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Os interesses metaindividuais trabalhistas e a sua defesa em juízo pelo sindicato

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28/08/2013 às 07:25
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Em que pese entendimento em contrário, especialmente da jurisprudência trabalhista dominante, é possível concluir pela inexistência de litispendência entre ação coletiva ajuizada por sindicato representante de categoria profissional, na condição de substituto processual, e reclamação individual trabalhista pelo empregado.

Sumário: Introdução – 1. Interesses Metaindividuais Trabalhistas – 1.1 A Massificação dos Conflitos Sociais e a Coletivização da Tutela Jurisdicional – 1.2 A Necessidade de Coletivização do Direito do Trabalho – 1.3 Ações Coletivas – 1.3.1 – Ações Coletivas na Seara Trabalhista – 1.4 Os Interesses Metaindividuais – 1.4.1 Os Interesses Difusos – 1.4.2 Os Interesses Coletivos – 1.4.3 Os Interesses Meindividuais Homogêneos – 1.4.4 Os Interesses Metaindividuais no Âmbito do Direito do Trabalho – 2. A Defesa Judicial dos Interesses Metaindividuais Trabalhistas pelo Sindicato – 2.1 Legitimidade do Sindicato – 2.1.1 Substituição Processual ou Representação? 2.2 Competência – 2.3 Eficácia da Decisão 2.4 Ações Individuais e Litispendência – Conclusão


INTRODUÇÃO

A massificação dos conflitos sociais é fenômeno típico da sociedade moderna, e decorre da complexidade por ela alcançada. Com efeito, as relações humanas tendem, cada vez mais, a revestir-se de caráter coletivo, em detrimento do individualismo.

Nesse contexto, novas demandas se apresentam, fruto das lesões impostas a um grupo de indivíduos. Trata-se dos interesses metaindividuais, cuja titularidade excede o indivíduo singularmente considerado.

 No âmbito das relações de trabalho, tal fenômeno igualmente se apresenta, podendo ser ainda mais facilmente identificado, ante a hipossuficiência do empregado face ao poderio econômico e social do empregador.

De fato, assim como no direito comum, o sistema processual trabalhista clássico revelou-se insuficiente à efetiva defesa dos interesses decorrentes das macrolesões perpetradas aos empregados. A coletivização da tutela, então, apresentou-se como medida de urgência.

No Brasil, os instrumentos de tutela coletiva dos interesses metaindividuais remontam às duas últimas décadas, alcançando seu apogeu com a Constituição Federal de 1988. Com efeito, é possível hoje a defesa de qualquer interesse metaindividual por meio do sistema integrado da Lei n° 7347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e a Lei n° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), inclusive em matéria trabalhista.

Nesse sentido, o papel do sindicato na defesa judicial dos interesses metaindividuais da categoria reveste-se de enorme relevância. A legitimidade para o cumprimento de tal mister emana diretamente da ordem constitucional (Art. 8°, III).

O presente artigo visa a apontar, ainda que brevemente, as principais características que permeiam a relevante tarefa dos sindicatos na defesa dos interesses metaindividuais dos trabalhadores.

O estudo do tema tem origem na experiência do autor no âmbito da Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, como cediço, órgão da Advocacia-Geral da União - AGU responsável pelo assessoramento jurídico naquela Pasta. Efetivamente, através da análise de atos normativos, atendimento de consultas jurídicas e, principalmente prestação de subsídios jurídicos aos órgãos de contencioso da AGU, a matéria referente à defesa dos interesses metaindividuais trabalhistas pelos sindicatos, é tratada, com certa freqüência, por aquele órgão consultivo.

Nesse contexto, pode-se afirmar que são vários são os pontos sensíveis decorrentes do tema, especialmente no que toca à legitimidade do sindicato para atuar em nome próprio na defesa dos interesses dos integrantes da categoria que representa. Tratar-se-ia de uma substituição processual ou uma mera representação?

