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A dispensa arbitrária e o estado empregador.

Uma revisão da jurisprudência atual

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05/08/2013 às 09:24
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6. A EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

6.1 Tribunal Superior do Trabalho

A par da louvável mudança jurisprudencial levada a cabo em 2007 através da alteração da Orientação Jurisprudencial n. 247 – SDI-I, que representou um importante avanço na defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores da ECT, subsiste ainda hoje, no Colendo Tribunal Superior do Trabalho, o entendimento consolidado de que as sociedades de economia mista e as empresas públicas sujeitam-se ao regime das empresas privadas, não lhes sendo obrigatória a observância da teoria da motivação dos atos administrativos, podendo, inclusive, despedir seus empregados concursados sem justo motivo, por força do disposto no art. 173, § 1.º, da Constituição Federal.

Registre-se, porém, essa Corte passa por um momento de renovação jurisprudencial e mudança de posicionamentos antes consolidados, notadamente tendo em vista a sua nova composição, o que nos leva a inferir que os citados enunciados e jurisprudências talvez não prosperem por muito tempo.

Corrobora essa assertiva recente Acórdão prolatado pela 2ª Turma em sede de Recurso de Revista em que o Ministro Relator estende a aplicação da segunda parte da Orientação Jurisprudencial n. 247 da SDI-I:

“(...)

 O cerne da controvérsia está em saber se a reclamante, servidora pública contratada por ente da administração pública direta (município) antes da Constituição Federal de 1988 sem concurso público, poderia ser dispensada dos quadros do empregador sem a adequada motivação.

Com efeito, o artigo 37, caput, da Constituição Federal estabelece como princípio aplicável à Administração Pública o da motivação de seus atos, segundo o qual devem ser expressos os motivos de fato e de direito que levaram à Administração Pública à tomada de determinada decisão.

Nesse ínterim, a demissão sem qualquer motivação de servidor que prestou serviços por quase vinte anos ao Município reclamado apresenta-se como arbitrária e violadora do artigo 37, caput, da Constituição Federal, uma vez que impossibilitaria ao administrado verificar/questionar a legalidade do ato proferido pelo ente público.

Infere-se esse mesmo entendimento da Orientação Jurisprudencial nº 247, II, que preconiza:

OJ-SDI1-247 SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA . EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE. Inserida em 20.06.2001 (Alterada - Res. nº 143/2007 - DJ 13.11.2007) I - omissis.

II - A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais.

Não há falar em violação do artigo 37, II, da Constituição Federal, uma vez que a discussão sobre legalidade da demissão em razão da ausência de concurso público pressuporia que o ato demissional fosse válido e, portanto, calcado motivos de fato e de direito expressos de forma antecedente ou, no máximo, concomitante ao ato demissional.

Em outros termos, a exposição tardia de fundamentos deduzidos como argumentos de defesa em ação judicial - a demissão teria ocorrido em razão da nulidade de contratação - como forma de tentar salvar-se ato maculado não encontra respaldo, uma vez que o ato é absolutamente nulo, pois arbitrário em razão da falta de motivação contemporânea.

Em face do exposto, apresenta-se despicienda, ainda, a análise da divergência jurisprudencial suscitada, uma vez que o v. acórdão encontra-se em conformidade com o entendimento inferido da referida Orientação Jurisprudencial. Incidência da Súmula nº 333 e artigo 896, § 4º, da CLT. (...)”[32]

6.2 Supremo Tribunal Federal

Volvendo os olhos para a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal, de fácil constatação que ambas as Turmas reiteradamente tem entendido que os empregados admitidos por concurso público em empresa pública ou sociedade de economia mista podem ser dispensados sem motivação, eis que aplicável a essas entidades o art. 7º, I e art. 173, §1º, II, ambos da Constituição Federal[33], sem que a ausência de motivação da dispensa incorra em violação do art. 37, caput e inciso II também da Constituição Federal[34].

Quando instada a se manifestar sobre essa questão, a Corte Suprema limitava-se a invocar a jurisprudência assentada de suas Turmas, remetendo-se à fundamentação de precedentes, deixando de enfrentar as contradições que a parte buscava ver sanadas perante o STF, notadamente que o regime jurídico aplicável às empresas estaduais por força do art. 173, §1º, inciso II da Constituição Federal tem o objetivo de evitar o desequilíbrio concorrencial entre as empresas estatais e o setor privado, mas não o de dispensar as empresas estatais de obedecer aos princípios administrativos a ela impostos pelo art. 37.

Conquanto esse fosse o panorama, não se pode deixar de registrar que o recente voto do Ministro Ricardo Lewandowski, proferido na Sessão Plenária de Julgamento de 24 de fevereiro de 2010, na relatoria do Recurso Extraordinário 589998/PI, representou grande avanço no trato da matéria em exame[35].

