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Práticas comerciais no CDC: pagamento dos pontos extras em TV por assinatura no Brasil

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21/05/2013 às 15:36
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A cobrança por pontos adicionais em uma mesma residência não corresponde a qualquer nova prestação de serviços, com o que sua cobrança corresponde à prática abusiva vedada pelo Código de Defesa do Consumidor.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1 PRÁTICAS COMERCIAIS NO CDC. 1.1 Oferta. 1.2 Publicidade. 1.3 Práticas comerciais abusivas. 2 OS CONTRATOS DE ADESÃO. 2.1. As cláusulas abusivas nos contratos de massa. 2.2 Relativização dos contratos no direito do consumidor . 3 TV POR ASSINATURA NO BRASIL. 3.1 Pontos extras em tv por assinatura. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS CITADAS. REFERÊNCIAS CONSULTADAS. 


INTRODUÇÃO

O presente artigo jurídico tratará das práticas comerciais no Código de Defesa do Consumidor, especialmente no que diz respeito à cobrança de pontos extras em televisão por assinatura.

O presente estudo será de grande relevância, na medida em que permitirá um maior conhecimento acerca de práticas comerciais abusivas ao consumidor que vêm sendo praticadas indiscriminadamente por grandes empresas fornecedoras de canais de televisão por assinatura no Brasil. Caracterizando os pontos extras por ser algo relativamente novo na sociedade brasileira e que está em flagrante crescimento, bem como, por consistir em mais uma forma de abuso dos direitos do cidadão consumidor, possibilitando à coletividade o reconhecimento dessa prática que prejudica milhões, os quais não fazem ideia de que estão sendo lesados.

Explorar a cobrança de taxas de ponto extra, feita por empresas fornecedoras de televisão por assinatura, sob a luz da Lei nº 8078/90, e como tal ato afeta consumidores brasileiros que ignoram a previsão legislativa sobre a temática e na divergência jurisprudencial e lacuna doutrinária que possam esclarecer tais dúvidas.

Como a maioria das relações de consumo atuais, o consumidor não discute cláusula alguma no momento da contratação do serviço, ele só pode aderir. Fica limitado a examinar as condições previamente estabelecidas pelo fornecedor, e pagar o preço exigido, dentro das formas de pagamento também prefixadas. Entretanto, o problema surge quando o fornecedor estabelece cláusulas abusivas no contrato de adesão, e o consumidor desconhece seus direitos.

A informação está ligada ao princípio da moralidade, é de extrair daí o conteúdo ético necessário que deve pautar a informação fornecida. E ele é o valor ético fundamental da verdade. A informação não pode faltar com a verdade daquilo que informa de maneira alguma, quer seja por afirmação, quer seja por omissão. Nem mesmo manipulando frases, sons e imagens para, de maneira confusa ou ambígua, iludir o destinatário da informação.

Entretanto, na prática, não é isso que acontece, vemos as operadoras de televisão por assinatura dissimulando informações para cobrar taxas irregulares de ponto-extra. Utilizando formas disfarçadas de cobrança, com nomenclaturas diversas, tais como “aluguel de equipamento”.

Além disso, ainda há outro problema por trás da polêmica do ponto extra – a pouca concorrência no setor. A concorrência é uma das formas de garantir benefícios para os consumidores quanto à qualidade da programação, do serviço e dos preços. Mas no Brasil, ela não existe nesse setor, basta vermos os altos valores cobrados pelas prestadoras.

Verifica-se, portanto, grave descumprimento das leis reguladoras dos direitos dos consumidores.

Nesse diapasão pretender-se-á, de um modo geral, fazer um estudo acerca das práticas comerciais à luz da lei nº. 8.078/1990, a fim de se demonstrar a eficiência da norma que aponta sua definição, formas de reconhecimento, peculiaridades processuais e sanções.

Com relação à natureza da pesquisa, esta revelar-se-á dogmático-instrumental, vez que será desenvolvida com base no texto legal que trata das práticas comerciais no CDC, o qual será perscrutado sob a ótica das normas basilares do direito consumerista e o entendimento dos tribunais; com exposição da diversa doutrina existente sobre a temática, buscando constantes inovações e posicionamentos dos juristas. No que tange ao método de abordagem, será utilizado o método dedutivo, com o fito de se reconhecer a abusividade da prática de cobrança de ponto-extra em televisão por assinatura.