A resposta a tal questionamento implica ainda em outros aspectos relevantes à atuação judicial do sindicato. As teses jurídicas aqui defendidas buscarão a efetivação da proteção concedida aos interesses metaindividuais trabalhistas, visando sempre, em últimas instância, o bem estar dos obreiros, tão vilipendiados em seus direitos básicos decorrentes da relação de trabalho.


1 INTERESSES METAINDIDUAIS TRABALHISTAS

1.1 A MASSIFICAÇÃO DOS CONFLITOS SOCIAIS E A COLETIVIZAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL

A maior complexidade alcançada pela vida social conduz a um fenômeno de fundamental importância para o estudo que ora se pretende realizar. Trata-se do fenômeno da massificação dos conflitos sociais.

O jurista italiano Mauro Cappelletti, em obra dedicada ao tema, explica o fenômeno social em epígrafe, nos seguintes termos:

Cada vez mais freqüentemente, por causa dos fenômenos de massificação, as ações e relações humanas assumem caráter coletivo, mais do que individual: elas se referem preferentemente a grupos, categorias e interesses de pessoas, do que apenas a um ou poucos indivíduos (...) E na verdade, cada vez mais freqüentemente, a complexidade das sociedades modernas gera situações nas quais um único ato do homem pode beneficiar ou prejudicar um grande número de pessoas, com a conseqüência, entre outras , de que o esquema tradicional do processo judiciário como “lide entre duas partes (Zweipateienprozess) e “coisa das partes” (Sache der Parteien) resulta completamente inadequado.[1]

A multiplicação dos conflitos de massa reclamou, assim, uma mudança de paradigma por parte da atividade jurisdicional do Estado. Com efeito, o modelo processual clássico revelou-se ineficaz à solução das novas demandas que se apresentavam, de modo a provocar um processo de coletivização da tutela. Nas palavras de Marcos Neves Fava:

O modelo clássico do processo civil, como vista, individualista, privatístico e ritualista, não apresenta utilidade efetiva no atendimento às demandas assim desenhadas, plúrimas, pulverizadas e marcadamente transindividuais. (...) A mudança implicou (ou decorreu) a renovação dos conceitos de ação – paulatinamente desvinculada da estrita apreciação de dissídios inter-subjetivos individuais – do processo – ampliado em sua concepção de direito subjetivo frente ao Estado para a de instrumento de realização da ordem jurídica justa -, e da atividade jurisdicional – despregada do conceito poder-órgão-função para atividade de aproximação do jurisdicionado.[2]

1.2 A NECESSIDADE DE COLETIVIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO

A crise instaurada na atividade jurisdicional revelou-se igualmente presente no modelo processual trabalhista clássico. A reparação individual das lesões sofridas pelos trabalhadores era ineficaz ao combate dos abusos cometidos pelas empresas. Sobre o tema, registrou o Ministro Ronaldo Leal, do Tribunal Superior do Trabalho, em artigo publicado:

Até então tudo se fazia na esfera da reclamação trabalhista individual. As lesões eram reparadas uma a uma, trabalhador por trabalhador. Enquanto isso, a maior parte das empresas traçava uma política de lesão massiva, vale dizer, sonegava determinados direitos trabalhistas de todo o universo dos seus trabalhadores, confiante na estatística segundo a qual apenas dez por cento deles iriam valer-se da Justiça do Trabalho. Aos advogados trabalhistas de empregados ficava entregue esse varejo destituído de eficácia preventiva e repressiva.

A insalubridade e a periculosidade, por exemplo, não eram erradicadas. Eram, ao invés, perpetuadas, por mais que mudassem os quadros de trabalhadores e ocorresse a rotatividade da mão-de-obra. Dez por cento deles recebiam uma reparação pecuniária, os outros noventa por cento, nem isso. Mas certamente todos, geração a geração, sofriam os efeitos nefastos de más condições ambientais de trabalho.[3]

De fato, a ineficácia do sistema de legitimação individual do empregado ensejava a imposição de macrolesões aos trabalhadores, cada vez mais desestimulados a ingressar no Judiciário.

