Resumo: Trata-se de um ensaio em que se procura delinear a atuação obrigatória do Ministério Público no Processo civil segundo o sistema de nulidades. Serão analisadas as propostas de alteração no Código de Processo civil, sendo observadas as possíveis evoluções no tratamento do sistema de nulidades e sua conformidade com o princípio da instrumentalidade.
Palavras-chave: Nulidades; Ministério Público; princípio da instrumentalidade, propostas de alteração do Código de Processo Civil.
Sumário: 1. Introdução; 2. O Ministério Público no Processo Civil; 3. Classificação dos atos processuais; 4. A invalidade dos atos processuais; 4.1. Inexistência do ato, Nulidade absoluta e nulidade relativa 5. Formalismo processual e a instrumentalidade das formas; 6. A nulidade pela não intervenção obrigatória do Ministério Público e o avanço no projeto do Novo Código de Processo Civil; 7. Conclusão; 8. Referências.
1.INTRODUÇÃO
O Ministério Público é uma instituição essencial à Justiça, concebida na ordem constitucional, com o propósito de tutelar o interesse público primário. Toda vez que o Ministério Público é chamado a se manifestar sua atuação estará voltada para o interesse público. Portanto, em princípio, havendo previsão de sua intervenção no processo civil, esta não ocorrendo, aconteceria uma nulidade absoluta, sendo esta, inclusive a previsão normativa do Código Processo Civil.
Sendo desatendido o disposto nos arts. 84 e 246, do CPC, estaremos diante de uma nulidade cominada, sendo esta nulidade entendida como absoluta. No entanto, as nulidades no processo civil devem ser vista à luz do princípio da instrumentalidade das formas. Portanto, para decretação da nulidade de um ato processual e sua insanabilidade não basta que ele seja formalmente defeituoso.
2.O MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO CIVIL
Na forma do art. 127, caput, da Constituição, “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Pelo mandamento Constitucional previsto no artigo 127, as principais finalidades do Ministério Público consistem na defesa: a) a ordem jurídica; b) regime democrático; c) os interesses sociais e os direitos individuais indisponíveis.
Em uma análise com olhos desarmados, pode parecer que o Ministério Público estaria legitimado a agir ou intervir em todo e qualquer processo, sempre que se estivesse em jogo qualquer violação à lei e efetiva e em todos os casos em que haja violação da ordem jurídica, o que redundaria em funcionar em todos os casos submetidos à apreciação do Poder Judiciário, por ser essencial à função jurisdicional do Estado[1].
Não podemos tomar as expressões defesa da ordem jurídica e essencial à função jurisdicional do Estado, no sentido absoluto, mas entendê-las dentro das finalidades que a própria Constituição destinou ao Ministério Público.
A Constituição erigiu o Ministério Público à condição de instituição, conferindo-lhe organização e finalidades sociais voltadas ao bem comum, estando encarregado de defender a ordem jurídica e sendo essencial à função jurisdicional, mas quando de fato esteja em jogo a defesa do regime democrático, ou de um interesse social, ou de um interesse individual indisponível, ou seja, estando em jogo um interesse assim qualificado, o Ministério Público estará legitimado a defendê-lo, sendo em alguns casos, como órgão agente, em outros, como órgão interveniente. A legislação infraconstitucional pode prevê novas atribuições, mas em conformidade com suas atribuições previstas na Constituição.[2] Portanto, na esfera cível, o Ministério Público terá legitimidade ativa para a causa nas hipóteses expressamente elencadas na lei e compatíveis com o regramento constitucional, como por exemplo, na tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. É vedado, pois, atribuir à instituição a defesa de interesses individuais disponíveis, sem qualquer relevância social, sob pena de incorrer em flagrante inconstitucionalidade[3]. Na mesma linha de raciocínio a situação na qual cumpre ao Ministério Público intervir como fiscal da lei, nos termos do artigo 82 do Código de Processo Civil, isto é, quando há interesse público, evidenciado pela qualidade da parte ou natureza da lide.
Jairo Cruz Moreira enfatiza que a compreensão do atual papel do Ministério Público como órgão interveniente passa pelo estudo do que hoje se denomina de pós-positivismo, em que o legalismo cede lugar ao constitucionalismo democrático, valores constitucionais, a ponderação ao invés da mera subsunção e a onipresença da Constituição sobre a legislação ordinária.[4]
Portanto, a simples previsão genérica de intervenção do Ministério Público em todas as situações que a lei adjetiva indicar não se mostra consentânea com sua missão constitucional deste órgão, devendo se feita uma verdadeira racionalização de sua atuação no processo civil. Tal situação se evidencia de maneira tão evidente que o Conselho Nacional do Ministério Público chegou publicar a Recomendação de nº 16/2007, que versa sobre tal situação.
