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O alcance do direito ao porte de arma atribuído ao policial federal

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7 – PORTE EM OUTROS LOCAIS

Além de fóruns de Justiça, há outros lugares frequentados por policiais federais em que se costuma haver obstáculo ao seu ingresso portando arma de fogo. Objetiva-se, nesta parte do trabalho, estudar se há legislações que restringem esse direito legal conferido à classe em questão.

7.1 – ESTÁDIOS DE FUTEBOL E SIMILARES

Por se tratar de local de grande aglomeração de indivíduos, é natural a preocupação em controlar o acesso de pessoas portando arma de fogo. Mas todas as medidas de segurança em torno do espetáculo futebolístico devem ser tomadas à luz do ordenamento jurídico vigente.

Reza o Decreto n° 5.123/04 que a Polícia Federal, em normativo interno, estabelecerá os procedimentos relativos às condições para a utilização das armas de fogo, ainda que fora de serviço. E entre esses procedimentos devem ser previstas normas gerais quando se tratar de locais onde haja aglomeração de pessoas, em virtude de evento de qualquer natureza, tais como no interior de igrejas, escolas, estádios desportivos, clubes, públicos e privados[38].

Cumprindo a exigência, o Departamento de Polícia Federal expediu a Instrução Normativa n° 23/05, que, em seu artigo 27, disciplina:

Art. 27 Os policiais federais têm livre porte de arma de fogo, em todo o território nacional, ainda que fora de serviço, devendo portá-la acompanhada do respectivo registro de arma de fogo e da Carteira de Identidade Funcional.

 § 1o. Os policiais federais poderão portar arma de fogo institucional ou particular, em serviço e fora deste. 

§ 2o. Os policiais federais ao portarem arma de fogo institucional ou particular, em locais onde haja aglomeração de pessoas, em virtude de evento de qualquer natureza, tais como no interior de igrejas, escolas, estádios desportivos, clubes públicos e privados, deverão fazê-lo de forma discreta, sempre que possível, visando evitar constrangimento a terceiros. (grifos nossos)

Da leitura acima, resta claro que o policial federal poderá adentrar um estádio de futebol portando arma de fogo, desde que o faça com extrema discrição.

Mesmo diante dessa permissão, como recurso alternativo, em estádios de grande porte, como o Mineirão, existe delegacia policial de plantão, onde é possível deixar o armamento sob custódia da Polícia Civil.

7.2 – ASSEMBLEIA LEGISLATIVA

É um local público onde o acesso aos policiais federais, armados, não deveria ser dificultado, pelos motivos já explanados quando se falou da sede da Justiça Federal em Minas Gerais. Mesmo assim, em algumas oportunidades, o policial tem sua entrada proibida por portar arma de fogo.

A Polícia Federal, nos últimos anos, vem obtendo mais notoriedade por investigar pessoas ocupantes de cargos extremamente importantes no cenário político brasileiro, tais como governadores, prefeitos e ministros de cortes superiores de justiça. Aparecem nos noticiários televisivos policiais cumprindo mandados judiciais em residências e escritórios de investigados.

 Nessas ações, a Polícia Federal se faz presente com seus agentes vestindo roupas ostensivas e aparelhados conforme exige a situação. Não se questiona nesses casos o ingresso de policiais armados em gabinetes de deputados.

No entanto, se o mesmo policial, à paisana, quiser entregar um documento a um deputado, não raro é impedido de entrar com arma na sede do Poder Legislativo.

Comparando essas duas ocasiões, depreende-se que o que parece legitimar o acesso na Assembleia de policiais federais portando arma de fogo são dois fatores: i) roupa ostensiva; ii) ordem judicial.

É uma análise absurda feita por quem compete a segurança da Assembléia Legislativa.

Primeiro, na tarefa investigativa, como polícia judiciária, o policial federal deve se portar bem sigiloso, discreto. Não faz sentido ostentar seu uniforme operacional cotidianamente, sob pena de não se conseguirem os resultados desejados. A polícia ostensiva, por excelência, é a Polícia Militar.

Segundo, o que a ordem judicial autoriza – por exemplo, um Mandado de Busca e Apreensão – é entrar em determinado local, como um gabinete de deputado, a fim de se coligirem as provas necessárias para a persecução penal. A ordem não é permissão para ingressar armado na Assembleia Legislativa.

Novamente se confunde o direito espacial, domiciliar, via de regra inviolável – e a ordem do magistrado rompe a inviolabilidade do local –, com o direito da classe policial portar arma de fogo.

Reconhece-se que, mesmo sendo local público, não pode a sede do Poder Legislativo deixar de tomar medidas de segurança. Qualquer um, em tese, poderá acessar as dependências do lugar, desde que se identifique, informe o setor para o qual se dirigirá e não carregue consigo objetos pontiagudos, armas de fogo e outros artefatos que coloquem em risco a integridade física de outrem. Contudo, quando se tratar de policial federal, depois de identificado e informado o setor, deve ser-lhe franqueada a entrada, mesmo portando arma.


8 – EVENTUAIS RESTRIÇÕES AO DIREITO AO PORTE DE ARMA

Direito algum é absoluto. A sua existência não é um fim em si, mas sim a realização de um valor. A solução justa não é aquela que simplesmente observa a literalidade do texto legal, mas aquela que melhor realiza o valor que deu origem ao texto legal, como mostra trecho de um artigo escrito por Edison Miguel da Silva Júnior.

Aliás, é esse o trabalho do profissional do direito: construir a solução justa para cada caso concreto e não, simplesmente, aplicar a literalidade do texto legal para todos os casos que possam surgir em uma sociedade dinâmica, cada vez mais complexa e sofisticada.

Quando a lei confere ao policial federal o direito de portar permanentemente arma de fogo, é porque se busca proteger a figura do policial, agente de segurança pública, assegurando-lhe um instrumento de defesa para si e para a sociedade.

De fato, um policial que passa tantos anos participando de investigações, prisões e operações coleciona muitos inimigos, combate vários interesses econômicos, de modo que portar arma de fogo torna-se imprescindível à sua segurança pessoal.

Da mesma forma, se desarmado, seria inviável ao policial executar seu dever duradouro de combate ao crime.

Esses são, então, os valores tutelados pelo direito de portar arma de fogo: integridade física do policial e o dever de proteção da coletividade.

 Se, no entanto, em determinada conduta, o agente público extrapolar em seu direito - ou utilizá-lo com outra finalidade - não subsiste mais a razão para exercê-lo. É o caso da arma de fogo. Não haverá motivo para portá-la se o escopo não for a segurança própria ou da sociedade.

8.1 – ASSEMBLEIA LEGISLATIVA

Para o presente trabalho cita-se um episódio ocorrido na Assembléia Legislativa de Minas Gerais[39].

[...] Para pressionar os deputados a votar o Projeto de Lei Complementar 60/10, de autoria do Executivo, que altera a estrutura das carreiras da Polícia Civil, cerca de 5 mil delegados e agentes de todo o Estado, de um total de 10 mil, ocuparam nesta segunda-feira (28) os arredores e o interior da Assembleia Legislativa. Pelos cálculos dos representantes da categoria, as 460 unidades da Polícia em Minas contaram nesta segunda (28) apenas com um agente de serviço.

O PLC 60/10 foi aprovado em 1º turno por 59 votos a favor e nenhum contra, na forma do substitutivo número 1, da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), com as emendas de 1 a 5 da Comissão de Administração Pública. Foram ainda rejeitadas as emendas 6 e 7 da mesma comissão. A matéria volta à pauta hoje para votação em 2º turno.

Além das chefias terem colocado o cargo à disposição do governador Antonio Anastasia (PSDB), durante o protesto os policiais cometeram uma série de abusos no entorno do Legislativo Estadual.

