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A validade das cláusulas excludentes e limitativas de responsabilidade

19/06/2013 às 16:40
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A jurisprudência vem considerando válida a cláusula de não indenizar, desde que presentes os requisitos para a formação de qualquer negócio jurídico, como capacidade das partes, livre manifestação de vontade, objeto lícito e possível, forma prescrita ou não defesa em lei.

A realização de negócios seguros interfere direta e positivamente no resultado das empresas. A sua celebração através de contratos transparentes e capazes de prever soluções para acontecimentos supervenientes revela-se uma ferramenta importante e até mesmo indispensável para o empresariado contemporâneo.

As ferramentas modernas do direito contratual propiciam, diante da apuração prévia do potencial de risco, amenizar e até mesmo evitar os prejuízos que possam advir do negócio. Fazer uso delas, dentro dos limites da legalidade, pode ser o diferencial entre uma negociação bem ou mal sucedida.

Assim, atualmente, o direito contratual tem se dedicado ao estudo da equalização dos riscos, mediante a predeterminação das quantias indenizatórias, a fim de limitar as possíveis perdas.  Esse aspecto é tão relevante quanto as próprias contrapartidas do negócio em si.

Inicialmente, é importante definir responsabilidade contratual.  Empiricamente abstrai-se que é a consequência da inexecução de um negócio jurídico bilateral ou unilateral, ou seja, do descumprimento de uma obrigação contratual pela mora ou pelo seu inadimplemento, gerando o dever de reparação do dano pela parte infratora.

O dever de reparação decorrente da inexecução do contrato pelo infrator deve, portanto, ser proveniente da violação de uma obrigação contratual, sendo estritamente necessária presença de nexo de causalidade, ou seja, a relação direta de causa e efeito entre o fato gerador da responsabilidade e o dano sofrido.[1]

Já a cláusula de não indenizar consiste em afastar, prévia e bilateralmente, a aplicação de uma obrigação ao seu caso. Segundo Silvio Venosa “trata-se da cláusula pela qual uma das partes contratantes declara que não será responsável por danos emergentes do contrato, seu inadimplemento total ou parcial.” Ainda de acordo com o autor “trata-se da exoneração convencional de reparar o dano.” (Direito Civil, Silvio Venosa, pág. 51, 3ª edição).

Para Carlos Roberto Gonçalves, a cláusula de não indenizar consiste em “acordo de vontades pelo qual se convenciona que determinada parte não será responsável por eventuais danos decorrentes de inexecução ou execução inadequada do contrato”. (Responsabilidade Civil, p.823). De acordo com essa definição, Aguiar Dias conclui que tal cláusula tem função em alterar, em benefício do contratante, o jogo dos riscos, pois estes são transferidos para a vítima. (Cláusula de não indenizar, 2.ed., Rio de Janeiro, 1995, p.35).[2]

Há muita controvérsia a respeito de sua validade, porém, a jurisprudência revela que a cláusula de não indenizar tem sido admitida a menos que se configure uma das seguintes hipóteses: (i) exclusão ou limitação sobre danos envolvendo direitos indisponíveis, ou (ii) quando a indenização é o objeto do negócio, de modo que a sua exclusão ou limitação equivaleria a privar de todo o efeito o negócio jurídico, ou seja, o nosso ordenamento não permite que seja estipulada cláusula excluindo a obrigação de indenizar nos casos em que tal obrigação seja decorrente do próprio objeto essencial do contrato executado pelo causador do dano (ou à sua ordem).

Além dos requisitos dispostos acima, segundo Carlos Roberto Gonçalves há cinco outros requisitos a serem respeitados para que a cláusula de não indenizar seja considerada plenamente válida pelo ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam: (a) não colisão com preceito de ordem pública; (b) ausência de intenção de afastar obrigação de indenizar inerente ao objeto essencial do contrato; (c) inexistência do escopo de eximir o dolo ou a culpa grave do causador do dano; (d) bilateralidade de consentimento; e (e) igualdade de posição das partes (Direito Civil Brasileiro – Vol 4. Ed. Saraiva. Rio de Janeiro. 2010. pags. 476/477).  

Assim, é imprescindível a igualdade das partes e a bilateralidade quanto ao consentimento de estipulação da cláusula. É preciso, ainda, que o agente não tenha a intenção de exonerar-se do dolo ou culpa e que não pretenda afastar obrigação atrelada à função.

Danos causados por dolo ou culpa grave não podem ser objeto da cláusula de não indenizar, sob pena de se admitir a imoralidade e impunidade de uma má-fé previamente acordada, o que contraria também preceitos de ordem pública.

A bilateralidade de consentimento se traduz pela vontade de ambas as partes em fazer valer tal estipulação, inserida no contrato por meio da livre concordância das partes. O último requisito refere-se à igualdade de posição das partes, vetando a possibilidade de aplicar-se a cláusula de não indenizar quando há uma situação de hipossuficiência entre os contratantes, especialmente em contratos de adesão. 

Por tal razão, o Código de Defesa do Consumidor afasta a aplicação dessa cláusula, devido à situação de hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor. Outro exemplo em que não há possibilidade de aplicação da cláusula de não indenizar é no contrato de transporte, ressaltando a súmula 161 do STF[3], bem como nas relações relacionadas ao transporte aereo, ante a previsão disposta no Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei 7565/86, em seu art. 247, a qual também estabelece a nulidade da cláusula. [4]

Por outro lado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é unânime quanto a liberdade dos condomínios para aplicação dessa cláusula, que se dá na maioria das vezes para eximir a culpa destes por eventos ocorridos em suas áreas comuns.