Soma-se a isso o temor do empregado em recorrer individualmente à Justiça do Trabalho, em face da possibilidade de represália patronal. Como conseqüência, nas palavras do Ministro Ronaldo Leal:

(...) aqueles empregados que mantém contrato vigente não exercitam judicialmente seus direitos, o que gera um estoque de lesões reprimidas, ao longo de uma relação de duração continuada, como é a relação de trabalho. Superada a paralisia do interesse de agir pelo desligamento do empregado, eclode a litigiosidade, a qual, no entanto, está destituída de qualquer conseqüência preventiva ou repressiva no tocante à massividade das lesões”.[4]

A ineficácia do modelo processual trabalhista individual, portanto, ante as peculiaridades das relações de trabalho, aponta para a necessidade de coletivização do direito laboral.

É de se ressaltar, no entanto, que o acesso coletivo dos trabalhadores à Justiça do Trabalho não é novidade. De fato, como cediço, a Justiça laboral adota, paralelamente ao acesso individual do obreiro por meio dos dissídios individuais, o sistema coletivo, mediante os dissídios coletivos. Nestes, a Justiça do Trabalho, pelo exercício do chamado Poder Normativo, estabelece normas gerais e abstratas que serão aplicadas às relações individuais de trabalho dos obreiros e empresários que integram as categorias representadas. A sentença normativa vincula os integrantes da categoria, independentemente de constarem de forma individual da respectiva decisão.

Há também a “ação de cumprimento”, por meio do qual o respectivo sindicato, mesmo sem outorga de poderes explícitos, ajuíza postulação pelo pagamento de aumentos salariais avençados em sentenças normativas.

Marcos Fava[5] registra, como hipótese precursora de tratamento coletivo de direitos não individuais, o art. 195, § 2º da CLT, que autorizava a postulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade por intermédio do sindicato de classe.

O problema das macrolesões trabalhistas, contudo, não é solucionado por meio do dissídio coletivo. Este tem por objeto a busca por melhores condições de trabalho. A reparação dos danos opostos aos trabalhadores, por outro lado, somente é possível por meio da chamada jurisdição trabalhista metaindividual, capaz de colocar a salvo os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dos trabalhadores.

1.3 AS AÇÕES COLETIVAS

A defesa dos interesses metaindividuais reclama a adoção de um sistema processual diverso do utilizado para a solução das demandas tipicamente individuais, que seja devidamente adequado às peculiaridades inerentes a tais interesses, decorrentes, como visto, da massificação dos conflitos sociais.

Assim, a tutela coletiva, segundo Hugo Mazzilli[6], apresenta as seguintes características, dentre outras: a defesa judicial faz-se por meio de legitimação extraordinária; a destinação do produto da indenização normalmente é especial; a coisa julgadas ultrapassa as partes, tendo caráter erga omnnes ou ultra partes; e preponderam os princípios de economia processual.

Em que pese a existência anterior de diplomas que contemplassem previsões acerca da defesa de direitos e interesses metaindividuais, a sua efetiva proteção remonta ao advento da Lei n° 7347, de 24 de julho de 1985 (Lei da ação civil pública – LACP), que disciplinou a ação civil pública por danos a interesses difusos e coletivos.

