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Os institutos do casamento, da união estável e do concubinato

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São apresentados os principais institutos de Direito de Família em suas particularidades, a fim de que se possam estabelecer parâmetros de diferenciação entre o casamento e os demais institutos, tendo em vista as distintas repercussões.

1 DO CASAMENTO

1.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS NO CONTEXTO DO DIREITO DE FAMÍLIA

O casamento, como todas as demais instituições sociais e jurídicas, é a que mais se altera com o tempo e entre os povos. Apesar de tantas alterações, algo que permanece inalterada é a sua ligação aos conceitos de família. 

O casamento sempre remete à idéia de constituição de família e, assim inserido, está no âmago do Direito de Família. “O casamento é o centro do Direito de Família”, é o que proclama Sílvio de Salvo Venosa (2003, p. 40).

As Constituições brasileiras anteriores à de 1988, mas posteriores à de 1934, referiam-se e condicionavam a idéia de família à de casamento. A família é um ente formado por aspectos psicológicos, biológicos, antropológicos e sociológicos, que o Direito procurou regulamentar e positivar, tanto é que se pode auferir que as finalidades do casamento concentram-se tanto mais no plano sociológico do que propriamente no jurídico.

Há, ainda, que se ressaltar que aspectos religiosos foram também bastante norteadores das concepções de família ao longo da história. Desse emaranhado, tantas teorias, conceitos e leis surgiram no decorrer dos séculos em que a sociedade se delineava, a fim de regerem a família, bem como o casamento.

Há quem afirme que em todo o Direito Privado não existe instituto que seja mais discutido. Isso porque o casamento abarca divagações históricas, políticas e sociológicas. Comenta Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 21) que:

Enquanto numerosos filósofos e literatos o defendem chamando-o de fundamento da sociedade, base da moralidade pública e privada ou a grande escola fundada pelo próprio Deus para a educação do gênero humano, outros o condenam, censurando-lhe a constituição e a finalidade, como SCHOPENHAUER, para quem, em nosso hemisfério monógamo, casar é perder metade de seus direitos e duplicar seus deveres.

São inúmeras e distintas as definições, apresentadas pelos mais diversos estudiosos, filósofos, escritores desde a época clássica do Direito Romano, umas defendendo posições filosóficas, outras tendências religiosas.

Nesse contexto, grande é a importância do Direito de Família pelo valor que exerce não só na difusão de conceitos, estudos e explicação das leis, mas, sobretudo, por exercer influência também sobre os demais institutos do próprio Direito Civil e, também, dos mais diversos ramos do Direito Público.

O Direito de Família constitui-se ramo do Direito Civil, dotado de características peculiares, integrado pelo rol das normas que regulam as relações familiares, dentre elas o casamento, a mais poderosa e importante de todas as instituições de Direito Privado.

Alguns doutrinadores, a exemplo de Maria Helena Diniz, tratam do casamento como subdivisão do Direito de Família, qual seria o “Direito Matrimonial”. Leciona Diniz (2007, p. 35): 

É o casamento a mais importante e poderosa de todas as instituições de Direito Privado, por ser uma das bases da família, que é a pedra angular da Sociedade. Logo, o matrimônio é a peça chave de todo sistema social, constituindo o pilar do esquema moral, social e cultural do País.

1.2 CONCEITO DE CASAMENTO

O Código Civil de 2002 não conceitua o casamento. Como o tema é tão amplamente definido por tantas correntes de estudiosos das mais diversas esferas do saber, ao longo de tantos e tantos séculos, torna-se difícil estabelecer um conceito que a tudo isso unifique. E, evidentemente, ante o exposto, a conceituação de casamento não pode ser imutável.

Há que se considerar que ao longo dos anos, algumas situações antes inexistentes, passaram a viger no seio da sociedade, a exemplo do divórcio. Quando inexistente, permitia a definição de um vínculo indissolúvel, mas vindo a vigorar como possibilidade de extinção do vínculo matrimonial, mudou o conceito. Assim, tantas outras situações fazem abranger e modificar constantemente o conceito que se tem de casamento. 

