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Em busca da concessão urbanística

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15/08/2013 às 14:00
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5. Concessão Urbanística Aplicada na Nova Luz

Como bem lembra o Professor José Afonso da Silva[49]: “(...) Em São Paulo houve uma tentativa de aplicação dessa figura [concessão urbanística] relativamente à renovação urbana de áreas da rua Vergueiro; mas o projeto por outras razões, não foi adiante.” Em busca desses fatos, logrou-se encontrar a dissertação de mestrado de Fernão Lopes Ginez de Lara[50] sobre uma das maiores comunidades nas décadas de 1950-1960, a favela do Vergueiro, que existiu em imóveis da Vila Mariana. Em 1962 parceria do Governo do Estado, Prefeitura Municipal de São Paulo e entidades privadas como como o Movimento Universitário de Desfavelamento (MUD) e o Movimento das Organizações Voluntárias pela Promoção do Favelado (MOV) buscaram requalificar a região. Entretanto, a partir de 1969 essa área foi parcialmente expropriada pela Municipalidade[51] e despejada para cumprimento de mandados judiciais na gestão de Paulo Salim Maluf para futuro loteamento e para a implantação da Linha Azul do Metrô de São Paulo no âmbito do Plano de Renovação Urbana.

Em 2004, no planejamento da campanha eleitoral de José Serra[52] à Prefeitura do Município de São Paulo, o grupo de trabalho sobre transportes e mobilidade urbana contou com as sugestões do Engenheiro Paulo Mendonza Negrão, dentre as nove[53] acolhidas pelo candidato, destaca-se a de revitalização do espaço formado por vias da região central paulistana (Rua Cásper Líbero, Rua Mauá, Rua Duque de Caxias, Rua Santa Ifigênia e Avenida Ipiranga, não atingindo o comércio de eletrônicos – em 19 quarteirões) para que os residentes pudessem ter assegurados de maneira digna seus direitos à moradia, ao trabalho, ao transporte, saúde, além de acolhimento de moradores de rua.

Iniciado em 2005 na gestão de Gilberto Kassab, o Projeto Nova Luz tem envolvido mais do que desapropriações, demolições[54] (iniciadas em 26 de outubro de 2007) e construções. Foi aprovada lei municipal concedendo incentivos fiscais[55]. Foram executados licitação e contrato administrativo com inspiração parcial na restauração de Solidare, região central de Beirute[56]: além de incluir a zona especial de interesse social (ZEIS) no edital, o espaço não se restringia à ideia inicial e abrangeu a área compreendida pelo perímetro iniciado na intersecção da Avenida Rio Branco com a Avenida Duque de Caxias, seguindo pela Avenida Duque de Caxias, Rua Mauá, Avenida Cásper Líbero, Avenida Ipiranga e Avenida Rio Branco até o ponto inicial, em 45 quarteirões, que, além de abranger as ruas especializadas no comércio de eletrônicos, inclui a Cracolândia, como bem anota Hely Lopes Meirelles[57]. Foram contratadas a Contracta Engenharia Ltda. para a requalificação urbana das ruas de 2009 a abril de 2010[58] e 23 empresas para instalarem-se na região[59]. Foi aprovado pelo órgão especializado de proteção ao patrimônio histórico e cultural[60]. Foi realizado o licenciamento ambiental[61], com aprovação do parecer técnico do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA-RIMA)[62]. Consolidou-se o Plano Urbanístico[63]. De 23 de maio de 2007 em diante houve a Mega-Operação Nova Luz para coibir e punir infrações administrativas, penais (como o tráfico de drogas) de trânsito[64]. Nas ruas foram substituídas as luminárias por mais eficientes – de vapor de sódio[65]; plantaram-se mudas[66]. Foi parcialmente restaurado o Arquivo Público Municipal[67].

