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Comentários aos contratos administrativos à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

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15/11/2013 às 13:56

Resumo:


  • Foi abordado o conceito de contrato administrativo, destacando sua natureza e características gerais.

  • Foram analisados julgados do STJ que tratam da rescisão, boa-fé, licitação, equilíbrio econômico-financeiro e cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos.

  • Concluiu-se que princípios do Direito Público e Privado são aplicados aos contratos administrativos, visando a cooperação justa entre o Poder Público e a iniciativa privada.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Os preceitos relativos ao Direito Público e outros de Direito Privado, como a “exceção do contrato não cumprido” e a teoria da imprevisão, com as devidas adaptações, têm sido vertiginosamente aplicados ao regime jurídico dos contratos administrativos.

I – Breve introdução

De início, cumpre dizer que existe divergência na doutrina quanto à definição dos contratos administrativos. Assim, para a grande maioria dos doutrinadores, nem todo contrato celebrado pelo Poder Público possui legítima natureza de contrato administrativo.[1] Deste modo, existem, segundo tal concepção, os chamados “contratos da administração” – inclusive, ver-se-á tal terminologia vez ou outra nos julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) colacionados a este trabalho.

A despeito de toda problemática, os fins do nosso trabalho justificam definição sintética, apenas para que tenhamos uma noção preliminar do fenômeno em estudo para, posteriormente, adentrarmos quanto ao comentário pontual nos precentes do  STJ.  Logo, para Fernanda Marinela,

pode-se conceituar ‘contrato administrativo’ como a conveção estabelecida entre duas ou mais pessoas para constituir, regular ou extinguir, entre elas, uma relação jurídica patrimonial, tendo sempre a participação do Poder Público, visando à persecução de um interesse coletivo, sendo regido pelo direito público. É o ajuste que a Administração Pública firma com o particular ou outro ente público, para a consecução de interesse coletivo. O instrumento é regulado pelas suas cláusulas e pelos preeitos de direito público, aplicando-se a eles, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.[2]

Em que pese a ingerência, muitas vezes, de construções típicas do âmbito contratual privado, a exemplo do cláusula geral da boa-fé, lealdade e função social do contrato, dentre outras, o fundamental é compreender que os contratos administrativos, de uma forma ou de outra, buscam sempre atender ao interesse público primário (conforme distinção operada por Bandeira de Mello[3]), e não, afinal, qualquer mecanismo de favoreça o enriquecimento do particular contratante e do agente público relacionado ao ato. Objetiva-se favorecer a população, a comunidade, o que é público.

Por isso que “os contratos administrativos são negócios jurídicos que exigem a participação do Poder Público, buscando a proteção de um interesse coletivo, o que justifica a aplicação do regime público e um tratamento diferenciado para a Administração.”[4]

São características gerais dos contratos administrativos, então: a consensualidade, formalidade, onerosidade, comutatividade, aspecto sinalagmático, feitio de contrato de adesão (haja vista as cláusulas exorbitantes) e personalíssimo.

Como cláusulas necessárias do contrato administrativo, elencadas no artigo 55 da Lei n. 8.666/93, “ditas obrigatórias e indispensáveis em todo contrato, devendo ser previstas de forma clara e precisa e sua ausência deve gerar a nulidade do contrato”,[5] podemos citar: (I) edital que estabeleça o objeto e seus elementos característicos; (II) o regime de execução; (III) o preço e condições de pagamento; (IV) o crédito pelo qual ocorrerá a despesa, “com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica”[6]; (V) os prazos de início, as etapas de execução, de conclusão, de entrega, de observaçao e de recebimento definitivo, conforme o caso; (VI) as garantias oferecidas para assegurar a plena execução do contrato, de acordo com as regras do artigo 56 da Lei n.º 8.666/93;[7] (VII) a definição dos direitos e responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e os valores das multas; (VIII) foro competente para dirimir eventuais controvérsias.

A partir disto, podemos avançar para a classificação dos contratos propriamente ditos, cabendo a lembrança de que este tópico introdutório almeja simplesmente dimensionar o objeto sob investigação e não esgotá-lo ad nauseam. Os contratos propriamente ditos estão conceituados no artigo 6º da Lei 8.666/93, sendo eles:

a) Contrato de obra: refere-se ao contrato cujo objeto consiste em construções, reformas ou ampliação de coisas, bem como à fabricação de produtos. “Segundo a doutrina esse rol é taxativo e consideram-se construção as atividades e materiais destinados à construção de um bem; reforma é o conjunto de alterações que um bem pode sofrer, sem que seja ampliado; apliação pressupoe que o bem já existia, todavia, em razão do contrato, vai receber acréscimos em suas dimensões.”[8];

b) Contrato de prestação de serviços: é a contratação de atividades privadas que a Administração necessita. É toda atividade destinada “a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais.[9];

c) Contratos de fornecimento: são os contratos que se destinam à aquisição de bens móveis ou semoventes, necessários para a prestação da atividade administrativa.

