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Presunção de veracidade na ação de alimentos

29/08/2013 às 23:47

Resumo:


  • A revelia na ação de alimentos é discutível, especialmente quanto ao seu efeito principal, a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor, que não deve ser aplicada, pois trata-se de direitos indisponíveis (art. 320, II, do CPC).

  • Embora a revelia seja possível na ação de alimentos, o art. 320, II, do CPC exclui a aplicação da presunção de veracidade, pois os alimentos são direitos irrenunciáveis e personalíssimos, não admitindo confissão.

  • A jurisprudência apresenta entendimentos variados, mas a aplicação da confissão ficta pode violar princípios constitucionais e não garantir uma decisão justa, devendo o juiz analisar o caso concreto e decidir com base no binômio necessidade/possibilidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Na ação de alimentos, a revelia é possível, mas a confissão ficta não é.

Resumo: Considerando que a presunção de veracidade (principal efeito da revelia) é passível de ocasionar injustiças e violar princípios constitucionais, tais como a dignidade da pessoa humana, razoabilidade etc., se usada em contrariedade às normas que a fundamentam (arts. 319 e 320 do CPC), foi que se escolheu como tema, para trato no presente artigo, a revelia na ação de alimentos, perquirindo-se se o mencionado efeito seria aplicável ou não neste tipo de ação. Objetivando apresentar a revelia na ação de alimentos sob uma perspectiva constitucional, assecuratória de sua “razão de ser”, estruturou-se, então, o presente trabalho, fundado numa pesquisa bibliográfica e num método dedutivo, em três tópicos: o primeiro versa sobre os alimentos; o segundo, sobre a revelia e seus efeitos e o terceiro e último estuda a revelia na ação de alimentos, focando na produção de seus efeitos nesta. Estudado o tema, constatou-se que a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor não deve ser aplicada na ação de alimentos, posto que estes dizem respeito a direitos indisponíveis (art. 320, II, do CPC).

 

Palavras-chave: Ação de alimentos. Alimentos. Presunção de veracidade. Revelia.


INTRODUÇÃO

O Brasil, conforme preceitua o art. 1º da Constituição Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito, voltado, portanto, para a garantia dos direitos fundamentais, em especial a dignidade da pessoa humana.

Sendo assim, de outro modo não poderia ser ‘no’ e ‘durante’ o processo (campo de exercício da jurisdição). Este, sem dúvidas, é permeado por regras e princípios, que devem respeitar os direitos humanos e a dignidade do indivíduo, de modo que a Justiça seja realmente alcançada.

Vislumbrando, então, especificamente, a presunção de veracidade (principal efeito da revelia) como passível de ocasionar injustiças e violar princípios constitucionais, tais como a dignidade da pessoa humana, razoabilidade etc., se usada em contrariedade às normas que a fundamentam (arts. 319 e 320 do CPC), foi que se escolheu como tema, para trato no presente artigo, a revelia na ação de alimentos, perquirindo-se se o mencionado efeito seria aplicável ou não neste tipo de ação.

Reconhecendo-se a existência de respostas diversas para tal questão (a jurisprudência as apresenta bem!), objetiva-se apresentar a revelia na ação de alimentos sob uma perspectiva constitucional, assecuratória de sua “razão de ser”.

Guiando-se, então, por esse objetivo geral, mas objetivando-se ainda, e também, dar uma visão geral sobre os alimentos (conceito, natureza, requisitos e características), tanto como explicitar o conceito de revelia e seus efeitos e analisar a revelia na ação de alimentos, estruturou-se o presente trabalho em três tópicos: o primeiro versará sobre os alimentos; o segundo, sobre a revelia e seus efeitos e o terceiro e último estudará a revelia na ação de alimentos, focando na produção de seus efeitos nesta.


1 Alimentos: conceito, natureza, requisitos e características

Tidos, vulgarmente, como os bens necessários para alimentação do indivíduo, os alimentos assumem juridicamente um conceito amplo, que abrange tanto os alimentos naturais (indispensáveis para a subsistência), como os civis (necessários para manter o status quo ante do alimentando).

