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A utilidade das matas ciliares como área de preservação permanente

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Faz-se uma análise imparcial acerca da área de preservação permanente e o significado de sua modalidade específica conhecida como mata ciliar, confirmando as consequências de sua supressão.

RESUMO: A utilidade das matas ciliares como área de preservação permanente é um estudo que tem como objetivo traçar os pontos relevantes das Áreas de Preservação Permanente, em sua modalidade mata ciliar, demonstrando sua importância para o meio ambiente e para todos que dela se beneficiam. As conclusões obtidas, são a soma de um esforço bibliográfico conseguido com os mais conceituados Manuais de Direito Ambiental e Constitucional. Todavia, em virtude da amplitude do tema bem como as recentes modificações trazidas pelo novo Código Florestal, as pesquisas também foram feitas em artigos. Podemos dizer que, o estudo proposto não teve o objetivo de inovar, mas, apenas, confirmar a relevância das matas ciliares e as consequências de sua supressão. É dizer, os possíveis benefícios conseguidos com sua retirada, podem até ocasionar aumento de produtividade em curto prazo, entretanto, se mostram um engodo frente aos desastrosos resultados obtidos no futuro.

Palavras-chave: Meio ambiente, área de preservação permanente, mata ciliar.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO – 2. O meio ambiente no tempo e no espaço – 3. Definição e real importância de meio ambiente, área de preservação permanente e, matas ciliares diante da dicotomia: preservação para as atuais e as futuras gerações frente os impactos ambientais e sociais. Funções práticas e implicações jurídicas – 4. Novo Código Florestal, visão crítica acerca do embate: produtividade versus preservação. Uma questão de urgência ou alarmismo? - 5. CONCLUSÃO – 6. REFERÊNCIAS.


1. INTRODUÇÃO

Como poderia ser mensurada a importância de uma mata ciliar? E a de uma área de preservação permanente? Haveria como medir o alcance do meio ambiente como um todo? Saber a relevância dos ecossistemas terrestres e aquáticos, de seus fatores bióticos (animais, plantas e bactérias) e abióticos (água, sol, solo, gelo, vento). É plenamente cabível fazer tais indagações, todavia, o levantamento dos dados, ainda que possíveis, demandaria uma tarefa extenuante, o que, na presente situação, não consiste no foco do trabalho proposto.

Não há como negar que a história do Brasil, por certo período se confunda com a própria história de Portugal, pois, por termos sido sua colônia, vivenciar sua cultura e obedecer a suas leis não era uma faculdade, mas, sim, uma realidade. No que se refere às questões ambientais, o território brasileiro foi desde seu mais tenro início foco de legislações protecionistas tais como as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas as quais sujeitavam seus infratores a penas como a do degredo por alguns anos ou, dependendo da gravidade ao degredo perpétuo. Durante séculos o Brasil foi, de certa maneira, sempre preocupado com a proteção ambiental, seja em legislações esparsas, seja nos textos constitucionais.

Os estudiosos do Direito Ambiental, bem como os profissionais de outras áreas ligadas cientificamente ao ambientalismo, como, por exemplo, os biólogos, detém uma clara percepção do significado da expressão meio ambiente. Entretanto, ao se indagar a um leigo acerca deste tema, em quase sua totalidade as respostas girariam entre mato, floresta ou, “tudo que é verde”. Poucos, portanto, sabem que apenas o meio ambiente natural, é que diz respeito a mato, floresta ou, “tudo que é verde”. A ideia da existência de um meio ambiente artificial ou do trabalho é em muitos casos inconcebível ou motivo de chacota.

O termo Área de Preservação Permanente é relativamente novo em nosso ordenamento jurídico, pois, foi introduzido no Código Florestal de 1965, Lei 4.771/65, pela Medida Provisória 2.166-67 de 24 de agosto de 2001 e, mantida no atual Código Florestal de 2012, Lei 12.651/2012. Sua definição é simples: ela poderá ser coberta ou não por algum tipo de vegetação nativa e, tem a função de preservar os recursos hídricos, as paisagens, a geologia e a biodiversidade de determinadas localidades, bem como proporcionar a existência de vida vegetal e animal, a proteção do solo, mas, sobre tudo, dar bem-estar aos seres humanos. Já as matas ciliares, espécie do gênero área de preservação permanente consiste na vegetação que margeia rios, córregos, nascentes, etc., protegendo e evitando erosões, assoreamentos, desbarrancamentos, etc.

