5 A DECISÃO DO SUPREMO E A ALTERAÇÃO NO ENUNCIADO Nº 331, DO TST
Embora a Justiça do Trabalho persistisse na aplicação da súmula 331, a decisão emanada pelo Supremo em sede da ADC nº 16 passou a ser o argumento norteador para interposição de recursos para os tribunais regionais e superior do trabalho, como se verificará a seguir.
Ao julgar a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16-DF, na sessão de 24/11/2010, o Supremo Tribunal Federal decidiu por maioria declarar a constitucionalidade do artigo 71, §1º, da Lei 8.666/93, isentando assim a Administração Pública da imediata e automática responsabilização pela pura inadimplência da empresa prestadora de serviços quanto às obrigações trabalhistas a si imputadas para com os terceirizados.
Dessa forma, ‘pressionado’ pelo Supremo, o TST modifica em 24 de maio de 2011 o Enunciado nº 331, para adequá-lo ao posicionamento do STF e adotar um novo viés na análise da responsabilidade do tomador de serviços na terceirização trabalhista: agora, seria necessária a efetiva comprovação da culpa – especialmente in vigilando – da Administração Pública, direta e indireta, nos temas referentes à inadimplência das obrigações trabalhistas por parte da empresa prestadora de serviços para com os trabalhadores, conforme se infere da transcrição da reforma da súmula, in verbis:
Súm.331. I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional.
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI - A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação. (grifos acrescidos)
A partir desse novo posicionamento da instância última da Justiça Laboral, inevitavelmente surge o questionamento: como comprovar a culpa da Administração Pública nesses casos? Fato é que, da análise da reforma da súmula transcrita, conclusão outra não há senão a de que o ônus probandi passou a ser de quem reclama, ou seja, do trabalhador.
Isso vem a ser uma questão deveras preocupante, pois, a modificação no Enunciado n. 331, embora tenha vindo com o sentido de isentar a Administração Pública de tornar-se uma “seguradora universal” da inadimplência contratual, acaba por retirar a eficácia de princípios constitucionais e processuais que consubstanciam o paradigma protecionista do direito laboral, na medida em que, indo de encontro à própria teoria da prova possível, coloca o trabalhador na posição de ter que trazer aos autos de um processo provas que, evidentemente, estão de posse das empresas contratantes, e não dele, flagrantemente hipossuficiente na relação de terceirização.
Idéia mais razoável não há, senão a de que quem efetivamente detém a prova, deva apresentá-la em juízo e assim, desincumbir-se das alegações que lhe são imputadas. Essa medida se coaduna perfeitamente com os princípios da celeridade e economia processual, tão almejados na justiça do trabalho, que sempre primou pela efetividade da prestação jurisdicional.
Quanto ao dever de requerer tal prova, a opção mais lógica é a de que esta deve ser uma iniciativa do Magistrado e não do reclamante, especialmente quando se tem em mente o princípio do Jus Postulandi, que não permite que se exija demais de um trabalhador que sequer está assistido por procurador legalmente habilitado.
No entanto, não obstante essas considerações, a polêmica a respeito da decisão do supremo e seu reflexo na Súmula nº 331 surge fervorosa, causando divergência de julgamento tanto dentro dos próprios Tribunais Regionais do Trabalho, como até mesmo dentro do próprio TST que, recentemente também tem proferido decisões no sentido de responsabilizar a Administração Pública pela ausência de comprovação de fiscalização da execução do contrato de trabalho, o que, como se percebe, vai completamente de encontro ao ideal pregado pelo Supremo e reproduzido na nova súmula 331 do TST.
Nesse sentido, o Ilustre Ministro do TST, José Roberto Freire Pimenta, assim se pronunciou em um de seus julgados:
TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 71, § 1º, DA LEI Nº 8.666/93 E RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ENTE PÚBLICO PELAS OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS DO EMPREGADOR CONTRATADO. POSSIBILIDADE, EM CASO DE CULPA IN VIGILANDO DO ENTE OU ÓRGÃO PÚBLICO CONTRATANTE, NOS TERMOS DA DECISÃO DO STF PROFERIDA NA ADC Nº 16-DF E POR INCIDÊNCIA DOS ARTS. 58, INCISO III, E 67, CAPUT E § 1º, DA MESMA LEI DE LICITAÇÕES E DOS ARTS. 186 E 927, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL E PLENA OBSERVÂNCIA DA SÚMULA VINCULANTE Nº 10 E DA DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ADC Nº 16-DF. SÚMULA Nº 331, ITENS IV E V, DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO.