O artigo 1.511 do Código Civil preceitua, de forma sucinta, mas bastante abrangente, que “o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.”. Tal preceito se amolda perfeitamente à definição de Guillermo Borda citada por Venosa (2003, p. 39) que assim definiu o casamento: “é a união do homem e da mulher para o estabelecimento de uma plena comunidade de vida”.

Fato é que, na maioria dos conceitos encontrados, estão presentes os requisitos do consentimento, da diversidade de sexos, que é característica fundamental definida tanto na Lei Civil quanto na Constituição Federal, da finalidade de constituição de família, procriação, educação e amparo da prole, prestação de auxílio mútuo, estabelecimento de deveres e disciplina das relações sexuais.

Como condição de ordem social referente ao casamento, tem-se a repressão à bigamia, imputando-se aos nubentes o dever de fidelidade cujo descumprimento, durante muitos anos, fora tido por crime de acordo com a legislação penal pátria.

Não se pode esquecer, ademais, da retórica atual amplamente defendida que diz respeito à nova principiologia do Direito de Família e suas repercussões. Nesse plano, têm-se os princípios fundamentais aplicáveis ao Direito de Família e a todas as entidades familiares, dentre elas o casamento, quais sejam: princípio da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar e, por princípios gerais, os princípios da igualdade, liberdade, afetividade, convivência familiar e melhor interesse da criança.

Ainda no campo das definições, neste contexto de novas diretrizes que hodiernamente se vê, segue-se o conceito pós-moderno de Família, representando o conteúdo dos novos paradigmas do Direito de Família, advinda da queda do modelo patriarcal, passando a ser regida pelo princípio da igualdade, marcada pela valorização do sentimento, da afetividade, que, aliás, segundo a corrente dos que difundem tal conceito, é o que legitima a família, seja ela fundada em que alicerce for.

1.3 NATUREZA JURÍDICA DO CASAMENTO

Em se tratando da natureza jurídica, diversas são as opiniões doutrinárias. Basicamente, três são as correntes que defendem a natureza jurídica do casamento: a institucional, a contratual e a mista. Assim sendo, com relação ao casamento, o Direito Canônico o tem por sacramento e também por contrato natural, que decorre da própria natureza humana, sendo algo intrínseco. Seria a concepção clássica. Vale ressaltar que é bem verdade que a união entre o homem e a mulher pré-existe à juridicidade deste vínculo. Para esta corrente, o elo é indissolúvel.

O casamento de Direito Civil, quando surgiu, passou a sustentar o caráter contratualista da relação matrimonial, isso por envolver interesses de ordem patrimoniais em seu bojo, gerando obrigações e deveres para ambos os cônjuges, manifestos por uma manifestação da vontade de ambos de contraírem para si tais responsabilidades mútuas.

A corrente majoritária, também tida por eclética ou mista, defende que o casamento tem natureza jurídica mista, por abranger ambos os aspectos defendidos pelas correntes supramencionadas, tais como direitos e deveres, bem como a affectio maritalis, interesses morais e pessoais, mais elevados do que os contidos em qualquer simples contrato. Une, portanto, o elemento volitivo ao elemento institucional, tornando-o um ato complexo. Seria, por essa razão, um contrato sim, mas um contrato especialíssimo.

É importante lembrar, ademais, que o casamento difere dos contratos lato sensu em sua constituição, tanto ao modo de ser, quanto ao alcance de seus efeitos, bem como à sua durabilidade.

O casamento estabelece um elo jurídico entre homem e mulher e, assim, a Lei estabelece finalidades e também diversos deveres e direitos que advém deste vínculo. É o casamento o negócio jurídico que confere o condão de família legítima aos contraentes. 

É ato pessoal e solene, quanto a isso não há o que se discutir. Como já se viu, é pessoal no sentido de que importa aos nubentes manifestarem sua vontade quanto ao casamento. Nesses termos, estabelece o Código Civil, em seu artigo 1.514, in verbis: “O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados”.

Quanto a ser solene, há doutrinadores, a exemplo de Venosa, que acreditam ser o casamento, um dos atos mais solenes do Direito Brasileiro, bem como nas demais legislações. Com relação às solenidades, elas têm início com os editais, desdobrando-se na cerimônia de realização e consolida-se com o registro público.