Sobre o assunto, esclarece Pereira (2011, p. 523) que:

Há diversidade entre a conceituação jurídica e noção vulgar de “alimentos”. Compreendendo-os em sentido amplo, o direito insere no valor semântico do vocábulo uma abrangência maior, para estendê-lo, além da acepção fisiológica, a tudo mais necessário à manutenção individual: sustento, habitação, vestuário, tratamento.

Em direito de família, os alimentos “tem significado de valores, bens ou serviços destinados às necessidades existenciais da pessoa, em virtude de relação de parentesco (direito parental), quando ela própria não pode prover, com seu trabalho ou rendimentos a própria mantença.” (LÔBO, 2011, p. 371). O grau de parentesco aqui mencionado diz respeito aos ascendentes e descendentes (parentes em linha reta), abrangendo ainda os colaterais até o segundo grau (irmãos) – art. 1697, CC/02.

Ressalve-se que os alimentos são devidos também em virtude do dever de assistência entre cônjuges e companheiros, assim como do dever de amparo aos idosos; tudo depois do término da convivência, posto que “durante a convivência familiar não se cogita de obrigação de alimentos.” (LÔBO, 2011, p. 371).

O art. 1694 do Código Civil de 2002, especialmente (importa observar até o art. 1710 do CC/02), expressa bem o conteúdo atual dos alimentos, fazendo menção aos obrigados a prestar alimentos (alimentantes) e a seus titulares (alimentandos), ampliando seu conceito para “[...] atender às necessidades de sua educação”. O dever de educar, esclareça-se, é dos pais em relação aos filhos menores.

Dito isso, imperioso se faz esclarecer que o direito/dever de alimentos está fundado no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) e no princípio da solidariedade (art. 3º, I, CF/88).

Nesse sentido, elenca Diniz (2007, p. 536) o seguinte:

O fundamento desta obrigação de prestar alimentos é o princípio da preservação da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e o da solidariedade social e familiar (CF, art. 3º), pois vem a ser um dever personalíssimo, devido pelo alimentante, em razão de parentesco, vínculo conjugal ou convivencial que o liga ao alimentando.

Trata-se, com efeito, de um direito que, voltando-se para o resguardo do próprio direito à vida, “[...] tem conteúdo patrimonial e finalidade pessoal, conexo a um interesse superior familiar [...].” (DINIZ, 2007, p. 542).

Considerando-se, então, a natureza dos alimentos e reconhecendo a distinção entre obrigação alimentar (fundada no parentesco) e dever familiar (dá-se entre pais e filhos menores, cônjuges e companheiros), insta esclarecer que “o direito aos alimentos [...] obedece a certos requisitos, que se erigem mesmo em pressupostos materiais de sua concessão ou reconhecimento.” (PEREIRA, 2011, p. 528).

Antes de indicar quais os pressupostos para concessão do direito a alimentos, faz-se necessário dizer que, apesar de nem todos os doutrinadores elencarem a reciprocidade como um desses requisitos, aqui ela é considerada, por adoção do posicionamento de Pereira (2011).

Este autor traz os seguintes requisitos: a) necessidade; b) possibilidade; c) proporcionalidade e d) reciprocidade.

Sem dúvidas, o direito a alimentos deve ser prestado a quem não tem condições de prover sua própria mantença, seja por qual motivo for, tudo pela solidariedade que lhe fundamenta.

Sobre o tema, diz Pereira (2011, p. 529):

Não importa a causa da incapacidade, seja ela devida à menoridade, ao fortuito, ao desperdício, aos maus negócios, à prodigalidade. [...]

Não importa, igualmente, a causa da falta de trabalho, seja ela social (desemprego), seja física (enfermidade, velhice, invalidez), seja moral (ausência de ocupação na categoria do necessitado) ou qualquer outra [...].

No caso de o alimentando dar ensejo à situação de necessidade, conforme disposto no §2º do art. 1694, CC/02, os alimentos serão fixados para atender apenas ao mínimo necessário para sua subsistência.

Não basta, porém, o alimentando precisar, o alimentante tem de ter condições para lhe socorrer, de modo que este não venha a ter seu sustento comprometido. Os alimentos, com efeito, devem ser prestados por aquele que os forneça sem desfalque do necessário ao próprio sustento.

