativos ao ponto-extra contido no Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura. Pela decisão, torna-se mais claro o entendimento de que a prestadora somente poderá cobrar pelo equipamento e pelos serviços de instalação e manutenção do ponto-extra.

A manutenção e instalação só podem ser cobradas por evento. Quanto ao equipamento, a prestadora poderá ofertá-lo por meio de comodato, que é gratuito, ou de venda, aluguel, ou outra forma onerosa comercialmente aceita, que deverá ser necessariamente negociada com o assinante. Assim, a eventual cobrança do equipamento depende do modelo de negócios de cada prestadora.

A Súmula esclarece ainda que todos os contratos em vigor, inclusive os anteriores à Resolução 528/2009, devem observar as regras sobre o ponto-extra. Não será obrigatória a repactuação dos contratos, uma vez que as cláusulas que contrariem o Regulamento não têm validade. Eventuais mudanças propostas pela prestadora dependem de aceitação pelo assinante.

Todos os valores relativos a aluguel ou outra contratação onerosa de equipamentos de ponto-extra pagos desde abril de 2009 (data da Resolução nº 528/2009) que não tenham sido previamente anuídos pelo assinante DEVEM SER DEVOLVIDOS EM DOBRO, COM CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS LEGAIS. Qualquer outra cobrança periódica relativa ao ponto-extra é vedada e também está sujeita ao ressarcimento citado.

Em todos os casos, a Anatel atuará de forma a coibir eventuais violações aos direitos do assinante e o abuso do poder econômico (grifos nossos).

Segundo a norma, a programação do ponto principal, inclusive programas pagos individualmente pelo assinante, deve ser disponibilizada, sem cobrança adicional, para pontos extras instalados no mesmo endereço residencial, independentemente do plano de serviço contratado. A prestadora pode cobrar apenas pelos serviços de instalação e de reparo da rede interna e dos conversores/decodificadores de sinal, ou equipamentos similares.

A cobrança de aluguel de equipamento caracteriza verdadeiro mascaramento de algo proibido. As prestadoras não pode cobrar mensalmente pelo aluguel de equipamentos, pois se trata de forma disfarçada e inadmissível de cobrança de ponto extra (grifo nosso).

Após a edição da Resolução n. 528, da ANATEL, em 17/04/2009, não é mais possível a cobrança, a qualquer título, de taxa adicional para pontos extras e pontos de extensão instalados no mesmo endereço residencial, independentemente do plano de serviço contratado. Todos os valores pagos a partir da data da Resolução, a título de cobrança mensal por ponto extra, devem ser restituídos em dobro (grifo nosso).

Não se justifica, realmente, a cobrança de ponto adicional, uma vez que para a utilização do ponto extra a operadora se utiliza do mesmo recurso tecnológico aplicado ao ponto principal, tratando-se apenas de distribuição interna do sinal por meio de divisores e receptores, pelo que sua cobrança se caracteriza como abusiva e geradora de enriquecimento sem causa (grifo nosso).

O tema já está consolidado, sendo ampla a jurisprudência pátria a respeito do tema. Verdadeira lição sobre o assunto aqui tratado pode ser encontrada no voto do M.M. Dr. Eugênio Facchini Neto, por ocasião do julgamento do Recurso Inominado nº 71002463255, na data de 08/07/2010, em que foi negado provimento ao recurso, por maioria, retratando a vedação da cobrança de aluguel do ponto extra:

"Rogando vênia ao relator, especialmente diante do fato que seu voto faz referência a idêntico posicionamento anteriormente adotado pelo signatário, ouso divergir.

De fato, até poucos meses atrás, sistematicamente adotava idêntico posicionamento ao do relator, pois entendia que, embora o fornecimento de ponto extra ao consumidor não acarretasse permanente ônus financeiro à empresa fornecedora, a utilização do segundo ponto, no interior da mesma residência, acarretava um evidente e indisfarçável benefício para o consumidor. O mais evidente é o fato de que dois moradores da mesma residência poderem assistir a canais e programas diversos, simultaneamente. Essa evidente vantagem para o consumidor - embora não acarretasse despesas para a fornecedora (salvo a inicial instalação e fornecimento da aparelhagem necessária, serviços pelos quais poderia cobrar) - tem valor econômico e, num regime de liberdade econômica e contratual, poderia ser cobrada ao consumidor aderente. Na época, a legislação permitia tal cobrança - ou ao menos não a vedava - e, na ausência de legislação proibitiva, a estipulação contratual era suficiente para que pudesse ser cobrado pelo uso do segundo ponto extra.