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Posteriormente, a Constituição Federal de 1988, além de elevar a ação civil pública ao patamar de ação constitucional (Art. 129, III), contemplou uma série de medidas visando à tutela dos interesses metaindividuais, a saber: concedeu legitimidade às entidades associativas, quando expressamente autorizadas, para representar seus filiados judicial e extrajudicialmente (Art. 5°, XXI); instituiu o mandado de segurança coletivo (Art. 5°, LXX); ampliou o objeto da ação popular (Art. 5°, LXXIII); legitimou os sindicatos à defesa dos direitos ou interesses coletivos ou individuais da categoria (Art. 5º, LXX; Art. 8ª, III); ampliou o rol dos legitimados ativos para a ação de inconstitucionalidade (Art.103); concedeu ampla legitimação ao Ministério Público para a defesa do patrimônio publico e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (Art. 129, III, IV e V, e seu § 1º); e legitimou os índios, suas comunidades e organizações a propor ações em defesa de seus intersses (Art. 232)[7].

A sistematização do processo coletivo, outrossim, foi promovida pela Lei n° 8078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor - CDC), de modo a possibilitar a proteção dos interesses dos grupos em todas as esferas do Direito. Com efeito, as normas de caráter processual previstas no CDC são autônomas em relação às regras consumeristas, de modo que sua aplicação não se restringe somente às relações de consumo. Nessa esteira, calha registrar a lição de Ada Pellegrini Grinover:

Os dispositivos processuais do Código de Defesa do Consumidor se aplicam, no que couber, a todas as ações em defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, coletivamente tratados.[8]

Ademais, o CDC é responsável pela introdução da figura da ação coletiva no ordenamento jurídico brasileiro, bem como pela ampliação do objeto da ação civil pública (Art. 110, CDC), por meio da inclusão do inciso IV ao art. 1° da Lei n° 7347/85.

De fato, segundo a atual redação do art. 1° da LACP, pode a ação civil pública ser manejada para a defesa de interesses metaindividuais atinentes: I – ao meio ambiente; II – ao consumidor; III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo (inciso acrescentado pelo CDC); V - a infrações à ordem econômica e à economia popular; VI – à ordem urbanística;

Inexiste, portanto, taxatividade na defesa dos interesses metaindividuais, com base na LACP.

Outrossim, a complementação recíproca existente entre a LACP (art.21[9]) e o CDC (art. 90[10]) permite que se resguarde qualquer interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo, seja pela via da ação civil pública ou da ação civil coletiva. “Estabeleceu o legislador uma via de mãos dupla entre os mencionados diplomas legais, que faculta ao seu intérprete trânsito livre nesse caminho”[11].

A integração existente entre a LACP e o CDC aplica-se ainda no que toca à legitimação ativa para propositura da ação civil pública e da ação civil coletiva.Com efeito, a conjunção dos arts. 5° da LACP e 81 do CDC permite apontar como legitimados à defesa dos interesses metaindividuais: a) Ministério Público; b) União, Estados, Municípios e Distrito Federal; c) autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista; d) associações civis constituídas há pelo menos um ano, com finalidades institucionais compatíveis com a defesa do interesse questionado; e e) entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos metaindividuais[12].

A defesa de qualquer interesse metaindividual, portanto, pode ser promovida, em âmbito judicial, por meio de ação coletiva (seja ação civil pública da Lei n° 7347/85 ou ação civil coletiva do CDC), por qualquer dos legitimados legais. Trata-se do chamado microssistema processual coletivo, conseqüência da integração existente entre a LACP e o CDC.

1.3.1 Ação Coletiva na Seara Trabalhista

No âmbito do direito do trabalho, os interesses metaindividuais igualmente podem ser resguardados por meio da tutela coletiva, seja pela via da ação civil pública ou da ação civil coletiva.

A utilização analógica dos referidos meios processuais em sede de direito do trabalho torna-se juridicamente possível em face da previsão do art. 8° da CLT[13]. De fato, não há incompatibilidade entre a tutela coletiva fundamentada na integração entre a Lei 7347/85 e o CDC, e o processo trabalhista, o que permite sua aplicação analógica.

1.4 OS INTERESSES METAINDIVIDUAIS

De início, importa delinear, com suporte na doutrina especializada, o conceito de interesses metaindividuais, ou interesses coletivos, em sentido lato. Ada Pellegrini os define nos seguintes termos:

Por interesses coletivos entendem-se os interesses comuns a uma coletividade de pessoas e apenas a elas, mas ainda repousando sobre um vínculo jurídico definido que as congrega. A sociedade comercial, o condomínio, a família dão margem ao surgimento de interesses comuns, nascidos em função da relação-base que congrega seus componentes, mas não se confundindo com os interesses individuais.[14]

Registre-se ainda o que diz Hugo Nigro Mazzilli:

Situados numa posição intermediária entre o interesses público e o interesse privado, existem os interesses transindividuais (também chamados de interesses coletivos, em sentido lato), os quais são compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas (como os condôminos de um edifício, os sócios de uma empresa, os membros de uma equipe esportiva, os empregados do mesmo patrão). São interesses que excedem o âmbito estritamente individual, mas não chegam propriamente a constituir interesse público.[15]

Os destinatários dos direitos e interesses metaindividuais são, segundo Bezerra Leite, não apenas os homens singularmente considerados, mas o próprio gênero humano. Ensina ainda o eminente doutrinador que tais interesses correspondem aos direitos de fraternidade, de modo a abranger, portanto, “o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente sadio, o direito ao patrimônio comum da humanidade, o direito à comunicação, e em sentido restrito, os direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos”[16].

Com efeito, a doutrina, bem como a legislação (Art. 81, CDC) apontam como espécies do gênero interesses metaindividuais, os interesses difusos, os interesses coletivos em sentido estrito e os interesses individuais homogêneos. Referidos tipos serão a seguir abordados.

1.4.1 Interesses difusos

Segundo a conceituação legal, são difusos os interesses “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (Art.81, I, CDC).

Como bem lembra Mazzilli, tais interesses referem-se a pessoas não apenas indeterminadas, mas indetermináveis.

São os sujeitos unidos por conexas circunstâncias de fato. Não há, em verdade, vínculo jurídico ou fático preciso. Com efeito, adverte Mazzilli que, embora a relação fática existente também se subordine a uma relação jurídica, no caso dos interesses difusos, a lesão ao grupo não decorre diretamente da relação jurídica em si, mas da situação fática resultante.

O objeto dos interesses difusos tem natureza indivisível. Em outras palavras, “a utilidade tutelável não pode, por sua natureza, ser dividida entre os possíveis prejudicados”[17].

1.4.2 Interesses coletivos

São os interesse coletivos em sentido estrito “os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” (Art.81, II, CDC).

Assim como os interesses difusos, os interesses coletivos possuem objeto indivisível. A distinção entre ambos está origem da lesão, bem como na identificação do sujeito.

Com efeito, os interesses coletivos em sentido estrito referem-se a grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas, ligadas pela mesma relação jurídica básica. Carregam, pois, os interesses coletivos, a idéia de categoria, classe ou grupo de indivíduos, onde a lesão produzida decorre da própria relação jurídica que as une.

1.4.3 Interesses individuais homogêneos

Segundo o CDC, os interesses individuais homogêneos são interesses transindividuais de origem comum.

Contrariamente às demais espécies de interesses metaindividuais, os interesses individuais homogêneos possuem objeto passível de divisão, ou seja “o dano ou a sua responsabilidade se caracterizam por sua extensão divisível ou individualmente variável entre os integrantes do grupo”[18].

Aproximam-se, por outro lado, dos interesses difusos por igualmente se originarem de circunstâncias de fato comuns. A lesão não decorre diretamente de uma relação jurídica-base.

A semelhança dos interesses individuais homogêneos com os interesses coletivos em sentido estrito, outrossim, reside na determinação de seus titulares, embora naqueles, como visto, a divisibilidade do objeto proporcione a exata delimitação de cada interesse.

A doutrina costuma denominar os interesses individuais homogêneos de interesses coletivos por ficção, ou como prefere o mestre Barbosa Moreira, interesses acidentalmente coletivos[19] em face de seu caráter eminentemente individual. Com efeito, muito embora as lesões produzidas sejam originariamente individuais, a enorme freqüência com que ocorrem permite dispensar aos interesses individuais homogêneos um tratamento processual diferenciado, semelhante ao conferido aos interesses coletivos e difusos.

1.4.4 Os Interesses Metaindividuais no Âmbito do Direito do Trabalho

Conforme visto, não existe taxatividade na defesa dos interesses metaindividuais. Com efeito, a atual redação do art. 1º da LACP, permite que se resguarde, por meio das ações coletivas, qualquer interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo, inclusive em matéria trabalhista.

Sobre os interesses metaindividuais trabalhistas no âmbito laboral discorre o Juiz do Trabalho Wolney de Macedo Cordeiro, em artigo sobre o tema:

Muito embora não exista uma regulamentação própria da tutela de direitos metaindividuais em matéria trabalhista, não há mais qualquer dúvida quanto à possibilidade de identificação de direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos laborais e a aplicação subsidiária dos institutos processuais preconizados pela Lei de Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor.[20]

Os exemplos de interesses metaindividuais trabalhistas são fartamente apontados pela doutrina especializada. Nelson Nazar cita como exemplos:

(...) as questões que envolvam a salubridade do meio ambiente de trabalho; as que envolvam a proteção ao direito das minorias étnicas e raciais ao trabalho; a preservação da igualdade constitucional entre trabalhadores de ambos os sexos; a proteção ao direito constitucional de ação.[21]

Já Ives Gandra aponta como hipóteses de tais interesse no âmbito das relações de trabalho: “locação de mão-de-obra fora das hipóteses legais de serviço temporário; exigência de atestados de esterilização para contratação de mulheres; não recolhimento dos depósitos do FGTS, adoção de medidas discriminatórias; e utilização de trabalho escravo no meio rural”.[22]

Marcos Fava aborda os seguintes temas, segundo ele, passíveis de serem defendidos mediante ação civil pública trabalhista:

(...) trabalho escravo ou análogo ao da escravidão; trabalho infanto-juvenil; saúde e meio ambiente do trabalho; questões relativas à jornada de trabalho; cooperativas fraudulentas; fraudes em comissão de conciliação prévia; admissão pelo Estado sem concurso público; discriminação no trabalho;e dispensas coletivas.[23]

Em sede laboral, por outro lado, os critérios diferenciadores das espécies de interesses metaindividuais são distintos daqueles utilizados no direito processual civil.

Ives Gandra afasta a adoção, como critério para distinguir os interesses coletivos dos individuais homogêneos, da indivisibilidade do objeto. Segundo o autor, tal critério

não se adequaria perfeitamente às relações trabalhistas, na medida em que, no caso de determinados procedimentos genéricos das empresas, contrários è ordem jurídica trabalhista, eles se concretizam como lesão em momentos distintos para cada empregado e podem não atingir efetivamente a todos, como no caso de orientação normativa interna da empresa, relativa a medidas discriminatórias a serem adotadas contra empregado que ajuíze reclamação trabalhista contra a empresa. O procedimento, na hipótese, é genérico, mas a lesão se materializa em relação a cada empregado que ajuizar a reclamatória postulando seus direitos.[24]

O referido autor aponta, portanto, como elemento diferenciador:  

(...)  o fato de, nos primeiros, a prática lesiva se estender no tempo, isto é, constituir procedimento genérico e continuativo da empresa, enquanto, nos segundos, sua origem se fixa no tempo, consistente em ato genérico, mas isolado, atingindo apenas alguns ou todos os que compunham a categoria no momento dado.[25]

Os interesses coletivos na seara trabalhista, segundo Bezerra Leite, “são aqueles que dizem respeito a classe, grupo ou categoria (ou parte dela) de trabalhadores que estejam ligados entre si ou com o empregador ou grupo de empregadores (categoria econômica) por meio de uma relação jurídica base”[26].