Pode-se falar, ainda, no contrato de concessão (de uso de bem público, de serviço público comum, de serviço público precedido da execução de obra, de concessão patrocidada e de concessão administrativa), do contrato de permissão de serviço público, do contrato de gestão, dos convênios e dos consórcios.

Superada esta fase preambular, caminharemos, em seguida, para os comentários a precedentes selecionados do Superior Tribunal de Justiça.

Observar-se-á que a preferência, na escolha dos julgados, reside nos temas gerais afetos aos contratos administrativos, sobretudo aqueles relativos à principiologia geral e da Administração Pública, atuação do Ministério Público, equilíbrio contratual e garantias gerais quanto ao postulado da supremacia do interesse público.


II – Comentários pontuais aos contratos administrativos à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Para fins metodológicos, assumiremos, neste tópico, a seguinte ordem: (I) transcrição da ementa e partes interessantes do julgado selecionado; (II) comentários correspondentes.

ADMINISTRATIVO. CONTRATO VERBAL. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA JULGADA IMPROCEDENTE. BOA-FÉ AFASTADA PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ART. 60, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI DE LICITAÇÕES.

I - Consta do acórdão recorrido inexistir boa-fé na atitude da empresa agravante, de contratar com o serviço público sem licitação e  por meio de contrato verbal. Eis o trecho nele transcrito: "(...) não há elementos que autorizem o conhecimento da boa-fé da Autora, uma vez que estava ciente de que as contratações deveriam ser precedidas de licitação, pelo que se dessume da prova testemunhal, ou pelo menos de justificativa prévia e escrita de dispensa  ou possibilidade de licitação, em face do disposto no art. 26 da Lei de Licitações". (fls. 506). II - Assim sendo, na esteira da jurisprudência desta colenda Corte, ante a única interpretação possível do disposto no artigo 60, parágrafo único, da Lei de Licitações, "é nulo o contrato administrativo verbal" e, ainda que assim não fosse, é nulo "pois vai de encontro às regras e princípios constitucionais, notadamente a legalidade, a moralidade, a impessoalidade, a publicidade, além de macular a finalidade da licitação, deixando de concretizar, em última análise, o interesse público". A propósito, confira-se, dentre outros: REsp 545471/PR, Primeira Turma, DJ de 19.09.2005. III - Outrossim, é de se relevar não ser cognoscível o recurso especial, relativamente à matéria contida no art. 59, parágrafo único, da Lei n. 8666/93, haja vista não ter sido objeto de julgamento pelo acórdão a quo, inexistindo, portanto, o prequestionamento. IV - Agravo regimental improvido. (AgRg no Resp 915697/PR, STJ – Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, Julgamento: 03/05/2007, DJ: 24.05.2007).

Comentário: Percebe-se, de plano, que é absolutamente esquiva aos preceitos constitucionais da Administração Pública, sobretudo os insertos no artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a contratação do Poder Público realizada sem que tenha ocorrido, previamente, licitação, quando a situação fática assim a requer. Cuida, além da inexistência de boa-fé por parte da Administração Pública, por ter  gerado onerosidade ao arrepio das características peremptórias do contrato administrativo típico, sobretudo quanto à formalidade a ser observada no processo de contratação, verdadeira afronta à legalidade, consoante aqueloutro fundamento constitucional mencionado, bem como desvio de finalidade, considerando-se, para tanto, o interesse público primário, marcado pela indisponibilidade.

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS. LICITAÇÃO. AUSÊNCIA. SERVIÇOS PRESTADOS. PAGAMENTO. NECESSIDADE. DISPOSITIVO LEGAL COM INTERPRETAÇÃO DIVERGENTE. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO. SÚMULA 284/STF. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO DA DEMANDA.