Entre a necessidade e a possibilidade, encontra-se a proporcionalidade, interligando-as de modo a alcançar a justeza no quantum fixado. Sobre a proporcionalidade, diz Pereira (2011, p. 529): “Os alimentos hão de ter, na devida conta, as condições pessoais e sociais do alimentante e do alimentado.”

Quanto à reciprocidade, tem-se que “[...] a obrigação alimentar, entre parentes, é recíproca, no sentido de que, na mesma relação jurídico-familiar, o parente que em princípio seja devedor poderá reclamá-los se vier a necessitar deles.” (PEREIRA, 2011, p. 530). Tem-se um movimento de vai e vem; o devedor hoje, pode amanhã ser o credor de alimentos.

Por fim, importa destacar as principais características do direito a alimentos:

[...]

é personalíssimo. Esta é a característica fundamental, da qual decorrem as demais. Como os alimentos se destinam à subsistência do alimentando, constituem um direito pessoal, intransferível. b) é incessível. [...] não pode ser objeto de cessão de crédito [...]. c) é impenhorável [...]. d) é incompensável [...]. e) é imprescritível. O que não prescreve é o direito de postular em juízo o pagamento de pensões alimentícias [...]. f) é intransacionável [...]. g) é atual [...]. h) é irrepetível [...]. i) é irrenunciável. (GONÇALVES, 2011, 161-3)

Dentre elas, destaca-se a irrenunciabilidade. Os alimentos, com efeito, não podem ser renunciados, havendo a possibilidade, porém, de seu titular não exercer tal direito (art. 1707, CC/02). Uma coisa é a renúncia do direito; outra é seu exercício.

Ensina Pereira (2011, p. 531) o seguinte: “A ninguém se pode impor um dever de solicitar alimentos. O que se lhe veda é a renúncia”.

Para pleitear alimentos, o autor deve se valer da ação de alimentos, disciplinada na Lei 5.478/68.


2 A revelia e seus efeitos

De início, necessário se faz distinguir, embora o Código de Processo Civil Brasileiro não tenha feito, a revelia da contumácia. Embora esta seja tomada por alguns como sinônimo daquela, tratam-se de termos que possuem significados distintos: a contumácia, com efeito, tem conteúdo mais amplo, alcançando as omissões do autor e do réu, na prática de atos processuais; já a revelia, mais restrita, diz respeito à omissão do réu em se defender.

Sobre o assunto, diz Ovídio Baptista da Silva apud Destefenni (2006, p. 278):

Embora Calmon de Passos se incline por considerar sinônimos os termos revelia e contumácia, cremos ser aconselhável reservar a palavra contumácia para indicar a omissão de qualquer das partes, tanto do autor quanto do réu, em praticar algum ato processual ou valer-se de certa faculdade, considerando-se revelia a contumácia total do réu, representada por sua completa omissão em defender-se.

Ainda sobre a distinção entre revelia e contumácia, ensina Greco Filho (2007, p. 153) o seguinte: “Costuma-se usar o termo “contumácia” para definir a inércia processual, quer do autor, quer do réu. [...] “Revelia”, no sistema do Código, é termo reservado para a inatividade do réu [...]”.

Superada tal diferenciação, convém conceituar a revelia. Disciplinada nos artigos 319 a 322 do Código de Processo Civil, a revelia, no sentido literal da lei, caracteriza-se pela falta de apresentação de contestação (espécie de defesa apresentada pelo réu contra a pretensão do autor), que deve, no caso de haver reconvenção, ser relevada.

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Sobre o assunto, elenca Santos (2007, p. 461-2) que “[...] o melhor entendimento é não admiti-la [revelia] quando o réu, sem contestar, apresenta outra defesa de fundo, como seria o caso da reconvenção (art. 315)”.

Importa destacar ainda que, inobstante se vislumbre entendimento comum de que há revelia quando falta contestação ou ainda quando a mesma é apresentada fora do prazo legal, a doutrina não apresenta um conceito unívoco sobre o mencionado instituto processual, merecendo destaque alguns conceitos que seguem.