Como etapa finalizadora do estudo, as informações apreendidas serão sistematizadas em um texto reflexivo e crítico versando sobre o tema explorado, que deverá significar uma contribuição teórica para futuros estudos a este tema relacionados.


1 PRÁTICAS COMERCIAIS NO CDC

A sociedade de consumo é uma realidade inegável. Mas, muito mais que uma realidade puramente acadêmica ou abstrata, é um fenômeno que afeta a vida de todos os cidadãos. E, como tal, merece a atenção do Direito, não com o intuito de reprimi-la, mas apenas para colocá-la a serviço do interesse público. Sendo ela, a um só tempo, fruto de um processo de produção e de um processo de comercialização, impõe-se ao Direito a tarefa de cuidar de ambos.

As práticas comerciais estão no próprio âmago do Direito do Consumidor. Sua visibilidade, complexidade e mutabilidade – informadoras da sociedade de consumo – representam um desafio extraordinário para o legislador. Segundo J. M. Sidou, o jurista pioneiro em defesa do consumidor no Brasil, “o que deu dimensão enormíssima ao imperativo cogente de proteção ao consumidor, ao ponto de impo-se como tema de segurança do Estado no mundo moderno, em razão dos atritos sociais que o problema pode gerar e ao Estado incube delir, foi o extraordinário desenvolvimento do comércio e a consequente ampliação da publicidade, do que igualmente resultou, isto sim, o fenômeno desconhecido dos economistas do passado – a sociedade de consumo, ou o desfrute pelo simples desfrute, ampliação da riqueza por mera sugestão consciente ou inconsciente” [1].

Não se conceituam facilmente práticas comerciais. Em face da mutabiidade do mercado, em particular nessa era de sociedade do consumo, aquilo que hoje se manifesta como prática comercial, amanhã, no bojo das transformações das necessidades mercadológicas, pode simplesmente desaparecer ou perder a atualidade.

Contudo, na busca da construção de uma teria jurídica das práticas comerciais, poderíamos dizer que estas são os procedimentos, mecanismos, métodos e técnicas utilizados pelos fornecedores para, mesmo indiretamente, fomentar, manter, desenvolver e garantir a circulação de seus produtos e serviços até o destinatário final.

1.1 OFERTA

A oferta, na sua significação tradicional, é “uma manifestação de vontade unilateral através da qual uma pessoa faz conhecer sua intenção de contratar e as condições essenciais do contrato” [2]. É o oferecimento “dos termos de um negócio, convidando a outra parte à com eles concordar” [3]. Corresponde à proposta, e “quem a emite, é denominado proponente ou policitante. A declaração que lhe segue, indo ao seu encontro, chama-se aceitação, designando-se aceitante ou oblato o declarante” [4].

Entretanto, não se deve interpretar o vocábulo oferta utilizado pelo Código de Defesa do Consumidor em seu sentido clássico. O fenômeno é visto pelo prisma da realidade massificada da sociedade de consumo, em que as ofertas deixam de ser individualizadas e cristalinas, mas nem por isso perdem sua eficácia e poder para influenciar o comportamento e a decisão final do consumidor.

Oferta, em tal acepção, é sinônimo de marketing, significando todos os métodos, técnicas e instrumentos que aproximam o consumidor dos produtos e serviços colocados à sua disposição no mercado pelos fornecedores. Qualquer uma dessas técnicas, desde que “suficientemente precisa”, pode transformar-se em veículo eficiente de oferta vinculante. Aí reside uma das maiores contribuições do Direito do Consumidor à reforma da teoria clássica da formação dos contratos.

