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Apreensão e perdimento dos instrumentos utilizados na prá-tica da infração administrativa ambiental e dos produtos dela

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Resumo:


  • A apreensão de bens utilizados em infrações ambientais é uma medida legal e necessária para evitar reincidência e proteger o meio ambiente, porém, existem considerações sobre a devolução de bens a terceiros de boa-fé e sobre a aplicação dos princípios de razoabilidade e proporcionalidade.

  • Os produtos da infração geralmente são considerados ilícitos e não devem ser devolvidos ao infrator, mas instrumentos e veículos podem ter destinos diferentes dependendo das circunstâncias, como a possibilidade de serem utilizados novamente em infrações.

  • A aplicação da penalidade de perdimento deve ser analisada caso a caso, levando em conta fatores como reincidência, má-fé do infrator e a gravidade do dano ambiental causado, sempre fundamentando as decisões com base nos princípios administrativos aplicáveis.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2. Do Respeito à propriedade de terceiro de boa-fé não envolvido, ainda que indiretamente, na infração administrativa ambiental

Como visto, a apreensão dos bens envolvidos na infração administrativa ambiental é medida que se impõe ao fiscal autuante. Confirmada a infração pela autoridade julgadora, após apreciação da defesa eventualmente apresentada, a retirada do bem da propriedade do infrator, com a conseqüente decisão de perdimento, é sanção administrativa que deve ser motivadamente aplicada, de acordo com as normas legais e infra-legais que regem a matéria.

 Ocorre que, apesar de o perdimento ser a regra da apreensão (nos casos de confirmação da infração), deve-se considerar que há casos que justificam a devolução do bem ao seu proprietário. Com efeito, não se pode ignorar que o perdimento é a exteriorização da penalidade de apreensão, e que, nessa condição, não pode ser aplicada a quem não teve qualquer participação no evento infracional.

 Deve-se considerar, contudo, que este possível fato é exceção, pois, em regra, o bem que está sendo utilizado na prática da infração ou que tenha sido produto dela, o foi com o consentimento do seu proprietário, o qual, ainda que por ato omissivo, tem participação no ilícito.

 Em Direito Ambiental, vige o Princípio da Solidariedade, de forma que quem deteve a mínima participação na prática infracional, ou mesmo deixou de evitá-la, quando deveria ou poderia fazê-lo, deverá responder por ela. Na esteira da Política Nacional do Meio Ambiente, dispõe a Lei de Crimes e Infrações Ambientais Administrativas (Lei nº 9.605/98):

Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

(…)

Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente. (...)

Observa-se, portanto, que, pelo conceito legal de poluidor, não há como olvidar a responsabilidade daquele que, de alguma forma, deu causa à infração ambiental de natureza indivisível. Destarte, em se tratando de infração e dano ambiental, seguramente subsiste sua responsabilidade.

 Assim, restando apreendido um bem, instrumento ou veículo utilizado para o cometimento da infração ou mesmo produto dela, é presumível que o seu proprietário (caso não seja o responsável direto pela prática da infração ambiental) tenha participação, ainda que indireta, no cometimento do ilícito. É que, mesmo não sendo o infrator o proprietário do bem, é de se admitir que ele, em regra, recebeu alguma forma de anuência pelo uso alheio, seja por meio de uma espécie de contrato, seja em decorrência de relação de parentesco ou amizade entre os dois.

 Diante das regras que devem nortear o assunto, não se pode presumir, de forma contrária, a total irresponsabilidade do proprietário do bem no cometimento do ilícito ambiental. É por isso, inclusive, que a apreensão do bem deve ser efetuada, em qualquer hipótese, pelo fiscal, para que, só após apreciada a possível defesa do infrator e do proprietário do bem, possa-se decidir pelo perdimento (regra) ou pelo devolução do objeto da apreensão ao seu dono.

 Assim, no ato da apreensão, é imprescindível que o fiscal apure, por meio da solicitação da documentação do bem, a quem pertence o produto da apreensão, com vistas a possibilitar trazer aos autos administrativos a defesa daquele que poderá ser penalizado com o perdimento de sua propriedade.

 De fato, em face dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, restará totalmente fragilizada a decisão administrativa que confirme o perdimento de um bem apreendido pelo órgão ambiental, sem que o seu proprietário tenha, sequer, tomado ciência formal do auto de infração e tido a oportunidade de se manifestar sobre a infração ambiental praticada e a medida de sua participação no ilícito.

Assim, caso o fiscal, no momento da lavratura do auto de infração, constate que o bem apreendido pertence a terceiro, deverá, desde logo, diligenciar para que conste no auto informações pertinentes sobre o proprietário, as quais permitam a notificação administrativa para apresentação de defesa, tendo em vista a possibilidade de se dar perdimento ao bem alheio apreendido.  Em não existindo tal informação no instante da lavratura, poderá o órgão ambiental providenciar a notificação do proprietário, no momento em que tomar conhecimento, nos autos administrativos, se tratar de bem de propriedade de terceiro.

