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A responsabilidade tributária dos sócios da sociedade limitada e a inconstitucionalidade da aplicação do artigo 13 da Lei nº 8.620/93

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27/06/2013 às 14:25
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3 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DECORRENTE DA INCONSTITUCIONALIDADE DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 13 DA LEI Nº 8.620/93

O surgimento da Lei Ordinária nº 8.620/93, ao tratar da responsabilidade dos sócios perante a seguridade social, trouxe, consequentemente, uma enorme dor de cabeça aos sócios de empresas e operadores do direito.

Dessa forma, diante da sua repercussão no mundo tributário, torna-se relevante o seu estudo, motivo que a seguir trataremos alguns aspectos da refira norma, bem como os fundamentos que levam a interpretação de sua inconstitucionalidade.

3.1 DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DISPOSTA NO CAPUT DO ART.13 DA LEI Nº 8.620/93

O caput do art. 13 da lei nº 8.620/93 trouxe, aos sócios da sociedade do tipo limitada e aos titulares de firma individual, uma nova modalidade de sujeição passiva tributária, veja-se:

Art. 13. O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada responde solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social.

Conforme visto, diferentemente da responsabilidade tributária prevista no Código Tributário Nacional, o referido artigo tem como fundamento para a responsabilização dos sócios a simples falta de pagamento perante a Seguridade Social.

Assim, temos o surgimento de uma responsabilidade tributária objetiva, a qual dispensa a figura do dolo ou culpa, sendo que para a sua caracterização basta apenas o inadimplemento de débito perante a Seguridade Social.

Ademais, resta configurado uma solidariedade existente entre empresa individual ou limitada com os sócios e titulares, tendo em vista a previsão de que estes últimos poderão ter seus bens pessoais atingidos.

E, ainda, a norma em questão não faz qualquer distinção quanto ao tipo de sócio a ser responsabilizado, ou seja, se é um sócio comum ou com poderes de administração.

Portanto, a regra prevista no caput do art. 13 da lei nº 8.620/93, refere-se a uma sujeição passiva solidária e de caráter objetivo, eis que o simples inadimplemento da obrigação decorrente de débito devido a Seguridade Social, basta para responsabilizar os sócios da sociedade limitada.

Logo, resta constado a flagrante falta de respeito ao instituto da personalidade jurídica e de sua autonomia patrimonial, bem como as previsões legais insculpidas no Código Tributário Nacional e também na Constituição Federal.

3.2 DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DISPOSTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART.13 DA LEI Nº 8.620/93

No que tange a sujeição passiva disposta no parágrafo único do art. 13 da Lei nº 8.620/93, temos que a responsabilização irá decorrer diante da caracterização do dolo ou culpa, veja-se:

Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente ou subsidiariamente, com seus bens pessoais quanto a inadimplemento das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa.

Diferentemente do disposto no caput, o referido parágrafo único inclui como responsáveis tributários os sócios com poderes de gerência e administração, decorrentes da sociedade por ações.

Outra diferença em relação ao caput, refere-se que neste caso teremos configurado a responsabilidade subjetiva, face a necessidade de existência de dolo ou culpa para sua caracterização.

De outra banda, resta como critica ao referido parágrafo a existência, ao mesmo tempo, de responsabilidade solidária e subsidiária, ficando praticamente impossível distinguir quem é quem, eis que inexiste qualquer menção, classificação ou alguma ordem.

E, ainda, conforme já visto anteriormente, a solidariedade deve atingir apenas aqueles sócios com poder de gerência e administração, mas jamais os sócios comuns.

Fora isso, resta também o fato de que a solidariedade não atinge a sociedade empresária limitada, face a existência do caráter subsidiário, ou seja, primeiro busca-se a satisfação do débito no patrimônio da pessoa jurídica para, posteriormente, quando não encontrado bens nesta, alcançar a riqueza dos sócios-administradores, desde que constatado a existência de culpa ou dolo.