A proteção ciliar nas margens dos fluxos d’águas é, portanto, de fundamental importância, uma vez que evita, como acima dito, as erosões, mas, também, a poluição dos lençóis freáticos e dos rios, lagos e lagoas, criam corredores verdes que mantém diversas formas de vida animal e vegetal e, em consequência beneficiam os seres humanos. Ao contrário, com a destruição das matas ciliares o meio ambiente e, por sua vez os seres humanos sofrem com impactos ambientais e sociais.

O novo Código Florestal manteve a proteção às áreas de preservação permanentes e por sua vez às matas ciliares. Por meio de muitos debates das classes diretamente interessadas e, também do Governo com a população, atendeu-se, de forma geral, os anseios de todos. A produção no campo ficou garantida, todavia, em contrapartida, os fazendeiros terão que recompor áreas degradadas de florestas e matas ciliares dentro de proporções que atendem a preceitos razoáveis. Ou seja, a nova codificação atendeu aos anseios das classes produtiva e ambientalista instalando limites às urgências a aos alarmismos.


2. O meio ambiente no tempo e no espaço.

Por ocasião das Ordenações Afonsinas,[1] passando pelas Manuelinas[2] e Filipinas,[3] já na época das descobertas portuguesas, a preocupação com as riquezas ambientais já eram levadas em consideração. Preocupava, sobremaneira, aos portugueses, a dilapidação da caça, do minério e, o corte de árvores frutíferas. Raul Machado Horta[4] nos brinda com seu conhecimento informando que, segundo o Livro Quinto, Título LXXV da Ordenações Filipinas, em havendo o corte de árvores ou de seus frutos, o transgressor estaria sujeito “ao açoite e ao degredo para a África por quatro anos” e, em caso de ter o dano ambiental superado o valor estimado “de ‘trinta cruzados e dahi para cima’, o infrator, dizia o implacável Livro Quinto ‘será degredado para sempre para o Brasil’”. Como facilmente notamos, as penas eram não apenas desproporcionais, mas também desumanas, fugindo aos atuais conceitos de que dispomos de Direitos Humanos, uma vez que usava como punição o degredo que variava de 4 (quatro) anos à pena perpétua.

Historicamente o Brasil já demonstra preocupação ambiental desde seu período colonial, que se estendeu dos anos 1500, quando em 22 de abril foi descoberto por Pedro Alvarez Cabral, até o ano de 1808, com a chegada da Família Real Portuguesa que fugia do jugo de Napoleão Bonaparte. Ao longo desse período houve leis que tentavam proteger as riquezas naturais dilapidadas ou, que tivessem potencial para isso.

As legislações que protegeram (ou ao menos tentaram proteger) nossos bens naturais podem ser catalogadas, de acordo com o magistério de Luís Paulo Sirvinskas[5] como o Regimento do Pau-Brasil de 1605 que visava preservar esta árvore da aniquilação que vinha sofrendo, tornando-as propriedade real; o Alvará do ano de 1675 que impediu a existência de sesmarias em áreas litorâneas com madeira; a Carta Régia de 1797, “que protegia as florestas, matas, arvoredos localizados nas proximidades dos rios, nascentes e encostas, declaradas propriedade da Coroa”[6], esta Carta Régia nos interessa diretamente pelo próprio conteúdo a que nos propusemos a estudar e; o Regimento de Cortes de Madeiras do ano de 1799 que pôs regras a derrubada de arvores no território da colônia.

Após o período colonial tivemos muitas outras legislações,[7] tais como, por exemplo, a Lei 601/1850 ou Lei de Terras; o Decreto 8.843/1911 que criou a primeira reserva florestal brasileira no Estado do Acre; o Decreto 23.793/1934 mais conhecido como Código Florestal, dentre várias outras normas legais que foram se aprimorando até a atualidade.

Em termos de verdadeira efetivação à proteção ambiental, a Carta Republicana de 1988 inaugura o esmero do legislador pátrio para com o meio ambiente. Essa atitude louvável do Poder Público nacional vem após 487 anos de existência de lutas ferrenhas entre o poder econômico dominante, nacional e estrangeiro e, a classe política desinteressada, até mesmo pelo desconhecimento, da necessidade de defesa dos bens da Mãe Terra. Segundo Raul Machado Horta, esta constituição “promoveu a incorporação do meio ambiente ao contexto constitucional, em decisão que não encontra precedentes nas Constituições que a precederam no Direito Constitucional Brasileiro”.[8] Entretanto, como mostraremos, o Brasil ensaia a proteção constitucional ao meio ambiente desde o período colonial.

A primeira constituição brasileira, a Constituição do Império do Brazil, de 25 de março de 1824, não demonstrou nenhuma preocupação com o meio ambiente e seus desdobramentos, segundo nos fala Paulo de Bessa Antunes.[9] Por sua vez, nos informa Luís Paulo Sirvinskas situação ligeiramente diversa, afirmando que “a Constituição de 1824 e o Código Criminal de 1830, na Monarquia, previam o crime de corte ilegal de árvores e a proteção cultural”.[10] Mesmo com essa pequena, mas considerável, contradição de informações, devemos ter em vista que naquela época, a humanidade não possuía os conhecimentos tecnológicos que, hoje, possuímos e, por isso, sua preocupação não ultrapassava a das questões econômicas.

De outro lado, temos que levar também em consideração, que o Brasil era essencialmente exportador de produtos agrícolas e minerais[11] e, tinha como sentido norteador, o de que o Estado não deveria se intrometer na economia, sendo, portanto, desnecessário que a Constituição destinasse qualquer atenção à economia. Assim, ao juntarmos o desconhecimento, ainda que a legislação infraconstitucional tentasse timidamente cuidar do meio ambiente, com a ganância econômica que sempre arrebata os homens, não haveria outra situação provável, que não, o desinteresse constitucional para com o tema.

A vida biológica sempre consegue seguir seu caminho com sucesso, encontrando recursos, a princípio, sem qualquer ligação plausível para seu bom deslinde. Com o mundo jurídico não foi diferente. No corpo da mesma Constituição do Império do Brazil, de 25 de março de 1824, encontra-se o artigo 169 que enuncia:[12]

TITULO 7º

Da Administração e Economia das Provincias.

CAPITULO II.

Das Camaras.

Art. 169. O exercicio de suas funcções municipaes, formação das suas Posturas policiaes, applicação das suas rendas, e todas as suas particulares, e uteis attribuições, serão decretadas por uma Lei regulamentar.

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Com este dispositivo constitucional normativo, a continuidade da vida foi possível. Claro que neste caso a continuidade se deu por meio jurídico, não biológico. Assim, as Câmaras Municipais tiveram suas atribuições, por intermédio da “Lei de 1º de outubro de 1828, que dá nova forma às Câmaras Municipais, marca suas atribuições e o processo para sua eleição e dos Juízes de Paz”.[13] No mesmo sentido, é o magistério de Raul Machado Horta.[14]

Não poderemos nos olvidar, entretanto, que no concernente ao meio ambiente, esta lei tinha sua sistematização efetivada por meio das chamadas normas de posturas municipais as quais, poderiam ser encontradas em seu art. 66, dentre elas, a título ilustrativo, podemos citar seu §2º que tratava sobre o esgotamento de águas de pântanos e demais águas infectas; sobre a da limpeza de currais; sobre matadouros; sobre curtumes; sobre depósitos de imundícies e, em seu §4º “sobre as vozeiras nas ruas em horas de silêncio...”, etc.[15]

Como se vê, ainda que a Constituição do Império do Brasil não tenha se interessado pela temática ambiental, conforme preceitua Paulo de Bessa Antunes[16] ou, pouco tenha se interessado, de acordo com as palavras de Luís Paulo Sirvinskas,[17] as regras de posturas das municipalidades, acabavam por se interessar, pois, caso se quisesse viver em condições mínimas de higiene e conforto, teriam que, consciente ou inconscientemente tratar da temática em questão.

A proclamação da República trouxe maiores esperanças, pois, a partir daí, o legislador constituinte pátrio começou a traçar as primeiras linhas no rumo de efetivas melhorias ambientais, ainda que estas tenham começado de maneira tímida.

Desse modo, com a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891, nosso país deu o primeiro passo constitucional, rumo à conscientização ambiental. Isso se deu com o art. 34, item 29 que conferiu competência legislativa para que a União legislasse acerca do tema minas e terras.[18] Pronto! Estava dado o primeiro passo. Assim, vejamos:[19]

Art 34 - Compete privativamente ao Congresso Nacional:

(...)

29º) legislar sobre terras e minas de propriedade da União;

O constituinte de 1934 foi além. Nessa nova Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934, o legislador instituiu, no art. 5º, XIX, “j”, uma lista bem maior de competências para que a União viesse a legislar. Por ela, caberia à União a competência de legislar e explorar o subsolo, a mineração, a metalurgia, a água, a energia hidrelétrica, as florestas, a caça e a pesca. Senão vejamos:[20][21]

Art 5º - Compete privativamente à União:

(...)