Na hipótese dos autos, constata-se não haver, no acórdão regional, nenhuma referência ao fato de que o ente público demandado praticou os atos de fiscalização do cumprimento, pelo empregador contratado, das obrigações trabalhistas referentes aos trabalhadores terceirizados, o que era de seu exclusivo onus probandi e é suficiente, por si só, para configurar a presença, no quadro fático delineado nos autos, da conduta omissiva da Administração configuradora de sua culpa in vigilando, o que é suficiente para a manutenção da decisão em que se o condenou a responder, de forma subsidiária, pela satisfação das verbas e demais direitos objeto da condenação.
Agravo de instrumento desprovido. (AIRR nº 90640-10.2006.5.03.0138, Rel. José Roberto Freire Pimenta. DJET 09/09/2011) (grifos no original)
Como se vê, a divergência está dentro do próprio Tribunal Superior do Trabalho, que trata como dever exclusivo de comprovar a devida fiscalização como sendo do ente público e não do trabalhador. Note-se que o termo empregado pelo Exmo. Ministro Relator (ao adjetivar o onus probandi) é “exclusivo” e não solidário.
Também no mesmo sentido, o Acórdão de lavra do Ministro Milton de Moura França, julgado em setembro do corrente ano, senão vejamos:
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA - SÚMULA Nº 331, V, DESTA CORTE. A responsabilidade da Administração Pública de fiscalizar o fiel cumprimento das obrigações da empresa que contrata, para lhe prestar serviços, decorre de lei e da própria Constituição, na medida em que se utiliza de recursos públicos e, assim, seu desembolso exige o fiel cumprimento do contrato. Comprovado que a União não fiscalizou sua contratada, em típica culpa in vigilando, visto que obrigações trabalhistas não foram por esta regularmente satisfeitas, a sua responsabilidade subsidiária se impõe, ante o que preconiza a Súmula 331, V, da Corte e precedente do STF. Agravo de instrumento não provido. (AIRR – 48300-03.2009.5.15.0109, Rel. Milton de Moura França. DJET 14/09/2011) (grifos acrescidos)
Como se pode inferir do julgado supra, a responsabilização da Administração Pública apresenta-se aqui de forma eminentemente objetiva, posto que a simples constatação de que as obrigações trabalhistas não foram satisfeitas pela empresa contratada, já demonstraria a ausência de fiscalização por parte do ente público. Posicionamento este que se evidencia mais “radical” ainda do que o do Ministro José Roberto Freire Pimenta, que todavia considerava a questão do onus probandi.
No entanto, como já dito alhures, a divergência persiste dentro do próprio TST, com posicionamentos no sentido de excluir a responsabilidade do ente público, como se pode aferir dos Acórdãos de lavra dos Ilustres Ministros Fernando Eizo Ono Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, ipsis litteris:
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. TOMADOR DE SERVIÇOS. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. O Tribunal Regional condenou subsidiariamente o segundo Reclamado (Estado de Minas Gerais) a pagar os créditos do Reclamante, por ter sido o beneficiário direto dos seus serviços. No julgamento da ADC 16/DF, o STF decidiu que o art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 é constitucional e que isso não impede a responsabilização subsidiária de ente público, desde que caracterizada a culpa in vigilando. No caso, a responsabilidade subsidiária do Estado de Minas Gerais foi reconhecida em virtude do não adimplemento das obrigações trabalhistas pela empregadora direta do Reclamante, sem que tivesse sido atribuída e demonstrada a negligência do Estado de Minas Gerais no tocante ao cumprimento dessas obrigações pela prestadora de serviços. Demonstrada possível violação do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93. Agravo de instrumento a que se dá provimento, para determinar o processamento do recurso de revista, observando-se o disposto na Resolução Administrativa nº 928/2003. II - RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. TOMADOR DE SERVIÇOS. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. No julgamento da ADC 16/DF, o STF decidiu que o art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 é constitucional e que isso não impede a responsabilização subsidiária de ente público, desde que caracterizada a culpa in vigilando. No caso, a responsabilidade subsidiária do Estado de São Paulo foi reconhecida em virtude do não adimplemento das obrigações trabalhistas pela empregadora direta do Reclamante, sem que tivesse sido atribuída e demonstrada a negligência do Estado de São Paulo no tocante ao cumprimento dessas obrigações pela prestadora de serviços. Recurso de revista a que se dá provimento. (RR - 289200-79.2010.5.03.0000, Rel. Fernando Eizo Ono. DEJT 07/10/2011) (grifos acrescidos).
