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Sugestões para a construção de uma nova democracia

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Penso que a modernização política passa pela modificação profunda do sistema eleitoral (óbvio), mas, principalmente, pela extirpação da figura do “político profissional”, tanto no executivo, como no legislativo.

“Um país que crianças elimina; Que não ouve o clamor dos esquecidos; Onde nunca os humildes são ouvidos; E uma elite sem deus é quem domina;  (...) Um país onde as leis são descartáveis; (..) Um país onde os homens confiáveis, Não têm voz, não têm vez, nem diretriz, Mas corruptos têm voz e vez e bis (...)” (O Meu País / Zé Ramalho)

Antes de passar meu recado, quero deixar algo bem evidenciado. Vou escrever em primeira pessoa. Sei que não é uma das melhores técnicas para o tipo de texto que proponho, mas importante deixá-lo o mais intimista possível.

Escrever é uma espécie de ritual (mágico) e, mesmo se eu fosse “bamba” no assunto, ainda assim, já seria algo desafiador.

Visitar as entranhas da própria mente e colocar em texto algo a ser compartilhado para daí surgir uma coerência central capaz de chamar o leitor à participação, ao debate, ao engajamento é o que me encoraja.

Aviso que apesar de minha formação acadêmica em bacharelado em direito, sendo professor e advogado militante, a única credencial que tenho a oferecer é o fato de ser cidadão brasileiro. 

Aprendi que todos têm direito de expressar suas opiniões e, malgrado os esforços de alguns governantes em tolher ou mitigar esta garantia, o anonimato é constitucionalmente vedado. Nesta garantia me amparo.

Assim, meu caro leitor ou leitora, fique a cavalheiro para, a qualquer momento, interromper a leitura. Não ficarei aborrecido, em absoluto.

Lembro das palavras de um excelente e experiente professor de literatura e português que tive no ensino médio: “Pensar não dói!”. Dizia sempre. Então, vamos em frente.

Pois bem. Assumidos os pontos iniciais venho dizer algumas palavras que há tempos querem ganhar vida.

Recentemente o país foi invadido por protestos – digamos – legítimos.

Quem vem acompanhando minimamente os noticiários têm opinião sobre os acontecimentos. Comigo não é diferente.

Pelo que sei, qualquer regime dito democrático importa em alternância de Poder, mas não uma alternância fajuta, “para inglês ver”, como se diz no populacho. 

Pelo menos desde a Constituição de 1934 temos um estado isolado dos clamores e necessidades da sociedade.

Isso muito se deve a um sistema político no qual permite a manutenção (quase perene) de certos políticos ou grupos políticos no poder.

Em outros termos, o sistema vigente carrega consigo uma forma de imobilizar a salutar alternância de Poder. Sim, meu texto é apelo à mudança.

Em minha opinião, a exteriorização dessa imobilização se dá na figura do "político profissional" que representa algo a ser imediatamente banido.

Talvez essa ‘figura’ tivesse sua importância em algum momento da nossa história, mas isso acabou. O mundo em que foi concebida a existência dessas ‘figuras’ na democracia é um mundo que não existente há décadas.

Temos a democracia mais consolidada dos últimos 70 anos, fato este que – por si só - desautoriza a manutenção daquela ‘figura’. 

No Brasil de hoje precisamos de oxigenação política.

A democracia é forte quanto mais seus integrantes (sociedade) se sentem nela representados o que, atualmente, não ocorre. Na realidade, parece que somos hóspedes do país e “eles” (congressistas, políticos, tecnocratas, burocratas, etc.) são os “donos”, quando na realidade deveria ser justamente o contrário, eis que “todo poder emana do povo”!

Mas não é para menos, alguns políticos estão há 20, 25, 30 anos no poder. A casa do povo passou a ser a casa “deles”. É uma aberração.

Penso que a modernização política passa pela modificação profunda do sistema eleitoral (óbvio), mas, principalmente, pela extirpação da figura do “político profissional”, tanto no executivo, como no legislativo. Não se pode autorizar a eternizarão dos mesmos políticos, com as mesmas propostas (fisiológicas) de sempre, permita-me a honestidade.