XIX - legislar sobre:

(...)

j) bens do domínio federal, riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca e a sua exploração;

Três anos após, com a nova Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937 foi dada continuidade na defesa do meio ambiente, repetindo-se em sua quase totalidade o anterior art. 5º, XIX, “j” da Constituição de 1934, porém aqui, no art. 16, XIV retirou-se a expressão “riquezas do subsolo”. Assim dizia o texto constitucional:[22][23]

Art. 16 - Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes matérias:

(...)

XIV - os bens do domínio federal, minas, metalurgia, energia hidráulica, águas, florestas, caça e pesca e sua exploração;

Em 1946, a nova Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946, dá continuidade à tradição brasileira de defesa do meio ambiente e, inclusive, em seu art. 5º, XV, l, faz retornar ao mandamento constitucional a expressão “riquezas do subsolo”, nos seguintes termos:[24][25]

Art 5º - Compete à União:

XV - legislar sobre:

l) riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia elétrica, floresta, caça e pesca;

O Governo Militar de março de 1964 ao outorgar a nova Constituição da República Federativa do Brasil, bem como a Emenda Constitucional nº 01 de 1969, também deu continuidade à visão ambiental do Estado, como abaixo se vê:[26][27]

Art. 8º - Compete à União:

(...)

XII - organizar a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente a seca e as inundações;

(...)

XV - explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão:

(...)

b) os serviços e instalações de energia elétrica de qualquer origem ou natureza;

Paulo de Bessa Antunes assim se pronuncia acerca da Carta Constitucional de 1967 e de sua Emenda nº 1:[28]

(...) Em termos de competência legislativa, naquela Carta, a União era dotada das seguintes: direito agrário; normas gerais de segurança e proteção da saúde; águas e energia elétrica.

A emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, manteve os termos daquilo que foi acima apontado. Houve, entretanto, uma pequena mudança no que diz respeito às competências legislativas em relação à energia, que foi subdividida em, elétrica, térmica, nuclear ou de qualquer natureza.

Essa foi, portanto, de certa maneira, a tímida evolução do Direito Constitucional Ambiental no Brasil, uma vez que a muito custo fomos agregando avanços jurídicos ao meio ambiente. A grande transformação veio com a Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Esta constituição deu ao Brasil a grande e verdadeira transformação rumo à efetiva proteção ao meio ambiente saudável.

Críticas poderiam ser levantadas uma vez que a proteção ao meio ambiente está resumida ao art. 225 da Constituição de 1988:[29]

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Primeiramente, ainda que se trate de apenas um artigo, temos que observar que se trata de um artigo completo. De outro lado, a proteção constitucional ao meio ambiente pode ser encontrada por toda a extensão de seu texto sendo, 20 artigos no corpo da Constituição propriamente dita e, outros 2 nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias.[30][31] É dizer, dentro dessa estruturação de normas constitucionais encontraremos mandamentos processuais, penais, econômicos, sanitários, tutelar administrativo e, de competência administrativa.

No mesmo sentido, temos nas normas constitucionais protetoras do Direito Ambiental, segundo nos informa as sábias palavras de Paulo de Bessa Antunes[32] que “há, no contexto constitucional, um sistema de proteção ao meio ambiente que ultrapassa as meras disposições esparsas” e conclui brilhantemente afirmando “que as normas ambientais sejam consideradas globalmente, levando-se em conta as suas diversas conexões materiais e de sentido com outros ramos do próprio Direito e com outras áreas de conhecimento”.

Para Raul Machado Horta,[33] “as referências ao meio ambiente são abundantes e elas percorrem a Constituição em toda a sua extensão, desde os direitos individuais (...) para findar no capítulo derradeiro da parte permanente (...)”. Ainda, segundo este mesmo autor, ao analisarmos as referências constitucionais ao meio ambiente, na Carta de 1988, encontraremos regra de garantia, segundo a norma do art. 5º, LXXIII “considerando qualquer cidadão parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao meio ambiente”; regras de competência que “relacionam-se com atribuições conferidas à União Federal, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e a órgãos do Estado, para legislar, preservar ou defender o meio ambiente”; regras gerais que “identificam definições de princípios ou de conduta”, sendo que aqui, temos, por exemplo, “o preceito do art. 170, VI, que define a defesa do meio ambiente como princípio da Ordem Econômica”, bem como outras normas constitucionais insculpidas nos arts. 173, §5º, 174, §3º, 186, II, 200, VIII, 216, V e, 231, §1º. Por último as regras específicas que “ao contrário das regras gerais que se dispersam no corpo da Constituição, aglutinam-se no Capítulo VI, que trata exclusivamente do Meio Ambiente, como parte do Título VIII da Ordem Social” e, continua Raul Machado Horta afirmando no sentido de que “o art. 225, que concentra as regras específicas do Meio Ambiente, compreendem seis parágrafos, sete incisos e trezentas e uma palavras”. Importante salientar que estas regras específicas se dividem em dois grupos, quais sejam, as das normas autoaplicáveis e a das normas não autoaplicáveis e incompletas. Acreditamos, Entretanto, que esmiuçá-las, neste momento, nada acrescentaria ao tema deste trabalho, motivo pelo qual apenas faremos menção a sua existência.