Ressalte-se que somente serão consideradas válidas e legítimas as cláusulas que limitem a responsabilidade, encurtem o prazo do exercício do direito do prejudicado ou excluam a responsabilidade por eventual fato danoso que venha a ocorrer, desde que a obrigação a ser afastada não seja da essência do contrato, sob pena de se estar negando o próprio dever de prestar o pactuado.[5]

Em que pese todas as limitações legais para sua aplicação, a admissão dessa cláusula, como já aduzido no caput deste artigo, revela-se importante instrumento de redução e controle dos riscos do negócio a ser entabulado, traduzindo-se em redução de custos e incremento dos negócios em geral.

Esta possibilidade encontra respaldo, inclusive, no artigo 946 do Código Civil, Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002, que assim dispõe:

“Art. 946. Se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar.”

 E não poderia ser diferente, pois à luz do princípio da liberdade contratual, as partes são livres para contratar qualquer negócio, desde que, logicamente, não ofenda a ordem pública e os bons costumes, além de vários outros princípios que norteiam as normas relativas ao contrato, tais como, os princípios da boa-fé objetiva, da probidade, do equilíbrio contratual e da função social do contrato, dentre outros.

Como aventado alhures, a jurisprudência de nossos tribunais vem se modernizando e considerando válida a cláusula de não indenizar desde que presentes os requisitos para a formação de qualquer negócio jurídico, como capacidade das partes, livre manifestação de vontade, objeto lícito e possível, forma prescrita e não defesa em lei. Importante salientar que o consentimento deve ser bilateral, ou seja, ambas as partes devem aceitá-la, além de ser observado se a convenção está de acordo com a ordem pública e os bons costumes.

Em julgado recente no TJMG, foi confirmada uma sentença em uma ação de despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança de aluguéis em que o réu, condenado a pagar os aluguéis vencidos e a desocupar o imóvel, pleiteava uma compensação de seu débito com as benfeitorias realizadas no imóvel, em sede de apelação. Tal argumento não foi aceito pelos Ilustres Desembargadores vez que no contrato de locação existia uma cláusula exonerativa de indenização com relação a quaisquer benfeitorias realizadas no imóvel, inclusive as necessárias, com base no art. 35 da Lei n. 8.245/91. Na tentativa de anular a disposição que excluía o apelado do dever de indenizar, o magistrado afirma que "a anulação da cláusula contratual exonerativa da obrigação de indenização de benfeitorias pode ser tentada pelo locatário, sendo seu o ônus da prova do vício de consentimento porventura alegado". Não tendo sido comprovado nenhum vício, a sentença foi então confirmada.[6]

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Ainda assim, existe uma imensa discussão acerca da legitimidade da também chamada “cláusula de irresponsabilidade”, de um lado há quem defenda que esta desrespeita a ordem pública, pois estaria retirando da vítima uma proteção dada pela lei. Aqui cabe mostrar a opinião de Ruy Rosado de Aguiar Júnior que salienta: “a existência de cláusula de não indenizar, celebrada anteriormente á resolução, é contrária á lei, assim como a renúncia prévia do direito de resolver, não pode ser aceita” (Daniel Ustárroz, Responsabilidade Contratual, 2.ed., 2007, p.187).

Conclui-se que a eficácia das cláusulas de não indenizar ou limitativas do dever de indenizar devem ser analisadas a luz dos princícios da boa-fé objetiva, da liberdadde contratual, do equilibrio contratual e da funçao social do contrato. Vedá-las radicalmente pode frear atividades negociais diante da perspectiva de vultosas indenizaçoes, prejudicando a economia.


REFERÊNCIAS

AVELAR, LETICIA MARQUEZ DE . Clausula de não indenizar, A. São Paulo: Juruá Editora. 1. Ed. 2012.

CARLI, Vilma Maria Inocêncio. Teoria e direito das obrigações contratuais: uma nova visão das relações econômicas de acordo com os códigos civil e consumidor. Campinas: Bookseller, 2005.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2010

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos v. 2. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

USTÁRROZ, Daniel. Responsabilidade Contratual. 2. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2007.


Notas

[1] NETO, Gilberto Alves da Silva Dolabela. Validade das cláusulas excludentes de responsabilidade contratual. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2787, 17 fev. 2011. Disponível em:

<http://jus.com.br/revista/texto/18510>. Acesso em: 27 out. 2012.

[2] Apud in http://academico.direito-rio.fgv.br/wiki/Clausula_de_nao-indenizar. Acesso em Acesso em: 27 out. 2012.

[3] STF Súmula nº 161 - 13/12/1963 - Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal - Anexo ao Regimento Interno. Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 87. Contrato de Transporte - Cláusula de Não Indenizar. Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar.

[4] Art. 247. É nula qualquer cláusula tendente a exonerar de responsabilidade o transportador ou a estabelecer limite de indenização inferior ao previsto neste Capítulo, mas a nulidade da cláusula não acarreta a do contrato, que continuará regido por este Código (artigo 10).

[5] NETO, Gilberto Alves da Silva Dolabela. Validade das cláusulas excludentes de responsabilidade contratual. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2787, 17 fev. 2011. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/18510>. Acesso em: 27 out. 2012.

[6] NETO, Gilberto Alves da Silva Dolabela. Validade das cláusulas excludentes de responsabilidade contratual. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2787, 17 fev. 2011. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/18510>. Acesso em: 27 out. 2012.

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Sobre a autora
Priscilla Folgosi Castanha

Advogada pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil e Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Escola Paulista de Direito e MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTANHA, Priscilla Folgosi. A validade das cláusulas excludentes e limitativas de responsabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3640, 19 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24744. Acesso em: 23 dez. 2024.

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