O cidadão que já deu sua contribuição política partidária merece todo agradecimento e aplausos, quem sabe o nome de uma rua ou importante avenida quando deixar sua existência corporal (talvez até um feriado!), mas isso não o autoriza repetição infinda em cargos eletivos.

Essa repetição sem fim faz com que, especialmente, deputados e senadores, vivenciem uma realidade bem distinta da imensa massa de brasileiros.

Sem meias palavras, ao que tudo indica, o mundo dos nossos congressistas parece ser uma espécie de réplica do mundo de “Alice no País das Maravilhas”.

Claro que um livro tão complexo (assim como o é nossa contemporânea sociedade) pode ser interpretado de várias maneiras. A analogia com este enredo pode ganhar variadas versões. Pessoalmente prefiro interpretar a história de Alice como sendo a de uma garota que entra súbita e inesperadamente na adolescência e se depara com um novo universo confuso. Ou seja, sobre esta análise, lembra o Brasil de hoje. É que depois de 25 anos de redemocratização temos a queda em buraco de coelho e todas novas informações e obrigações que uma trama democrática deve trazer à baila.

Aí, me deparo com deputados federais e senadores da república alegando estarem “surpresos” com os movimentos sociais. Em outros termos, lembra a revelação da lógica do absurdo encartado no livro acima indicado.

Estes excelentíssimos congressistas chegaram a argumentar na tribuna da casa do povo que estranharam o grito das ruas, pois, apenas algumas semanas antes, as pesquisas de opinião pública indicavam números positivo do governo atual.

Pergunto: Número fala? Número reclama? Número vai às ruas? Não. Definitivamente, não.

Número não passa de objeto matemático usado para descrever quantidade, ordem ou medida, jamais para indicar competência! Perdoem-me leitores e leitoras posso está sendo um tanto descortês, mas não encontro outra forma de dizer isso.

Parece que o sol nasce para todos e a sombra para alguns, enquanto todos nós encaramos sol a sol o trabalho diuturno e o enfrentamento dos problemas que atingem indistintamente a sociedade, nossos representantes estão no velho esquema de “sombra e água fresca”.

Política de distribuição de renda e incentivo do consumo (e endividamento interno), estratégias utilizadas durante as décadas FHC, LULA & CIA Ltda. foram associadas a um “ambiente democrático”; mas a realidade nua e crua é que esses fatores não se sustentam por largo período, não são suficientes para determinar desenvolvimento expressivo. Daí a grande ruptura político-social aproximou-se à espera de uma mera oportunidade para ser detonada. Poderia ser qualquer motivo e a qualquer tempo, mas - por ironia – aconteceu, no país do futebol, na ocorrência da copa das confederações.

A mim não me pareceu nenhuma surpresa (gritante) a revolução das ruas, senão mera resposta social reprimida.

Nem se alegue que a resposta das ruas seja confusa, agressiva, incompreensível ou impaciente. Aliás, paciência é o esporte nacional mais praticado que futebol.

Filas nos serviços essenciais (pessimamente prestados), precarização da saúde, escolaridade de baixa qualidade, falta de segurança pública (diariamente estampada nos jornais), ausência de investimentos sérios na infra-estrutura, estradas, etc., e tome fila no trem do atraso.

Tenha Santa Paciência!

Quem conhece a dura e surreal realidade dos hospitais públicos? Das escolas públicas? Dos transportes públicos urbanos, interurbanos, metroviários, aquaviários, ferroviários?

Falta de tudo e de tudo muito se falta! É um cenário terrível, concordam?

Sou do entendimento que todo vereador, deputado federal e estadual, senador da república, governador, prefeitos e presidente da república deveriam - no mínimo - utilizar sistema público de transporte, visitar hospitais públicos, escolas públicas, cadeias, delegacias, sistema prisional, tribunais, etc., freqüentemente e trazer relatos de suas vistorias aos seus pares, divulgar amplamente sua impressão pessoal. Será que nem assim vão se sensibilizar?

Para entender a distorção da visão dos políticos e dos cidadãos, somos obrigados a mergulhar (como escafandrista) nesse mundo artificial dos palácios governamentais. Parece que a fronteira dos mandatos (parlamentar ou executivo) cega aqueles que têm por ofício representar a vontade do povo.