Greco Filho (2007, p. 156) além de reconhecer a revelia na situação do réu que não contesta a ação, vislumbra-a nas seguintes hipóteses:

O abandono, em geral, gera a mesma consequência, ainda que posterior à contestação, se bem que, nesse caso, nem todos os efeitos se produzem. Assim, torna-se revel o réu que não providencia a regularização da capacidade processual (art. 13, segunda parte), que não nomeia advogado quando o seu faleceu (art. 265, §2º, in fine) ou quando não promove a habilitação dos sucessores, no caso do art. 265, I.

Destefenni (2006, p. 278) prevê que a revelia decorre da “falta de contestação, do oferecimento da contestação fora do prazo legal, bem como da inobservância do ônus da impugnação especificada”.

Bonfim (2010, p. 55) esclarece que “A revelia pode ocorrer em várias circunstâncias, como a falta de contestação, a perda do prazo, a inobservância do ônus da impugnação especificada dos fatos, a apresentação por quem não tem capacidade postulatória”.

Santos (2007, p. 462) entende que “A revelia é a ausência de impugnação de fatos, vista do ângulo de sua máxima amplitude”.

Neves e Freire (2012, p. 369), por sua vez, conceituam a revelia como “A ausência de contestação na forma e tempo devidos”.

Tomada, então, resumidamente, como a falta de contestação, a revelia produz três efeitos importantes, que merecem ser estudados: a) presunção de veracidade; b) julgamento antecipado da lide; c) fluência de prazos independentemente de intimação.

Prevista no art. 319 do CPC, a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor, tida como efeito principal da revelia e conhecida também como confissão ficta, não é absoluta. Trata-se, ao contrário, de presunção relativa (iuris tantum), haja vista o juiz se pautar pelo princípio do livre convencimento motivado, podendo valorar as provas existentes e requerer, mesmo de ofício e diante da revelia, a produção daquelas que achar necessárias para o deslinde do caso concreto.

A presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor, vale destacar, não importa em procedência da ação, necessariamente, isso porque além de sua relatividade, como dito acima, ela abrange os fatos, e não as consequências jurídicas.

Conforme esclarece Greco Filho (2007, p. 156):

[...] conquanto presumidos os fatos em virtude da revelia, continua o juiz com a liberdade de aplicar a eles a correta norma legal. Dos fatos alegados nem sempre decorrem as consequências jurídicas pretendidas, de modo que, nesse aspecto, a revelia nenhum efeito produz, porque de exclusiva atribuição do juiz, segundo o princípio iura novit curia (o juiz conhece o direito) ou da mihi facta, dabo tibi jus (dá-me os fatos que te darei o direito).

Para que o efeito principal da revelia incida, faz-se imperioso ainda que “o réu tenha sido expressamente advertido das consequências da sua ausência (art. 285 do CPC)”. (DESTEFENNI, 2006, p. 279).

Insta observar que a presunção de veracidade é excepcionada no art. 320, do CPC, de modo que não incide nas hipóteses nele previstas, quais sejam: se, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação (no caso, os fatos têm de ser comuns; a contestação apresentada tem de relatar fatos que envolvam os demais litisconsortes); se o litígio versar sobre direitos indisponíveis (direitos que, por sua condição, não podem ser confessados) e se a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento público que a lei considere indispensável à prova do ato (tal instrumento deve ser essencial ao ato).

Conforme ensina Greco Filho (2007, p. 158), “ressalvadas tais hipóteses, a presunção de veracidade resultante da revelia torna os fatos incontroversos e determina o julgamento antecipado da lide (art. 330, II), extinguindo-se o processo com julgamento de mérito com a procedência ou improcedência do pedido”.

No que diz respeito à fluência de prazos sem intimação do revel, tal fato se apenas se este não possuir patrono (entenda-se: advogado ou curador).O art. 322, do CPC, dispõe, com efeito, que “Contra o revel que não tenha patrono nos autos correrão os prazos independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório”.

Ademais, tem-se que, conforme disposto no parágrafo único do art. 320 do CPC, “O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar”.

