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Nepotismo e impedimento de posse em cargo comissionado

Resumo:


  • A Súmula Vinculante nº 13 do STF e o Decreto Federal nº 7.203/2010 tratam da prática de nepotismo em órgãos públicos.

  • A presunção de vício na nomeação de parentes em cargos públicos não é absoluta, devendo ser analisada caso a caso.

  • A relação de parentesco por si só não configura nepotismo, sendo necessário avaliar se houve favorecimento indevido na nomeação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A violação aos princípios da moralidade e impessoalidade não ocorrerá simplesmente porque um parente foi investido em cargo comissionado, mas sim se o parentesco foi condição suficiente para garantir a nomeação, o que constitui favorecimento espúrio.

Em atenção ao disposto na Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal e no Decreto Federal nº 7.203/2010, é comum verificar em diversos órgãos públicos a prática administrativa consistente no impedimento de investidura em cargo comissionado caso o nomeado informe, na oportunidade da posse, ser cônjuge, companheiro ou ter relação de parentesco em linha reta ou colateral, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau, de servidor ocupante de cargo em comissão ou função de confiança de direção, chefia ou assessoramento.

Tal prática parte do pressuposto de que a relação de parentesco configura, por si só, a prática de nepotismo, motivo pelo qual, a conduta a ser seguida seria o impedimento da posse.

É preciso afastar o entendimento segundo o qual a Súmula Vinculante nº 13 do STF instituiu uma presunção absoluta de vício da nomeação/investidura de parentes em cargos na Administração Pública. Por conseguinte, a configuração do nepotismo não se daria a priori, de forma absoluta, bastando a constatação da simples relação de parentesco, de per si.
 
             Ademais, contraria a ordem jurídica admitir que a Súmula Vinculante nº 13 tenha fixado, de modo absoluto e inexorável, uma regra de presunção absoluta de vício da nomeação/investidura, afastando de antemão as vicissitudes do caso concreto. Logo, não se pode dizer que a Súmula Vinculante, como verdadeiro ato normativo, impeça toda e qualquer atividade interpretativa.

Nesse sentido, são esclarecedoras as palavras de JULIANO TAVEIRA BERNARDES: "não há dúvidas em que as autoridades vinculadas pelas súmulas vinculantes conservam competência para lhes interpretar o alcance no momento de aplicá-las. Aqui, por mais bem redigido que possa parecer o enunciado da súmula vinculante, é sabido que a aplicação pressupõe a interpretação, até porque já superada a ideia do in claris non fit interpretatio" (in Direito Constitucional, Tomo II. Salvador: Jus Podivm, 2012, p. 473).
 
             Portanto, a súmula vinculante, como qualquer outra norma, é passível de interpretação. Tanto é que LENIO LUIZ STRECK defende a possibilidade de realização de controle difuso de connstitucionalidade tendo por objeto enunciado de súmula vinculante: "não admtir o controle difuso é dar à súmula uma resposta para todas as perguntas possíveis e imagináveis. Portanto, é colocar a Súmula Vinculante em um plano anti-hermenêutico. Se uma Súmula Vinculante é um texto, o é tanto para a apreciação no controle difuso como para o caso concentrado" (in O que é isto - o precedente judicial e as súmulas vinculantes?. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 114).
 
             Sendo assim, a presunção de vício na nomeação/investidura instituída pela Súmula Vinculante nº 13 é de ordem relativa, de modo que o nepotismo só restará efetivamente configurado quando as circunstâncias do caso concreto evidenciarem o favoritismo espúrio.

...a partir da publicação da Súmula Vinculante nº 13, toda a nomeação de parentes da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento passou a ser entendida como afrontosa aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública. Consagrou-se violação apriorística dos princípios da impessoalidade, isonomia e moralidade, decorrente de nomeação de parentes para cargos administrativos, ainda que de provimento em comissão.
 
Em que pese a força normativa da Súmula Vinculante, inevitáveis alguns questionamentos quanto à sua aplicação cega a todos os casos, por simples subsunção do fato à norma, sob pena de violação a outros princípios, em especial o da razoabilidade, da eficiência, da supremacia do interesse público e, até mesmo, ao próprio princípio da isonomia, que tanto se busca resguardar com a edição do verbete vinculante.
 
É inconcebível considerar-se que a nomeação de indivíduo aparentado a agente público, independentemente das circunstâncias do caso concreto, fere, per se, os princípios constitucionais norteadores da Administração Pública.
 
Para que se configure ato ímprobo, violação a princípios, passível de repressão pelo Direito, imprescindível a comprovação objetiva de que, no caso concreto, o servidor goza das benesses de seu cargo, sem, contudo, realizar suas atribuições com dedicação e competência, em igualdade de condições aos demais servidores, apenas fazendo parte dos quadros da Administração, por ser parente de autoridade, sem, de fato, fazer jus à respectiva remuneração.
 