Com tudo isso em mente, penso que já é momento de criarmos ‘barreiras’ com a finalidade de evitarmos tanto atraso político social.

Apresento algumas sugestões.


A Primeira. Limitação na quantidade de mandatos eletivos.

Por motivos de manutenção do principio democrático temos que ter rotatividade de pessoas e pensamentos no Poder.

Isso não inclui que a cada período (definido por lei), por exemplo, a cada 4 anos, a política de governo tenha que mudar.

Podemos e devemos traçar um caminho como nação para que seja seguido por longos anos, digamos um plano plurianual superlativo, sem que com isso as pessoas que o fizeram tenham que permanecer indefinidamente no Poder para concretizá-lo, sei lá por quais motivos.

Por isso, e para dizer que não falei de flores, entendo que - no máximo - deveria existir o direito a apenas uma única reeleição, nada mais.

Se o cidadão foi Presidente da República, o será por apenas uma oportunidade, salvo uma única reeleição; da mesma forma governador, prefeito, vereador e deputado. Já os senadores (mantidas as condições atuais), teriam apenas uma única oportunidade, nada mais.


A Segunda. Comprovação de qualificação técnica objetiva dos escalões mais altos da administração pública direta e dos diretores da administração indireta.

Entendo que, para atendimento aos órgãos da administração direta e indireta e às entidades autárquicas e fundacionais do Poder Executivo, deveria haver a obrigatoriedade de nomeação de funcionários públicos concursados e efetivos para as funções de primeiro, segundo e terceiro escalão do Estado. 

Ou seja, o critério a ser utilizado deve ser objetivo e técnico. Nada de conchavos políticos para se dar um ‘jeitinho’ de arrumar a vida de um apadrinhado político ou aliado de ocasião.

Todos os serviços públicos devem ser prestados com impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, no mínimo. 

Quem assumir um cargo nos escalões mais altos da administração pública direta e dos diretores da administração indireta deve comprovar previamente qualificação técnica e ser sabatinado pelos representantes do legislativo. A meu modo de ver o executivo jamais deveria indicar apenas um nome para sabatina, senão pelo menos organizar uma lista tríplice para tal desiderato. Veja que a escolha seria ainda política, entretanto, com arreios vinculados objetivamente à competência e ao mérito do escolhido. Acredito que todos aceitam que não é razoável colocar um feirante semi-alfabetizado para gerenciar uma escola de pilotagem de aviões! O mesmo se dá no âmbito público. Pergunto: o que tem de razoável um gestor público colocar como secretário um veterinário como secretário de fazenda? Nada!

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A Terceira. Limitação temporal dos gestores dos mais altos escalões da administração pública direta e dos diretores da administração indireta aos membros do executivo que o nomearam.

Ora, mesmo havendo a obrigatoriedade de nomeação de funcionários públicos concursados e efetivos para as funções de primeiro, segundo e terceiro escalão do Estado, submetidos à sabatina, a saída definitiva do chefe do executivo que os nomeou deve ser o suficiente para romper a continuidade destes no comando público. Servirá inclusive como modo de se reavaliar as escolhas casos os novos chefes queiram reconduzir antigos gestores.

Aliás, todos os gestores devem prestar contas anualmente à sociedade de forma mais clara, evidente e com ampla divulgação em órgãos especializados. 


A Quarta. A perda automática de mandado eletivo no legislativo no caso de assunção de uma função no executivo.

Muito comum na política nacional um deputado ou vereador ser chamado para assumir alguma pasta ou órgão da administração pública direta e indireta e, assim, abrir vaga para os suplentes “temporários” (aliás, outra figura a ser banida).

Para acabar com esta prática nefasta, deve-se decretar a perda automática de mandado eletivo no legislativo no caso de assunção de uma função no executivo, da mesma forma que quem do executivo assume função legislativa perde a anterior. Assim, os suplentes não seriam “temporários”, um remendo; seriam pessoas comprometidas com a certeza de que somente sairiam ao final do mandato.


A Quinta. A perda automática de mandado eletivo em caso de condenação criminal confirmada por tribunal ou declarada por tribunal superior em caso de única instância.