Ou seja, há que se admitir, também, que além de o direito ao meio ambiente saudável estar exposto de maneira enxuta em um único artigo, bem como, espalhado por todo corpo constitucional, ele não se resume unicamente aos conceitos do Direito, sendo que para estudá-lo e, verdadeiramente compreendê-lo, teremos que fazer uso da interdisciplinaridade da estrutura do conhecimento humano, senão vejamos:[34]

(...) A adequada compreensão do capítulo e dos dispositivos Constitucionais voltados para o meio ambiente exige uma atenção toda especial para disciplinas que não são jurídicas. Em realidade, toda uma série de conceitos pertencentes à Geografia, à Ecologia, a Mineralogia etc. são extremamente importantes para que se compreenda a verdadeira dimensão da norma inserida na Constituição. (...)

Édis Milaré, também mencionando o artigo 225 da Carta da República de 1988, afirma que o meio ambiente possui caráter patrimonial. Esse caráter é facilmente perceptível uma vez que o constituinte confere extremado valor ao meio ambiente como patrimônio de todos os brasileiros no presente, não se olvidando que também deverá ter o mesmo valor no futuro.[35]

No ano de 1977 no Estado do Rio Grande do Sul, um estudante de arquitetura, chamado Carlos Alberto Darriell,[36] imbuído da intenção de impedir a derrubada de uma arvore (Tipuana) no centro da cidade de Porto Alegre, em virtude da construção de um viaduto pela prefeitura, subiu nesta, para evitar sua queda. No Acre, também na década de 1970, por intermédio de um movimento denominado “empate”,[37] os seringueiros lutaram para evitar a derrubada da floresta visando manter os seringais como meio de subsistência da população local, o que, acabou por criar o modelo de reservas extrativistas das unidades de conservação que hoje conhecemos.

Não menos importante e, talvez, o fato que deu início à preocupação ambiental em solo pátrio foi a denominada “Passarinhada do Embu”. Tratou-se de fato ocorrido no ano de 1984[38] na cidade de Embu, na Grande São Paulo, na qual o prefeito, para realizar uma determinada comemoração, determinou que 5.000 pássaros fossem abatidos, entre eles estavam tico-ticos, rolinhas e sabiás, tudo com o único intuito de deliciar seus convidados com um suculento churrasco. O resultado de tamanha barbárie resultou em uma indenização de Cr$ 25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de cruzeiros) correspondente ao valor fixado em Cr$ 5.000,00 (mil cruzeiros) por ave abatida.[39]

Infelizmente, não somente de exemplos positivos quanto ao meio ambiente, viveu o Brasil ao longo de sua história. Demoramos um decênio,[40] após a Conferência das Nações Unidas em Estocolmo,[41] na Suíça, sobre meio ambiente, para que nosso Governo iniciasse seus primeiros passos no caminho da plena conscientização ecológica, uma vez que, durante esta conferência, em 1972, o Brasil tomou uma posição diametralmente oposta do que os chamados, à época, países de primeiro mundo estavam buscando, qual seja, o Brasil se posicionou no sentido de ir, de encontro com as aspirações mundiais na busca da melhoria das condições ambientais que vinham se degradando cada vez mais. O motivo de tal atitude se justificava no “desenvolvimento” econômico a qualquer custo. Hoje, no entanto, o Brasil continua buscando o desenvolvimento sim, todavia, abriu sua mente para a importância do desenvolvimento sustentável. Acerca do tema tratado, qual seja a Conferência de Estocolmo de 1972, Raul Machado Horta nos brida com as seguintes informações:[42]

(...) O Decreto-Lei n. 1,413, de 1975, refletia a posição do Governo brasileiro em face da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente, que resultou da reunião promovida pela Organização da Nações Unidas, em junho de 1972, naquela Capital, com o objetivo de fixar uma política universal de proteção ao meio ambiente. Signatário do documento, o Brasil compartilhou das reservas dos países em desenvolvimento, que então alimentavam suspeitas fundadas no conflito de interesses entre as nações altamente industrializadas e as nações em face de desenvolvimento industrial ascendente.