Tendo sido feitas tais considerações históricas, conceituais e de natureza jurídica, serão suscitadas as considerações fundamentais para compreensão do tema ora proposto.

1.4 CONSIDERAÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE O CASAMENTO

Nesta subseção, importante é que se façam algumas considerações reputadas por fundamentais no sentido de pontuar as especificidades do instituto do Casamento, para que se possa distingui-lo das demais entidades familiares que aqui hão de ser tratadas.

A priori, cumpre-se definir quem é o cônjuge. Para tanto, recorrendo ao Dicionário Aurélio, (1989, p. 455) a fim de se buscar efetivamente uma definição que atenda a esta necessidade de conceituação e satisfaça a qualquer pessoa que por ela busque, tem-se: “cada uma das pessoas ligadas pelo casamento em relação à outra”. É neste conceito, que embora sucinto e desprovido de juridicidade, que reside a maior diferenciação dos cônjuges em relação aos demais entes das relações familiares. Cônjuge necessariamente é aquele que está vinculado a outrem pelos laços do casamento, e somente estes são assim considerados.

O casamento tem início com a celebração. Por sua vez, implica em adoção de regime de bens entre os cônjuges, sendo que, aos que não o fizerem explicitamente, presumir-se-á, segundo reza o Código Civil de 2002, em seu art. 1640, a adoção do Regime da Comunhão Parcial de Bens que tutelará a situação patrimonial entre ambos.

Os regimes de bens poderão ser: Comunhão Universal de Bens; Comunhão Parcial de Bens; Separação de Bens, que se subdivide em Separação Convencional e Separação Obrigatória de Bens e, finalmente, a forma introduzida pela Lei Civil vigente, o Regime de Separação Final dos Aqüestos. 

No campo das Sucessões, o cônjuge, com advento do Código Civil vigente, fora erigido à condição de herdeiro necessário na Ordem de Vocação Hereditária, tendo salvaguardada a sua legítima, conforme versam os artigos 1845 (“São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.”) e 1846 (“Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.”). Tal situação não se verifica, por exemplo, com relação ao convivente, tendo sido conferida tão somente ao cônjuge.

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Não obstante o dever de fidelidade, já ressaltado no presente trabalho, é possível que se verifique a coexistência da situação de cônjuge com a do convivente ou companheiro, que seria o status de quem vive em união estável. Tal ocorrência fática pode ser verificada quando a dissolução do casamento não se deu por qualquer de suas vias legais e os cônjuges encontram-se separados de fato apenas. A referida situação não é impedimento à constituição da união estável e não se confunde com o que se tem por concubinato. Portanto, é possível que coexistam o cônjuge e o convivente, ambos ligados a uma mesma pessoa. 

A título meramente exemplificativo, pode-se ilustrar a afirmação feita acima da seguinte forma: João é casado com Maria. Após anos de casamento, ambos se separam. Entretanto, não o fazem judicialmente. Desta feita, o vínculo subsiste formalmente, ainda que os ex-cônjuges não mais convivam maritalmente. Tendo passado algum tempo após a separação, João passa a conviver com Nora publicamente e de forma contínua com animus de com ela constituir uma relação duradoura. Porém, a situação com Maria permanece como estava à época da separação, ou seja, estão separados, mas apenas faticamente, não tendo sido tomadas quaisquer providências judiciais. Nesse caso prático e bastante comum, João, para efeitos legais, continua casado com Maria, embora viva em união estável com Nora. Dessa forma, com relação a João, Maria continua sendo casada e Nora é companheira.

Observação importante a se fazer concerne à proibição contida no artigo 1521, VI, do Novo Código Civil, que expressamente impede pessoa casada de se casar novamente. Assim, o separado de fato, ainda que nesta situação há 20, 30 anos, não poderá casar-se de novo. Mas, reiterando o que já fora dito, quanto à constituição de união estável, não há obstáculos.

Tendo sido feitos tais apontamentos acerca do casamento, ainda no âmbito das relações tuteladas pelo Direito de Família, passar-se-á a tratar da União Estável, de forma a traçar sua evolução histórica, bem como trazendo conceituações e principais repercussões.