Vê-se então, que a oferta, nesse sentido moderno, abrange não apenas as técnicas de indução pessoal, como ainda outras mais coletivas e difusas, entre as quais estão as promoções de vendas e a própria publicidade. Claro que em relação a esta o Código traça normas específicas; por razões de mera técnica legislativa assim ocorre, já que, em essência, todos esses fenômenos nada mais são que expressão comum de um único tronco: o marketing. Mas não é o tratamento particular que lhe dá o Código que tem condão de retirar da mensagem publicitária sua natureza jurídica de modalidade de oferta. Tanto isso é verdade que o CDC traz dispositivos de regramento da oferta em que a publicidade, não obstante seu regime específico, está incluída (art. 30, por exemplo).

Não é estranho que nas ofertas sejam cometidas várias infrações. Foram esses excessos que deram origem ao Princípio da Vinculação da oferta. Os abusos do marketing ensejam uma série de providências penais (sanções penais) e administrativas (sanções administrativas). Mas o fenômeno há de ser tratado também no âmbito do Direito Privado, ou seja, na esfera contratual. “O contrato constitui tradicionalmente, o setor do Direito onde é natural buscar-se os meios de contenção de tais abusos” [5].

Era inevitável, então, a reforma da noção e importância que a teoria dos contratos tinha e dava ao marketing. Nas palavras impecáveis de Fábio Konder Comparato, em artigo já clássico, “a preocupação de defesa do consumidor conduziu, igualmente, a um alargamento da noção de compra e venda privada, no quadro mais realista de uma economia de empresa. Passou-se, assim, a entender que os processos de publicidade comercial, pela sua importância decisiva no escoamento da produção por um consumo em massa, integram o próprio mecanismo do contrato e devem, por conseguinte, merecer uma disciplina de ordem pública análoga às das estipulações contratuais” [6].

O princípio da vinculação, estampado no art. 30 do CDC, apesar de inserido na seção da oferta, aplica-se igualmente à publicidade. Ou melhor, abrange todas as formas de manifestação do marketing.

O art. 30 dá caráter vinculante à informação e à publicidade; no que agiu bem o legislador ao separar as duas modalidades de manifestação do fornecedor, considerando que aquela é mais ampla do que esta. Com razão está Rizzatto Nunes, ao indicar que “toda publicidade veicula (algum tipo de) informação, mas nem toda informação é publicidade” [7].

Por informação, quis o CDC, no art. 30, incluir todo tipo de manifestação do fornecedor que não seja considerado anúncio, mas que, mesmo assim, sirva para induzir o consentimento do consumidor. Aí estão incluídas as informações prestadas por representantes do fornecedor ou por ele próprio, bem como as que constam em bulas ou em alguns rótulos.

A vinculação atua de duas maneiras. Primeiro, obrigando o fornecedor, mesmo que se negue a contratar. Segundo, introduzindo-se (e prevalecendo) em contrato eventualmente celebrado, inclusive quando seu texto o diga de modo diverso, pretendendo afastar o caráter vinculante. Nesse último aspecto é impecável a lição de Thereza Alvim: se a proposta publicitária “obriga o proponente, o contrato que dela se originar deverá ser lavrado, seguindo estritamente os seus termos” [8].

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Daí que não impede a vinculação eventual informação do fornecedor, sempre a latere do anúncio, de que as alegações têm mero valor indicativo. Ainda assim, opera, integralmente, a força vinculante do alegado.

Dois pressupostos básicos devem estar presentes para que o princípio da vinculação atue: veiculação e precisão da informação (grifo nosso).

Em primeiro lugar, não operará a força obrigatória se não houver veiculação da informação. Uma proposta que, embora colocada no papel, deixe de chegar ao conhecimento do consumidor não vincula informação.

É a veiculação que enseja a “exposição” do consumidor, nos termos do art. 29 do CDC, dando causa à proteção da lei especial.

Em segundo lugar, a oferta (informação ou publicidade) deve ser suficientemente precisa, isto é, o simples exagero não obriga o fornecedor.

Assim, não é qualquer informação veiculada que vincula o fornecedor. Tem ela que conter uma qualidade essencial, qual seja, a precisão. Só que não se trata de precisão absoluta, aquela que não deixa dúvidas. O CDC contenta-se com uma precisão suficiente, vale dizer, com um mínimo de concisão.