 A oportunidade de defesa daquele que poderá ser penalizado pela medida há de ser apreciada previamente à decisão que confirma a infração e aplica a penalidade de perdimento. Caso o órgão fiscalizador tome conhecimento da propriedade do bem após a homologação, recomenda-se que seja feita a notificação para defesa e que o processo retorne à autoridade julgadora, para confirmação ou não da penalidade de perdimento.

 Se o procedimento prévio de contraditório não restar atendido, certamente, a penalidade poderá ser questionada judicialmente, com chances consideráveis de reversão, tendo o visto o entendimento do Poder Judiciário que se firma sobre o assunto. O Ministro José Delgado, do Superior Tribunal de Justiça, assim se manifestou:

Ocorrência de violação ao direito de propriedade ante o cunho expropriatório da medida incidente sobre bens da Impetrante, sem o devido processo legal, que é mais uma garantia do que propriamente um direito, posto que por ele visa-se proteger patrimônio contra a ação arbitrária do Estado. Embora por vezes se faça presente que o Estado destitua alguém do domínio de determinado bem, é necessário que esta medida de extrema gravidade se processe com as garantias do devido processo legal - art. 5º, LIV, LV da Carta Magna[8].

Apresentada defesa pelo proprietário do bem apreendido, caberá à autoridade julgadora, ainda que confirmada a infração, apurar indícios de participação, mesmo que por meio de conduta omissiva do terceiro, na prática do ilícito ambiental. Tal análise há de ser minuciosa e orientada pelos princípios de precaução, prevenção e da responsabilidade objetiva e solidária em Direito Ambiental. Certamente, será difícil constatar a boa-fé do proprietário do bem, que, pelas circunstâncias práticas envolvidas, deveria saber da prática da infração, ou pelo menos da possibilidade de utilização do bem no ilícito.  

 Trata-se de análise casuística que deverá ser feita pela autoridade julgadora competente, a partir das nuances da infração, das características da tipologia encontrada, e das defesas que podem ser apresentadas pelo autuado e pelo proprietário do bem apreendido. Nessa apreciação, caberá à autoridade ter em mente principalmente critérios como os benefícios que a infração poderia ter trazido ao proprietário e a regra estampada na Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.757, de 4 de setembro de 1942), segundo a qual ninguém de escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece (art. 4º).

 Exemplificadamente, tem-se que se o proprietário contratou um terceiro para conduzir o seu veículo e, com ele, transportar madeira ilegal, sabe-se que a infração iria lhe beneficiar diretamente, motivo pelo qual não há que se admitir sua irresponsabilidade no cometimento da infração. De igual forma, aquele que exerceu agricultura em área embargada (e é proprietário do produto da atividade) e sem licença ambiental rural, não pode alegar que desconhecia a condição de embargo e, muito menos, que não sabia ser necessária autorização/licenciamento do órgão ambiental para a atividade desenvolvida na área. As circunstâncias do caso, portanto, deverão orientar a autoridade julgadora na decisão pela aplicação de penalidade de perdimento, após apreensão de bem de terceiro, desde que reste respeitado o devido processo legal administrativo.

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 O mais importante, portanto, é que seja devidamente oportunizada ao terceiro a apresentação de defesa e/ou apreciada a manifestação apresentada, no processo administrativo, por aquele que se diz proprietário do bem apreendido.

Nesse sentido, cumpre destacar que na hipótese de o órgão ambiental não notificar os interessados para apresentação de manifestação, mas tendo sido trazido aos autos razões de defesa de terceiro, impõe à autoridade julgadora sua apreciação prévia à decisão pela homologação do auto de infração e pela aplicação das penalidades.

 É que o interessado pode ingressar no processo apuratório da infração ambiental, com fundamento no art. 9°, inc. II da Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, segundo o qual:

Art. 9° São legitimados como interessados no processo administrativo:

I - pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou interesses individuais ou no exercício do direito de representação;

II - aqueles que, sem terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que possam ser afetados pela decisão a ser  adotada;

Assim, mesmo sem a notificação formal, caso exista nos autos administrativos a apreciação das razões apresentadas, rechaçando-se as alegações daquele que poderá ser prejudicado com a perda do bem, não haverá  infringência ao princípio da ampla defesa e do contraditório. Com efeito, diante da fundamentação da decisão e de superação pela autoridade julgadora das razões sustentadas pelo proprietário do bem, estará concretizada a sua defesa administrativa, inexistindo prejuízo. E, diante da máxima de que não há nulidade sem prejuízo, o processo administrativo estará regular, como também legal será a medida de perdimento do bem, eventualmente aplicada.  

Após tais ponderações, conclui-se que a análise das razões apresentadas por terceiro, não autuado, no que tange a sua não participação na infração ambiental, e o entendimento da autoridade de que o terceiro agiu de boa-fé, deverão orientar decisão administrativa de devolução do bem ao seu proprietário, ainda que configurada a infração e mantidas as demais penalidade aplicadas ao autuado.