2 DA UNIÃO ESTÁVEL

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA UNIÃO ESTÁVEL

Em se tratando do instituto da União estável, importante é que se trace a sua evolução ao longo da história, marcada por tantos avanços e também pelas inovações que foram sendo agregadas a cada passo dado, tanto no campo constitucional quanto no campo das legislações infraconstitucionais. 

No âmbito do Código Civil de 1916 e de acordo com o ideal social e moral da época, considerou-se como família apenas aquela resultante do casamento, sem dispensar o diploma qualquer atenção à união informal entre o homem e a mulher.

Nesse contexto, cita Venosa (2003, p. 35) que: “O legislador do Código Civil de 1916 ignorou a família ilegítima, fazendo apenas raras menções ao então chamado concubinato unicamente no propósito de proteger a família legítima, nunca reconhecendo direitos à união de fato.”

Renomado doutrinador argumenta ainda que fora a sociedade que, em determinado momento histórico, instituíra o casamento como regra de conduta, fazendo surgir a problemática da união conjugal sem casamento. (VENOSA, 2003, p. 49)

 Como conseqüência dos reclamos sociais e da própria posição que passou a ser adotada pelos tribunais em defesa dos direitos dos companheiros, além de um ou outro aspecto em que o legislador se ocupou do assunto, viu-se o constituinte obrigado a declarar o que a realidade lhe apresentava, nisso inserida a existência de relações informais entre o homem e a mulher, ao que se reconheceu como entidade familiar.

Assim, na trilha das mutantes concepções sociais que se delineiam ao longo da história da sociedade, aqui tratada a sociedade brasileira, aquilo que em certa época era tido por moralmente inadequado passa a assumir moldura diversa, por conta das alterações dos costumes, verdadeira fonte do Direito, o que conduziu à revisão na forma como os fatos eram percebidos. 

Foi a Constituição Federal de 1988 que erigiu a união informal entre homem e mulher ao status de entidade familiar. Dispõe o art. 226, § 3º, da CRFB/88, in verbis:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

A união estável passou a ser modalidade de entidade familiar, de forma que o Estado passou a proteger relacionamentos outros além dos constituídos pelo casamento. Nesse sentido, leciona Rodrigues (2002, p. 284): “Assim, a família nascida fora do casamento, sempre que derive da união estável entre o homem e a mulher, ganha o novo status dentro do nosso direito”.

Corrobora com o entendimento desse doutrinador Maria Berenice Dias (2007, p. 138): “A sacralização do casamento faz parecer que seja essa a única forma de constituir a família. Mas é à família, e não ao casamento, que a Constituição chama de base da sociedade, merecedora da especial atenção do Estado (CF227)”. 

Ainda nesse contexto, e pela mesma doutrinadora, tem-se a seguinte lição:

A Constituição, ao garantir especial proteção à família, citou algumas entidades familiares, as mais freqüentes, mas não as desigualou. Limitou-se a elencá-las, não lhes dispensando tratamento diferenciado. O fato de mencionar primeiro o casamento, depois a união estável e, por último, a família monoparental não significa qualquer preferência nem revela escala de prioridade entre eles. Ainda que a união estável não se confunda com o casamento, ocorreu a equiparação das entidades familiares, sendo todas merecedoras da mesma proteção. (DIAS, 2007, p. 156-7).

Entretanto, há outros doutrinadores, a exemplo de José Carlos Barbosa Moreira, que, contrariamente a esta posição, refutam a idéia de equiparação. Neste sentido:

Não ocorreu, porém, equiparação entre os dois institutos, ao contrário do que se apressaram a sustentar alguns: a família resultante da união estável coexiste com a fundada no casamento, mas aquela não se identifica com este. Tanto assim, que, segundo o texto constitucional, a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento - o que não teria sentido se uma e outro já estivessem igualados. (MOREIRA, 2003, p. 7)

Feitas tais considerações, entre os que defendem a equiparação dos institutos e os que rejeitam tal argumento, fato é que as leis 8.971/94 e 9278/96 vieram regulamentar tal disposição constitucional. Após a edição desta Constituição Federal de 1988, a família foi pluralizada e assumiu diferentes feições, sendo o casamento e a união estável, dentre outras, espécies de entidade familiar. Então, atualmente o casamento não é mais única forma de constituição de família. O número de casais que optam por viverem juntos sem que para isso o façam mediante o casamento é enorme.