Feito as classificações quanto aos tipos de responsabilidade do caput do art. 13 da Lei nº 8.620/93 (objetiva) e, ainda, quanto ao seu parágrafo único (subjetiva), a seguir será analisado as questões que levam ao entendimento da inconstitucionalidade da referida norma.

3.3 DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART.13 DA LEI Nº 8.620/93

A responsabilização dos sócios perante os débitos da sociedade em que fazem parte ocorre como uma exceção no direito tributário, ou seja, a regra é a de que a autonomia patrimonial da pessoa jurídica sempre prevaleça.

O Código Tributário Nacional, conforme disposto no inciso III, do seu art. 135, tratou de criar situações onde as pessoas com poderes de gerência ou administração, quando inexistente bens da pessoa jurídica, pudessem ser responsabilizados pelos créditos decorrentes de obrigações tributárias praticadas com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

Assim, perante o direito tributário, criou-se um mecanismo de segurança para conter o mau uso da pessoa jurídica pelos seus sócios que a compõem.

Todavia, com o advento da Lei nº 8.620/93, precisamente quanto ao disposto no seu art. 13, criou-se uma nova modalidade de responsabilidade tributária, a qual veio a disciplinar que o simples inadimplemento diante de débitos oriundos da Seguridade Social, seria suficiente para responsabilizar os sócios da empresa por cotas de responsabilidade limitada.

A premissa que fundamenta a constitucionalidade da referida norma, utiliza como argumento o inciso II do art. 124 e o art. 128, todos do CTN, veja-se:

Art. 124. São solidariamente obrigadas:

(...)

II – as pessoas expressamente designadas por lei.

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capitulo, a lei pode atribuir  de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-o a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Ou seja, os dispositivos citados acima, seriam os fundamentos do Fisco para justificar a desnecessidade da existência de Lei Complementar para regular as hipóteses de responsabilidade tributária. Contudo, tal entendimento não deve prevalecer.

Quanto a fundamentação com base no inciso II do art. 124, do CTN, temos que a mesma é muito ampla e genérica, pois fala apenas que as pessoas descritas na lei, serão solidariamente obrigadas.

No que tange ao referido artigo, temos que não pode ocorrer a responsabilização de forma solidária de uma pessoa que não tenha qualquer ligação com o fato jurídico tributário que o originou, pois a constituição não permite. Nesse sentido, segue posição doutrinária:

“Quanto ao inciso II, do art. 124, a disposição que prescreve a solidariedade das ‘pessoas expressamente designadas por lei’ pressupõe que a lei poderá determinar a existência de solidariedade entre pessoas que possam não ter interesse comum na situação que constitua o fato gerador, pois é incabível previsão legal no sentido de estipular em qual ou quais situações há interesse comum.

Não há que se admitir que, na criação de um tributo, através da competência conferida pela Constituição Federal, seja estabelecida como devedor solidário pessoa que não tenha participado ou concorrido para realização do fato jurídico tributário, uma vez que o legislador ordinário, por força do texto constitucional, não poderá fazer incidir a carga tributária sobre pessoa estranha ao fato previsto na norma como gerador da obrigação”.[16]

Ora, a pessoa que deve suportar o pagamento é o contribuinte, pois este pode praticar o fato gerador ou, ainda, o terceiro que tiver ligação também como o fato gerador.

Isso porque, o art. 124 do CTN possibilita ao legislador escolher se a responsabilidade será solidária ou subsidiária da pessoa existente no pólo passivo, porém, jamais permitiu apontar quem será responsabilizado.