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RECURSO DE REVISTA. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA OU INDIRETA. TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. Diante da salvaguarda inscrita no art. 71 da Lei nº 8.666/93, a responsabilidade subjetiva e subsidiária da Administração Pública Direta ou Indireta encontra lastro em caracterizadas ação ou omissão culposa na fiscalização e adoção de medidas preventivas ou sancionatórias contra o inadimplemento de obrigações trabalhistas por parte de empresas prestadoras de serviços contratadas (arts. 58, III, e 67 da Lei nº 8.666/93). Não evidenciada a culpa “in vigilando”, impossível a condenação. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 242-65.2010.5.03.0109, Rel. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira. DJET 07/10/2011) (grifos acrescidos).
Como se infere dos julgados supramencionados, para os Ministros Relatores a culpa in vigilando deve restar devidamente evidenciada nos autos, ou seja, traz a idéia de que os autos já devem estar devidamente instruídos para a efetiva responsabilização do ente público, caso contrário, não haveria que se falar em responsabilidade subsidiária.
Ocorre que é difícil conceber a possibilidade de a Administração Pública ter efetivamente exercido o seu dever de vigilância e, ainda assim, ter ocorrido a inadimplência das obrigações trabalhistas por parte da prestadora de serviços. Isto seria uma contradição visivelmente paradoxal.
Se quisesse efetivamente fiscalizar seus contratos, o Ente Público, na condição de tomador de serviços, poderia condicionar o repasse de verbas para a prestadora à comprovação, por meio de recibos, do efetivo pagamento das obrigações trabalhistas. Desta forma, restaria cabalmente provado o seu dever fiscalizatório.
Noutro viés, há quem entenda que a responsabilidade subsidiária do ente público decorre da própria Teoria do Risco, contemplada no artigo 927 do Novo Código Civil. Neste sentido, assim tem se posicionado o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, conforme julgamento do Recurso Ordinário nº 0082600-37.2008.5.04.0010 (BRASIL, 2011), senão vejamos:
EMENTA: Responsabilidade subsidiária. Fundamento legal. Comprovado o descumprimento das obrigações trabalhistas pela empregadora, resulta que a tomadora dos serviços torna-se responsável pela reparação do dano. Tal responsabilização decorre da teoria do risco, acolhida no art. 927 e seu parágrafo único do Código Civil, inovação jurídica em relação à responsabilidade subjetiva antes adotada no ordenamento jurídico pátrio. Assim, mesmo sendo legal a intermediação dos serviços, o tomador de serviços deve responder por eventuais créditos trabalhistas não satisfeitos. Prevalece a proteção ao trabalho humano, tratado como direito fundamental na Constituição da República. (RO - 0082600-37.2008.5.04.001, Rel. Denise Pacheco. DJET 04/08/2011) (grifos acrescidos)
Como se vê, a diversidade de embasamento para as interpretações da súmula 331 é bastante considerável, e a dissidência dentro do próprio TST, sobre um enunciado que ele mesmo editou demonstra que as interpretações dadas à ADC nº 16 só contribuem para aumentar a insegurança jurídica em desfavor do principal prejudicado: o trabalhador.
6 AS IMPLICAÇÕES DE UMA INTERPRETAÇÃO RÍGIDA À ADC Nº 16 NO ÂMBITO DAS GARANTIAS TRABALHISTAS
Conforme o exposto acima, percebe-se que uma interpretação rígida do julgamento da ADC nº 16 iria totalmente de encontro aos valores e princípios norteadores do direito do trabalho, que emergem de cláusulas pétreas da Constituição, como a Dignidade da Pessoa Humana, consignado no artigo 1º, inciso III, e o Valor Social do Trabalho, presente no inciso IV. Além disso, indo mais ao âmago da matéria, poder-se-ia cogitar também de incompatibilidade com o inciso IV do artigo 3º da Carta Magna, na medida em que se verifica aqui uma verdadeira discriminação entre os créditos previdenciários e trabalhistas para fins de responsabilização.
Outrossim, o §1º, do artigo 71 da Lei de Licitações confronta diretamente com outros artigos da própria lei 8.666/93, como o artigo 58, inciso III, que impõe à Administração Pública o dever de fiscalização do contrato, combinado com o artigo 67 que estabelece o modo e forma dessa fiscalização, bem como o artigo 78, VIII, que expressamente permite a rescisão unilateral do contrato por motivo de cometimento reiterado de faltas na sua execução.