Sucede que houve forte reação que repercutiu na gestão de Fernando Haddad quanto ao futuro do Projeto Nova Luz. Antes da campanha eleitoral de 2012, em 03 de janeiro, ocorreu a Operação Centro Legal: a disputa eleitoral entre líderes de dois importantes partidos políticos para buscar solução para os toxicômanos na Cracolândia com a prisão de traficantes e a internação compulsória de viciados. Embora muitos tenham sido detidos e alguns internados, no final de janeiro de 2012 os toxicômanos tinham se espalhado por 27 bairros, como: Barra Funda, nos trilhos da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), Higienópolis, Luz, Campos Elíseos, Santa Cecília e nas proximidades do Elevado Costa e Silva (“Minhocão”), criando as ‘minicracolândias’. Em 24 de agosto de 2012 houve protesto de lojistas e vendedores da Rua Santa Ifigênia[68]. Já na atual gestão não se descarta o prosseguimento do Projeto Nova Luz, embora tenha o prefeito anunciado que não o continuaria por ter criado, no início de seu mandato, órgão para autorizar e revisar todos os contratos em andamento[69]. Após o gasto de R$ 14,7 milhões no planejamento, a Municipalidade despenderia entre R$ 355 milhões e 2 bilhões para a execução, em reanálise o atual Chefe do Executivo suspenderia o Projeto com base na Lei de Responsabilidade Fiscal e no vindouro anteprojeto de PDE[70] e [71], mas atualmente busca prosseguir sob o modelo de parceria público-privada[72] e [73]. Com grande relevo, o alcaide apresentou Plano de Metas 2013-2016 com a requalificação da Área Central paulistana[74].


6. Concessão Urbanística perante o Poder Judiciário

As leis n. 14.917 e 14.918, de 2009, foram objeto de algumas ações judiciais.

A ação popular n.º 0043538-86.2011.8.26.0053 teve liminar concedida, mas depois foi cassada, despacho contra o qual foi interposto o agravo de instrumento n.º 0028056-29.2012.8.26.0000, o qual foi julgado improvido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP). A ação civil pública n.º 0022646-87.2012.8.26.0000, ajuizada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, não prosperou.

A ação direta de inconstitucionalidade n.º 0069502-46.2011.8.26.0000, ajuizada pelo Sindicato do Comércio Varejista de Material Elétrico e Aparelhos Eletrodomésticos no Estado de São Paulo (Sincoelétrico), em nome de 62 mil comerciantes da região, e pela Câmara de Dirigentes Lojistas da Santa Ifigênia (CDL), perante o Órgão Especial do Egrégio TJ-SP, sob a relatoria do Desembargador Sousa Lima, julgou constitucionais essas leis municipais, em acórdãos de agravo regimental e em embargos declaratórios. O Órgão Especial do TJ-SP entendeu que não havia ocorrido vício nem afronta ao devido processo legal na aprovação dos projetos de lei por ter havido audiências públicas; que o concessionário pode executar a desapropriação (artigo 3º do decreto-lei n. 3.365, de 1941); não fere a ampla defesa a expropriação após a tentativa de composição amigável entre concessionário e proprietário do imóvel; por não visar à especulação imobiliária, mas ter finalidade pública, a desapropriação é urbanística. Desta decisão foi interposto o agravo em recurso extraordinário n.º 725.657-SP ao Supremo Tribunal Federal, em que o relator Ministro Celso de Mello, em despacho de 11 de dezembro de 2012, não conheceu do recurso[75].


Conclusão

Trata-se de importante instituto de Direito Urbanístico, bem como de Direito Administrativo, que merece constar da agenda política de Prefeituras e do Distrito Federal, até porque direito à moradia e mobilidade urbana estão na ordem do dia. A concessão urbanística é instrumento de urbanização e reurbanização de parte do espaço urbano, por meio de contrato administrativo, mediante prévia licitação, remunerando-se o contratado por sua conta e risco da exploração dos imóveis decorrentes da execução de projeto urbanístico previsto em plano específico e no Plano Diretor do Município. Deve obedecer à legislação municipal, que, por sua vez, obedece à Constituição Federal e às diretrizes de eventual legislação federal ou estadual. São adotados os modelos: o espanhol “vicariato urbanístico” e a francesa “convention d’aménagement urbain” ou “concession d’aménagement”. É concessão de serviços públicos; também não é concessão especial, logo não se confunde com as parcerias público-privadas. Salutar providência seria sua regulamentação em prestígio à gestão democrática, evitando-se forte oposição e reação popular.

Foi implantada em São Paulo no bairro da Santa Ifigênia, no Projeto Nova Luz. A concessão urbanística teve início em 2005 com planejamento, desapropriações e melhorias urbanas, estando prevista no Plano Diretor Estratégico (artigos 198, XII, e 239) e nas leis municipais n.º 14.917 e 14.918, de 07 de maio de 2009. O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou constitucionais essas leis de 2009.

Sobretudo, é um interessante instituto jurídico que merece ser aplicado e incluído na agenda política de Prefeituras e Câmaras Municipais para urbanificação e revitalização de espaços urbanos, efetivando o direito constitucional à moradia e a mobilidade urbana.


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Sobre o autor
Luiz Negrão

Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito (EPD).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEGRÃO, Luiz. Em busca da concessão urbanística. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3697, 15 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24560. Acesso em: 19 abr. 2024.

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