Ora, vejamos o caso do mensalão. O STF diz na decisão que alguns parlamentares devem perder o mandato e o congresso fica a debater se isso pode ou não ser feito! Isso é jogar contra a sociedade. A sociedade não quer bandido em cargo ou função política ou de gestão pública, isso é mais que razoável. 

A condenação deve ter como efeito a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo por qualquer pena, em qualquer crime, em especial se praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública.


A Sexta. Eleições gerais simultâneas. 

A realização de eleições municipais, distritais, estaduais e federais devem ser simultâneas e terminar com essa gastança de tempo e dinheiro público de eleições a cada 2 anos. Sei que essa idéia não é nova e é compatível, adequada com a nova noção de democracia acima argumentada.

De mais a mais, partindo da premissa de que a sociedade não está fora de nós (ela é algo dentro de nós), sendo ela a corporificação da vida coletiva, a realização de qualquer pleito eleitoral deveria vir acompanhada de consulta pública sobre assuntos de interesses locais, distritais e federais, de tal forma que os eleitos já teriam uma pauta de trabalho a se debruçarem assim que tomarem posse.

Não se olvidem de que as promessas feitas em campanha política deveriam ser cumpridas à risca pelos eleitos, sob pena de impedimento na participação de outro cargo eletivo.

É que promessa não cumprida presume-se feita apenas para levar o cidadão ao engano. É engodo. É falso. Assim, o político que recebeu o voto de eleitor que acreditou em suas promessas de campanha, e que durante o exercício do mandato é omisso, apático ou simplesmente desonesto com suas promessas compromete a confiança depositada ao não realizar-las não merecendo mais a confiança em se candidatar-se.


A Sétima. Limitação da idade para o exercício de mandato parlamentar.

Aos 70 anos de idade a pessoa deveria se afastar da vida política compulsoriamente, inclusive por motivos de dignidade da pessoa humana. Não soa bem que um cidadão com mais de 70 anos tenha que se sacrificar em prol do seu país; isso sem se olvidar de outros aspectos, como, por exemplo, a paridade de tratamento com o Judiciário (onde os magistrados, escolhidos pelo critério da meritocracia tem que obrigatoriamente “pendurar as chuteiras” ao se tornar septuagenário).  


A Oitava. Alteração dos critérios de escolha dos tribunais de contas

Como se sabe os membros dos tribunais de contas são escolhidos politicamente. Maior parte deles sequer tem noção de direito, ou de direito financeiro ou de contabilidade em geral.

Se a escolha de magistrados (Poder Judiciário) tem como exigência básica a formação em Direito, revela-se justo e razoável que os conselheiros dos tribunais de contas deveriam, como pré-requisito mínimo, ser graduados em Ciências Contábeis, ou economia ou administração de empresas ou ter especialização nestas áreas. Como entender de informações financeiras e patrimoniais sem tais competências? O critério político nos tribunais de contas termina por prejudicar em demasia a análise dos processos (contábeis e financeiros) em total desvirtuamento da Lei de Responsabilidade Fiscal e das Normas Brasileiras de Contabilidade Pública.  Ou seja, deveria haver escolha por concurso público e não por critério meramente político. Imagine a cena: Um Ex-político na função de conselheiro do tribunal de contas julgando as contas públicas de um (colega) político do mesmo partido que outrora era vinculado. Ou pior, julgando contas de um político e outrora era ‘do outro lado’. É o mesmo que dar aos lobos a função de vigiar as ovelhas!

Por derradeiro quero deixar uma mensagem para você que teve paciência de ler meu texto: Deseje com plena consciência! Mas, antes de desejar e exigir pense nas conseqüências. Todo desejo acabará, mais cedo ou mais tarde, sendo satisfeito. Há uma fila (acredito) e muitos outros que desejaram antes têm preferência, portanto, pode levar algum tempo, mas vai tudo se concretizar. 

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Sobre o autor
Luís Cinéas de Castro Nogueira

Advogado OAB/PI 232-B Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela UCAM. Especialista em Processo Civil pela UFPI e UFSC. Advogado. Professor de Graduação no ICF e CEUT. Professor em cursos de Pós Graduação

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Luís Cinéas Castro. Sugestões para a construção de uma nova democracia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3762, 19 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25548. Acesso em: 5 nov. 2024.

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