Por óbvio, a capacitação do servidor para provimento do cargo ou função não é dispensável, por isso, o parente desempenhando satisfatoriamente suas atividades, não há razão para cunhar negativamente de nepotismo e atribuir violação ao princípio da moralidade administrativa à sua nomeação, quando, ademais, a confiança neste caso se estabelece em grau máximo!
 
(ANTONIO, Alice Barroso de. O Nepotismo sob a ótica da Súmula Vinculante nº 13 do STF: críticas e proposições. Revista Brasileira de Direito Municipal – RBDM, Belo Horizonte. Ano 10, n. 31, jan.-mar. 2009).
 

Partindo de tal conclusão, mostra-se temerário o procedimento consistente no impedimento de investidura tão somente pelo fato de ser constatada a relação de parentesco, retirando-se, de forma indevida, o dever da Administração em levantar as provas concretas do favorecimento espúrio e reprovável e suprimindo o direito de cidadão em defender-se dos argumentos via o devido processo legal.

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Ora, impedir a posse de um cidadão em cargo público para o qual ele foi regularmente nomeado com base apenas na existência de relação de parentesco, sem qualquer outro elemento de prova concreta no sentido da existência de favorecimento espúrio, constitui-se violação à ordem constitucional.

Nesse desiderato, é preciso o alerta de ALICE BARROSO DE ANTONIO (idem, ibidem):

Indevida a presunção de que todo parente de agente público ingressa em cargos de comissão ou funções de confiança, apenas em virtude de seu vínculo familiar, sem preencher qualquer outra condição para o exercício do serviço público. Tal análise é preconceituosa, taxando, de antemão, de corruptos, todos os parentes de agentes públicos, e exclui da Administração Pública pessoas competentes, por mero laço consanguíneo ou de afinidade.
 
Exonerar servidores públicos e vetar a contratação de pessoal, em virtude de relações de parentesco ou de afinidade com ocupantes de cargos públicos, acarreta inegável discriminação, consubstanciando afronta ao princípio da isonomia, bem como violação ao princípio da universalidade de acesso dos brasileiros aos cargos e funções públicas.
 
Considerando-se, aprioristicamente, toda nomeação de parentes de agentes públicos como inconstitucional, constituir-se-á uma sociedade em que ser parente de autoridade pública seja mácula impeditiva ao acesso à Administração Pública, mesmo nas hipóteses previstas em lei. A família, que hoje é vilipendiada em vários aspectos, passaria a ter mais um perverso obstáculo à sua reafirmação.

A existência da relação de parentesco não conduz necessariamente à configuração de nepotismo. Logo, a violação aos princípios da moralidade e impessoalidade não ocorrerá simplesmente porque um parente foi investido em cargo comissionado, mas sim se a relação de parentesco foi condição sine qua non e suficiente para garantir a nomeação, o que constitui favorecimento espúrio e vedado pelos princípios constitucionais acima referidos.

Diante disso, é evidente que a Administração só poderá evitar a investidura caso já existam, previamente, elementos de prova no sentido de ser o parente indevidamente favorecido, de modo que, aí sim, esteja configurado o nepotismo e, assim, autorizada a postura de impedimento da investidura com base no art. 3º, I, do Decreto nº 7.203/2010.

Caso contrário, a Administração não contará com fundamentos legalmente pertinentes para impedir a posse do nomeado parente, devendo, nesse contexto, proceder à investidura e, concomitantemente, iniciar o devido procedimento administrativo para apurar a eventual existência de provas do favorecimento espúrio.

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Sobre o autor
Victor Aguiar Jardim de Amorim

Doutorando em Constituição, Direito e Estado pela UnB. Mestre em Direito Constitucional pelo IDP. Coordenador do Curso de Pós-graduação em Licitações e Contratos Administrativos do IGD. Professor de pós-graduação do ILB, IDP, IGD, CERS e Polis Civitas. Por mais de 13 anos, atuou como Pregoeiro no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (2007-2010) e no Senado Federal (2013-2020). Foi Assessor Técnico da Comissão Especial de Modernização da Lei de Licitações, constituída pelo Ato do Presidente do Senado Federal nº 19/2013, responsável pela elaboração do PLS nº 559/2013 (2013-2016). Membro da Comissão Permanente de Minutas-Padrão de Editais de Licitação do Senado Federal (desde 2015). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA). Advogado e Consultor Jurídico. Autor das obras "Licitações e Contratos Administrativos: Teoria e Jurisprudência" (Editora do Senado Federal) e "Pregão Eletrônico: comentários ao Decreto Federal nº 10.024/2019" (Editora Fórum). Site: www.victoramorim.com

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Victor Aguiar Jardim. Nepotismo e impedimento de posse em cargo comissionado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3765, 22 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25558. Acesso em: 22 dez. 2024.

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