O clima de provocação ficou visível, com viaturas estacionadas sobre as calçadas e armas de fogo à mostra. Logo no início da manhã, a categoria começou a se reunir no entorno da Assembleia. Os policiais foram chegando aos poucos. Pouco antes do início da votação do projeto, marcada para as 11 horas, o que se viu foi uma multidão armada e vestida com coletes pretos, com os símbolos da Polícia Civil. Os policiais cercaram todas as entradas e saídas da Assembleia, e lotaram as galerias. A pressão sobre os deputados foi grande [...].

No acontecimento acima, o porte de arma foi claramente usado pelos policiais como intimidação aos deputados, visando à aprovação de uma lei. Não se prestou à defesa do próprio policial nem da coletividade. Em ocasiões assim, devem os seguranças legislativos impedir o ingresso no local dos policiais armados, haja vista o evidente desvio de finalidade na ação daqueles que portavam arma.

8.2 – SALA DE AUDIÊNCIA

O magistrado não pode sofrer pressão de nenhuma pessoa integrante do processo, seja parte, testemunha, policial ou membro do Ministério Público. Deverá ele lançar mão de todos os meios legais que lhe tragam tranquilidade, para que se analise cada prova processual segundo sua consciência.

Nessa esteira preceituam o art. 445 do Código de Processo Civil e o art. 816 da Consolidação das Leis do Trabalho, referindo-se a audiências:

Art. 445. O juiz exerce o poder de polícia, competindo-lhe:

I - manter a ordem e o decoro na audiência;

II - ordenar que se retirem da sala da audiência os que se comportarem inconvenientemente;

III - requisitar, quando necessário, a força policial.

Art. 816 - O juiz ou presidente manterá a ordem nas audiências, podendo mandar retirar do recinto os assistentes que a perturbarem.

A fim de manter a ordem e o ambiente de respeito no desenrolar do processo, a legislação confere ao juiz o poder de polícia na sala de audiência, haja vista sua posição de autoridade judiciária. Através desse poder ele assegura a ordem dos trabalhos forenses, caso haja intromissão perturbadora de quaisquer pessoas ao processo.

Destarte, o juiz pode impedir que um policial, na condição de testemunha, réu ou autor, ingresse armado na sala de audiência – ou em seu gabinete, por extensão -, quando sentir que a presença de uma arma de fogo possa lhe causar ameaça.

De fato, a regra se justifica se se pensar em um policial federal sendo acusado de crimes graves como homicídio e estupro. Nesse caso, para a segurança de todos, o correto é o acusado não comparecer uma audiência de instrução e julgamento portando arma de fogo.

Nesse exemplo, a própria lei – o Código de Processo Civil e a Consolidação das Leis do Trabalho – autorizou que se limitasse um direito. Percebe-se que essa limitação não se refere ao espaço, ao lugar, ao direito de ir e vir. Afinal, em regra, a audiência é pública[40], podendo qualquer um presenciá-la. A restrição incide realmente sobre o direito ao livre porte de arma de fogo conferido em lei aos policiais federais.


CONCLUSÃO

Este trabalho teve por escopo estabelecer o alcance do direito ao porte de arma atribuído em lei aos policiais federais. Toda vez que se fala em direito, necessário se faz delineá-lo, para que o possuidor possa exercê-lo dentro dos limites legais, evitando – ou punindo – eventuais abusos e excessos.

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O Estatuto do Desarmamento – Lei nº 10.826/2003 – concedeu o porte de arma integral aos policiais federais, ou seja, mesmo fora de serviço. Essa norma é consentânea com a ideia de responsabilidade e de dever na segurança pública incumbida pela Constituição Federal ao Departamento de Polícia Federal. Realmente não faria sentido permitir que o policial apenas portasse arma quando estivesse trabalhando, tendo em vista que seu encargo na defesa da ordem pública é perene. Além disso, o dever de agir do policial em qualquer situação de flagrante delito justifica o permanente porte de arma.