Esta realidade remonta muitas décadas, não é fato novo. Homem e mulher unem-se em afeto mútuo a fim de constituírem para si uma família. 

Vê-se que a questão do afeto, princípio geral das relações familiares, amplamente defendido hoje no contexto na principiologia do Direito de Família, constitui-se mola propulsora que, agregada a outros valores, fez com que o Legislador passasse a conferir respaldo jurídico às uniões que assim se formassem. Nesse sentido, alude Dias (2007, p. 155): “Não há lei, nem de Deus nem dos homens, que proíba o ser humano de buscar a felicidade”. 

Na cadeia histórica evolutiva, por fim, o Código Civil de 2002 trouxe consigo dispositivos que reproduzem a espírito do legislador constituinte, dispositivos estes que visam a regular a entidade familiar sem matrimônio.

2.2 CONCEITO DE UNIÃO ESTÁVEL

A exemplo do que ocorre quanto a conceituar o casamento, a conceituação da união estável não é tarefa fácil. Constitui-se conceito bastante amplo e variável na doutrina. A priori, é importante que se diga que, embora tais institutos encontrem entre si similaridades, os mesmos não se confundem, caso contrário não haveria a prerrogativa de conversão da união estável em casamento.

Ainda segundo bem ressalta Diniz (2007, p. 354), ao perder o status de sociedade de fato e ganhar o de entidade familiar, a união estável não pode ser confundida com a união livre, pois nesta duas pessoas de sexos diferentes, além de não optarem pelo casamento, não têm qualquer intentio de constituir família.

Partindo-se dessas premissas, tendo-se em conta o que fora exposto, far-se-á uma tentativa de conceituação elencando quais os pressupostos essenciais para a configuração e reconhecimento de união estável, de modo que, em vez de conceituá-la se possa compreendê-la.

E é sob a égide desses pressupostos que enuncia o art. 1723, caput, do Código Civil: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família”.

Reproduzindo o já citado dispositivo constitucional: “Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. (CF, 226, § 3°).

Considerando-se a questão do afeto, de que já se tratou anteriormente, encerra Dias (2007, p. 161): “Preocupa-se o legislador em identificar a relação pela presença de elementos de ordem objetiva, ainda que o essencial seja a existência de vínculo de afetividade, ou seja, o desejo de constituir família”. 

Sabe-se que a união estável é relação íntima e informal, pautada pelas bases do afeto mútuo, marcada pelo convívio duradouro, contínuo, com intuito de constituir família. É da essência não só do casamento, mas também da união estável, que haja fidelidade, isto é, que haja estabilidade e comprometimento material e imaterial entre os conviventes e conforme se vê do dispositivo constitucional, que possa ser convertida em casamento, não restando assim, qualquer impedimento para isto. Corroborando o preceito constitucional, prescreve o art. 1723, §1°, in fine, do Código Civil: “... não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente”. 

Tendo em vista esse artigo, a doutrinadora Diniz (2007, p. 365) conclui que: "Conseqüentemente a união estável pode configurar-se mesmo que: a) um dos seus membros ainda seja casado, desde que antes de iniciar o companheirismo estivesse já separado de fato ou judicialmente do cônjuge". Destarte, reitera-se aqui a afirmação já feita anteriormente com relação à coexistência do casamento não dissolvido formalmente e a configuração de união estável concomitantemente.

De forma idêntica ao que ocorre com relação ao casamento, a união estável pressupõe essencialmente diversidade de sexo. Portanto, a união de pessoas do mesmo sexo, chamadas uniões homoafetivas, não são consideradas união estável para efeitos da Lei. Com relação ao fato de viverem sob o mesmo teto, o que se teria por coabitação, a lei não impõe que os conviventes estejam sob o mesmo teto. Tal entendimento é ratificado pela doutrina de Venosa (2003, p. 50), que assim comenta: “Na união estável existe a convivência do homem e da mulher sob o mesmo teto ou não, mas more uxório, isto é, convívio como se marido e esposa fossem”.