1. A indicação circunstanciada da questão federal objeto da divergência é pressuposto indispensável ao conhecimento do recurso especial interposto com base na alínea c do permissivo constitucional (Súmula 284/STF). 2. O recurso especial não se presta a reexame de matéria fático-probatória (Súmula 7/STJ). 3. Afirmada a efetiva prestação de serviços à Administração, é devido o pagamento ao contratado que os prestou de boa-fé, mesmo que indevidamente dispensada a prévia licitação. Conforme estabelece o art. 59, parágrafo único da Lei 8.666/93 "A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa". Precedentes: AgRg no REsp 303730/AM,  2ª T., Min. Paulo Medina, DJ de 02.12.2002;  AgRg no REsp 332956/SP, 1ª T., Min. Francisco Falcão, DJ de 16.12.2002; REsp 545471/PR, 1ª T., Min. Denise Arruda, DJ de 19.09.2005. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (REsp 707.710/MG, STJ – Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Julgamento: 20.10.2005, DJ: 07.11.2005).

Comentário: A boa-fé contratual faz com que a Administração cumpra com o seu dever de probidade mesmo após a conclusão do contrato, então eivado por vício de nulidade. No caso, a ausência de licitação prévia tornou nulo o contrato administrativo então avençado, muito embora, tendo sido iniciada a execução da obra, objeto do pacto, a Administração, sob o manto da boa-fé  pós-contratual, não se exime de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data da declação de nulidade. Assim, sob a proteção do interesse público, não pode a Administração Pública furtar-se a indenizar o particular eventualmente contratado sob o simples motivo da nulidade do respectivo contrato, visto que a boa-fé, como bem sabido no âmbito privado, avança com seus efeitos inclusive após a conclusão ou extinção do pacto, constituindo em inovação e resultado inexorável do princípio supra para garantir lealdade e probidade no trato das avenças. Pode ocorrer, em situação outra, que o particular tenha dado causa à nulidade, ou até que o procedimento licitatório prévio se existente, ou se dispensado ou dispensável, tenha ocorrido ao arrepio da lei, o agente público responsável tenha incorrido em ato de improbidade, hipótese onde as responsabilidades, para fins indenizatórios, haverão de ser avaliadas posteriormente, recuperando-se, para a Administração, o status quo, que lhe fizer jus, consoante o deslinde final da controvérsia.

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. DANO AO ERÁRIO. LICITAÇÃO. ECONOMIA MISTA. RESPONSABILIDADE.

1. O Ministério Público é parte legítima para propor Ação Civil Pública visando resguardar a integridade do patrimônio público (sociedade de economia mista) atingido por contratos de efeitos financeiros firmados sem licitação. Precedentes. 2. Ausência, na relação jurídica discutida, dos predicados exigidos para dispensa de licitação. 3. Contratos celebrados que feriram princípios norteadores do atuar administrativo: legalidade, moralidade, impessoalidade e proteção ao patrimônio público. 4. Contratos firmados, sem licitação, para a elaboração de estudos, planejamento, projetos e especificações visando a empreendimentos habitacionais. Sociedade de economia mista como órgão contratante e pessoa jurídica particular como contratada. Ausência de características específicas de notória especialização e de prestação de serviço singular. 5. Adequação de Ação Civil Pública para resguardar o patrimônio público, sem afastamento da ação popular. Objetivos diferentes. 6. É imprescritível a Ação Civil Pública visando a recomposição do patrimônio público (art. 37, § 5º, CF/88). 7. Inexistência, no caso, de cerceamento de defesa. Causa madura para que recebesse julgamento antecipado, haja vista que todos os fatos necessários ao seu julgamento estavam, por via documental, depositados nos autos. 8. O fato de o Tribunal de Contas ter apreciado os contratos administrativos não impede o exame dos mesmos em Sede de Ação Civil Pública pelo Poder Judiciário. 9. Contratações celebradas e respectivos aditivos que não se enquadram no conceito de notória especialização, nem no do serviço a ser prestado ter caráter singular. Contorno da exigência de licitação inadmissível. Ofensa aos princípios norteadores da atuação da Administração Pública. 10. Atos administrativos declarados nulos por serem lesivos ao patrimônio público. Ressarcimento devido pelos causadores do dano. 11. Recurso do Ministério Público provido, com o reconhecimento de sua legitimidade. 12. Recursos das partes demandadas conhecidos parcialmente e, na parte conhecida, improvidos. (REsp 403153/SP, STJ, Rel. Min. José Delgado, Julgamento: 09.09.2003, DJ: 20.10.2003).

