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O PLC 132 e o novo indiciamento

31/07/2013 às 09:10

Resumo:


  • O indiciamento é a comunicação ao suspeito de que ele é o principal foco da investigação, informando-o sobre o fato objeto da mesma.

  • O indiciamento é um ato exclusivo da autoridade policial, baseado em suspeitas fundamentadas de autoria ou participação nos delitos.

  • O Projeto de Lei nº 156/2009 do Senado Federal traz menção ao indiciamento, estabelecendo critérios para sua realização, como a necessidade de fundamentação e respeito às garantias constitucionais e legais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Deve-se exigir da autoridade policial a explicitação de suas razões, ao determinar o indiciamento, as quais devem ser apresentadas no inquérito policial para que sejam conhecidas pelo indiciado e seu defensor, pelo órgão do Ministério Público e, quando houver necessidade, pelos juízes e tribunais.

I – O INDICIAMENTO

Considera-se que o indiciamento é a cientificação ao suspeito de que ele passa a ser o principal foco do inquérito, a informação ao suposto autor a respeito do fato objeto da investigação.

Disse Guilherme de Souza Nucci[1] que o indiciado é pessoa eleita pelo Estado-investigação, dentro de sua convicção, como autora da infração penal.

Ora, ser indiciado é ser apontado como autor do crime pelos indícios colhidos no inquérito policial, implicando em um constrangimento natural, uma vez que a folha de antecedentes do investigado receberá a informação, fato que se torna permanente, ainda que o inquérito seja objeto de arquivamento.

Como disse o Ministro Félix Fischer, no julgamento do HC 8.466 – PR, 5ª Turma, DJ de 24 de maio de 1999, o indiciamento só pode ser realizado se há, para tanto, fundada e objetiva suspeita de participação ou autoria nos eventuais delitos.

O indiciamento é ato exclusivo da autoridade policial que forma seu convencimento sobre   a autoria e a materialidade do crime, elegendo o suspeito da prática criminosa.

Pode o Promotor denunciar pessoa que não foi objeto de indiciamento, pois é titular da ação penal pública, ficando a sua discrição, dentro da visão que tem dos fatos investigados no inquérito, qual a solução a apresentar.

De toda sorte, a requisição de indiciamento é procedimento equivocado. Aliás, assim o entendeu o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do HC 35.639 – SP, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, 21 de outubro de 2004, quando se disse que a determinação de indiciamento formal, quando já em curso ação penal pelo recebimento da denúncia, é tida por desnecessária e causadora de constrangimento ilegal.

O sistema jurídico brasileiro não vem exigindo motivação do indiciamento, a exceção, é certo do que é exposto no artigo 52, I, da Lei 11.343/06, quanto a classificação feita: se tráfico ou porte de arma, por exemplo. Ora, o Parquet não está vinculado a classificação penal que venha ser apresentada pela autoridade policial. Quanto muito a autoridade judicial, como se vê do instituto da emendatio libelli, previsto no artigo 383 do Código de Processo Penal.

Em verdade, o indiciamento deve ser visto como inserido dentro de um procedimento administrativo e pré-processual, destinado a convicção do responsável pela acusação, que é seu destinatário.


II – A NATUREZA  JURÍDICA DO INDICIAMENTO

Para Júlio Fabbrini Mirabete[2] o indiciamento não é ato arbitrário nem discricionário, uma vez que inexiste a possibilidade legal de escolher entre indiciar ou não. Assim a questão se situa na legalidade do ato.

Será o indiciamento um ato administrativo vinculado quanto ao conteúdo e aos meios, uma vez que, como explica Miguel Reale[3], o que a Administração faz tem como pressuposto um fim consagrado em lei, devendo conformar-se aos requisitos legais de sua emanação.

Sendo assim o indiciamento de uma pessoa é ato vinculado a elementos idôneos, pois havendo indícios é obrigatório o indiciamento e não havendo indícios não se pode indiciar.[4]

Toda a atividade administrativa em seu querer se consubstancia no querer da lei, respeitados direitos e garantias fundamentais.


III  – O INDICIAMENTO NO PROJETO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

O Projeto de Lei nº  156/2009 do Senado Federal, que reforma o Código de Processo Penal, no Brasil, traz, no capítulo III, Seção IV, menção ao instituto do indiciamento, como se lê do artigo 30:

¨Reunidos elementos suficientes que apontem para a autoria a infração penal, o delegado de polícia cientificará o investigado, atribuindo-lhe, fundamentadamente, a condição jurídica de indicado, respeitadas todas as garantias constitucionais e legais.

§ 1º A condição de indiciado poderá ser atribuída já no auto de prisão em flagrante ou até o relatório final do delegado de polícia.