Quanto à responsabilidade do fornecedor, a regra é “prometeu, cumpriu”. Entretanto, nem sempre funciona assim. O que fazer se o fornecedor recusar o cumprimento de sua oferta ou publicidade?

A resposta parcial está no artigo 35 do CDC: o consumidor pode escolher entre o cumprimento forçado da obrigação e a aceitação de outro bem de consumo. Caso o contrato já tenha sido firmado, sem contemplar integralmente o conteúdo da oferta ou publicidade, é lícito ao consumidor, ademais, exigir a sua rescisão, com restituição do já pago, mais perdas e danos.

Claro que as perdas e danos são devidas sempre e não somente no caso da recisão contratual. Decorrem elas do sistema geral do art. 6º, VII.

1.2 Publicidade

No sistema do CDC a informação correta, está diretamente ligada à lealdade, ao respeito no tratamento entre parceiros. É a exigência de boa-fé quando da aproximação (mesmo que extra ou pré-contratual) entre fornecedor e consumidor. Nesse sentido, disciplina o CDC em seus arts. 36 a 38, a informação publicitária para obrigar o fornecedor que dela se utilizar a respeitar os princípios básicos de transparência e boa-fé nas relações de consumo[9].

O Código brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária, define a publicidade comercial como “toda atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover, instituições, conceitos ou ideias”, incluindo nessa definição a publicidade governamental e o merchandising.

Adalberto Pasqualotto[10], em meio a uma bela exposição sobre os elementos integrativos e objetos excluídos do conceito de publicidade, apresenta um conceito mais abrangente de publicidade, de sua autoria, e em seguida dele extrai dois elementos nucleares (que se entende estarem presentes nos demais conceitos jurídicos, de maneira implícita ou explícita), e que merecem ser transcritos. Define, assim, publicidade como:

(...) toda comunicação de entidades públicas ou privadas, inclusive as não personalizadas, feitas através de qualquer meio, destina a influenciar o público em favor, direta ou indiretamente, de produtos ou serviços, com ou sem finalidade lucrativa.

(...) conjunto das técnicas e atividades de informação e persuasão destinadas a influenciar num determinado sentido, as opiniões, os sentimentos e as atitudes do público.

Resolvemos, porém, entender como publicidade, no CDC, a definição trazida por Cláudia Lima Marques[11], “toda a informação ou comunicação difundida com o fim direto ou indireto de promover junto aos consumidores a aquisição de um produto ou a utilização de um serviço, qualquer que seja o local ou meio de comunicação utilizado”. Logo, fica excluída a propaganda política, já regulada em lei eleitoral, e também a chamada publicidade governamental, que não tenha como fim promover atos de consumo, havendo portanto uma clara separação entre o que é propaganda (difusão de ideias) e o que é publicidade (promoção, incitação ao consumo). Este parece ter sido o caminho adotado pelo CDC. Sendo assim, o elemento caracterizador da publicidade é a sua finalidade consumista.

O princípio da identificação obrigatória da mensagem como publicitária, instituído no art. 36 do CDC, tem sua origem no pensamento de que é necessário tornar o consumidor consciente de que ele é o destinatário de uma mensagem patrocinada por um fornecedor, no intuito de vender-lhe algum produto ou serviço. Este princípio serve de um lado para proibir a chamada publicidade subliminar, que no sistema do CDC seria considerada prática de ato ilícito, civil e mesmo penal.

O Código de Defesa do Consumidor não obriga o fornecedor a anunciar seus produtos ou serviços, entretanto, estabelece o dever de informar, conforme dispõe o art. 31: “A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.”[12]

A publicidade não é um dever imposto ao fornecedor, mas um direito exercitável à sua conta e risco. O uso da publicidade exige respeito aos princípios do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, observando-se o necessário preenchimento de alguns requisitos legais.

O legislador não sanciona a carência da publicidade, mas sim a publicidade que prejudica os consumidores. O Código não impõe nenhum dever de anunciar, a priori, dirigido ao fornecedor. Há apenas duas exceções que são a posteriori: a) quando o fornecedor toma conhecimento tardio dos riscos do produto ou serviço (art 10, § 1° e 2°); b) na hipótese de contrapropaganda (art 56, XII e 60 § 1°), que, como se verá, será imposta como forma de diminuir os efeitos da prática anterior da publicidade enganosa e abusiva.