Para Cândido Rangel Dinamarco o Ministério Público recebe da Constituição e da lei uma série de legitimidades para o processo civil, permitindo que ele se faça parte no processo. Para o autor a outorga de legitimidade, seja para promover demandas em juízo ou para intervir no processo, sendo técnica para que o Estado possa tomar iniciativas vedadas aos juízes, em virtude do princípio da inércia inicial e o princípio dispositivo. Dinamarco aponta acientificidade na diferenciação de fiscal da lei e ser parte, pois para ele parte é todo o sujeito que figura no processo com possibilidades de pedir, alegar e provar, sem considerar as razões ou modalidades de sua legitimidade ad causam[5].
Posição similar é sufragada por Calmon de Passos, vejamos sua lição: “Mas, seja propondo a ação, seja intervindo em ação proposta por outrem, o Ministério público se põe numa relação dialética e antagonística com os titulares, ou quando nada com alguns deles, da relação substancial deduzida em juízo; torna-se contraditor da parte privada e em face dela ou em confronto com ela recorre a todos os meios previstos em lei para fazer valer o interesse de que é titular. Se isso não é típico de uma atuação de parte, nada mais será típico”[6].
No processo civil, o Ministério Público, tem sua estrutura institucional traçada como órgão agente e órgão interveniente. O Prof. Antonio Cláudio da Costa Machado[7] lembra que este traço foi discutido pelos italianos: "É justamente em meio a esta realidade que começam a florescer entre os juristas italianos, novas ideias acerca da intervenção ministerial que, posteriormente, desaguariam na instituição legal do duplo posicionamento do parquet no processo civil (órgão agente – órgão interveniente) bem como na aparição da polêmica, que se eternizaria, tendo por objeto a qualidade jurídica do Ministério Público fiscal da lei".
Nas causas em que o Ministério Público intervém como órgão agente, conforme o artigo 81 do Código de Processo Civil, verifica-se que ele atua como ombudisman, defensor do povo, como enfatiza Nelson e Rosa Maria Nery[8].
A falta de intervenção do Ministério Público, nos casos em que a lei considera obrigatória, determina a nulidade do processo, conforme estabelece o art. 84[9] e 246[10]. Assim, todas as vezes que a lei dispuser que o Ministério Público deve intervir, a falta de sua intimação, acarretará, como se disse, a nulidade cominada pela lei adjetiva. Para Alcides de Mendonça Lima a intervenção do Ministério Público constitui um poder-dever, havendo omissão a punição será a nulidade do processo[11]. Para Celso Agrícola Barbi entende que a norma prevista no inciso III do artigo 82, do CPC, estabelece faculdade do Ministério Público participar de causas em que entenda que haja interesse público[12]. No sistema do Código de Processo Civil brasileiro não há hipóteses de intervenção facultativa do Ministério Público. A interpretação em relação facultativa a intervenção no caso do inc. III do art. 82, segundo norma análoga ou similar existente no Direito italiano não se sustenta. Nosso Código, não autoriza tal interpretação, porque não existe distinção entre as hipóteses do inc. II e do inc. III, e mesmo as do inc. I do art.82. A hipótese prevista no inc. III apresenta dificuldades, em virtude de sua generalidade e polissemia do termo “interesse público”, não raras vezes haverá dúvida sobre a existência do interesse público à luz de um caso concreto. È certo que a dicção contida no art. 127, caput, CF, aponta os parâmetros necessários constatar na necessidade de intervenção ministerial, mas não de forma discricionária, conforme sua conveniência e oportunidade[13].
Competiria a quem fazer o controle da existência desse interesse assim qualificado?
Surgem duas importantes indagações: o órgão do Ministério Público quer intervir porque entende existir tal interesse e o juiz não aceita essa intervenção, ou o Ministério Público manifesta-se de forma contrária a intervenção, porque não existe o interesse público e, ao contrário, o juiz entende que ele deva intervir.