Noutro flanco, percebe-se que a ADC nº 16 trouxe como conseqüência a insegurança jurídica quanto à efetivação dos direitos do trabalhador, que agora, mais do que nunca, se vê a mercê da própria sorte acerca de qual turma do TST irá analisar o novo conteúdo da Súmula 331, o que determinará ou não a responsabilização da Administração Pública pelos créditos trabalhistas. Desta forma, urge a necessidade de conscientização da necessidade de proteção ao trabalhador, especialmente quando se tem um confronto entre uma norma e vários princípios constitucionais, como é o caso.
O que se vê na verdade é a necessidade flagrante e imediata da preservação dos princípios quando da interpretação da decisão do Supremo, pois a necessidade de proteção emerge como ponto determinante na seara trabalhista e a preservação desse princípio deve se sobrepor à norma, ainda que esta tenha sido declarada constitucional pelo STF, senão estaria descaracterizado o fim maior da Justiça Trabalhista: o de primar pela defesa do valor social do trabalho.
Corroborando com esse pensamento, Roque Antonio Carrazza, citado por Rodrigo Lanzi de Moraes Borges (2010, p.334), afirma que o princípio “vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam”(sic). Nesse mesmo sentido, Paulo Henrique dos Santos Lucon, também citado por Borges (2010, p.334), defende que os princípios “são também normas jurídicas, mas de natureza anterior e hierarquicamente superior as ‘normas comuns’ (ou de ‘normas não principais’)”. (sic).
Sendo assim, a função vetorial de princípios constitucionais, como os já citados alhures, não pode ser menosprezada, sob pena de se perder a essência da própria norma, haja vista que todo o ordenamento jurídico foi criado sob a égide axiológica, vinculando assim, a própria interpretação das leis à interpretação prévia dos princípios a elas vinculados; do contrário, as garantias e os direitos assegurados tanto no texto constitucional quanto na Consolidação das Leis do Trabalho seriam vazios, sem nenhuma aplicabilidade prática, permanecendo no plano abstrato.
Quando a situação do trabalhador que sofre os danos decorrentes da inadimplência da empresa prestadora de serviços é analisada sob a égide do artigo 71, §1º da Lei de Licitações, agora “ratificado” pela ADC nº 16, o resultado é uma relação jurídica desproporcional, em que uma das partes, ainda que tida como hipossuficiente, acionando uma Justiça especializada e direcionada para a proteção ao trabalhador, acaba por ter os seus pleitos indeferidos por uma regra de ordem processual, qual seja, o onus probandi que sequer está ao seu alcance.
Vê-se então, que o enaltecimento às normas de natureza processual põe em risco a efetivação do próprio direito material e traz à baila o questionamento: seria as normas processuais um instrumento para a efetivação do direito material ou seria o direito material uma consequencia das normas processuais?
As decisões emanadas pelo STF, como a prolatada em sede da ACD supracitada, só vêm a corroborar com o pensamento acima, haja vista que, se aplicada literalmente, resultará no indeferimento dos pleitos do reclamante em razão de ele não ter se desincumbido do ônus de provar a culpa da tomadora de serviços, o que seria uma aplicação contraditória, pois estar-se-ia desconsiderando o nexo de causalidade entre uma conduta manifesta por parte da litisconsorte passiva – a falta de fiscalização – e o dano sofrido pelo empregado. Ora, se houve dano, salta aos olhos que houve no mínimo omissão por parte da tomadora de serviços razão pela qual essa conduta deve ser penalizada, especialmente quando se tem em mente que aquela que detém a capacidade de prova não o fez e isso é fruto da busca pela efetivação de outro princípio salutar na Justiça: o da busca pela verdade real.
Sendo assim, não há como conceber que uma norma de natureza infraconstitucional possa retirar a efetividade de princípios norteadores da própria Constituição Federal, especialmente quando se tem em mente o momento pós-positivista em que se encontra o Direito brasileiro.
Desta forma, percebe-se que a decisão do Supremo ao declarar a constitucionalidade do §1º, do artigo 71 só demonstra o flagrante caráter político que envolve as decisões desta suprema Corte, uma vez que decidindo em prol da Administração Pública, causa um “desequilíbrio jurídico”, dada a condição de hipossuficiência do trabalhador, que definitivamente não está sendo levada em consideração. Ademais, como se não bastasse, a própria função do STF de “guardião da Constituição” demonstra-se deveras questionável, quando este sobreleva uma norma infraconstitucional em detrimento de cláusulas pétreas, e pior, em detrimento daquele que constitui o maior fundamento da atual Carta Magna: o princípio da Dignidade da Pessoa Humana.