O princípio da competência residual da União em face das contribuições previdenciárias encontra-se encartado no artigo 195, §4º da Constituição Federal de 1988, segundo o qual “a lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I”.
O artigo 154, I da Constituição Federal, mencionado no dispositivo supracitado, refere-se à competência residual da União para instituir impostos, observando-se os seguintes requisitos: a) criação por lei complementar; b) não cumulatividade; c) não ter fato gerador ou base de cálculo próprios dos impostos já discriminados na Constituição.
Segundo ZAMBITTE (2012), a aplicação do artigo 154, I quanto à instituição de contribuições sociais no exercício da competência residual da União gerou uma série de controvérsias. Basicamente, discutia-se se todos ou apenas alguns dos requisitos acima elencados eram de observância obrigatória para a instituição dessas contribuições.
Essa discussão foi levada à manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF), que já firmou jurisprudência pacífica a respeito da matéria, como passaremos a expor.
Conforme já ressaltado, a polêmica gerada em relação à instituição de “outras fontes” de financiamento da seguridade social diz respeito à aplicação dos requisitos previstos para a instituição de impostos na competência residual da União, já que o artigo 195, §4º da Constituição Federal determina a aplicação da norma contida no artigo 154 do mesmo diploma.
De acordo com KERTZMAN (2012, p. 76), o STF entende que “[...] estas contribuições devem ser criadas mediante lei complementar e obedecendo ao princípio da não cumulatividade”, dispensada, no entanto, a observância à exigência de “[...] ter fato gerador ou base de cálculo diferente dos impostos já existentes” (grifos originais).
A respeito da matéria, obtemos dois esclarecimentos importantes em ZAMBITTE (2012, p. 111).
Em primeiro lugar, no que tange à possibilidade de coincidência com fatos geradores e bases de cálculo, esse entendimento refere-se aos elementos dos impostos, na medida em que a repetição de fato gerador ou base de cálculo de contribuição social já existente importaria mero adicional, sem inovação exacional.
Segundo, em sentido aparentemente contrário à posição de KERTZMAN, afirma ZAMBITTE que o requisito da não cumulatividade também não seria exigido pelo STF para a instituição de outras fontes da seguridade social, uma vez que “[...] este princípio não se aplica às contribuições existentes, pois não se qualificam como tributos polifásicos, incidentes sobre a cadeia produtiva, mas sim monofásicos”. Assim, essa exigência somente “[...] poderia surgir, caso a União viesse criar uma nova contribuição social com fato gerador semelhante ao ICMS e IPI, dando a esta contribuição a natureza polifásica”. (2012, p. 111).
Em que pese a aparente divergência de posicionamento entre os autores citados, entendemos que suas ideias não se excluem. Conciliando esses dois entendimentos, podemos inferir que, atualmente, o requisito da não cumulatividade não é exigido porque não há contribuições sociais de caráter polifásico. No entanto, caso venha a ser instituída contribuição incidente sobre a cadeia produtiva, com fato gerador semelhante ao ICMS e IPI, o requisito em questão passará a ser exigido para evitar a ocorrência de bitributação.
Finalmente, a título de reforço argumentativo, passamos a citar alguns julgados do STF colhidos em seu repertório de jurisprudência que confirmam o entendimento exposto: a) RE 377.457, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 17/09/2008, DJE 19/12/2008 (constitucionalidade do artigo 56 da Lei nº 9.430/96, por não se tratar de instituição de nova fonte de custeio da seguridade, não se exigindo, portanto, lei complementar); b) RE 351.717, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 08/10/2003, DJ 21/11/2003 (inconstitucionalidade do art. 13, §1º da Lei nº 9.506/97, pois criou nova contribuição social, exigindo-se lei complementar); c) RE 228.321, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 01/10/1998, DJ 30/05/2003 (constitucionalidade da contribuição social criada pela Lei Complementar nº 84, de 18/01/1996)[1] .
Da leitura do texto constitucional, verifica-se que a instituição de novas contribuições sociais no exercício da competência residual da União (artigo 195, §4º) está condicionada ao atendimento dos requisitos previstos no artigo 154, I, a saber: a) lei complementar; b) não cumulatividade; c) não coincidência com fatos geradores e bases de cálculo de impostos já existentes.
Não obstante, em face de construção jurisprudencial já sedimentada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, dos requisitos exigidos para o exercício da competência residual de impostos (art. 154, I), apenas um deles aplica-se atualmente às contribuições sociais: a instituição por lei complementar (requisito formal).
referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www81.dataprev.gov.br/sislex/indexpub1280.asp>. Acesso em: 22 jul. 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. A Constituição e o Supremo. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp#visualizar>. Acesso em: 22 jul. 2013.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 17. ed. Niterói: Impetus, 2012.
KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 9. ed. Salvador: Juspodivum, 2012.
Nota
[1] ZAMBITTE comenta que, no julgamento da constitucionalidade da Lei Complementar 84/96, o STF firmou o entendimento a respeito da exigibilidade apenas do requisito formal (lei complementar) para instituição das contribuições sociais na forma do artigo 195, §4º da Constituição Federal, dispensando os demais requisitos do art. 154, I. (2012, p. 111).