Comentário: Cuida, no caso, de ação civil pública impetrada pelo Ministério Público estadual com a finalidade de resguardar a integridade do patrimônio público no âmbito de sociedade de economia mista, cujo óbice fora criado pela contratação cujos efeitos foram firmados sem prévia licitação. Deste modo, em defesa dos princípios gerais da Administração Pública, como a legalidade, moralidade e, igualmente, a proteção ao pratimônio público, bem como a justeza na aplicação, destinação e controle deste, o qual somente pode operar com o suficiente atendimento dos fins sociais da contração pública, tencionados à inexorável noção de intangibilidade desmotivada do erário público, é legítimo o Parquet, utilizando-se de instrumento processual próprio (de natureza verdadeiramente de garantia constitucional), como a Ação Civil Pública, para fazer reverter a avença injustamente firmada e fazer, portanto, voltar ao erário, montante desvirtuado por atitude administrativa contrária e, assim, lesiva ao bem coletivo em amplo sentido. É hipótese inserida no âmbito das funções institucionais do Ministério Público, do artigo 129, inciso III, in verbis: “São funções institucionais do Ministério Público: [...] III-promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.”

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ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RESCISÃO. INDENIZAÇÃO.

1. Distinguem-se os contratos administrativos dos contratos de direito privado pela existência de cláusulas ditas exorbitantes, decorrentes da participação da administração na relação jurídica bilateral, que detém supremacia de poder para fixar as condições iniciais do ajuste, por meio de edital de licitação, utilizando normas de direito privado, no âmbito do direito público. 2. Os contratos administrativos regem-se não só pelas suas cláusulas, mas, também, pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes supletivamente as normas de direito privado. 3. A Administração Pública tem a possibilidade, por meio das cláusulas chamadas exorbitantes, que são impostas pelo Poder Público, de rescindir unilateralmente o contrato. 4. O Decreto-Lei nº 2.300/86 é expresso ao determinar que a Administração Pública, mesmo nos casos de rescisão do contrato por interesse do serviço público, deve ressarcir os prejuízos comprovados, sofridos pelo contratado. 5. Recurso especial provido em parte. (REsp 737741 / RJ, STJ – Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, julgamento: 03.10.2006, DJ: 01.12.2006) 

Comentário: As cláusulas exorbitantes são aquelas que extrapolam, excedem, ultrapassam o padrão comum  dos contratos em geral, a fim de consignar uma vantagem para a Administração Pública. “Referem-se a certas prerrogativas da Administração que a coloca em situação de superioridade em relação ao particular contratado.”[10] Se, por outro lado, tais cláusulas fosses aplicadas no âmbito estritamente privado, certamente seriam taxadas de abusivas, ilícitas e absolutamente nulas. No entanto, há que se observar que, como já amplamente referido, os contratos administrativos pressupõem a existência necessária e irrevogável do interesse público, cuja supremacia legitima que a Administração ao contratar com os particulares preveja, na minuta contratual, cláusulas que normalmente seriam atípicas como visto, mas que, ante à carência de se exercitar mecanismos protetivos frente as mais diversas situações eventualmente lesivas ao erário, entendem-se como imprescindíveis e altamente urgentes. Dentre as várias categorias das chamadas cláusulas exorbitantes, podemos citar: (I) possibilidade de modificação unilateral do contrato; (II) fiscalização integral do contrato e da execução do mesmo, bem como de todos os elementos diretos e indiretos que o integram; (III) previsão de sanções a serem aplicadas; (IV) previsão de ocupação provisória de móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, visando a continuidade da prestação dos serviços públicos, sobremaneira os essenciais (como água, luz, transporte, etc.). Há, ainda, a aplicação da cláusula exceptio non adimpleti contractus ou “exceção do contrato não cumprido”. Essa cláusula estabelece que um parte não poderá exifir o cumprimento da obrigação contratual da outra, se ela estiver inadimplente, ou seja, se ainda não cumpriu a sua prestação contratual. “Essa cláusula é muito comum nos contratos privados. Por essa razão, para os doutrinadores que defendem a sua não aplicação aos contratos administrativos, há caracterização de uma situação excepcional que ocorre nos contratos comuns.”[11] Entretanto, para a doutrina moderna, a referida cláusula é aplicável, inobstante de forma diferenciada, como decorre da interpretação do artigo 78, inciso XV da Lei n. º 8.666/93, a qual estabelece que, durante o prazo de 90 dias, ainda que a Administração não pague, o contratado deve continuar prestando o serviço, podendo suspendê-lo, inclusive de forma automática, se após esse prazo, a Administração continuar inadimplente. “Ressalte-se que a suspensão autorizada pela lei permite que o contratado deixe de prestar o serviço, todavia, se ele desejar a rescisão do contrato, deverá recorrer à via judicial.”[12] Logo, tal cláusula somente será aplicada depois de decorridos 90 dias do inadimplemento contratual por parte do Poder Público contratante. 