Nessa linha, Misabel Abreu Machado Derzi:

“A solidariedade não é forma de eleição de responsável tributário. A solidariedade não é espécie de sujeição passiva por responsabilidade indireta, como querem alguns. O Código Tributário Nacional, corretamente, disciplina a matéria em seção própria, estranha ao Capítulo V, referente a responsabilidade. É que a solidariedade é simples forma de garantia, a mais ampla das fidejussórias. Quando houver mais de um obrigado no pólo passivo da obrigação tributária (mais de um contribuinte, ou contribuinte e responsável, ou apenas pluralidade de responsáveis), o legislador terá de definir as relações entre os coobrigados. Se são eles solidariamente obrigados, ou subsidiariamente, com benefício de ordem ou não, etc. A solidariedade não é, assim, forma de inclusão de um terceiro no pólo passivo da obrigação tributária, apenas forma de graduar a responsabilidade daqueles sujeitos que já compõem o pólo passivo.”[17]

Assim, há que ser entendido que a referida lei ordinária mencionada no art.124 do CTN, quando for aplicada, deverá obedecer as normas já previstas no Código Tributário Nacional e jamais instituir novas regras que conflitem com o mesmo.

Já no que tange ao art. 128 do CTN, temos que a referida norma permite que a Lei Ordinária atribua responsabilidade a terceiro por crédito tributário devido, contudo, há que ser sempre observados as normas já previstas no CTN.

Outra questão relevante existente no referido artigo, refere-se a necessidade de vinculação do terceiro ao fato gerador, o qual tem como finalidade imputar a este a responsabilidade pelo pagamento do tributo no lugar do contribuinte.

No mesmo raciocínio, as ilustre palavras do professor Paulo de Barros Carvalho:

“Quanto à fixação da responsabilidade pelo crédito tributário há dois rumos bem definidos: um interno à situação tributada; outro externo. Diremos logo que o externo tem supedâneo na frase excepcionadora, que inicia o período – Sem prejuízo do disposto neste Capítulo – e se desenrola no conteúdo prescritivo daqueles artigos que mencionamos (129 até 138 CTN)”. [18]

Assim, diante dos dispositivos citados acima, podemos concluir que os mesmos jamais podem ser utilizados sem a observância das normas previstas no Código Tributário Nacional. Ou seja, não pode ser criada uma lei ordinária, instituindo responsabilidade de terceiros, sem qualquer vinculo com o fato gerador, quando já existente norma prevista no CTN prevendo de modo diverso.

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Portanto, quando o art. 13 da Lei nº 8.620/93 institui responsabilidade aos administradores e aos titulares de firmas individuais, sem a observância dos artigos 134 e 135, ambos do CTN, temos como conclusão a sua invalidade e inconstitucionalidade, face ao desrespeito a norma hierarquicamente superior (CTN).

Fora as questões elencadas neste ponto, há que ser estudado os fundamentos que levam ao entendimento pela inconstitucionalidade da norma prevista no art. 13 da Lei nº 8.620/93, os quais serão analisados a seguir.

3.3.1 DA NECESSIDADE DE LEI COMPLEMETAR

Conforme dispõe o art. 146, III, “b”, da Constituição Federal, cabe a lei complementar estabelecer as normas gerais em matéria tributária:

“ Art. 146. cabe a lei complementar:

(...)

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente:

(...)

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência de tributos;

(...)

Assim, temos que o artigo constitucional citado, expõe claramente que em se tratando de matéria tributária, há que ser respeitado a necessidade de lei complementar para regularizar os assuntos que tratem de “obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência de tributos”.

Ademais, as leis complementares, consoante disposto nos artigos 59[19] e 69[20], ambos da Constituição Federal, decorrem do poder legislativo, bem como necessitam de aprovação da maioria absoluta do congresso.