Logo, intervindo no processo, o revel “passará a ser intimado na pessoa de seu advogado, podendo exercer toda atividade processual adequada ao momento da causa” (GRECO FILHO, 2007, p. 159), não podendo, no entanto, discutir questões já decididas.

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

Controverte-se na doutrina a questão da intimação da sentença, no caso de revel, esclarecendo Ovídio Baptista da Silva apud Destefenni (2006, p.280) que:

[...] embora corram contra o revel todos os prazos processuais, deverá ele ser intimado da sentença final que decidir a demanda, para que comece a fluir o prazo para recurso. [...] a necessidade de intimar-se o revel da sentença final que julgue a causa, em geral, não é reconhecida pela doutrina brasileira.

Destaque-se ainda o art. 321, do CPC, o qual dispõe o seguinte: “Ainda que ocorra a revelia, o autor não poderá alterar o pedido, ou causa de pedir, nem demandar declaração incidente, salvo promovendo nova citação do réu, a quem será assegurado o direito de responder no prazo de 15 (quinze dias)”.

Por fim, ressalve-se que a revelia “é um instituto típico do processo de conhecimento, ou melhor dizendo ante as novas mudanças do processo (Lei n. 11.232/2005), é um instituto típico da fase cognitiva da ação de conhecimento.” (DESTEFENNI, 2006, p. 280).


3 A revelia na ação de alimentos

A questão da revelia na ação de alimentos é sobremaneira discutida, ainda mais quanto a seu principal efeito – presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor.

Ressalve-se que a jurisprudência traz posicionamentos diversos sobre o tema: por vezes, a confissão ficta na ação de alimentos é admitida, com fulcro no art. 7º da Lei 5.478/78; em outros momentos, é repelida, com fundamento no art. 320, II, do CPC.

Vejam-se os seguintes precedentes:

Processo Civil e Civil - Ação de Alimentos - Revelia - Presunção de veracidade dos fatos – Art. 7º da Lei nº 5.478/68 - Ausência de provas - Recurso improvido.

I - Correta a sentença monocrática, ao decretar a revelia, com base no art. 7º da Lei nº5.478/68, fixando a pensão, inclusive, em percentual menor do que o solicitado, quando não restou demonstrada qualquer evidência que contrarie os fatos apresentados pela apelada;

II - Recurso conhecido, mas para lhe negar provimento. (AC 2003202769 SE, Julgamento em: 03/11/2003) – Grifo nosso

ALIMENTOS. REVELIA. Nas ações de alimentos, opera-se a revelia, além de confissão quanto à matéria de fato, conforme prevê o art. 7º da Lei nº 5.478/68. Os efeitos da revelia, contudo, são relativizados, de modo que sua decretação não gera o imediato acolhimento do pedido constante da inicial, desde que convicção diversa possa ser extraída do contexto probatório. Apelos desprovidos. (AC 70008769135) – Grifo nosso

AÇÃO DE ALIMENTOS - REVELIA DO RÉU - DIREITOS INDISPONÍVEIS - CITAÇÃO - AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO DE PRAZO RAZOÁVEL - NULIDADE - SENTENÇA CASSADA, DE OFÍCIO.

A teor do inciso II do artigo 320 do Estatuto Processual, ainda que o requerido da ação de alimentos não compareça na audiência designada, mostra-se inviável o julgamento antecipado da lide e a aplicação dos efeitos da revelia, versando a ação de alimentos sobre direito indisponível. A citação feita sem a observância das prescrições legais implica em nulidade, haja vista o prejuízo imposto à parte requerida para a apresentação de suas alegações de defesa, o que ocorre quando não é fixado prazo razoável, nos termos do artigo 5º, § 1º da Lei de Alimentos e artigos 225 e 247 do CPC. (Processo n. 101060803477970011 MG 1.0106.08.034779-7/001(1), Julgado em: 19/02/2009) – Grifo nosso

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE ALIMENTOS - REVELIA - AÇÃO DE ESTADO - NÃO CARACTERIZAÇÃO - VERBA ALIMENTÍCIA - FIXAÇÃO - OBSERVÂNCIA DO BINÔMIO NECESSIDADE/CAPACIDADE - MANUTENÇÃO - IMPROVIMENTO DAS IRRESIGNAÇÕES - INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 319 E 320, II AMBOS DO CPC E ARTIGO 1.694, parágrafo primeiro DO CÓDIGO CIVIL. Em se tratando das chamadas ações de estado, ainda que caracterizada a revelia do réu, esta não tem os efeitos que são inerentes ao instituto, por versar a questão debatida sobre direitos indisponíveis, a acarretar que o Julgador efetue a coleta de provas necessárias ao deslinde da contenda, máxime quando é tônica do processo civil moderno a busca da verdade real. Os alimentos fixados em observância às necessidades do alimentando e à disponibilidade econômico-financeira do alimentante, para que seja resguardado o princípio da proporcionalidade preconizado no novo Estatuto Civil, devem ser eles mantidos.

[...]

Caracterizada a revelia do Réu, não é, porém, de se reconhecer os efeitos consignados no artigo 319 do Estatuto Processual, pois, como se sabe, a contumácia da parte, isto é, a sua inatividade em relação ao chamamento processual para responder à imputação, implica, em princípio, reputar verdadeiros os fatos contra ela apresentados. Mas, a regra não é absoluta e comporta exceções, principalmente quando se observa que a tônica do processo civil moderno é procurar buscar a verdade real, competindo ao Magistrado cuidar para que seja estabelecido o pleno contraditório entre as partes, a fim de que se possa alcançar a verdade real. Nessa ordem de idéias, a simples desídia do réu não conduz à conclusão de se considerar verdadeiros os fatos alegados pelo autor, mas antes impõe a este, o dever de provar os constitutivos de seu direito e da obrigação de seu adversário. Isto porque, segundo reza o artigo 333, I do CPC, o ônus da prova incumbe ao requerente, quanto ao fato constitutivo de seu direito, ressaltando que, no caso, quem veio pretender do Judiciário para obtenção da verba alimentícia, deve se desincumbir do referido ônus. A propósito, ensina o mesmo THEOTÔNIO NEGRÃO que: "O efeito da revelia não induz procedência do pedido e nem afasta o exame de circunstâncias capazes de qualificar os fatos fictamente comprovados (RSTJ- 62/441)" (op. cit., 28ª ed., p. 288). A situação da necessidade da obtenção da prova e a afastar os efeitos da revelia, ainda mais se consubstanciam em se tratando de discussão de matéria que envolve direito indisponível, que é a natureza da ação proposta, e como está estampado no inciso II, do artigo 320 do mesmo "Codex" Instrumental. Em conclusão, o julgado guerreado merece prevalecer eis que fixou os alimentos em observância às necessidades do Alimentando e à disponibilidade econômico-financeira do Alimentante, nos termos do artigo 1.694, parágrafo primeiro, do Código Civil, razão pela qual é de ser mantê-lo, por seus próprios e jurídicos fundamentos. [...] (APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0145.04.159744-7/001 - COMARCA DE JUIZ DE FORA) – Grifo nosso

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. REVELIA. EFEITOS.

Em ação de alimentos a revelia o réu não induz os efeitos dela decorrentes.

Logo, apesar da revelia, não se há de considerar por verdadeiros os fatos alegados pelo autor, quando nenhuma prova acerca das possibilidades do réu foram produzidas.

Nesse contexto, é de rigor a desconstituição da sentença para dar prosseguimento à instrução processual.

SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. (Apelação Cível Nº 70033775370, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 25/03/2010)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. REVELIA. FILHOS MENORES. Revelia que não pode ser considerada em todos os seus efeitos, considerando que se trata de uma ação de alimentos, versando, portanto, sobre direitos indisponíveis. Força do art. 320, inciso II, do Código de Processo Civil. Caso em que o alimentante, apesar de revel, trouxe provas na apelação de que não conseguirá arcar com o valor fixado na sentença. Cabendo, portanto, reduzir os alimentos para valor que torne equilibrado o binômio alimentar. DERAM PARCIAL PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº 70047721881, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 19/04/2012)

Inobstante o art. 7º da Lei 5.478/78 estabeleça a aplicação tanto da revelia quanto de seu principal efeito – confissão ficta -, há de se notar que este não deve realmente ser aplicado, mesmo sendo cabível a revelia, pois se trata de direito indisponível.