Trata-se de recurso extraordinário interposto pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho - TST em que se discute se a recorrente tem, ou não, o dever de motivar formalmente o ato de dispensa de seus empregados. Na espécie, o TST reputara inválida a despedida de empregado da recorrente, ao fundamento de que “a validade do ato de despedida do empregado da ECT está condicionada à motivação, visto que a empresa goza das garantias atribuídas à Fazenda Pública.”. A ECT, em síntese, aponta contrariedade aos artigos 41 e 173, § 1º, da CF, haja vista que a deliberação a respeito das demissões sem justa causa é direito potestativo da empresa, interferindo o acórdão recorrido na liberdade existente no direito trabalhista, por incidir no direito das partes pactuarem livremente entre si. Sustenta, ainda, que o fato de possuir privilégios conferidos à Fazenda Pública — impenhorabilidade dos seus bens, pagamento por precatório e algumas prerrogativas processuais —, não tem o condão de dar aos empregados da ECT o benefício da despedida motivada e a estabilidade para garantir reintegração no emprego.

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Considerando a relevância do festejado voto, peço vênia para transcrever seu resumo publicado no Informativo STF n. 576:

“(...)

O Min. Ricardo Lewandowski, relator, negou provimento ao recurso. Salientou, primeiro, que, relativamente ao debate sobre a equiparação da ECT à Fazenda Pública, a Corte, no julgamento da ADPF 46/DF (DJE de 26.2.2010), confirmou o seu caráter de prestadora de serviços públicos, declarando recepcionada, pela ordem constitucional vigente, a Lei 6.538/78, que instituiu o monopólio das atividades postais, excluídos do conceito de serviço postal apenas a entrega de encomendas e impressos. Asseverou, em passo seguinte, que o dever de motivar o ato de despedida de empregados estatais, admitidos por concurso, aplicar-se-ia não apenas à ECT, mas a todas as empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos, em razão de não estarem alcançadas pelas disposições do art. 173, § 1º, da CF, na linha de precedentes do Tribunal. Observou que, embora a rigor, as denominadas empresas estatais ostentarem a natureza jurídica de direito privado, elas se submeteriam a regime híbrido, ou seja, sujeitar-se-iam a um conjunto de limitações que teriam por escopo a realização do interesse público. Assim, no caso dessas entidades, dar-se-ia uma derrogação parcial das normas de direito privado em favor de certas regras de direito público.

Citou como exemplo dessas restrições, as quais seriam derivadas da própria Constituição, a submissão dos servidores dessas empresas ao teto remuneratório, a proibição de acumulação de cargos, empregos e funções, e a exigência de concurso para ingresso em seus quadros. Ao afastar a alegação de que os dirigentes de empresas públicas e sociedades de economia mista poderiam dispensar seu pessoal no uso do seu direito potestativo de resilição unilateral do pacto laboral, independentemente de motivação, relembrou que o regime jurídico das empresas estatais não coincidiria, de forma integral, com o das empresas privadas, em face das aludidas restrições, quando fossem exclusiva ou preponderantemente prestadoras de serviços públicos. Ressaltou que o fato de a CLT não prever realização de concurso para a contratação de pessoal destinado a integrar o quadro de empregados das referidas empresas, significaria existir uma mitigação do ordenamento jurídico trabalhista, o qual se substituiria, no ponto, por normas de direito público, tendo em conta tais entidades integrarem a Administração Pública indireta, sujeitando-se, por isso, aos princípios contemplados no art. 37 da CF. Rejeitou, por conseguinte, a assertiva de ser integralmente aplicável aos empregados da recorrente o regime celetista no que diz respeito à demissão.

Afirmou que o objetivo maior da admissão de empregados das estatais por meio de certame público seria garantir a primazia dos princípios da isonomia e da impessoalidade, o que impediria escolhas de índole pessoal ou de caráter puramente subjetivo no processo de contratação. Ponderou que a motivação do ato de dispensa, na mesma linha de argumentação, teria por objetivo resguardar o empregado de uma eventual quebra do postulado da impessoalidade por parte do agente estatal investido do poder de demitir, razão pela qual se imporia, no caso, que a despedida fosse não só motivada, mas também precedida de um procedimento formal, assegurado ao empregado o direito ao contraditório e à ampla defesa. Rejeitou, ainda, o argumento de que se estaria a conferir a esses empregados a estabilidade prevista no art. 41 da CF, haja vista que tal garantia não alcançaria os empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos de orientação já fixada pelo Supremo, que teria ressalvado, apenas, a situação dos empregados públicos aprovados em concurso público antes da EC 19/98.

