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A responsabilidade civil objetiva do empregador pelos acidentes do trabalho

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12/09/2013 às 10:10
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6 Os Argumentos Favoráveis à Aplicação da Responsabilidade Objetiva aos Acidentes do Trabalho

Cumpre, em sede preliminar, pôr em evidência que os danos advindos de acidente do trabalho encontram amparo na legislação previdenciária com lastro na teoria objetivista, na modalidade do risco integral, não obstante estando o infortúnio eivado de culpa ou dolo patronal, há também espaço para incidência do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal.[85] A reparação estribada no direito previdenciário não obsta a devida no direito comum, em que pese o ônus probatório da culpa patronal, eis que esta baseia-se na responsabilidade aquiliana, caso o órgão julgador não advogue a culpa presumida decorrente do dever de incolumidade à saúde do empregado pré-determinado no contrato laboral.[86]

Impõe alertar, ainda, que a matéria ganhou relevo com o advento da Emenda Constitucional nº45/2004, a qual pôs a cargo da justiça do trabalho as casuísticas tangentes às ações indenizatórias.[87] Por derradeiro, merece enfoque a superada súmula 229, do STF, vez que, hodiernamente, não mais subsiste o elemento da culpa grave para imputar ao empregador o dever de reparar.[88] Tecida sintética explanação, para o regular limiar da contenda que aqui será travada, necessário a transcrição literal do art. 7º, caput e seu inciso XXVIII, da Constituição Federal:

Art.7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.[89]

A peleja emerge, como bem anotado por Pablo StolzeGagliano e Rodolfo Pamplona Filho[90], na conjectura do laborista que exerce atividade de risco, em que mostra-se forçosa a indagação de como será saciado o anseio por reparação no âmbito do direito comum, mormente diante da mencionada regra do art. 927 e seu parágrafo único do Código Civil.Sendo assim, vamos ao primeiro argumento favorável à aplicação da precitada norma cível.

6.1 O Caráter Aberto do Caput do Art. 7º da Constituição Federal

A censura que tem cabida aos partidários da teoria subjetiva que acomete os acidentes do trabalho reside no caput do art. 7º do Texto Constitucional, o qual tem o condão de arrimar um rol mínimo aos direitos do trabalhador, e não exaustivo, proporcionando o acréscimo de incisos desde que “visem à melhoria de sua condição social”[91]. Os direitos sociais – como o direito ao trabalho assim o é – têm “por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando a edificação da igualdade social”, assevera Alexandre de Moraes[92]. Têm-se, pois, direitos meramente exemplificativos, não exaurindo os direitos fundamentais que os laboristas poderão, futuramente, vir a usufruir.[93] Sob o cunho aberto da norma em apreço, José Afonso da Silva[94], discorrendo acerca dos “direitos reconhecidos” aos trabalhadores, leciona: “São direitos dos trabalhadores os enumerados nos incisos do art.7º, além de outros que visem à melhoria de sua condição social. Temos, assim, direitos expressamente enumerados e direitos simplesmente previstos”.

Umbilicalmente ligado ao entendimento acima esboçado, ao concebermos que o caput do art. 7º da Constituição Federal não cinge-se apenas aos direitos ali elencados – mas, inclusive, acolhe vindouras prerrogativas de efetivação da condição social do laborista, cumpre avocar a lição de Kátia Magalhães Arruda[95] – pois, em seu juízo, o caput do artigo em tutela vislumbra alcançar a meta de melhoria das condições sociais do trabalhador. Em arremate às vozes aqui levantadas acerca da exceção do caput do art. 7º, assinala-se a lição de Inocêncio Mártires Coelho[96], o qual também declara o caráter expansionista da norma em exegese, além de mencionar que o disposto neste artigo evidencia-se também da leitura do parágrafo 2º do art. 5º, da Constituição Federal. A segunda vertente de argumentação da corrente positivista deflui do princípio da proteção, que é singularizado na obra de Cláudio Brandão.[97] À diretriz confere-se integral enfoque a partir de agora.

6.2 O Princípio da Proteção como Fundamento

A definição do princípio da proteção ganha seu ápice nas palavras de Américo Plá Rodriguez, as quais merecem literal transcrição:

O princípio da proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador.[98]

O princípio da proteção segrega-se em três segmentos – a regra in dubio, pro operario, a regra da condição mais benéfica e, por fim, a regra da norma mais favorável ao laborista.[99] O in dubio, pro operario expressa um critério hermético, onde, havendo multiplicidade de normas aplicáveis a um determinado caso, o magistrado deverá sobrepor a que melhor atende aos interesses do obreiro, por seu turno, o desdobramento da condição mais benéfica dedicar-se-á a obstruir a aplicação de dispositivo trabalhista empregado para ceifar direitos já usufruídos pelo laborista – ou seja, veda a mitigação de “condições mais favoráveis em que se encontrava o trabalhador”.[100] Por fim, pelos ditames da norma mais favorável, apanha-se que, havendo mais de uma norma passível de aplicação, o intérprete primará pela que seja mais favorável ao trabalhador.[101]