Na primeira hipótese, a solução é a seguinte: o juiz ao indeferir o ingresso do Ministério Público está proferindo uma decisão interlocutória que, nos termos do art. 522 do Código de Processo Civil, pode ser enfrentada mediante o recurso de agravo, neste caso o agravo de instrumento, cabendo em última análise, ao Tribunal decidir deve ou não intervir no feito. Entendo o Tribunal que existe interesse público na causa, determinará a intervenção, anulando os atos praticados a partir do momento que o órgão do Ministério Público deveria intervir. Uma outra questão é análise concreta se a ausência de intervenção do Parquet causou ou não prejuízo. A segunda hipótese pode ser resolvida, aplicando-se analogicamente, o art. 28 do Código de Processo Penal[14] que sobre o arquivamento do Inquérito Policial quando requerido pelo Ministério Público e não haja concordância do magistrado. Nesta situação, discordando o juiz, do pedido de arquivamento, remeterá o procedimento inquisitorial ao Procurador Geral de Justiça, tratando-se de Ministério Público Estadual, que decidirá definitivamente, se deve manter o arquivamento, ou se deve determinar a propositura da ação penal competente. Assim, no Processo Civil, toda vez que o órgão do Ministério Público no 1º grau de jurisdição se recusar a intervir, por entender que não haja interesse público, deve o juiz que entender em sentido contrário, comunicar tal fato ao Procurador Geral da Justiça, que avaliará a existência, ou não, desse interesse qualificado no processo, decidindo em caráter definitivo, intervindo no feito, designando um Promotor de Justiça para fazê-lo na condição de longa manus ou dizer, em caráter definitivo, que não existe interesse público que exija a intervenção do Ministério Público, inexistindo qualquer nulidade a ser decretada. Para Paulo Cesar Pinheiro Carneiro[15], sendo vislumbrado razões para intervenção do Ministério Público, por mais leve que seja, deve ser o representante do Parquet intimado.
Não se pode perder de vista que a ordem jurídica prevê a intervenção do Ministério Público no sentido de se buscar uma decisão justa e a pacificação social, tendo atuação proativa, no sentido da correta aplicação da lei. Nesse mesmo sentido são os ensinamentos de José Fernando da Silva Lopes: “Faz o Ministério Público, em suma, aquilo que a parte deveria fazer, mas não o fez, e, aquilo que o juiz poderia fazer, mas não deve, aparecendo no processo como verdadeiro órgão de controle do interesse público, preocupado com a atuação da lei e com a relevante necessidade de garantir a mais estrita neutralidade do organismo jurisdicional”.[16]
3.CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS
Para Bedaque os atos processuais são classificados como atos jurídicos stricto sensu, pois a vontade, embora essencial para existência do ato, é irrelevante para determinação das consequências previamente estabelecidas pelo legislador. É certo que os atos processuais produzem determinados efeitos, essenciais a validade do processo, sejam eles resultado da vontade ou não, pois a vontade de quem praticou o ato cumpre papel tão somente residual, resolvendo-se na simples intenção e consciência de cumprir o ato, sendo irrelevante o objetivo de alcançar determinado fim, pois este já se encontra estabelecido em lei. Sendo assim, relevantes são as consequências do ato, não ele em si.
Portanto, não deve o intérprete preocupar-se em demasia com o verdadeiro intuito da declaração, nem se ela atende as exigências formais de validade. Importa, sim, verificar se os objetivos visados foram alcançados. Nessa ótica, a forma como devem ser praticados os atos, são meios para atingir fins desejados pelo legislador, e não pelas partes, cuja declaração tem o condão apenas de possibilitar que os objetivos sejam alcançados, não de determiná-los.
4. A INVALIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS
Fernando Antônio Negreiros Lima[17] esclarece que Galeno Lacerda aborda a questão das nulidades processuais de forma bem didática, criando como critério distintivo a natureza e a finalidade da norma violada. Pois, tratando-se de descumprimento de norma de interesse público, haveria insanabilidade do ato. Por outro lado, seriam sanáveis as regras voltadas para o interesse das partes. Esclarece o autor que quando se cuida de norma imperativa, haverá nulidade de caráter relativo, sendo purgável mediante ato da parte, podendo o juiz agir de ofício neste caso. No entanto, quando se cuidar de norma de natureza dispositiva, cuja a observância o legislador deixa a critério da parte, teremos mera anulidade, que convalidável pela simples omissão do interessado, mas que para ser anulada depende, depende de expressa reação da parte, pois o juiz não pode agir de ofício .
Na verdade, são diversos os sistemas de invalidades do direito civil e do direito processual, como bem esclarece Teresa Arruda Alvim Wambier[18], enfatizando que o regime jurídico das nulidades absolutas e relativas do direito positivo brasileiro, estão previstos no art. 166 e 171 do Código Civil. No direito civil a nulidade absoluta jamais se convalida, deve ser decretada de ofício e a decretação tem eficácia ex tunc e dispensa ação para o reconhecimento, no caso de anulabilidade ou nulidade, pode ser convalidada, dependendo da provocação da parte interessada, sendo que o ato desconstitutivo tem efeito ex nunc e somente pode ser decretada por meio de ação. Para autora embora estas regras estejam formalmente contidas num diploma legal de direito civil, dizem respeito a todo o direito. No entanto, durante muito tempo o direito de forma (processual) foi entendido como parte integrante do direito de fundo[19]. Neste sentido a invalidade e suas espécies no direito processual sofreram grande influência do direito civil, posteriormente, ocorrera um certo afastamento.