O Código de Defesa do Consumidor proíbe e conceitua a publicidade enganosa, em seu art. 37, caput e § 1°:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

O referido dispositivo legal protege o consumidor de qualquer informação ou comunicação de caráter publicitário capaz de induzi-lo a erro quanto ao produto ou serviço ofertado. A publicidade que infringe essa disposição legal contraria os interesses de toda a coletividade e pode causar prejuízos a um número incalculável de consumidores.

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor adotou um critério finalístico, ao considerar publicidade enganosa a simples veiculação de anúncio publicitário, que seja capaz de induzir o consumidor ao erro. Desse modo, leva-se em conta apenas a potencialidade lesiva da publicidade, não sendo necessário que o consumidor tenha sido efetivamente enganado. Trata-se de presunção juris et de jure (não admite prova em contrário) de que os consumidores difusamente considerados foram lesados.

Então, não é necessário que o consumidor chegue às últimas consequências e adquira, de fato, o produto ou o serviço com base na publicidade enganosa. O erro real é um mero exaurimento quando consumado, que só tem importância para verificação do dever de indenizar o dano individual, mas é irrelevante para fins da caracterização da enganosidade.

O legislador também não se preocupou com a intenção daquele que fez veicular a mensagem publicitária. Quando uma publicidade enganosa é veiculada, o anunciante é responsabilizado, sendo irrelevante se agiu de boa ou má-fé. Pune-se o responsável, quer ele tenha tido ou não a intenção de prejudicar os consumidores. O dolo e a culpa só têm destaque no tratamento penal do fenômeno.

A maior proteção oferecida aos consumidores tem o objetivo de contrapor-se ao argumento de que o fornecedor não intencionava induzi-los ao erro, impossibilitando eventuais ações para livrar o anunciante de sua responsabilidade.

Exige-se que a publicidade seja verdadeira, correta e pautada na honestidade, a fim de que o consumidor possa fazer sua escolha de maneira consciente.

No entanto, nem sempre as inverdades presentes nas mensagens publicitárias as tornam enganosas, sendo necessário, para isso, que o seu conteúdo tenha o efetivo potencial de induzir os consumidores ao erro, conforme o entendimento expresso por Fabio Ulhôa Coelho, nos seguintes termos:

“A mera inserção de informações inverídicas, por si só, nada tem de ilegal, uma vez que pode representar a lícita tentativa de mobilizar a fantasia do espectador, com objetivos de promover o consumo. Em outras palavras, para se caracterizar a publicidade enganosa, não basta a veiculação de inverdades. É necessário também que a informação inverídica seja, pelo seu conteúdo, pela forma de sua apresentação, pelo contexto em que se insere ou pelo público a que se dirige, capaz de ludibriar as pessoas expostas a ela. Pode haver, portanto, algum toque de fantasia (e de falsidade, por conseguinte) nas peças publicitárias. Isso, no entanto, não representa agressão ao direito dos espectadores à mensagem verdadeira, porque a percepção do fantasioso afasta a possibilidade de qualquer pretensão fundada na realidade dos fatos.”[13]

A proteção contra a publicidade enganosa não alcança apenas o consumidor medianamente informado, que tem capacidade para identificar anúncios de má fé. O texto legal procurou defender também as pessoas comuns, desprovidas de conhecimentos médios, sem um grau de instrução que lhes possibilite livrar-se das falsas promessas publicitárias.

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor proíbe a publicidade abusiva, apresentando hipóteses que também servem de parâmetro para identificação de outras mensagens publicitárias de caráter abusivo. O art. 37, § 2°, do CDC lista algumas modalidades de publicidade abusiva.

“Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.”

Da leitura do referido artigo podemos concluir que a publicidade abusiva é aquela que se realiza com fins contrários à ordem pública, ao direito, à ética e à moral. Ela procura aparentar obediência às normas tradicionais da comunicação social, mas, sob a sua camuflagem, é realmente prejudicial aos interesses dos consumidores e do meio social em que vivem.

A publicidade abusiva não se confunde com a publicidade enganosa. Na primeira não há, necessariamente, uma inverdade e nem sempre o consumidor é induzido ao cometimento de erro. Ela pode até ser verdadeira, mas seu conteúdo afronta a moral, a ética e os bons costumes. Na publicidade enganosa, por outro lado, o conteúdo do anúncio sempre contém inverdades ou alguma omissão que induza o consumidor ao erro.

Outra diferença básica é que a publicidade enganosa geralmente causa prejuízo econômico à coletividade de consumidores, diferentemente da publicidade abusiva, que, apesar de causar algum mal ou constrangimento, não tem, obrigatoriamente, relação com o produto ou serviço.

Uma publicidade pode ser, simultaneamente, enganosa e abusiva. Nessa situação, o anúncio deve conter algum tipo de abusividade e o produto ou serviço anunciado não corresponde ao que ele realmente é (enganosidade).

Como na publicidade enganosa, o anúncio será considerado abusivo antes até de causar um prejuízo concreto. É suficiente que tenha sido veiculado, mesmo que não cause qualquer lesão ao consumidor.

Ante o exposto, conclui-se que, a publicidade tem que ser verdadeira e respeitar os valores sociais, morais e éticos, vedando-se a difusão de mensagens publicitárias que desrespeitem esses cânones.

Segundo Rizzato Nunes: “O caráter da abusividade não tem necessariamente relação direta com o produto ou serviço oferecido, mas sim com os efeitos da propaganda que possam causar algum mal ou constrangimento ao consumidor” [14].

Portanto, é necessário não apenas se preocupar com o conteúdo da mensagem publicitária que será veiculada, mas também com a maneira que ela será transmitida e como os consumidores vão reagir.

1.3 PRÁTICAS COMERCIAIS ABUSIVAS

Na dicção de Antônio Herman Benjamin, citado por Efing, práticas comerciais são "os procedimentos, mecanismos, métodos e técnicas utilizados pelos fornecedores para, mesmo indiretamente, fomentar, manter, desenvolver e garantir a circulação de seus produtos e serviços até o destinatário final", é dizer, práticas comerciais são todas as que "sevem, direta ou indiretamente, ao escoamento da produção"[15].

Prática abusiva, por outro lado, possui um conceito fluido e flexível. Por isso mesmo os próprios juízes têm tido mais facilidade em lidar com o conceito de enganosidade do que com o de abusividade. Como práticas, no sentido de atividade, comportam-se como gênero, do qual as cláusulas e a publicidade abusivas são espécies.

Lato sensu, prática abusiva é a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor. São, no dizer irretocável de Gabriel A. Stiglitz, “condições irregulares de negociações nas relações de consumo”[16], condições estas que ferem os alicerces da ordem jurídica, seja pelo prisma da boa-fé, seja pela ótica da ordem pública e dos bons costumes.

As práticas abusivas nem sempre se mostram como atividades enganosas. Muitas vezes, apesar de não ferirem o requisito da veracidade, carreiam alta dose de imoralidade econômica e opressão. Em outros casos, simplesmente dão causa a danos substanciais contra o consumidor. Manifestam-se através de uma série de atividades, pré e pós contratuais, contra as quais o consumidor não tem defesas, ou, se as tem, não se sente habilitado ou incentivado a exercê-las.

Fica claro, portanto, que as práticas abusivas não estão regradas apenas pelo art. 39. Diversamente, espalham-se por todo o Código. Desse modo, são práticas abusivas a colocação no mercado de produto ou serviço com alto grau de nocividade ou periculosidade (art.10), a comercialização de produtos e serviços impróprios (art. 18, §6º, e 20, §2º), o não emprego de peças de reposição adequadas (art.21), entre outras.

É bem verdade que o artigo 39 do CDC traz um rol de práticas comerciais vedadas, porém, esse rol é meramente exemplificativo. Não poderia o legislador, de fato, listar, à exaustão, as práticas comerciais abusivas. O mercado de consumo é de extrema velocidade e as mutações ocorrem do dia para a noite. Por isso mesmo a importância de esclarecer que não se trata de rol taxativo.