Tratando do tema meio ambiente e sua proteção, temos, portanto, que no Brasil, nossa legislação federal, após o clamor em face da Conferência de Estocolmo de 1972 passou por 03 (três) fases[43] que se iniciaram no ano de 1975, senão vejamos. Primeiramente, nos vimos enfrentando as chamadas, políticas preventivas, efetivadas principalmente pelos órgãos da administração federal. Em seguida, nos deparamos com a formulação da conhecida Política Nacional do Meio Ambiente. Por esta, tivemos a incidência de sanções e o início do chamado princípio da responsabilidade objetiva, princípio este que, implica indenizações ou reparações em função de práticas degradantes ao meio ambiente, não necessitando para tanto, a existência de culpa na conduta apenada. Por último, a criação da Ação Civil Pública, instrumento jurídico que possibilita responsabilizar os danos causados ao meio ambiente a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico na defesa dos interesses da coletividade sob a legitimação do Ministério Público, União Federal, Estados, Municípios, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e associações civis.

Ao buscarmos referências mundiais para a proteção do meio ambiente, descobriremos que a sua degradação, seja no meio urbano como no rural, tomou proporção de fato político[44] o que, fez da ecologia e sua irremediável proteção, um campo de muitas referências, principalmente após Estocolmo, 1972. Entretanto, nos ateremos apenas a algumas poucas situações. Senão vejamos.

Um dos documentos mais antigos, senão o mais antigo é chamado “Confissão Negativa”[45] e está inserido no “Livro dos Mortos” datado de mais ou menos três mil e quinhentos anos. Este faz parte de um papiro que foi descoberto com as múmias do Novo Império Egípcio. Tal papiro traz um texto que denota a preocupação do indivíduo com a natureza e, com o castigo divino que poderia sofrer. Isso faz com que demonstre respeito com as coisas vivas da seguinte maneira: “Homenagem a ti, grande Deus, Senhor da Verdade e da Justiça!/ Não matei os animais sagrados/ Não prejudiquei lavouras.../ Não sujei a água/ Não usurpei a terra/ (...)/ Sou puro, sou puro, sou puro”.

A tribos indígenas Seatle e Siox, ambas dos Estados Unidos da América do Norte, deixaram para a posteridade valiosos documentos de cunho ambiental. O primeiro documento data de 1854, quando o então presidente daquele país, fez proposta de compra das terras da tribo Seatle. Essa foi rechaçada, mas, trata-se de um importante documento, que chegou a ser distribuído pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), por ser “um dos mais importantes pronunciamentos já feitos em defesa do meio ambiente, tendo em vista a sua beleza e profundidade”.[46] Também, em 1875 um chefe indígena Siox fez um de seus fabulosos discursos em uma festa conhecida como Pow Wow. Luís Paulo Sirvinskas afirma que tais pronunciamentos “foram os precursores da consciência ecológica”.[47]

No Japão[48] a busca pela qualidade ambiental teve início com a poluição industrial na baía de Minamata que causou graves danos à saúde e, até morte da população local. Na França[49] o início se deu com a tentativa de construção do campo militar de Lazarc em 1971. Somente após 10 anos de luta, em 1981, é que o Presidente François Mitterrand, por meio de uma promessa de campanha, desistiu do projeto.

Sobre a evolução histórico-constitucional do Direito Ambiental poderíamos tecer comentários por muitas outras laudas, fazer justa menção, p. ex., as Organizações não Governamentais que possuem um magnífico trabalho em prol do meio ambiente, todavia, esta não é a proposta deste trabalho.

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Sobre o autor
Raphael Ricardo Menezes Alves Vieira

Advogado OAB/MS sob o Número de Inscrição 9165<br>Membro da Comissão de Meio Ambiente da OAB/MS<br>Pós Graduado em Direito Ambiental e Urbanístico<br>Pós Graduado em Direito Eleitoral.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Raphael Ricardo Menezes Alves. A utilidade das matas ciliares como área de preservação permanente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3725, 12 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25273. Acesso em: 22 dez. 2024.

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