Artigo Destaque dos editores

Elementos fundamentais do constitucionalismo

Exibindo página 3 de 3
30/06/2013 às 14:58
Leia nesta página:

Notas conclusivas

O presente trabalho buscou compreender a essência do movimento constitucional. Para tanto, analisou os pontos fundamentais de suas duas grandes fases. Da nossa investigação resultaram os seguintes pontos de compreensão:

1-  A gênese do constitucionalismo remonta ao período compreendido pelas revoluções liberais burguesas;

2-  Com base nessa análise preliminar (o contexto político das revoluções), constatamos que dois eram os objetivos do constitucionalismo, nessa primeira fase: a legitimação e a limitação do poder estatal;

3-  O fundamento dessa ideia derivou dos estudos dos filósofos estoicos acerca do Direito Natural, que estabeleceu a concepção de direitos inatos à condição humana. O principal deles, a liberdade, fundamento ao direito de revolução;

4-  A luta pela liberdade rompeu com o arbítrio e causou a derrubada do Estado Absoluto. Assumiu o seu lugar o Estado de Direito, modelo que vigorou até o fim da Segunda Guerra Mundial e que tinha como fundamento jusfilosófico o positivismo jurídico;

5-  O cerne desse novo padrão de atuação política é o combate ao arbítrio pelo estabelecimento da segurança jurídica, que é, em essência, a expressão do primado da não-surpresa, na medida que condiciona a atuação do Estado na existência de legislação previamente estabelecida e segundo o procedimento legiferante disposto na lei orgânica do Estado, isto é, segundo os parâmetros da constituição;

6-  O texto constitucional, no Estado de Direito, apenas legitima o poder político, porém não contém o arbítrio, na medida em que ele não preconiza o controle de conteúdo do Direito ou da lei, haja vista que tais expressões são tomadas como sinônimos;

7-  Os eventos ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial representam o desgaste desse sistema e demonstrou as falhas e o fracasso do positivismo jurídico como modelo filosófico a ser seguido;

8-  Após esse período fatídico, o pensamento político-jurídico evolui e passa a conceber um novo modelo político — o Estado Democrático de Direito — cujo núcleo central também se vincula à contenção do arbítrio estatal. Ocorre, porém, que a maneira de a isso proceder é totalmente diferente da do antigo sistema. No modelo do Estado de Direito, pautado pela óptica do positivismo jurídico, a segurança jurídica se encontra no estrito respeito à lei, pouco importando o seu conteúdo. Nesse modelo, o papel da constituição segue a concepção de Carl Schmitt, isto é mero instrumento de decisão política fundamental, ligada à organização do Estado (esse é o mote do constitucionalismo);

9- Já no novo modelo, pautado filosoficamente pelo pós-positivismo, a contenção do arbítrio se dá essencialmente pelos respeito aos direitos humanos, que agora se encontram positivados nos textos constitucionais sob a nomenclatura “direitos fundamentais”, dispostos tanto expressa quanto explicitamente, seja na forma de regras ou princípios, que agora passam a ter eficácia normativa plena, independentemente de lei regulamentadora;

10-  O mote do neoconstitucionalismo é a preservação, garantia e promoção desses direitos, que encontram a sua origem no jusnaturalismo e passam a condicionar a aplicação e a criação do direito, moralizando-o. Assim, extinguem-se todas as possibilidades de se aviltar a condição humana como antes ocorrera. Agora, efetivamente, o homem torna-se sujeito de direitos e não objeto;

11-  Diante disso, são perceptíveis as seguintes constatações: o Estado Democrático de Direito é uma construção política fundada no neoconstitucionalismo, cujo instrumental— o texto constitucional — possui a função organizacional e, mais importante ainda, a função garantista dos direitos fundamentais;

12-  A segunda função é empreendida pelo Poder Judiciário através da hermenêutica jurídica, método de interpretação que busca extrair do Direito o conteúdo e o alcance de suas disposições, consoante os parâmetros fornecidos pelo Texto Constitucional, especialmente aqueles que constam nos direitos fundamentais. Comparando como o modelo anterior, no neoconstitucionalismo a Constituição passa a ter papel efetivo na concretização da Justiça, pois todo o sistema jurídico deverá estar acorde com o seu ideário;

13-  Assim, é possível dizer que, no neoconstitucionalismo, o texto constitucional torna-se instrumento transmissor de legitimidade para todo o ordenamento jurídico, cabendo ao Poder Judiciário fazer valer os direitos que nele constam;

14- Isso não quer dizer, contudo, que o Poder Judiciário no neoconstitucionalismo tenha atributos legiferentes. Em hipótese alguma a atividade jurisdicional pode substituir a legislativa, pois do ativismo judicial surge a ditadura togada, que termina por corromper o Estado Democrático de Direito;

15-  A compreensão do neoconstitucionalismo é importantíssima, pois a seu pretexto verdadeiras leis estão sendo editadas pelo Poder Judiciário, conforme apontado na introdução desta pesquisa;

16-  Por fim, é possível dizer com segurança que o constitucionalismo se preocupa com o Estado, ao passo que, no neoconstitucionalismo, a preocupação central resulta na proteção do indivíduo, visando evitar a reductio ad Hitlerum.


Referências bibliográficas

ALMEDIA, Guilherme de Assis; CHRISTMANN, Martha Ochsenhofer. Ética e direito: uma perspectiva integrada. São Paulo: Atlas, 2002.

ARRUDA, José Jobson de. A Revolução Industrial. São Paulo: Atica, 1988.

ARTOLA, Miguel. Constitucionalismo en la historia. Barcelona: Crítica, 2005.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios- da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo, Malheiros, 2004.

BARHAM, Francis. The political works of Marcus Tullius Cicero. London, 1841.

BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História: a nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito Brasileiro. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 23, 2003.

__________. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

__________. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Revista de Direito da Procuradoria Geral, Rio de Janeiro, vol. 60, 2003, p. 137-179.

BATISTA, Gustavo Cristóvão de Oliveira Batista; SALDANHA, Jânia Maria Lopes. Hermenêutica jurídica e tempos modernos: uma metáfora para melhor compreensão da realidade jurídica nacional e da crise do positivismo através da obra de Chaplin. In: XVIII Encontro Nacional do CONPEDI, 2009, Maringá- PR. As Dimensões da Personalidade na Contemporaneidade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009. p. 160-176

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. João Ferreira et alii. Brasília: Editora da UnB, 1986.

__________. O Positivismo Jurídico. Lições de Filosofia do Direito. Trad. Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1995.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

BOVERO, Michelangelo (Org). Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

CADEMARTORI, Sérgio. Estado de direito e legitimidade: uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed.Coimbra: Livraria Almedina, 1999.

_________; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra, Coimbra Ed., 1991.

CARBONELL, Miguel (org). Neoconstitucionalismo(s). 2 ed. Madrid: Trotta, 2005.

CARLYLE, R. W; CARLYLE, A. J. A History of Medieval Political Theory in the West, vol. 1. Edinburgh: W. Blackwood and sons, 1903.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de teoria geral do direito (O construtivismo lógico-semântico). 3 ed. São Paulo: Noeses, 2012.

COELHO, Luís Fernando. Teoria Crítica do Direito. 3 ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

COTRIM, Gilberto. História e Consciência do Mundo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.

DUARTE; Hugo Garcez; MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. Pós-positivismo e hermenêutica: o novo papel do juiz ante a interdisciplinariedade e a efetiva tutela dos direitos fundamentais. In: XVII Encontro Preparatório do Conpedi, 2008, Salvador. Anais do XVII Encontro Preparatório do Conpedi. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008. v. 16. p. 3593-3604.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira, São Paulo, Martins Fontes, 2002.

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. – Elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.

FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1996.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana Paula Zomer e outros. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

FIORAVANTI, Maurizio. Constitución. De la Antigüedad a nuestros días. Traducción Manuel Martínez Neira. Madrid: Trotta, 2001.

HART. Herbert L. A. O conceito de direito. Trad. A. Ribeiro Mendes. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Trad. Wilma Patrícia Maas, Carlos Almeida Pereira. Rio de janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.

LAFER, Celso. A reconstrução dos Direitos Humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Trad. José Lamego. 3. ed, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Tradução Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa Petrópolis: Ed. Vozes, 2003.

MACHADO, Daniel Carneiro. A coisa julgada inconstitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 23 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1995.

MATTEUCCI, Nicola. Organización del poder y libertad. Historia del constitucionalismo moderno. Trad. F. J. Ansuatégui Roig y M. Martinez Meira.Madrid: Trotta, 1998.

McILWAIN, Charles Howard. Constitucionalismo antiguo y moderno. Trad.Juan José Solozábal Echaarría. Madrid: Centre de Estúdios Constitucionales, 1992.

__________. The growth of political thought in the West: from the Greeks to the end of the Middle Ages. New York: Cooper Square Publishers, 1968.

MILMAN, Luís. O holocausto: verdade e preconceito. Revista Espaço Acadêmico, Maringá, IV, n. 43, dez. 2004. Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/043/43/cmilman.htm> Acesso em 15 de dez. 2012.

MOREIRA, Rui Verlaine Oliveira ; BELCHIOR, Germana Parente Neiva ; PEIXOTO, Francisco David Fernandes. A crise do positivismo jurídico. In: Encontro Preparatório para Congresso Nacional do CONPEDI, 2008, Salvador. XVII Encontro Preparatório para o Congresso Nacional, 2008, p. 4002-4021.

PAIVA, Vicente Ferrer Neto. Elementos de Direito Natural ou de Philosophia do Direito. 2 ed. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 1850. (Google books)

PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. Constitucionalismo garantista y democracia. Revista

Crítica Jurídica, Curitiba, n. 22, p. 31-65, jul./dez. 2003.

____________. La garantia en el Estado constitucional de derecho. Madrid: Trotta, 1997.

QUARESMA, Regina. et alii. Direito constitucional brasileiro: perspectivas e controvérsias contemporâneas. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

SARLET, Ingo Wolfgang. Eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Trad. Miguel Carbonell. Madrid: Trotta, 2005.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Emílio Gutierrez Sobrinho

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Rio Preto-UNIRP; Especializando em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus; Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUTIERREZ SOBRINHO, Emílio. Elementos fundamentais do constitucionalismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3651, 30 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24816. Acesso em: 23 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos