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A privatização nas penitenciárias brasileiras

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06/11/2013 às 15:16
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ESTRUTURAS DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO ATUAL

No sistema jurídico brasileiro a prisão penal segundo Póvoa e Villas Boas (1996, p. 28) “é toda aquela que não é civil, decretada na justiça penal, seja como pena ou como medida cautelar. Divide-se em prisão penal administrativa e prisão penal processual”. A prisão penal administrativa é aquela levada a cabo pelo Estado-Administrativo na esfera administrativa, tendo como exemplo típico a prisão em flagrante delito; enquanto a prisão penal processual decorre de decisão judicial no âmbito da relação processual, subdividindo-se em prisão penal em sentido estrito, prisão cautelar ou prisão compulsória.

De acordo com Dotti (1998, p. 351), o Código Penal brasileiro menciona que as “penas privativas de liberdade se caracterizam através da reclusão e da detenção, devendo ser cumpridas em penitenciária ou, à sua falta, em seção especial da prisão comum”.

Conforme ensinamento de Dotti (1998, p. 412) o pensamento reformador considera a privação da liberdade como providência imprescindível e adequada, da qual a humanidade não pode prescindir ela continua de fato sendo também para o novo “Direito, a coluna vertebral do sistema de sanções, uma vez que é a única espécie de pena para a criminalidade grave e de média gravidade”.

A definição de penitenciária é descrita por Donald (1998, p. 239) nos seguintes termos:

Presídio especial ao qual recolhe os condenados às penas de detenção e reclusão e onde o Estado, ao mesmo tempo que os submete à sanção das leis punitivas, presta-lhes assistência e lhes ministra instrução primária, educação moral e cívica e conhecimento necessário  a uma arte ou oficio à sua escolha, afim de que assim possam regenerar-se ou reabilitar-se para o convívio com a sociedade.

As cadeias e centros de detenção no Brasil são administrados pelos governos estaduais. Ou seja, cada estado administra os estabelecimentos penais com uma estrutura organizacional caracterizada, polícias independentes e, em alguns casos, leis de execução penal suplementares (LEI 7.210/84).

A estrutura estadual dos sistemas penitenciários apresentam as seguintes características:

Mais frequentemente, o poder executivo estadual, que é liderado pelo governador, administra o sistema penitenciário através de sua Secretaria de Justiça, enquanto sua Secretaria de Segurança Pública, órgão encarregado das polícias, geralmente gerencia as delegacias de polícia. (Estabelecimentos denominados de cadeias públicas ou cadeiões podem recair sobre qualquer uma das secretarias). No entanto, são muitas as exceções a esse modelo. No estado de São Paulo, de forma mais notável, o sistema penitenciário tem sua própria secretaria, como recomendado pela Lei de Execução Penal. No estado do Amazonas, por outro lado, até recentemente, tanto os presídios quanto às delegacias estavam sob o controle da Secretaria de Segurança Pública (OLIVEIRA, 2013, p. 14).

Adotada em 1984, a Lei da Execução Penal (Lei 7.210) é uma obra considerada moderna de legislação; reconhece um respeito saudável aos direitos humanos dos presos e contém várias provisões ordenando tratamento individualizado, resguardando os direitos substantivos e processuais dos aprisionados e garantindo assistência médica, jurídica, educacional, social, religiosa e material.

A estrutura dos estabelecimentos penais brasileiros esta previstos pela na Lei da Execução penal (LEP) art. 82. Este art. prevê diferentes tipos de estabelecimentos penais, os quais se designam à execução da pena privativa de liberdade; à execução da medida de segurança; à custódia do preso provisório e aos cuidados do egresso.

Ferreira (2013) verificou em algumas penitenciárias brasileiras, violações aos direitos humanos, ao direito penal e à própria Constituição Federal, na medida em que direitos fundamentais positivados por estes ramos do direito são constantemente transgredidos. Entre estes direitos valem menção especial os direitos ao trabalho, à higiene, à saúde e à educação (estes quesitos serão comentados no próximo item 2.4.1).

A Constituição Federal do Brasil de 1988 tem garantias para a proteção da população encarcerada, assegurados aos presos a dignidade humana:

Art. 5 [...]

III- ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante [...]

XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com, a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.

XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e mora

Vista como um todo, o foco dessa lei não é a punição, mas ooposto disso, a “ressocialização das pessoas condenadas” Além de sua preocupação com a humanização do sistema prisional, incita os juristas a fazerem uso de penas alternativas como fianças, serviços comunitários e suspensão condicional.


Realidade dos presidiários brasileiros confrontada com a LEP

Verifica-se que a Lei da Execução Penal brasileira (1984) é moderna com indicações que trazem possibilidades da recuperação do detento, todavia na realidade isso não acaba acontecendo.

Dentre as mais variadas críticas aos sistemas prisionais brasileiros, ocorre devido a ineficácia na ressocialização ao detento, pois o presídio, não apresenta condições de infraestrutura, bem como é carente de profissionais para trabalhar com tal situação.

Hulsman (2004) retrata as condições do cárcere brasileiro:

[...] As regras de vida na prisão fazem prevalecer relações de passividade agressividade e de dependência-dominação, que praticamente não deixam qualquer espaço para a iniciativa e o diálogo; são regras que alimentam o desprezo pela pessoa e que são infantilizantes. O fato de que, durante o enclausura mento, as pulsões sexuais só possam se exprimir sob a forma de masturbação ou homossexualidade - aumenta o isolamento interior. O clima de opressão onipresente desvaloriza a autoestima, faz desaprender a comunicação autêntica com o outro, impede a construção de atitudes e comportamentos socialmente aceitáveis para quando chegar o dia da libertação. Na prisão, os homens são despersonalizados e dessocializados. (HULSMAN, 2004, apud ARAUJO, 2013, p. 4).

Ferreira (2013) corrobora com a descrição supracitada e ainda contribui com a seguinte crítica as prisões brasileiras:

[...] o que se observa, na prática, é que o caráter punitivo da pena ultrapassa a esfera de liberdade do criminoso, alcançando também sua dignidade, saúde, integridade, entre outros direitos assegurados na Constituição. Além disso, não se observa, de forma alguma, o caráter de recuperação do condenado nas penas privativas de liberdade, podendo inclusive atribuir a isso a punição exacerbada do indivíduo, que vai muito além da supressão de sua liberdade (FERREIRA, 2013).

As prisões deveriam servir para recuperação e punição do condenado, devendo ser apreendida apenas como uma ausência parcial da liberdade do sujeito. No entanto acaba vitimando ainda mais o apenado, já que o estabelecimento não consegue lhe oferecer oportunidade de amoldar seu caráter para o bem.

A lei n 7.210 de 1984 que institui a Lei de Execução Penal (LEP)determina que o detento seja mantido em celas individuais de pelo menos 6 metros quadrados, o que na prática não acontece. Ou seja, esta cela acaba abrigando recolhendo até 10 detentos em muitos casos.

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

b) área mínima de 6,00m2 (LEI N 7.210/84).

As condições insalubres que se encontram os presos brasileiros, trancafiados em locais, descritos como “depósitos humanos, escolas do crime”, sendo sujeitadas as mais variadas doenças.

O criminalista Assis (2007) também menciona o assunto:

Os abusos e as agressões cometidas por agentes penitenciários e por policiais ocorrem de forma acentuada, principalmente depois de rebeliões ou tentativas de fuga. Após serem dominados, os amotinados sofrem a chamada “correição”, que nada mais é do que o espancamento que se segue à contenção dessas insurreições, que tem a natureza de castigo. Muitas vezes há excessos, e o espancamento termina em execução, como no caso, que não poderia deixar de ser citado, do “massacre” do Carandiru em São Paulo, no ano 1992, no qual oficialmente foram executados 111 presos (ASSIS, 2007, p. 76).

Cerceando o direito a dignidade do ser humano, amparado este na Constituição Federal de 1988, como uma cláusula pétrea, defendida também em tratados internacionais dentre eles o Pacto de San Jose da Costa Rica, identifica também a falta de assistência educacional, religiosa, médica, jurídica social ao preso e a sua família.

Em se tratando de assistência educacional, o art. 17 determina que: “A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado”(LEI. 7.210/84).

Capez (2007, p. 20) instrui sobre a questão que envolve a educação nas penitenciárias brasileiras:

A lei impõe também ao Estado o dever de proporcionar assistência educacional aos presos e internados visando a facilitar o seu reingresso na sociedade. (...).  A assistência social será prestada pelo serviço social penitenciário, de caráter oficial, podendo ser auxiliado por entidades particulares, tendo como objetivo facilitar a readaptação social do sentenciado. Por fim, em atendimento às necessidades espirituais do condenado, assegura-se assistência religiosa, ainda que ela ocupe, indevidamente, uma posição secundária dentro do sistema penitenciário. (grifo meu) (CAPEZ, 2007, p. 20).

Outra questão a ser levantada refere-se à falta de separação dos presos pela sua periculosidade, deixando presos provisórios, com bom comportamento, de pequeno potencial ofensivos, juntos com presos altamente perigosos.

Art. 84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado.

§ 1° O preso primário cumprirá pena em seção distinta daquela reservada para os reincidentes (LEI. 7.210/84).

No que diz respeito ao trabalho, princípio elencado na Lei de Execução Penal, são raros os estabelecimentos prisionais que oportunizam .Pois a maioria não conta com frentes de trabalho, com isso o preso permanece ocioso, fator este que provavelmente não contribui para sua ressocialização.

Estão elencados no Art. 31 e 33 instruções em relação ao trabalho interno prisional:

Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade.

Art. 33. A jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis) nem superior a 8 (oito) horas, com descanso nos domingos e feriados.

Art. 126. 

II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.(LEI. 7.210/84).

Quanto à assistência a saúde nos presídios, assim se reporta a lei:

Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.

§ 3º  Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido (LEI. 7.210/84).

Assis (2007) descreve a situação das prisões brasileiras nos seguintes termos:

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A superlotação das celas, sua precariedade e insalubridade tornam as prisões um ambiente propício à proliferação de epidemias e ao contágio de doenças. Todos esses fatores estruturais, como também a má-alimentação dos presos, seu sedentarismo, o uso de drogas, a falta de higiene e toda a lugubridade da prisão fazem com que o preso que ali adentrou numa condição sadia de lá não saia sem ser acometido de uma doença ou com sua resistência física e saúde fragilizadas (ASSIS, 2007, p. 5).

O texto demostra a falta de condições básicas para que a permanência dos presos nos estabelecimentos seja no mínimo digna, respeitando as regras básicas de sobrevivência.

A falta de assistência jurídica faz com que muitos presos que já tenham direitos adquiridos para desfrutar de benefícios como livramento condicional, suspensão condicional da pena, progressão de regime, encontre-se preso por mais tempo do que a lei determina.

Art. 15. A assistência jurídica é destinada aos presos e aos internados sem recursos financeiros para constituir advogado.

Art. 16.  As Unidades da Federação deverão ter serviços de assistência jurídica, integral e gratuita, pela Defensoria Pública, dentro e fora dos estabelecimentos [...].

(LEI. 7.210/84).

Em se tratando de penitenciaria feminina estas devem ser possuidoras de espaços especiais para abrigar seus filhos.

Art. 89. 

A penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa(LEI. 7.210/84).

Os direitos das presidiárias tantas vezes esquecidas nos presídios brasileiros ocorrem essencialmente quando se encontram grávidas; ou em fase de amamentação; ou com filhos de colo. Estas deveriam estarem locais distintos das demais, como demonstrado pela Lei. Todavia, isso na realidade acaba não acontecendo.