Aduziu que o paralelismo entre os procedimentos para a admissão e o desligamento dos empregados públicos estaria, da mesma forma, indissociavelmente ligado à observância do princípio da razoabilidade, porquanto não se vedaria aos agentes do Estado apenas a prática de arbitrariedades, mas se imporia também o dever de agir com ponderação, decidir com justiça e, sobretudo, atuar com racionalidade. Assim, a obrigação de motivar os atos decorreria não só das razões acima explicitadas como também, e especialmente, do fato de os agentes estatais lidarem com a res publica, tendo em vista o capital das empresas estatais — integral, majoritária ou mesmo parcialmente — pertencer ao Estado, isto é, a todos os cidadãos. Esse dever, ademais, estaria ligado à própria idéia de Estado Democrático de Direito, no qual a legitimidade de todas as decisões administrativas tem como pressuposto a possibilidade de que seus destinatários as compreendam e o de que possam, caso queiram, contestá-las. No regime político que essa forma de Estado consubstancia, seria preciso demonstrar não apenas que a Administração, ao agir, visou ao interesse público, mas também que agiu legal e imparcialmente. Mencionou, no ponto, o disposto no art. 50 da Lei 9.784/99, que rege o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal (“Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; ... § 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato”). Salientou que, no caso da motivação dos atos demissórios das estatais, não se estaria a falar de uma justificativa qualquer, simplesmente pro forma, mas de uma que deixasse clara tanto sua legalidade extrínseca quanto sua validade material intrínseca, sempre à luz do ordenamento legal em vigor. Destarte, disse não se haver de confundir a garantia da estabilidade com o dever de motivar os atos de dispensa, nem de imaginar que, com isso, os empregados teriam uma “dupla garantia” contra a dispensa imotivada, eis que, concretizada a demissão, eles terão direito, apenas, às verbas rescisórias previstas na legislação trabalhista.

Em seguida, ao frisar a equiparação da demissão a um ato administrativo, repeliu a alegação de que a dispensa praticada pela ECT prescindiria de motivação, por configurar ato inteiramente discricionário e não vinculado, havendo por parte da empresa plena liberdade de escolha quanto ao seu conteúdo, destinatário, modo de realização e, ainda, à sua conveniência e oportunidade. Justificou que a natureza vinculada ou discricionária do ato administrativo seria irrelevante para a obrigatoriedade da motivação da decisão e que o que configuraria a exigibilidade, ou não, da motivação no caso concreto não seria a discussão sobre o espaço para o emprego de um juízo de oportunidade pela Administração, mas o conteúdo da decisão e os valores que ela envolve. Por fim, reiterou que o entendimento ora exposto decorreria da aplicação, à espécie, dos princípios inscritos no art. 37 da CF, notadamente os relativos à impessoalidade e isonomia, cujo escopo seria o de evitar o favorecimento e a perseguição de empregados públicos, seja em sua contratação, seja em seu desligamento. Após o voto do Min. Eros Grau que acompanhava o relator, pediu vista dos autos o Min. Joaquim Barbosa.”  (grifo nosso)

Vê-se, portanto, que o relator, em interpretação sistemática da Constituição Federal, concluiu pela necessidade de motivação da dispensa de empregado aprovado em concurso público não só pela ECT, mas por todas as empresas públicas e sociedades de economia mista prestadores de serviço público, às quais não se aplica o art. 173, §1º da Constituição Federal.

Neste ponto, chamo a atenção para os fundamentos delineados pelo relator em seu voto, os quais alcançam, indistintamente, todas as empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive aquelas exploradoras de atividade econômica, porquanto alicerçados nos princípios constitucionais que regem a Administração Pública.

Na Sessão Plenária de 20 de março de 2013, colhido o voto-vista do Ministro Joaquim Barbosa (Presidente), a Suprema Corte deu provimento parcial ao recurso extraordinário para reconhecer a inaplicabilidade do art. 41 da Constituição Federal e exigir-se a necessidade de motivação para a prática legítima do ato de rescisão unilateral do contrato de trabalho, vencidos parcialmente os Ministros Eros Grau e Marco Aurélio, ocasião em que o Relator reajustou parcialmente seu voto. Na sequência, o Tribunal rejeitou questão de ordem do advogado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT que suscitava fossem modulados os efeitos da decisão. Calha assinalar que referido acórdão ainda pende de publicação, ensejando, destarte, grande ansiedade na comunidade jurídica que aguarda a disponibilização do pronunciamento conclusivo do Supremo Tribunal Federal acerca da necessidade motivação para os atos de dispensa dos empregados públicos admitidos por concurso público pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.

 

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Sobre a autora
Emilia Munhoz Gaiva

Procuradora do Estado de Goiás. Especialista em Direito e Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GAIVA, Emilia Munhoz. A dispensa arbitrária e o estado empregador.: Uma revisão da jurisprudência atual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3687, 5 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25046. Acesso em: 20 abr. 2024.

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