Eis o que diz o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;

III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;

VII - repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;

VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);

IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais; (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

X - (Vetado).

X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços. (Incluído pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

XI - Dispositivo incluído pela MPV  nº 1.890-67, de 22.10.1999, transformado em inciso  XIII, quando da converão na Lei nº 9.870, de 23.11.1999

XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.(Incluído pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido. (Incluído pela Lei nº 9.870, de 23.11.1999).

Os doze incisos do art. 39 arrolam exemplificativamente uma série de hipóteses em que há práticas comerciais abusivas, as quais foram antecipadamente cogitadas de forma abstrata pelo positivador da lei, o que não poupa, e nem impede, o trabalho de análise pormenorizada nos mais diversos casos concretos que se apresentam da existência de práticas abusivas que lesionem ou ameacem de lesão os consumidores.

Existem objeções ao caráter exemplificativo das hipóteses arroladas em razão da natureza "penal" de que revestiriam, tendo, com base nessa linha de argumentação, o Presidente da República vetado o inciso X do texto original, o qual indicava que a lista era meramente exemplificativa. Ainda que se pudesse discordar convincentemente do poder enclausurador desse veto, a Lei 8.884/94, entre outras alterações, espancou dúvidas ao inserir a expressão "dentre outras práticas abusivas" no caput do art. Os crimes previstos no Título II não definem como crimes o exercício de "práticas abusivas" per si, genericamente consideradas, nem utiliza esse conceito para a tipificação penal, não havendo qualquer problema hermenêutico no caráter aberto da lista do art. 39. Outrossim, ainda que houve disposição penal vaga ou imprecisa, ao utilizar-se da expressão "práticas abusivas", a resolução do problema limitar-se-ia ao âmbito criminal, não se alastrando para permitir a licitude da prática.

São práticas comerciais abusivas todas as condutas tendentes a ampliar a vulnerabilidade do consumidor. Como leciona Antônio Carlos Efing, são "comportamentos, tanto na esfera contratual quanto à margem dela, que abusam da boa-fé ou situação de inferioridade econômica ou técnica do consumidor. ‘É a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor’[17], conforme o apontamento de Antônio Herman V. e Benjamin", e mais adiante, "Assim, as práticas abusivas representam antes de mais nada a tentativa do fornecedor agravar o desequilíbrio (i.e., vulnerabilidade) da relação jurídica com o consumidor, impondo sua superioridade e vontade, sendo que na maior parte das vezes isto se traduz na supressão, ou redução, do direito de livre escolha do consumidor"[18]

As práticas abusivas potencialmente lesionam as esferas patrimonial e não-patrimonial do sujeito, ensejam a dupla indenização, quando for o caso.

A profusão de normas secundárias expedidas no âmbito da Administração Pública, seja pelas agências reguladoras, seja por outras autarquias, como o Banco Central do Brasil, ou ainda pela Administração central, que visam a consubstanciar "códigos de conduta" para os concessionários de serviços públicos, sob a alcunha ainda de "códigos do usuário" ou do "cliente bancário", não possuem o condão de afastar a incidência das normas do CDC, apenas sendo aplicáveis na medida em que forem legais, consonantes ao ordenamento primário.[19]

Vale ressaltar que as hipóteses consideradas práticas comerciais abusivas são proibidas independentemente da ocorrência de dano para o consumidor, sendo norma de ordem pública a regular as relações de consumo em benefício da sociedade. Como comenta Efing, "na verdade, o legislador quer alterada a conduta do fornecedor, atingindo objetiva e diretamente circunstâncias que poderiam resultar em danos ao consumidor, dada a magnitude a que chegaram os problemas relativos às práticas abusivas nas relações de consumo".[20]

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Sobre o autor
Flávio Honorato Queiroga

Advogado. Graduado em Direito pela UFPB. Pós-Graduando em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior de Advocacia da Paraíba - ESA/PB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROGA, Flávio Honorato. Práticas comerciais no CDC: pagamento dos pontos extras em TV por assinatura no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3611, 21 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24482. Acesso em: 20 abr. 2024.

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