Ganha maior amplitude para a problemática em voga a regra por último explicitada. Cediço que a ciência jurídica vale-se da hierarquia entre normas para suplantar questões envolvendo choque entre dispositivos.[102] Apesar disso o direito laboral“não acolhe o sistema clássico, mas sim o princípio da hierarquia dinâmica das normas, consistente na aplicação prioritária de uma norma fundamental que sempre será a mais favorável ao trabalhador”, acentua Amauri Mascaro Nascimento[103]. Nesse diapasão, avulta o desdobramento do princípio da proteção no que concerne à norma mais favorável ao trabalhador – pois tal segmento tem o condão de efetivar “a quebra lógica no problema da hierarquia das fontes”, no entendimento de Américo Plá Rodriguez[104], que o formula com respaldo em lições de Cessari.

Calcado neste entendimento, as considerações acima tecidas realçam uma possível imputação do art.927, parágrafo único, do Código Civil, aos acidentes do trabalho exercidos com risco para o empregado, em detrimento do art.7º, XXVIII, da Constituição Federal, vindo a interromper um argumento com trânsito corrente na doutrina negativista, a saber – a obediência da hierarquia no ordenamento jurídico.[105] Ultrapassadas as fronteiras do princípio da proteção como mecanismo hábil a sanar a problemática da atribuição de responsabilidade objetiva ao empregador por acidentes de trabalho regidos por atividade de risco, passa-se, agora, a direcionar o foco à importantíssima linha de argumentação apregoada pelo magistrado trabalhista José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva – a regra do caput do art.2º da CLT.

6.3 A Norma Situada no Art. 2º, Caput, da CLT.

Com efeito, merece especial atenção a audácia do jurista supracitado no que toca à matéria aqui arejada, já que este posteriormente à análise das motivações de três autores – Cláudio Brandão, José Cairo Júnior e Raimundo Simão de Melo –, impõe a necessidade da busca de um fundamento com bases sólidas para imposição da responsabilidade objetivista a todos os acidentes de trabalho, e não apenas àqueles eivados de risco na atividade exercida, é o que mostra-se transparente na seguinte passagem:

O que se pretende demonstrar daqui por diante é que há necessidade de encontrar um fundamento sólido, por meio do qual se possa sustentar a responsabilidade objetiva do empregador em todos os casos de violação do direito fundamental à saúde do trabalhador.[106] [grifo original]

Dito isso, cumpre aclarar o predicado da alteridade esculpido na norma em comento. O conceito da aludida diretriz ecoante na literatura trabalhista justapõe-se ao entendimento de que o empregador deve suportar todos os encargos oriundos do contrato de trabalho, “por ser ele quem assume os riscos da atividade econômica”, frisa José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva[107]. Por ser de abissal relevância, cabe transcrever o art. 2º da CLt.

Art.2º. Considera-se empregador a empresa individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.[108]

Nesse passo, a assunção dos riscos manifestada pela norma posta à íntegra impera ao atribuir os encargos advindos da obrigação trabalhista avençada à responsabilidade exclusiva do empregador a título de ônus pela atividade exercida, transferindo-se todos os gravames à sua pessoa, no que cabe frisar que se está diante tanto dos riscos acarretados pelo empreendimento, quanto às obrigações originadas da mão de obra empregada.[109] Ao patrão pertence a prerrogativa de dinamizar os serviços por ele ofertados, cumprindo, pois, “suportar os riscos da atividade que desenvolve”, sintetiza Pedro Paulo Teixeira Manus[110].

Por conseguinte, a diretriz da assunção dos riscos, ou alteridade, confere sombra de razão às palavras manejadas por José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva ao aduzir “que no próprio direito do trabalho encontra-se o fundamento último, a ser utilizado para responsabilização objetiva do empregador em todas as hipóteses de dano à saúde ou à vida do empregado”.[111] Calcado nesse desígnio, o referido jurista assevera ser a norma em comento permeada pela teoria do risco como força motriz das relações laborais, recorrendo, aliás, à centelha deflagradora da responsabilidade objetiva no atual Código Civil, que também fora a teoria do risco profissional ou atividade empresarial, consubstanciada no parágrafo único do art.927, do mencionado Diploma.[112]

A vindoura linha de argumentação ampara-se na lição de Raimundo Simão de Melo, o qual edificou relevante fundamentação dissipada pelos militantes da imposição da responsabilidade objetiva aos acidentes de trabalho. Trata-se da análise conjunta do art.7º, XXVIII, da Constituição Federal, com o art.225, § 3º, da mesma Carta: é a interpretação sistemática.