Vê-se que é prescindível o elemento da coabitação, mas, de modo distinto, é imprescindível a notoriedade da relação. É em consonância à afirmação em pauta que proclama a Súmula 382 do STF: “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato”. Vale lembrar que a expressão “concubinato”, utilizada à época da edição da referida Súmula, era o termo usual para designar a situação dos que hoje se têm por companheiros.

Finalmente, a exemplo do que se fez com relação ao cônjuge, cumpre determinar quem é o companheiro. No entanto, vale mencionar que a nomenclatura utilizada em referência àqueles que se unem sem vínculo matrimonial é diversa, dentre as quais as mais utilizadas são companheiros e conviventes. Assim, companheiro (a) é a designação que se dá ao homem (ou à mulher unida a um homem) unido por longo e contínuo tempo a uma mulher, como se seu esposo fosse, refletindo a intenção de constituir com ela uma família. 

2.3 NATUREZA JURÍDICA DA UNIÃO ESTÁVEL

Para se estabelecer um paralelo e a efetiva diferenciação entre os institutos de Direito de Família até aqui tratados, importante é a lição de Venosa (2003, p. 50), segundo o qual “A união estável é um fato jurídico, qual seja, um fato jurídico que gera efeitos jurídicos.” 

Dessa afirmativa é que se pode abstrair preciosa lição concernente aos institutos do casamento e da união estável. Enquanto o casamento constitui-se fato social e negócio jurídico, por sua vez precedido por formalismos e concretizado solenemente, passando a ser regido por um contrato, a união estável, embora gere efeitos jurídicos, é apenas fato jurídico, não lhe restando a obrigatoriedade de celebração para que passe a viger no mundo jurídico, nem que se estabeleça contrato entre as partes conviventes. A união estável não se estabelece por um ato jurídico único, como ocorre no casamento. Forma-se com o tempo.

Portanto, a união estável é fato jurídico, gravado de efeitos que repercutem no universo jurídico. Ainda na lição de Venosa, é um fato do homem que, gerando efeitos jurídicos, torna-se um fato jurídico. Ressalte-se, entretanto, que tais efeitos, por sua vez, são similares aos gerados pelo matrimônio. No mesmo sentido pontua Gonçalves (2008, p. 554) citando Álvaro Villaça Azevedo: 

Realmente como um fato social, a união estável é tão exposta ao público como o casamento, em que os companheiros são conhecidos, no local em que vivem, nos meios sociais, principalmente de sua comunidade, junto aos fornecedores de produtos e serviços, apresentando-se enfim, como se casados fossem.

Ainda no campo dos efeitos, mister se faz mencionar que o art. 1724 da Lex Civile regula as relações pessoais entre os companheiros, declarando assim: “As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.”. Conclui-se que a união estável também gera deveres e que os deveres dos companheiros são praticamente idênticos aos deveres dos casados.

Pode-se dizer que, embora não haja obrigatoriedade de celebração de contrato para que seja reconhecida união de fato entre um homem e uma mulher, o Código Civil manteve a possibilidade, prevista anteriormente no art. 5º da Lei 9278/96, de os companheiros celebrarem contrato escrito que venha dispor sobre o regime de bens que prevalecerá entre eles, já que a Lei Civil, no art. 1725, enunciou que “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”. Desse modo, caso queiram adotar outras disposições quanto aos reflexos da relação por eles constituída, haverá a possibilidade de se estabelecerem novas regras mediante contrato escrito.

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Sobre as autoras
Patrícia Fortes Lopes Donzele Cielo

Professora universitária. Mestra em Direito pela UFG. Professora no curso de Direito do CESUC.

Fernanda Netto Tartuci Lorenzi Fortes

Advogada. Bacharela em Direito pelo CESUC. Especializanda em Direito Tributário pela LFG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CIELO, Patrícia Fortes Lopes Donzele ; FORTES, Fernanda Netto Tartuci Lorenzi. Os institutos do casamento, da união estável e do concubinato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3803, 29 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25867. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Artigo publicado na Revista CEPPG – