Conclusão:
Os destroços deixados ao fim da Segunda Guerra Mundial fizeram com que o direito se tornasse principal instrumento na busca de justificativas ao terror instaurado. Na Alemanha, juristas passaram a pensar um novo referencial teórico que condenasse a barbárie que havia assolado o Velho Continente, momento em que optaram por despertar um jusnaturalismo considerado adormecido durante toda a primeira metade do século XX. Para tanto, atribuíram ao formalismo jurídico que dava alicerce às teorias positivistas, a responsabilidade pela ascensão e manutenção do totalitarismo, uma vez que o caráter formal do direito permitiria legitimar qualquer vontade política. Assim, os antipositivistas abrolharam como defensores inveterados dos valores da justiça, vertendo sobre o juspositivismo todo o peso de um retrocesso teórico ortodoxo.
As críticas em torno do positivismo apelam ao Nazismo, justificando os horrores praticados pelo nacional-socialismo na mais pura redução ao legalismo. Sob essa ótica, a aplicação mecânica das leis do Terceiro Reich, atrelada à definição do direito pela forma, como capaz de dar legitimidade às normas injustas, teria permitido a manutenção do partido nacional-socialista no poder, o que se revela como infeliz acusação, tendo em vista que a redução do papel do magistrado à aplicação normativa mediante o critério da subsunção, já se mostrava deveras superada, não tendo sido abraçada por nenhum dos teóricos positivistas contemporâneos ao regime nazista.
As evidências históricas claramente demonstram que as grandes modificações perpetradas pelo Nazismo basearam-se em maior medida em argumentos que evocavam valores suprapositivos, tendo em vista que o Estado alemão encontrava-se diante de um típico regime de exceção, com a suspensão da ordem jurídica e sua substituição pelo comando do Terceiro Reich. Esse ambiente se mostrava completamente hostil às teorias juspositivistas que, defensoras de um relativismo filosófico, negavam a existência de verdades absolutas.
A figura de um déspota impondo um conceito de justiça por meio de deveres e obrigações também se mostra verdadeira afronta aos ideais positivos. Cabe lembrar que para Kelsen, a subjetividade do conceito de justiça não permite que o mesmo seja utilizado como critério de validade de uma norma dentro do ordenamento jurídico, já que este exige uma segurança jurídica necessária, que por sua vez, é avessa à manutenção de qualquer Estado Totalitário.
As acusações imputadas ao positivismo jurídico são deveras levianas, injustificadas e superficiais. De fato, o totalitarismo se valeu de determinados pressupostos positivistas para perpetrar barbáries, todavia, nesse rol de culpas e imputações, exerce o jusnaturalismo maior destaque, até porque sua tendência à valoração absoluta encontra laços mais estreitos com os sistemas ditatoriais.
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Notas
[1]DWORKIN, Ronald. A Matterofprinciple (1985:115).
[2]DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico (2006:257).
[3]HOERSTER, Norbert. Em defensa del positivismo jurídico (1992:9).
[4]ZAGREBELSK, Gustavo. El derecho dúctil – Ley, derechos, justicia (2008:72).
[5]MACHADO, Roberto Denis. Das críticas e dos preconceitos ao positivismo jurídico (2008:347).
[6]MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade (2000:197).
[7]MUNHOZ, Wellington Daniel. A Teoria Pura do Direito e a Lei da Cidadania do Reich.
[8]Em 1946, Radbruch publicaUmrechtundÜbergesetzlichesRecht, obra que evidencia a inclinação desse jurista ao jusnaturalismo.
[9]Para mais informações ver: GesetzlichesUmrechtundÜbergesetzlichesRecht, traduzido em uma edição brasileira por: Leis que não são direito e direito acima das leis, Justitia,1976, p. 155-163.
[10]A fórmulade Radbruch estabelece que no conflito entre justiça e segurança jurídica, tem preferência primeiramente o direito positivo, ainda que seu conteúdo seja injusto. Todavia, se a injustiça praticada for extrema, a justiça prevalecerá sobre a segurança jurídica.
[11]VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da Norma Jurídica (1996:253-254).
[12]HOBBES, apud BOBBIO. In: Teoria da norma jurídica (2012:61)
[13]SCHIER, Paulo Ricardo. Novos desafios da filtragem constitucional no momento do neoconstitucionalismo. (2007:253).
[14]FONTOURA, João Fábio Silvada. Positivismo jurídico e pós-positivismo à luz da metódica estruturante. (2009:50).
[15]NEUMANN, apud FONTOURA. In: Positivismo jurídico e pós-positivismo à luz da metódica estruturante (2009:51).
[16]GOMES, Alexandre Travessoni. O fundamento de validade do direito em Kant e Kelsen (2004:24).
[17]MACHADO, Roberto Denis. Das críticas e dos preconceitos ao positivismo jurídico (2008:335).
[18]GOMES, Alexandre Travessoni. O fundamento de validade do direito em Kant e Kelsen (2004:278).
[19]GOMES, Alexandre Travessoni. O fundamento de validade do direito em Kant e Kelsen (2004:276).
[20]A submissão do direito à moral, ao contrário do que se pensa, era quase unânime entre juristas nazistas, que viam na moralidade a vontade do povo alemão refletida nos interesses do partido nacional-socialista.
[21]GOMES, Alexandre Travessoni. O fundamento de validade do direito em Kant e Kelsen (2004:219).
[22]HART, Herbert L. A. Law, LibertyandMorality (2002:12).
[23] KELSEN, Hans. A Democracia (2000:353).
[24]MACHADO, Roberto Denis (2008:337).
[25]Mais informações In: DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Método, 2006.
[26]FONTOURA, João Fábio Silvada. Positivismo jurídico e pós-positivismo à luz da metódica estruturante (2009:51).
[27]BOBBIO, Norberto. Positivismo Jurídico - lições de filosofia do direito (1995:236).
[28]KAUFMANN, Arthur. A problemática da filosofia do direito ao longo da história (2002:123-124).
[29] MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade (2000:195)
[30]“Cartas distribuídas pelo Ministério da Justiça a partir de 1942 — na condição de protetor dos valores de um povo [...] e aniquilador dos falsos valores; o povo torna-se ‘unidade’, ‘verdadeiro’ povo, objeto da representação e produto da atividade decisória judicial” (MAUS, 2000, p. 197).
[31]MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade (2000:197)
[32] MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade (2000:197). Tal declaração data de 19 de março de 1933 e reivindica o papel decisório do juiz, que por ser consciente e nacionalista, estaria apto a decidir conforme a própria consciência.
[33]KAUFMANN, Arthur. A problemática da filosofia do direito ao longo da história (2002:123-124).
[34] MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade (2000:199)