Todavia, a situação normativa foi alterada em 17 de abril de 2009, quando a ANATEL editou a Resolução n. 528, inovando a regulação do setor, alterando a redação dos arts. 29 e 30 do Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura, aprovado pela Resolução n.488/2007. A nova redação do art. 29 passou a ter a seguinte redação: "A programação do ponto-principal, inclusive programas pagos individualmente pelo Assinante, qualquer que seja o meio ou forma de contratação, deve ser disponibilizada, sem cobrança adicional, para pontos-extras e para pontos-de-extensão, instalados no mesmo endereço residencial, independentemente do plano de serviço contratado". Já o art. 30 do mesmo regulamento passou a referir que apenas serviços de instalação e de reparo da rede interna poderiam ser cobrados do consumidor.

Diante da polêmica que posteriormente surgiu, com a resistência das fornecedores de TV a cabo, a ANATEL resolveu, em 18 de março de 2010, editar uma Súmula, fazendo publicar uma "nota de esclarecimento sobre ponto-extra", a fim de deixar "mais claro o entendimento de que a prestadora somente poderá cobrar pelo equipamento e pelos serviços de instalação e manutenção do ponto-extra". Referiu, também, que "a manutenção e instalação só podem ser cobradas por evento", culminando por esclarecer que "todos os valores relativos a aluguel ou outra contratação onerosa de equipamentos de ponto-extra pagos desde abril de 2009 (data da Resolução n. 528/2009) que não tenham sido previamente anuídos pelo assinante, devem ser devolvidos em dobro".

Tratando-se de normas claras, editadas pelo órgão que tem competência legal delegada para regular o setor, e considerando, também, que tal regulamentação vem em benefício dos consumidores, considerados o elo vulnerável das relações de consumo, entendo que não deve o Judiciário manter interpretações que se choquem com o entendimento da agência reguladora e que prejudiquem o consumidor.

Por tal razão, rogo vênia ao nobre relator para dele divergir, a fim de manter integralmente a sentença, por seus próprios fundamentos, nos termos do art. 46, parte final, da Lei 9.099/95. 

VOTO, pois, por NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. (grifos nossos)

Observe-se também esse julgado da Terceira Câmara Recursal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. TELEVISÃO POR ASSINATURA (TV A CABO). COBRANÇA DE PONTO ADICIONAL. ILEGALIDADE. RESOLUÇÃO 528/ANATEL, DE 17.04.2009, E NOTA DE ESCLARECIMENTO DE 18.03.2010. 

Após a edição da Resolução n. 528, da ANATEL, em 17.04.2009, não é mais possível a cobrança, a qualquer título, de taxa adicional para pontos extras e pontos de extensão instalados no mesmo endereço residencial, independentemente do plano de serviço contratado. Todos os valores pagos a partir da data da Resolução, a título de cobrança mensal por ponto extra, devem ser restituídos em dobro.” (grifo nosso)

A cobrança pelo fornecimento de ponto adicional da TV a cabo em uma mesma residência é abusiva e ilegal, visto que para a operadora inexistem custos a serem repassados para o consumidor (grifo nosso). Ainda que a legislação esclareça que o serviço deva ser prestado sob forma de concessão, não impõe a adoção de regime jurídico de direito público, admitindo que os preços e condições de remuneração sejam determinados pelo regime de direito privado, marcado pela livre concorrência, conforme sustentam as empresas grandes empresas concessionárias do serviço.

Ainda assim, a fixação do preço deve respeitar limites, tais como aqueles impostos implicitamente pelo Código de Defesa do Consumidor. Note-se também que o artigo 30, II, da Lei nº8.977/951 prevê a cobrança dos serviços prestados, ou seja, é possível se exigir o pagamento de determinado preço, mas apenas mediante contraprestação.

Nesse contexto, em se tratando de serviço de transmissão de dados, com envio de sinais de vídeo e áudio, a captação e utilização por mais de um aparelho, numa só residência, não implica em qualquer prestação adicional de serviços que imponha cobrança periódica mensal.

A cobrança por pontos adicionais em uma mesma residência não corresponde, portanto, a qualquer nova prestação de serviços, com o que sua cobrança corresponde à prática abusiva vedada pelo Código de defesa e proteção ao consumidor (incisos IV e XV do art. 51 e ainda os incisos I e II do § 1º desse mesmo dispositivo). Sua cobrança deve ser restituída em dobro ao consumidor, na forma do Art. 42, parágrafo único do CDC.

Art. 42.  Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

Nesse sentido tem se direcionado o Poder Judiciário. Veja-se: 

“RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. NET COMBO. FATURAS COM VALORES INTEGRAIS DO SERVIÇO. NET VIRTUA. NET LAR. PONTOS ADICIONAIS. CANCELAMENTO DOS SERVIÇOS. SOMENTE SERVIÇO DE NET TV QUE CONTINUOU A SER UTILIZADO. COBRANÇAS QUE CONTINUARAM SENDO EMITIDAS APÓS A SOLICITAÇÃO DE CANCELAMENTO DOS SERVIÇOS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS CONCEDIDA NO VALOR DE R$ 3.000,00, QUE COMPORTA REDUÇÃO PARA SE ADEQUAR AO PARAMETRO UTILIZADO PELA TURMA NAS INDENIZAÇÕES CONCEDIDAS EM CASOS SEMELHANTES. 1. Descabe a cobrança por "ponto extra de televisão a cabo instalado na residência do autor, pois não se verifica prestação adicional de serviço pela ré a ensejar a cobrança de valores do consumidor. 2. Não há novo serviço passível de cobrança porque o cabo por onde é fornecido o sinal já se encontra instalado para levá-lo até o aparelho televisor, no apartamento do consumidor. O sinal, portanto, já possui entrada para o interior da residência do autor; o canal para isso preexiste ao pretendido ponto adicional. Inexiste, pois, exigência de nova instalação física para disponibilizar o sinal, este já está acessível dentro da residência da parte autora. 3. Com efeito, não há embasamento legal para a cobrança de ponto adicional de televisão a cabo, devendo tais valores ser extirpados das faturas do demandante. A Resolução528/2009, de 22.04.2009, da ANATEL, decidiu proibir definitivamente a cobrança pelo ponto extra da TV por assinatura (conforme se dessume de seus artigos 29 e 30, expressamente citados na sentença), sendo que a própria Resolução 488/07 da mesma Agência Reguladora já apontava nesse sentido. 4. Para reforçar a posição no sentido de ser indevida a cobrança em testilha, cabe ser registrado que já tramita, há algum tempo, o Projeto de Lei 346/05 do Senado Federal, que visa instituir o § 3º no artigo 26 da Lei 8.977/95, para proibir expressamente a cobrança de adicional pela disponibilidade do serviço de TV a Cabo, quando instalado em pontos adicionais ou pontos extras de demanda de sinal para cada usuário individual num único domicílio. Referido projeto já conta com parecer aprovado na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalizaçção e Controle, apresentando como justificativa que,"(...) a despeito dos custos iniciais de instalação, que, claro, têm que ser ressarcidos, não faz sentido a cobrança pelo uso continuado dos pontos extras. Pois, afinal, o usuário de TV a Cabo é contratante de uma prestação de serviços que chegam ao seu domicílio, podendo, à vontade do contratante, serem distribuídos conforme seu interesse de uso. (citação contida no voto diretor da apelação nº 7.152.066-0, da 13ª Câmara de Direito Privado, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, j. 27.03.2009, por unanimidade, constando em sua ementa o seguinte: "AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Serviços de TV a Cabo (TV por assinatura). Cobrança por ponto adicional. Discussão sobre a legalidade. Natureza dos serviços prestados. Justa expectativa do consumidor que adquire tais serviços em deter opção de entretenimento, pouco importando em que local de sua residência irá assistir a programação ou se o fará de forma conjunta ou separadamente dos integrantes do núcleo familiar. Inexistência de serviços prestados adicionalmente pela instalação dos pontos. Serviços que não são mensurados como a energia elétrica. Abusividade da cobrança. Existência de projeto de lei que, com base nesta justificativa, proíbe expressamente a cobrança. Impossibilidade da imposição de tais valores e necessidade de restituição dos valores pagos indevidamente pelos consumidores. Sentença reformada. Apelação provida). Com base no artigo 42 do CDC, devem-se restituir em dobro os valores cobrados indevidamente pela prestadora de serviços. 5. Danos morais ocorrentes, que derivam da própria conduta ilícita da empresa recorrente, que incluiu, nas faturas mensais, valores referentes a pontos adicionais. Desse modo, está caracterizado o dano in re ipsa, ou seja, derivado do próprio ato ofensivo. A indenização por dano moral possui funções satisfatórias, procurando, muito mais, a recompensa pela dor e sofrimento causados do que a restituição integral à ofensa causada. 6. O valor de R$ 3.000,00, arbitrado em primeira instância, mostra-se elevado aos parâmetros utilizados pelas Turmas Recursais, razão pela qual fica reduzido para R$ 1.500,00. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. (Recurso Cível Nº 71002393049, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Luís Francisco Franco, Julgado em 26/01/2010). (grifos nossos)