Enrico Túlio Liebman[20] lembra ainda que a disciplina positiva dos atos processuais difere profundamente tanto da dos atos de direito privado quanto da dos atos administrativos, de forma que todas as suas regras estão no CPC, não podendo ser modificada ou integrada por normas de outra natureza, que são inspiradas em necessidades diversas. O Código de Processo Civil tem um sistema próprio de invalidades, que não coincide com o Código Civil, como ser verifica a citação inválida que é causa de nulidade absoluta, cominada (CPC, art. 247), ou até mesmo a existência deste ato, pode ser suprida (CPC, art. 214, § 2º)[21].
Acentua José dos Santos Bedaque[22] que os estudos de direito processual devem desenvolver-se em uma visão instrumental, pois embora o direito processual seja autônomo, sua existência só se justifica à luz do direito material.
Portanto, apesar da doutrina trazer a classificação, conclui-se pela sistemática processual que a distinção entre nulidade e anulabilidade é irrelevante no processo civil, para determinar-se sobre a possibilidade sanatória, pois se mostra inadequado reconhecermos a nulidade absoluta como insanável, pela incidência do princípio da instrumentalidade das formas.
4.1. Inexistência do ato, Nulidade absoluta e nulidade relativa
O ato processual praticado em desconformidade com a forma e formalidade exigida pela lei encontra-se defeituoso, se mostrando atípico segundo o regime legal.
Para Aroldo Plínio Gonçalves a classificação das nulidades a partir da classificação dos vícios como categoria, encontra severos problemas visto que a nulidade não é vício e não pode ser conceituada como defeito do ato[23].
A doutrina procura classificar os referidos defeitos dos atos processuais, entre muitas classificações possíveis, para efeitos didáticos optamos pela seguinte classificação: inexistência do ato, nulidade absoluta e nulidade relativa.
Os atos inexistentes são os que não reúnem os mínimos requisitos de fato para sua existência como ato jurídico, jamais se convalida e não precisa ser invalidado. Do ponto de vista jurídico processual, é um não-ato processual[24]. O CPC considera de forma expressa como inexistente o previsto no artigo 37, parágrafo único, ou seja, o ato praticado por advogado sem o instrumento do mandato.
A nulidade absoluta se encontra na categoria dos atos processuais, mas sua condição jurídica mostra-se gravemente afetada por defeito localizado em seus requisitos essenciais. Considerado com vício insanável e pode ser invalidado por iniciativa do juiz, independentemente de provocação da parte interessada. Pode ser arguida a nulidade absoluta a qualquer tempo, são insuscetíveis de preclusão. O ato nulo não pode ser sanado, substituído por outro, no caso da citação, pode ser suprida pelo comparecimento do réu, que faz às vezes da citação válida.
A nulidade relativa ocorre quando o ato embora viciado em sua formação, mostra-se capaz de produzir os efeitos processuais, se a parte prejudicada não requerer sua invalidação, estando sujeito a preclusão. É ratificável, expressa ou tacitamente. A nulidade relativa é regra do sistema processual civil, sendo a nulidade absoluta a exceção.
Cândido Rangel Dinamarco[25] estabelece distinção entre atos processuais inválidos e atos processuais inexistentes, pois para ele o ato inexistente é quando ocorre a ausência de requisitos mínimos necessários para caracterização do ato típico que se pretende reproduzir. A nulidade por sua vez manifesta-se quando se cogita na mera imperfeição de alguns dos elementos do ato processual. Dinamarco não aceita em sede de direito processual a existência de atos anuláveis ou anulabilidade, em virtude da concepção publicísticas dos atos processuais.
Couture enfatiza que a irregularidade do ato processual é um desajuste entre a forma determinada na lei e a forma utilizada na vida, mas procura relacionar o grau de irregularidade do ato com o grau de ineficácia:
“Paralelamente a esse apartamiento se va prodiciendo la ineficácia de lacto. e lacto absolutamente irregular es absolutamente ineficaz; e lacto gravemente irregular es gravemente ineficaz; e lacto levemente irregular es levemente ineficaz.Em esse sentido se han distinguido siempre tres grados de ineficácia: em um primer grado, de ineficácia máxima, la inexistência; em um segundo grado, capaz de producir determinados efectos em condiciones muy especiales, la nulidad absoluta; em um tercer grado, com mayores posibilidades de produzir efectos jurídicos, la nulidad relativa”[26].