De acordo com informações divulgadas pela imprensa, dentre os mais diversos problemas, do sistema carcerário brasileiro, se dá com a reincidência da prática criminosa, depois do preso ter cumprida a pena O sujeito volta a delinquir logo nos primeiros meses, sob a alegação que procuram emprego, mas devido ao estigma de que já estiveram presos acabam não sendo contratados pelas empresas, o que os leva de volta para o mundo do crime.

Em conformidade com Assis (2007), o estigma é levado com o preso para o restante da vida:

[...] seu abandono pelas autoridades faz com que o egresso do sistema carcerário se torne marginalizado no meio social, o que acaba levando-o de volta ao mundo do rime, por falta de melhores opções é notório que o preso longe do convívio social, não tem efeito regenerativo(ASSIS. 2007 p. 76).

Fica demonstrado que a retirada do preso do convívio social e a colocação nos presídios acabam não surtindo efeito positivo, tornando apenas um custo dispendioso para sociedade e uma fase de diminuição de liberdade do apenado, causando danos físico, econômicos, emocionais e psicológicos, não conseguindo a sua reintegração social, também não resolvendo o problema da criminalidade que toma contas das cidades nos dias atuais.

No âmbito penal, a Constituição Federal de1988 introduziu textos buscando garantir a dignidade da pessoa humana. Dentre estas se destacam:

A vedação a penas cruéis, ao tratamento desumano ou degradante e a qualquer tipo de tortura, além da obrigatoriedade de respeito à integridade física e moral dos presos e de cumprimento da pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (FERREIRA 2013).

Prudente (2013) especialista em direito penal, relata que as prisões foram criadas como alternativas mais humanas aos castigos corporais e à pena de morte. Com o avançar dos anos, as prisões deveriam atender as necessidades sociais de punição e proteção enquanto promovessem a reeducação dos apenados. No entanto, o que se observa é que elas estão desfocadas da finalidade originalmente visados.

Isto por que segundo dados oficiais do Departamento Nacional de justiça (apud PRUDENTE, 2013):

O Brasil tinha 422.373 presos, número que subiu 6,8% (451.219) em 2008 e 4,9% (473.626) em 2009. Atualmente (2013), o país conta com quase 500 mil presos – seguindo esse ritmo, estima-se que em uma década dobre a população carcerária brasileira. O Brasil é a terceira maior população carcerária do mundo, só fica atrás dos Estados Unidos (2,3 milhões de presos) e da China (1,7 milhões de presos).

Estudos realizados por Prudente (2013) revelam que a população carcerária brasileira compõe se de 93,4% de homens e 6,6% de mulheres. Geralmente jovens com idade entre 18 e 29 anos, afro descendente, com baixa escolaridade, sem profissão definida, baixa renda, muitos filhos e mãe solteira (no caso das mulheres). Comumente, praticam mais crimes contra o patrimônio (70%) e tráfico de entorpecentes (22%); A média das penas é de 4 anos.

Na sociedade brasileira impera o desprezo aos internos no sistema prisional, isto por que:

Não há sensibilização suficiente para provocar a mobilização eficaz face às condições de saúde deploráveis, os ambientes superlotados, a ausência de atividades laborais e educativas. O quadro resultante, absolutamente crítico, exige respostas imediatas na forma de políticas públicas que envolvam todas as instituições responsáveis e a sociedade civil. A crise no sistema prisional não é um problema só dos presos, é um problema da sociedade (COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E MINORIAS CÂMARA DOS DEPUTADOS 2006, p. 4).

E por tudo isso, a sociedade passará a sofrer o agravamento das conseqüências de seu próprio fechar de olhos. Mas ainda é tempo de pensar em políticas que atendam essa gravidade que assola o país de norte a sul.

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Sobre o autor
Khristian Bayer

Advogado, Pós graduando em Direito Empresarial e Advocacia Empresarial pela Universidade Anhanguera

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BAYER, Khristian. A privatização nas penitenciárias brasileiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3780, 6 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25731. Acesso em: 19 dez. 2024.

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