Efetivamente, no âmbito trabalhista, os interesses coletivos em sentido estrito apresentam o vínculo empregatício como relação jurídica base, de modo que esta se estabelece com a parte contrária, ou seja, com a empresa.

Aliás, o vínculo empregatício apresenta-se como elemento diferenciador dos interesses coletivos em relação aos interesses difusos. Nestes, os titulares são ligados por uma situação de fato comum, não havendo uma relação jurídica base.

Outra peculiaridade dos interesses coletivos em sentido estrito na seara trabalhista reside no fato de ensejarem o ajuizamento de ações individuais. Com efeito, a ação de cumprimento de uma sentença normativa que verse sobre interesses coletivos pode ser ajuizada individualmente por cada empregado, além do sindicato da categoria.

Os interesses individuais homogêneos, por sua vez, assim como no processo civil, sempre ensejam o ajuizamento de ações individuais. De fato, havendo uma lesão patronal genérica que atinja pluralidade de empregadores, surgem os interesses individuais homogêneos, que podem tanto ser defendidos mediante reclamações trabalhistas individuais ou plúrimas, como por meio de tutela coletiva, eis que “pela origem comum, assumem aglutinação e relevância social, suficientes para apartá-los daqueles interesses tipicamente individuais”[27].

Quanto aos interesses difusos, caracterizados pela indeterminação dos titulares, corrente doutrinária sustenta a sua inexistência no âmbito das relações de trabalho. Argumentam que aqui, já se sabe de antemão que dois são os sujeitos determinados, ou pelo menos determináveis, da relação de emprego: empregado e empregador.[28]

Ocorre que, como já demonstrado, os titulares dos interesses difusos estão diluídos na sociedade, apresentando apenas uma situação de fato comum. Nesse sentido, ainda que não haja, como nos interesses coletivos em sentido estrito, uma relação jurídica base, correspondente, no âmbito laboral, ao vínculo empregatício, é possível vislumbrar interesses de natureza trabalhista, cujos sujeitos sejam indeterminados ou indetermináveis.

Bezerra Leite cita, dentre outros, o seguinte exemplo de direito difuso passível de defesa por meio de ação civil pública trabalhista:

[...] quando algum órgão da administração pública direta ou indireta de quaisquer dos poderes promovesses a contratação em massa de servidores para a investidura de cargo ou emprego de natureza permanente, não criados por lei, que não fossem de livre nomeação e exoneração e sem que tivesses sido aprovados em concurso público de provas e títulos. Aqui, o Ministério Público do Trabalho atuaria em defesa da ordem constitucional violada e dos interesses transindividuais, de natureza indivisível, d todos os brasileiros indeterminadamente considerados que, em potencial, seriam os naturais candidatos àqueles empregos públicos, sabido que a prestação de trabalho à administração sem que o trabalhador esteja submetido a um regime jurídico próprio atrai automaticamente a tutela do Direito do Trabalho e, conseqüentemente, a competência da Justiça Trabalhista em razão da matéria (trabalhista) e de pessoa (a Administração = real empregadora x trabalhador = empregado)[29].

Nada obsta, portanto, a presença de interesses difusos na seara do direito do trabalho. Esta é a posição da maioria da doutrina, o que pode ser confirmado por meio do resultado trazido por Adriana Maria de Freitas Tapety[30], referente à pesquisa realizada no 9° Congresso de Direito Coletivo do Trabalho, onde 91,4% dos congressistas entendem haver direitos difusos de natureza trabalhista.

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Sobre o autor
Gustavo Nabuco Machado

Advogado da União; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário UniCEUB; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Candido Mendes; Especialista em Direito Público pela Universidade Candido Mendes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Gustavo Nabuco. Os interesses metaindividuais trabalhistas e a sua defesa em juízo pelo sindicato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3710, 28 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25151. Acesso em: 28 mar. 2024.

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