As casas noturnas que criam restrições ao ingresso de policial federal armado cometem ilegalidade, pois suas normas internas jamais poderão atingir qualquer lei. Os vigilantes também não possuem a habilidade e a experiência do policial federal no quesito armamento.

Alguns atos administrativos, como uma portaria, podem disciplinar determinado assunto, mas sem extrapolar o conteúdo da lei, sob pena de ilegalidade. Não podem tampouco suprimir direitos outorgados por lei. No caso estudado, o juiz, ao restringir, nas dependências da Justiça Federal em Minas Gerais, o livre porte de arma atribuído em lei aos policiais federais, extrapolou no conteúdo da portaria, inovou na ordem jurídica vigente, criando/delimitando situações em que o policial federal não poderá portar sua arma. Tal atitude é claramente ilegal.   

Se se almeja - e com razão - garantir a segurança nos edifícios administrados pelo Poder Judiciário, onde o rigor deve ser observado, pois nestes locais circulam inúmeras pessoas e há o ingresso e trânsito de detentos, é compreensível reduzir o número de pessoas armadas naquele local. MAS NÃO EM RELAÇÃO À POLÍCIA! Pois são justamente os órgãos policiais – e aí se encontra o Departamento de Polícia Federal – os responsáveis pela segurança pública no Brasil. Se a preocupação é o trânsito de detentos, nada melhor do que a polícia, armada, como elemento de proteção. Por essa razão, a entrada de policiais armados em um tribunal não deve ser dificultada.

O Estatuto do Desarmamento restringiu bem o rol de pessoas que podem portar arma de fogo, concedendo esse direito, como exceção, a poucas categorias funcionais. O objetivo foi diminuir a violência que se alastra pelo Brasil. O legislador entendeu por bem que, entre as classes merecedoras do porte permanente, se encontram os policiais, mesmo quando não estão em serviço, em razão da relevante função que exercem, sobretudo como guardiães da segurança pública. Não compete ao Judiciário, portanto, desarmar o policial federal.

No entanto, nenhum direito é absoluto. A sua existência não é um fim em si, mas sim a realização de um valor. A solução justa não é aquela que simplesmente observa a literalidade do texto legal, mas aquela que melhor realiza o valor que deu origem ao texto legal. Quando a lei confere ao policial federal o direito de portar permanentemente arma de fogo, é porque se busca resguardar a segurança do próprio policial, agente de segurança pública, assegurando-lhe um instrumento de defesa para si e para a sociedade. Esses são, então, os valores tutelados pelo direito de portar arma de fogo: integridade física do policial e o dever de proteção da coletividade. Se, no entanto, em determinada conduta, o agente público extrapolar em seu direito - ou utilizá-lo com outra finalidade - não subsiste mais a razão para exercê-lo. É o caso da arma de fogo. Não haverá motivo para portá-la se, manifestamente, o escopo não for a segurança própria ou da sociedade. Esta é a primeira exceção ao livre porte de arma atribuído aos policiais federais.

A segunda exceção é quando há previsão na própria lei. O Código de Processo Civil e a Consolidação das Leis do Trabalho, por exemplo, conferem ao juiz o poder de polícia na sala de audiência, haja vista sua posição de autoridade judiciária. Através desse poder ele assegura a ordem dos trabalhos forenses, caso haja intromissão perturbadora de quaisquer pessoas ao processo. Dessa forma, poderá o magistrado impedir que um policial, na condição de testemunha, réu ou autor, ingresse armado na sala de audiência – ou em seu gabinete, por extensão -, quando sentir que a presença de uma arma de fogo possa lhe causar ameaça.

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Sobre o autor
Yuri Amarante de Rodrigues e Miranda

Agente de polícia federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Yuri Amarante Rodrigues. O alcance do direito ao porte de arma atribuído ao policial federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3737, 24 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25385. Acesso em: 15 nov. 2024.

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