Nesse mesmo sentido, inclusive, já há manifestações jurisprudenciais que merecem transcrição:

REMESSA OFICIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. APREENSÃO DE VEÍCULO DE TERCEIRO CONTRATADO PARA TRANSPORTE DE MADEIRA POR DESACORDO COM A ATPF. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO QUE NÃO CONCORREU PARA O ILÍCITO. RESTITUIÇÃO DO VEÍCULO. POSSIBILIDADE.

1. Na hipótese, o auto de infração lavrado por fiscal do IBAMA com fundamento nos artigos 46 e 70 (Lei nº 9.605/98) e 2º e 32, § único (Decreto nº 3.179/99), a despeito de sua legalidade, trouxe como conseqüência a apreensão de veículo de terceiro contratado para o transporte da madeira.

2. Todavia, ainda que o art. 25 da Lei nº 9.605/98 autorize a apreensão dos instrumentos utilizados na prática da infração ambiental, tal permissivo não alcança os bens daqueles que não tenham concorrido para o ilícito.

3. Remessa oficial improvida.                                                                                   Grifos nossos

(REOMS 2006.30.00.002078-8/AC, Rel. Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Quinta Turma, e-DJF1 p. 536 de 13/02/2009).

AMBIENTAL. ART. 25, § 2º, DA LEI N. 9.605/98. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. DOAÇÃO DO PRODUTO DO CRIME (TORAS DE MOGNO). CERTEZA DE QUE A ATIVIDADE ILÍCITA FOI PERPRETADA POR INVASORES EM FACE DOS PROPRIETÁRIOS DO TERRENO E DA COLETIVIDADE. NECESSIDADE DE, NO CASO CONCRETO, RESPEITAR O DIREITO DE PROPRIEDADE DOS PROPRIETÁRIOS LESADOS. JUÍZO DEFINITIVO ACERCA DA DISTINÇÃO, NA ESPÉCIE, ENTRE OS CRIMINOSOS (INVASORES) E OS PROPRIETÁRIOS DA PLANTAÇÃO. DÚVIDA QUE RECAI APENAS EM RELAÇÃO À PROPRIEDADE DO TERRENO EM QUE LEVANTADO O PLANTIO DO MOGNO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Discute-se a possibilidade de doação de 636 toras de mogno apreendidas, na forma do art. 25, § 2º, da Lei 9.605/1998, segundo o qual "[v]erificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos. [...] Tratando-se de produtos perecíveis ou madeiras, serão estes avaliados e doados a instituições científicas, hospitalares, penais e outras com fins beneficentes".

(...)

5. Singela leitura do caput do inc. I do art. 91 do CP revela que, via de regra, o produto do crime realmente não pode aproveitar a quem comete o ilícito, colocado a salvo o direito dos lesados e dos terceiros de boa-fé.

(...)

7. Ocorre que, se constatado, como alegam os recorridos, que a madeira foi extraída de sua propriedade por invasores , não é possível entender que deveria haver a doação em favor de entidades, na forma do art. 25, § 2º, da Lei n. 9.605/98, sem que haja resguardo de seu direito de propriedade, constitucionalmente tutelado.

(...)

13. Por isso, é imperioso achar uma solução harmoniosa entre o direito de propriedade dos recorridos e o art. 25, § 2º, da Lei n. 9.605/98.

14. Esta conciliação é simples e far-se-á da seguinte forma: (i) a regra é a aplicação do art. 25, § 2º, da Lei n. 9.605/98, independentemente de autorização judicial ; (ii) havendo fundada dúvida sobre a dominialidade dos bens apreendidos e não sendo caso de os proprietários ou terceiros de boa-fé estarem diretamente relacionados com a prática da infração (penal  ou administrativa) , a alienação deverá ser onerosa , com o depósito dos valores líquidos auferidos (descontadas as despesas de apreensão, transporte, armazenagem e processamento da venda) em conta bancária à disposição do juízo, cuja destinação final (se à União ou a quem ela determinar, se aos proprietários da terra) será aferida após incidente processual cabível; e (iii) na hipótese de inviabilidade (técnica, de fato ou por ausência de compradores) da alienação onerosa, o órgão ambiental poderá doar, de imediato, os bens apreendidos, conforme disposto no art. 25, §2º, da Lei n. 9.605/98, garantindo-se aos prejudicados o direito de indenização em face dos criminosos.                                                                              Grifos nossos

(...)

[STJ, Recurso Especial nº 730.034-PA (2005/0035103-0), Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Data do julgamento: 10/03/2010].

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Sobre a autora
Karla Virgínia Bezerra Caribé

Procuradora Federal, atuante no Ibama.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARIBÉ, Karla Virgínia Bezerra. Apreensão e perdimento dos instrumentos utilizados na prá-tica da infração administrativa ambiental e dos produtos dela. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3733, 20 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25349. Acesso em: 27 dez. 2024.

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