REPARAÇÃO DE DANOS. CONSUMIDOR. TELEVISÃO POR ASSINATURA (TV A CABO). COBRANÇA DE PONTO ADICIONAL. ILEGALIDADE. RESOLUÇÃO 528/ANATEL, DE 17.04.2009, E NOTA DE ESCLARECIMENTO DE 18.03.2010. Após a edição da Resolução n. 528, da ANATEL, em 17.04.2009, não é mais possível a cobrança, a qualquer título, de taxa adicional para pontos extras e pontos-de-extensão instalados no mesmo endereço residencial, independentemente do plano de serviço contratado. Todos os valores pagos a partir da data da Resolução, a título de cobrança mensal por ponto extra, deve ser restituída em dobro. A NET e congêneres somente poderá cobrar pelo equipamento e pelos serviços de instalação e manutenção do ponto-extra, por evento (reparos, por exemplo), e não em bases mensais. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (Recurso Cível Nº 71002463255, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 08/07/2010) (grifos nossos).

Como se vê, a questão é de direito. Folga-se em saber que, pelo menos aqui e acolá alguma agência reguladora cumpre seu papel de fiscalizar e coibir abusos.

Entretanto, verifica-se que ainda resta muito a se fazer, uma vez a prática abusiva em estudo ainda é muito utilizada, e os órgãos de fiscalização não a estão coibindo de modo pleno. Desse modo, fica prejudicado direito do consumidor, uma vez que existem poucas empresas fornecedoras do serviço e todas elas se utilizam das mesmas práticas abusivas, ferindo o direito à livre concorrência.

A proteção à concorrência não é um fim em si mesmo, mas constitui instrumento que, fundado no princípio da igualdade, visa preservar as forças no mercado (grifo nosso).

É impossível se aventar uma legislação que almeje reprimir o abuso do poder econômico, protegendo a concorrência, sem que haja mecanismos de controle dos atos potencialmente geradores de determinada lesão jurídica. E sendo assim, é que a lei 8.884/94 cria conceitos e toda uma estrutura administrativa estatal visando a defesa da ordem econômica e repressão do abuso de poder econômico, ao passo em que estabelece tipificação de condutas, normas procedimentais, critérios de avaliação, dentre outras disposições.

Tanto a Secretaria de Direito Econômico (SDE), quanto o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), ambos vinculados ao Ministério da Justiça, desempenham papéis de primeira grandeza no âmbito da prevenção do abuso de poder econômico e defesa da concorrência. A SDE possui dentre outras competências as de fiscalização, investigação e de opinião ao CADE. Já à esta última autarquia, compete o processamento e julgamento administrativo decidindo sobre a existência de infração à ordem econômica, determinar providências destinadas à cessação da infração, aprovar termos de compromissos de desempenho, dentre as demais competências elencadas no artigo 7º da Lei 8.884/94.

Cabe, portanto, aos referidos órgãos, fiscalizar as empresas para garantir que haja uma livre concorrência no setor, e não poucas empresas que se utilizam das mesmas práticas abusivas, como vem ocorrendo na atualidade.

Concluímos esclarecendo que o fato de haver previsão contratual autorizando a cobrança do ponto extra não conduz ao efeito esperado pela empresa fornecedora, porquanto a cláusula abusiva não é infensa ao controle judicial.

Nessa toada, deve ser invocado o art. 51 do CDC, que dispõe que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.

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Sobre o autor
Flávio Honorato Queiroga

Advogado. Graduado em Direito pela UFPB. Pós-Graduando em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior de Advocacia da Paraíba - ESA/PB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROGA, Flávio Honorato. Práticas comerciais no CDC: pagamento dos pontos extras em TV por assinatura no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3611, 21 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24482. Acesso em: 19 dez. 2024.

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