E, ainda, quanto a necessidade de lei complementar, no caso de algumas matérias, como por exemplo, o direito tributário, Alexandre de Moraes reforça a ideia de sua importância:

“A razão de existência de lei complementar consubstancia-se no fato de o legislador contribuinte ter entendido que determinadas matérias, não obstante a evidente importância, não deveriam ser regulamentadas na própria Constituição Federal, sob pena de engessamento de futuras alterações; ao mesmo tempo, porém, não poderiam comportar constantes alterações por meio de um processo administrativo ordinário.”[21]

Na mesma linha de raciocínio, João Nogueira Matias:

“Na forma de recorrer o art. 146, III, b, da Constituição Federal, a legislação que estabelecer normas sobre responsabilidade tributária deverá se revestir obrigatoriamente de lei complementar.[22]

Ou seja, devido ao fato de que algumas matérias no direito passariam por diversas alterações constantes, restou definido pela Constituição Federal a necessidade da criação de lei complementar para completar certas lacunas constitucionais.

Nesse sentido, quanto a utilidade da lei complementar, Sacha Calmon Navarro Coelho:

“A – serve para complementar dispositivos constitucionais de eficácia limitada na terminologia de José Afonso da Silva;

B – serve ainda para conter dispositivos constitucionais de eficácia contida (ou contível);

C – serve para fazer determinações constitucionais consideradas importantes e de interesse de toda a Nação. Por isso mesmo as leis complementares requisitam quorum qualificado por causa da importância nacional das matérias postas a sua disposição.”[23]

Complementando o entendimento de Sacha Calmon, resta necessário destacar, no que tange a relação jurídica tributária, bem como a obrigação tributária, o entendimento de José Cretella Jr. acerca da necessidade de lei complementar para regularizar as referidas questões tributárias, veja-se:

“A lei dá origem à relação jurídica tributária, formada entre o poder público tributante, o Estado, e o contribuinte, pessoa física ou jurídica de direito privado. Enfim, a obrigação tributária deverá constar de lei complementar”.

 De outra banda, no que se refere ao presente trabalho, temos como foco a analise da reserva de lei complementar para dispor acerca das normas a serem editadas que tratam sobre obrigação tributária.

Logo, tendo a Constituição Federal determinando que as matérias referente a obrigação tributária fossem instituídas por lei complementar, temos que o Código Tributário Nacional assim o fez, eis que definiu as questões ligadas a responsabilidade tributária.

Portanto, podemos concluir que o Código Tributário Nacional, devidamente, tratou acerca da responsabilidade tributária, motivo que qualquer norma posterior a ser veiculada deverá respeitar, por questões de hierarquia, o CTN.

Todavia, não foi assim que aconteceu quando do advento da Lei nº 8.620/93, mais especificamente, no seu art. 13, o qual dispõe o seguinte:

Art. 13. O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada responde solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social.

Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente ou subsidiariamente, com seus bens pessoais quanto a inadimplemento das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa.

Logo, consoante o exposto anteriormente, podemos concluir que o referido art. 13 da Lei Ordinária nº 8.620/93 vai de encontro a norma prevista no inciso III, do art. 135, do CTN, a qual é oriunda de Lei Complementar e está de acordo com o art. 146, III, “b”, da Constituição Federal.

Assim, levando em consideração que a norma disposta no Código Tributário Nacional é hierarquicamente superior a regra prevista na Lei Ordinária, temos que essa última não deve ser reconhecida e, consequentemente, deve ser declarada sua inconstitucionalidade.

Ora, a referida solidariedade disposta na norma criada por Lei Ordinária só teria validade e eficácia, caso estivesse em conformidade com a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional, circunstância que não ocorre.

Nessa linha, Luiz Antônio Caldeira:

“A responsabilidade tributária não é matéria de livre criação e alteração pelo legislador infraconstitucional. A Constituição Federal de 1988 estabelece, implícita ou explicitamente, limitações às quais a produção normativa inferior relativa ao tema está adstrita.”[24]

Prosseguindo na exposição do entendimento doutrinário acerca do assunto, cita-se Heleno Taveira Tôrres:

“A relação hierárquica que eventualmente possa existir entre lei complementar e as leis ordinárias, ou mesmo outras leis complementares, dependerá, tão-só, da função que ela exerça no sistema. E assim, caso a função seja constitutiva de algum fundamento de validade, formal ou material, a lei complementar sempre terá prevalência sobre qualquer outra lei.”

“Como dito acima, às normas gerais aplica-se também ao primado da reserva da lei complementar, e pelas funções pertinentes à ‘Constituição Nacional’, impõem-se a necessária preeminência dessas leis complementares em relação às demais leis, mesmo que complementares, quando tenham por objeto o exercício de competência para instituição de tributos. Por conseguinte, prevalecerão sempre, sobre a legislação federal, estadual, distrital ou municipal, na medida em que estas legislações passam a ter que  admiti-las (as leis complementares que veiculam normas gerais) como fundamento de validade material.”[25]

Não podendo ser diferente, quanto a posição jurisprudencial, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 562276, e manteve decisão que considerou inconstitucional a responsabilização, perante a Seguridade Social, dos gerentes de empresas, ou o redirecionamento de execução fiscal, quando ausentes os elementos que caracterizem a atuação dolosa dos sócios. Veja-se a ementa da referida decisão:

DIREITO TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO. ART 146, III, DA CF. ART. 135, III, DO CTN. SÓCIOS DE sociedade limitada. ART. 13 DA LEI 8.620/93. INCONSTITUCIONALIDADES FORMAL E MATERIAL. REPERCUSSÃO GERAL. APLICAÇÃO DA DECISÃO PELOS DEMAIS TRIBUNAIS. 1. Todas as espécies tributárias, entre as quais as contribuições de seguridade social, estão sujeitas às normas gerais de direito tributário. 2. O Código Tributário Nacional estabelece algumas regras matrizes de responsabilidade tributária, como a do art. 135, III, bem como diretrizes para que o legislador de cada ente político estabeleça outras regras específicas de responsabilidade tributária relativamente aos tributos da sua competência, conforme seu art. 128. 3. O preceito do art. 124, II, no sentido de que são solidariamente obrigadas “as pessoas expressamente designadas por lei”, não autoriza o legislador a criar novos casos de responsabilidade tributária sem a observância dos requisitos exigidos pelo art. 128 do CTN, tampouco a desconsiderar as regras matrizes de responsabilidade de terceiros estabelecidas em caráter geral pelos arts. 134 e 135 do mesmo diploma. A previsão legal de solidariedade entre devedores – de modo que o pagamento efetuado por um aproveite aos demais, que a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, também lhes tenha efeitos comuns e que a isenção ou remissão de crédito exonere a todos os obrigados quando não seja pessoal (art. 125 do CTN) – pressupõe que a própria condição de devedor tenha sido estabelecida validamente. 4. A responsabilidade tributária pressupõe duas normas autônomas: a regra matriz de incidência tributária e a regra matriz de responsabilidade tributária, cada uma com seu pressuposto de fato e seus sujeitos próprios. A referência ao responsável enquanto terceiro (dritter Persone, terzo ou tercero) evidencia que não participa da relação contributiva, mas de uma relação específica de responsabilidade tributária, inconfundível com aquela. O “terceiro” só pode ser chamado responsabilizado na hipótese de descumprimento de deveres próprios de colaboração para com a Administração Tributária, estabelecidos, ainda que a contrario sensu, na regra matriz de responsabilidade tributária, e desde que tenha contribuído para a situação de inadimplemento pelo contribuinte. 5. O art. 135, III, do CTN responsabiliza apenas aqueles que estejam na direção, gerência ou representação da pessoa jurídica e tão-somente quando pratiquem atos com excesso de poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos. Desse modo, apenas o sócio com poderes de gestão ou representação da sociedade é que pode ser responsabilizado, o que resguarda a pessoalidade entre o ilícito (mal gestão ou representação) e a conseqüência de ter de responder pelo tributo devido pela sociedade. 6. O art. 13 da Lei 8.620/93 não se limitou a repetir ou detalhar a regra de responsabilidade constante do art. 135 do CTN, tampouco cuidou de uma nova hipótese específica e distinta. Ao vincular à simples condição de sócio a obrigação de responder solidariamente pelos débitos da sociedade limitada perante a Seguridade Social, tratou a mesma situação genérica regulada pelo art. 135, III, do CTN, mas de modo diverso, incorrendo em inconstitucionalidade por violação ao art. 146, III, da CF. 7. O art. 13 da Lei 8.620/93 também se reveste de inconstitucionalidade material, porquanto não é dado ao legislador estabelecer confusão entre os patrimônios das pessoas física e jurídica, o que, além de impor desconsideração ex lege e objetiva da personalidade jurídica, descaracterizando as sociedades limitadas, implica irrazoabilidade e inibe a iniciativa privada, afrontando os arts. 5º, XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição. 8. Reconhecida a inconstitucionalidade do art. 13 da Lei 8.620/93 na parte em que determinou que os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada responderiam solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social. 9. Recurso extraordinário da União desprovido. 10. Aos recursos sobrestados, que aguardavam a análise da matéria por este STF, aplica-se o art. 543-B, § 3º, do CPC.(RE 562276, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 03/11/2010, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-027 DIVULG 09-02-2011 PUBLIC 10-02-2011 EMENT VOL-02461-02 PP-00419 RDDT n. 187, 2011, p. 186-193 RT v. 100, n. 907, 2011, p. 428-442)

E a ministra Ellen Gracie, relatora do caso, no seu voto analisou a responsabilidade tributária em relação às normas gerais, salientando que, de acordo com o artigo 146, inciso III, alínea  “b” da Constituição Federal, o responsável pela contribuição tributária não pode ser qualquer pessoa - “exige-se que ele guarde relação com o fato gerador ou com o contribuinte”. 

Em relação à responsabilidade dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado pelos créditos correspondentes às obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, a ministra observou que a jurisprudência tem-se firmado no sentido de que ilícitos praticados por esses gestores, ou sócios com poderes de gestão, não se confundem com o simples inadimplemento de tributos por força do risco do negócio, ou seja, com atraso no pagamento dos tributos.

Por fim, a ministra ressaltou que o caso possui repercussão geral (art. 543-B do Código de Processo Civil), conforme entendimento do Plenário expresso em novembro de 2007. Assim, a referida decisão do Plenário repercutirá nos demais processos, com tema idêntico, conforme ocorre nestes autos.

Diante do exposto, fica evidente que o artigo 13 da Lei nº 8.620/93, ao vincular a simples condição de sócio à obrigação de responder solidariamente, formou uma exceção não permitida pela norma geral de Direito Tributário, a qual está consubstanciada no artigo 135,  inciso III do CTN, evidenciando uma invasão da esfera reservada a lei complementar, disposta no artigo 146, inciso III, alínea “b” da Constituição.

Portanto, diante do estudo apresentado, podemos concluir que a definição da responsabilidade tributária é tema que deve ser tratado pelo Código Tributário Nacional, pois este recebeu poderes da Constituição Federal.

Assim, resta incabível a pretensão do legislador, mais especificamente quanto ao disposto no art. 13 da Lei nº 8.620/93, eis que o mesmo é ilegal e inconstitucional, tendo em vista que nega vigência ao Código Tributário Nacional (arts.134 e 135, ambos do CTN) e, ainda, a Constituição Federal (art. 146, III, “b”).

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Sobre o autor
Thiago Santos Alfama

Advogado do Escritório Rocha, Ferracini, Schaurich & Advogados Associados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALFAMA, Thiago Santos. A responsabilidade tributária dos sócios da sociedade limitada e a inconstitucionalidade da aplicação do artigo 13 da Lei nº 8.620/93. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3648, 27 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24802. Acesso em: 24 abr. 2024.

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