§ 2º O delegado de polícia deverá colher informações sobre os antecedentes, a conduta social e a condição econômica do indiciado, assim como acerca das consequências do crime.

§ 3º O indiciado será advertido da necessidade de fornecer corretamente o seu endereço, para fins de citação e intimações futuras e sobre o dever de comunicar a eventual mudança do local onde possa ser encontrado.


IV – O PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 132, DE 2012.

O mencionado projeto, que tem como Relator, no Senado Federal,  o Senador Humberto Costa, dispõe, em seu artigo 2º que as funções da polícia  judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de policia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

 Assim ao delegado de policia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, cujo objetivo é apurar as circunstâncias, materialidade e autoria das infrações penais., sendo o cargo privativo de bacharel em direito.

O delegado de policia deverá  conduzir a investigação criminal de acordo com o seu livre convencimento técnico jurídico com isenção e imparcialidade, em respeito aos diversos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, devendo o inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso, somente ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante um despacho fundamentado, por motivo de interesse publico(conceito jurídico indeterminado) ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação, de forma que a remoção do delegado dar-se-á somente por ato fundamentado.

Objetiva-se assegurar independência, imparcialidade e impessoalidade na condução dos inquéritos policiais, devendo o delegado conduzir a investigação criminal levando em conta o seu conhecimento técnico.

No artigo 3º do Projeto é dado ao delegado o mesmo  tratamento de outros agentes políticos como os magistrados, os membros da Defensoria Pública, do Ministério Público e advogados.

Finalmente, o que nos interessa diretamente, está inserido no artigo 2º, § 6º, onde se diz que o  indiciamento, ato privativo do delegado de policia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.

O delegado deixaria de ser um agente público para ser um agente político. Em sendo assim, seria necessária a edição de uma Lei Complementar, uma Lei Orgânica, daquelas que Afonso Arinos de Melo Franco[5] dizia que dizia respeito aos órgãos do Estado. É a célebre dicotomia: leis complementares por destino(as que dizem respeito aos órgãos do Estado) e leis complementares por origem(as que dizem respeito aos súditos do Estado). As leis orgânicas se destinam a estabelecer o mecanismo administrativo do Estado.

Ao indiciar, em atuação vinculada, não arbitrária, deve o delegado  fundamentar as razões da autoria e materialidade do crime. Isso é novidade? Já dissemos que não, com relação ao que é disposto no artigo 52, I, da Lei 11.343/06, quanto a classificação feita.

Leve-se em conta que o indiciamento exerce função de garantia das liberdades individuais, uma vez que, por meio dele, o antigo suspeito toma conhecimento oficial do teor do inquérito, um verdadeiro constrangimento, razão pela qual está dentro do razoável exigir fundamentação quanto a autoria e materialidade do ato.

A par do fato de que o projeto favorece a criação de¨ uma magistratura policial¨, favorecendo uma classe de policiais civis em detrimento de outros, como escrivães, peritos, por exemplo, outras são as considerações a ele trazidas.   

Para Wendell Beetoven, membro do Ministério Público do Rio Grande do Norte,  em artigo dedicado ao estudo do PLC 132,[6] o referido projeto de lei está diretamente relacionado com a PEC 37, que retira poderes investigatórios do Ministério Público, e de forma sutil e furtiva, pretende transformar o inquérito policial numa condição de procedibilidade da futura ação penal.

Para ele, a comprovação da materialidade do delito, das suas circunstâncias e os indícios de autoria são, na prática, os mesmos elementos de que vale o Ministério Público para a formação de sua convicção e o oferecimento da denúncia(artigo 41 do Código de Processo Penal). Assim o juízo de adequação dos fatos investigados à norma penal, que era apenas privativo do membro do Ministério Publico, seria antecipado e conferido ao delegado de policia.

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Tal indiciamento, dentro de tal entendimento, iria antecipar a judicialização do debate em torno da autoria, materialidade e circunstâncias do fato. Seriam assim ajuizados diversos habeas corpus contra tais indiciamentos, antecipando o juízo de valor com relação a tais ilícitos  penais, num precoce controle jurisdicional , de forma que, se houver concessão dessas ordens requeridas, estará inviabilizado, na prática, o oferecimento de denúncia.


V – ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À TESE   DA OBRIGATORIEDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO INDICIAMENTO

Ora, argumentos a parte, o inquérito, procedimento administrativo preliminar preparatório, com o intuito de colher provas para ajuizamento de ação penal, não deixa de ser um procedimento dispensável.

É o inquérito um procedimento facultativo e dispensável para o exercício da ação penal.