Vale lembrar, que “São indisponíveis os direitos que emanam da própria personalidade da pessoa. São direitos irrenunciáveis e os fatos a eles relativos não podem ser confessados”. (SANTOS, 2007, p. 464).

Os alimentos são, indubitavelmente, irrenunciáveis e personalíssimos, de modo que, como direitos indisponíveis, não admitem a confissão, mesmo ficta, como a presunção de veracidade.

O art. 320, II, do CPC, vale lembrar, excepciona a aplicabilidade da confissão ficta, na revelia, quando o litígio versa sobre direitos indisponíveis. Conforme explicita Greco Filho (2007, p. 157), tem-se que:

Se as partes não puderem dispor dos direitos discutidos no processo, não poderão, também apresentar confissão a respeito dos fatos que lhes servem de fundamento, porque a confissão poderia, indiretamente, importar em disponibilidade. A admissão expressa, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis não vale como confissão (art. 351) [...].

Tem-se, então que, a presunção de veracidade não deve ser aplicada na ação de alimentos, pelo simples fato de esta versar sobre direitos indisponíveis e haver dispositivo legal expresso excepcionando, neste caso, seu cabimento: art. 320, II, do CPC.

Porém, pode-se ir além disso: alguém pode alegar a relatividade da presunção de veracidade como justificativa para seu uso na ação de alimentos. É compreensível tal alegação, porém, deve-se notar que a realidade (as decisões judiciais) tem mostrado a presunção de veracidade como o fundamento corriqueiro da sentença (em casos de revelia decretada e julgamento antecipado em virtude desta), quando ela apenas deveria ser um dos fundamentos.

O juiz não deve, com efeito, decidir apenas por considerá-la, importa fundamentalmente a valoração das provas existentes nos autos, tanto como dos fatos e fundamentos jurídicos trazidos à tona.

A aplicação da confissão ficta na ação de alimentos além de violar o disposto no art. 320, II, do CPC, desrespeita os princípios constitucionais, especialmente da dignidade humana e da proporcionalidade, posto que inviabiliza uma decisão justa e proporcional (guiada pelo binômio necessidade/possibilidade), impondo um encargo maior que o devido ao réu.

O juiz deve, para resolução do caso, valer-se de seu livre convencimento e apreciação racional, para então não deixar o alimentando padecer “com fome”, nem impor ao alimentante “a privação do mínimo que possui para sobreviver”.


CONSIDERaÇÕES FINaIS

A revelia, como explicitado acima, constitui-se em instituto processual próprio da fase de cognição, de suma importância, posto que sua decretação pode levar a produção de efeitos decisivos para o litígio. Destaca-se, sobremaneira, a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor, previsto no art. 319 do CPC e excepcionado no art. 320 do mesmo diploma legal.

Passível de ser decretada em qualquer tipo de ação, a revelia merece destaque na ação de alimentos, onde sua distinção frente a seus efeitos faz-se clara. Tem-se que, embora a revelia seja possível na ação de alimentos, seu principal efeito – confissão ficta – já não o é.

Conforme exposto no último tópico deste trabalho, os alimentos constituem-se em direitos indisponíveis, que não admitem confissão, ficta ou real. Sendo assim, atendendo ao disposto no art. 320, II do CPC, a revelia decretada na ação de alimentos não impõe a presunção de veracidade, devendo o juiz analisar, segundo o princípio do livre convencimento motivado, o caso concreto e decidir da melhor forma possível, buscando atender ao binômio necessidade/possibilidade.


Referências Bibliográficas

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Sobre a autora
Cristiani Pereira de Morais

Assessora Jurídica do MPPB; Especialista em Processo Civil pela UNINTER; Pós-graduanda em Direitos Fundamentais e Democracia na UEPB; Concluinte de Letras na UFCG; Graduada em Direito pela UEPB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Cristiani Pereira. Presunção de veracidade na ação de alimentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3711, 29 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25173. Acesso em: 22 dez. 2024.

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