ADMINISTRATIVO. CONTRATO. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. AUMENTO SALARIAL. DISSÍDIO COLETIVO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO. IMPOSSIBILIDADE.

1. O aumento salarial determinado por dissídio coletivo de categoria profissional é acontecimento previsível e deve ser suportado pela contratada, não havendo falar em aplicação da Teoria da Imprevisão para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo. Precedentes do STJ. 2. Agravo Regimental provido. (REsp 417989/PR, STJ – Segunda Turma, Rel. Min. Hermann Benjamin, julgamento: 05.03.2009, DJ: 24.03.2009).

CONTRATO ADMINISTRATIVO. EQUAÇÃO ECONÔMICO- FINANCEIRA DO VÍNCULO. DESVALORIZAÇÃO DO REAL. JANEIRO DE 1999. ALTERAÇÃO DE CLÁUSULA REFERENTE AO PREÇO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO E FATO DO PRÍNCIPE.

1. A novel cultura acerca do contrato administrativo encarta, como nuclear no regime do vínculo, a proteção do equilíbrio econômico-financeiro do negócio jurídico de direito público, assertiva que se infere do disposto na legislação infralegal específica (arts. 57, § 1º, 58, §§ 1º e 2º, 65, II, d, 88 § 5º e 6º, da Lei 8.666/93. Deveras, a Constituição Federal ao insculpir os princípios intransponíveis do art. 37 que iluminam a atividade da administração à luz da cláusula mater da moralidade, torna clara a necessidade de manter-se esse equilíbrio, ao realçar as "condições efetivas da proposta". 2. O episódio ocorrido em janeiro de 1999, consubstanciado na súbita desvalorização da moeda nacional (real) frente ao dólar norte-americano, configurou causa excepcional de mutabilidade dos contratos administrativos, com vistas à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das partes. 3. Rompimento abrupto da equação econômico-financeira do contrato. Impossibilidade de início da execução com a prevenção de danos maiores. (ad impossiblia memo tenetur). 4. Prevendo a lei a possibilidade de suspensão do cumprimento do contrato pela verificação da exceptio non adimplet contractus imputável à administração, a fortiori, implica admitir sustar-se o "início da execução", quando desde logo verificável a incidência da "imprevisão" ocorrente no interregno em que a administração postergou os trabalhos. Sanção injustamente aplicável ao contratado, removida pelo provimento do recurso. 5. Recurso Ordinário provido. (RMS 15154/PE, STJ – Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, Julgamento: 19.11.2002, DJ: 02.12, 2002.)

Comentários: Para a imensa doutrina brasileira, a teoria da imprevisão, denominada antigamente cláusula rebus sic stantibus, “consiste no reconhecimento de que eventos novos, imprevistos e imprevisíveis pelas partes e a elas não imputados, alteram o equilíbrio econômico-financeiro, refletindo sobre a economia ou na execução do contrato, autorizam sua revisão para ajustá-lo à situação superveniente, equilibrando novamente a relação contratual.”[13] Portanto, a recomposição contratual é possível de ocorrer, frente a situação futura não prevista, até como consectário do princípio geral da boa-fé. São exemplo: a) força maior e caso fortuito, o qual consiste em ato do homem, desde que seja estranho à vontade das partes ou fato da natureza; b) fato do príncipe, que consiste numa determinação estatal, superveniente e imprevisível, geral e abstrata, que onera o contrato, repercutindo indiretamente sobre ele – “incidência reflexa”, [14] c) fato da administração, que é caracterizado por uma atuação estatal específica que incide diretamente sobre o contrato, impedindo a execução nas condições inicialmente estabelecidas; d) interferências imprevistas, “também denominadas sujeições imprevistas”[15] que são fatos materiais imprevistos, existentes ao tempo da celebração do contrato, mas só verificadas ao tempo da sua execução. Vê-se, pelo primeiro julgado, que eventual alteração salarial decorrente de dissídio coletivo não é apta a ensejar a aplicação da cláusula da imprevisão, posto que, segundo o precedente, a situação é previsível, sobretudo ao se considerar a organização sindical vinculada à parte contratante, o particular, que deverá suportar o ônus da alteração sozinho, sem aumento de custo à Administração Pública. Quanto ao segundo julgado, entendeu o STJ que deveria ser aplicada a teoria da imprevisão e da exceção do contrato não cumprido, em razão de súbita desvalorização da moeda, in caso, indexadora dos serviços avençados em sede do contrato. A aplicação cumulativa de ambas as hipóteses, tanto da cláusula exorbitante, como da teoria da imprevisão, visaram o equilíbrio econômico-financeiro das prestações, consectário do princípio sinalagmático, quanto à existência de certa correspondência entre deveres e obrigações proporcionalmente recíprocos. 

RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. RESCISÃO UNILATERAL DE CONTRATO ADMINISTRATIVO. INTERESSE PÚBLICO. CONVENIÊNCIA. ART. 78, XII DA LEI N. 8.666/93. POSSIBILIDADE. PEDIDO DE ANULAÇÃO DE CERTAME. IMPOSSÍVEL. RESSARCIMENTO DE DANOS POSSÍVEL, PORÉM NÃO PEDIDO.

1. A legislação fixa a possibilidade de que o contrato administrativo seja rescindido unilateralmente pela conveniência da administração (art. 78, caput, da Lei n. 8.666/93); no entanto, a prerrogativa deve observar estritamente as hipóteses previstas no art. 78, da Lei de Licitações e Contratos. 2. Na hipótese de rescisão por interesse público (art. 78, XII, da Lei n. 8.666/93), deve haver oportunidade de manifestação ao contratado, motivação e caracterização do interesse público, bem como a apuração de perdas e danos - se for do interesse do contratado. 3. No caso concreto, o contratado foi chamado a manifestar-se sobre o valor da contrapartida, bem como houve estudo de alternativas mais rentáveis à administração; logo, foi regular e amparada legalmente a rescisão; o respeito ao contrato - sob o pleito de pacta sunt servanda - não pode se dar contra o interesse público. 4. Não existe direito líquido e certo contra a realização de licitação regular para a escolha de contratado, com base no pretenso direito de manutenção de contrato mais oneroso, ou menos favorável à administração; inteligência do art. 78, XII, da Lei n. 8.666/93. 5. O único direito que assistiria ao contratado seria pugnar pelo ressarcimento de eventuais perdas e danos advindos da rescisão unilateral que, todavia, não foi objeto de pedido. Recurso ordinário improvido. (RMS 27.759/SP, STJ – Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgamento: 14.09.2010, DJ: 24.09.2010).

Comentário: Já se sabe que pode, a Administração Pública, rescindir unilateralmente o contrato administrativo, sob o império das cláusulas exorbitantes. A Corte Superior já se pronunciou no sentido de que a rescisão do contrato administrativo, impõe ao contratante a obrigação de indenizar o contratado pelos prejuízos daí decorrentes, como tais considerados não apenas os danos emergentes, mas também os lucros cessante. É que, sob a perspectiva do Direito Administrativo Consensual, segundo o próprio STJ (no Resp 1240057 de relatoria do Min. Mauro Campbell Marques, em julgado de 2011 – portanto, recente ideia), “os particulares que travam contratos com a Administração Pública devem ser vistos como parceiros, devendo o princípio a boa-fé objetiva (e seus corolários relativos à tutela da legítima expectativa) reger as relações entre os contratantes público e privado. 

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Sobre o autor
Luiz Felipe Nobre Braga

Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas; Advogado; Consultor e Parecerista; Professor de Direito Constitucional e Lógica Jurídica na Faculdade Santa Lúcia em Mogi Mirim-SP; Professor convidado da pós-graduação em Direito Processual Civil e no MBA em Gestão Pública, da Faculdade Pitágoras em Poços de Caldas/MG. Autor dos livros: "Ser e Princípio - ontologia fundamental e hermenêutica para a reconstrução do pensamento do Direito", Ed. Lumen Júris, 2018; "Direito Existencial das Famílias", Ed. Lumen Juris-RJ, 2014; "Educar, Viver e Sonhar - Dimensões Jurídicas, sociais e psicopedagógicas da educação pós-moderna", Ed. Publit, 2011; e "Metapoesia", Ed. Protexto, 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Luiz Felipe Nobre. Comentários aos contratos administrativos à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3789, 15 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25852. Acesso em: 26 dez. 2024.

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