6.4 A Interpretação Sistemática

A definição do método sistemático avulta como a análise conjunta da integralidade do contexto normativo em que a regra está inserida, “o intérprete deve abrir os olhos para a realidade mais ampla em que está inserido o dispositivo interpretado”[113], acentua Aurélio Agostinho Verdade Vieito. É claro a todas as luzes, ser a problemática aqui ventilada passível de interpretações gramaticais, teológicas e sistemáticas, muito embora empenha-se total diligência sobre a arguta razão exposta por Raimundo Simão de Melo, quando do cotejo sistemático entre o art.7º, XXVIII e o art.225, § 3º, da Constituição Federal, ao passo que este apregoa a responsabilidade objetiva aos danos ambientais, enquanto aquele prisma pela responsabilidade subjetivista. Faz-se mister, aliás, a transcrição do dispositivo por último mencionado:

Art.225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

[...]

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.[114]

Evidencia-se de total pertinência a leitura do inciso XXVIII, do art. 7º, em harmonia com a dicção do § 3º, do art. 225 no intento de impor a responsabilidade objetiva aos acidentes do trabalho.[115] Não obstante, ao agasalhar a responsabilidade objetiva nos danos acarretados ao meio ambiente e acolher a responsabilidade com fulcro na culpa para os acidentes do trabalho, paira relevante dúvida ao operador da ciência jurídica, qual seja a formulação da indagação acerca de uma suposta antinomia existente entre a dualidade de normas constitucionais, em virtude do §3º do art.225 encampar terreno amplo, enquanto o inciso XXVIII não ultrapassa as fronteiras dos acidentes de trabalho em âmbito individual.[116] Consabido que as antinomias são, em verdade, contradições entre normas ou disposições que entre si são incompativeis[117] e resguardados na concepção que o art.225 e seu § 3º tutelam todas as espécies de vida, ao passo que o disposto no art.7º, XXVIII tem alcance mitigado, o legislador constituinte “não poderia tratar diferentemente os acidentes do trabalho que são a consequência maior dos danos ambientais que atingem diretamente a pessoa humana”, registra Raimundo Simão de Melo[118].

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            Sem embargos, havendo ou não antinomia, esta não tem o condão de rechaçar o argumento edificado com lastro no método sistemático de interpretação, vindo apenas a corroborar a fragilidade do art.7º, XXVIII, da Constituição. Por fim, cumpre colacionar as palavras de Raimundo Simão de Melo acerca da problemática aqui exposta:

A vida, como não resta dúvida, é o bem maior do ser humano e é exatamente em função desse bem supremo que existe o Direito. Assim, não é lógico e, por fim, não é justo que para a consequência do dano ambiental em face da vida humana se crie uma maior dificuldade para a busca da reparação dos prejuízos causados ao trabalhador.[119]

Galgada a barreira da interpretação sistemática imposta ao art.7º, XXVIII, em sintonia com o art.225, §3º, da Constituição Federal – a qual, como exposto alhures, é de integral pertinência para elucidação da matéria, eis que lançada como uma das precípuas linhas de argumentação contra os militantes da corrente negativista. À título ilustrativo, apresentam-se algumas construções pretorianas favoráveis à aplicação do art. 927, parágrafo único, do Código Civil.

6.5 A Jurisprudência Favorável

EMENTA: ACIDENTE DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. A caracterização do dano como do nexo de causalidade entre o acidente e o trabalho deve ser cabalmente demonstrada para que se possa imputar ao empregador, com fundamento no art. 927 do CCB, a obrigação de indenizar por dano material o empregado delas acometido.[120]

EMENTA: ACIDENTE DO TRABALHO. MOTORISTA DE ÔNIBUS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. FATO DE TERCEIRO. TEORIA DO RISCO PROFISSIONAL. LIAME ETIOLÓGICO PRESERVADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAL E MORAL. CABIMENTO. Havendo prova da ocorrência do dano alegado, bem assim do nexo de causalidade entre a lesão e o trabalho, excluída a hipótese de culpa exclusiva do empregado, ao empregador incumbe a obrigação de indenizar, prevista no art. 927 do CC, por danos causados ao empregado. Sendo de risco a atividade desenvolvida pelo motorista, o fato de terceiro, causador do acidente de trânsito, no exercício da atividade, não afasta o nexo de causalidade e não elide a responsabilidade do empregador e/ou do tomador de serviços.[121]

EMENTA: DOENÇA PROFISSIONAL EQUIPARADA A ACIDENTE DO TRABALHO. NEXO CAUSAL. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. É de se reconhecer a responsabilidade do empregador, em razão do risco profissional, quando a moléstia que acomete o trabalhador ocorre em razão do serviço prestado em favor da empresa, ainda que na condição de concausa.[122]

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Sobre o autor
Cândido Anchieta Costa

Advogado em Porto Alegre. Pós-graduando em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Integrante do Grupo de Pesquisa Novas Tecnologias e Relações de Trabalho (PUC-RS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Cândido Anchieta. A responsabilidade civil objetiva do empregador pelos acidentes do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3725, 12 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25260. Acesso em: 22 dez. 2024.

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