O inquérito não é imprescindível para a propositura da ação penal. Sabe-se que se os elementos que venham lastrear a inicial acusatória forem colhidos de outra forma não se exige a instauração do inquérito. É o que se dá, por exemplo, com a formação de procedimentos investigatórios surgidos no próprio Ministério Público por força de poderes implícitos que lhe são dados pela própria Constituição.

Avulta o caráter inquisitivo do inquérito.  

Essa a primeira refutação a tese de que estaríamos diante de uma condição de procedibilidade, que condicione o exercício da ação penal e se atêm a admissibilidade da persecução penal.

A duas, o trancamento do inquérito, via habeas corpus,  que reconheça a ilegalidade do indiciamento, já é reconhecido como meio excepcional sempre que ocorra atipicidade do fato delituoso ou quando evidente a impossibilidade do indiciado ser o autor do ilícito. É claro que se houver imputação de fatos que não se afigurem, em tese, ilícito penal, há constrangimento ilegal na instauração do procedimento administrativo preparatório.[7]

Para que se obtenha sucesso em um habeas corpus que objetive o trancamento de inquérito policial é mister que se demonstre que a ilegalidade resulte nítida, patente, incontroversa, translúcida  e que não enseje análise profunda e valorativa da prova.

A três, mister que se lembre que o indiciamento é ato constrangedor, podendo haver, realmente, uma exigência legal para a motivação do ato.

Correta a ilação trazida por Mário Sérgio Sobrinho[8] no sentido de que a legislação brasileira deve evoluir, adotando a regra da explicitação das razões para a classificação do fato em determinado tipo penal, principalmente nos casos que possam resultar na desclassificação dos delitos punidos com penas mais elevadas, para aqueles que cominem sanções mais brandas, tais como o homicídio doloso tentado e lesão corporal de natureza grave, ao mesmo tempo em que a lei deveria fixar a obrigatoriedade da motivação do ato de indiciamento. Ora, o ato de indiciamento exige um juízo de valor, o que, na atividade policial, é exercido pelo delegado de policia que o preside. Por isso, dever-se-ia exigir dele a explicitação de suas razões, ao determinar o indiciamento, as quais deveriam ser apresentadas no inquérito policial para que fossem conhecidas pelo indiciado e seu defensor, pelo órgão do Ministério Público, titular da ação penal pública, e, quando houver necessidade, pelos juízes e tribunais.

Por fim, digo que a necessidade de fundamentação não se atrita, de forma alguma, com o que chamamos de controle externo da atividade policial, que é dado como atribuição constitucional ao Parquet, por força do ditado nos artigos 127 e 129, II e VII da Constituição Federal., sempre no objetivo de manter a regularidade e a adequação dos procedimentos empregados na execução da atividade policial, bem como a integração do Parquet e das Polícias voltadas para a persecução penal e o interesse público, como revela o artigo 2º da Resolução CNMP nº 20, de 28 de maio de 2007 e artigo 1º da Resolução CSMPF nº 88, de 3 de agosto de 2006.

Aliás, o conhecimento do Parquet de eventuais abusos em indiciamentos é expediente necessário para corrigir desvios na atividade policial, garantindo-se o respeito aos direitos e garantias individuais, e ainda, se não bastasse, instrumento para identificar a eficiência da atividade policial, zelando-se para que sejam fornecidos elementos suficientes para que o Ministério Público possa exercer seu primordial papel de titular da ação penal pública, seja oferecendo denúncia ou ainda, se for o caso, requerendo arquivamento da investigação.


BIBLIOGRAFIA

BEETOVEN, Wendell. O PLC 132, o indiciamento e a usurpação de funções do Ministério Público.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal, São Paulo, Atlas, 1995.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 10º edição, 2011.

REALE, Miguel. Revogação e anulamento do ato administrativo, Rio de Janeiro, Forense, 1980. SOBRINHO, Mário Sérgio. A identificação criminal, São Paulo, RT, pág. 100.


NOTAS

[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 10ª edição, pág. 95.

[2] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal, São Paulo, Atlas, 1995, pág. 91.

[3] REALE, Miguel. Revogação e anulamento do ato administrativo, Rio de Janeiro, Forense, 1980, pág. 29.

[4] TJMSP, HC 1915/06.

[5] FRANCO, Afonso Arinos de Melo. As leis complementares da Constituição, Rio de Janeiro, s/Ed.1948, pág. 9.

[6] O PLC 132, o indiciamento e a usurpação de funções do Ministério Público.

[7] RT 619/351, 620/367.

[8] SOBRINHO, Mário Sérgio. A identificação criminal, São Paulo, Revista dos Tribunais, pág. 100. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O PLC 132 e o novo indiciamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3682, 31 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25049. Acesso em: 22 dez. 2024.

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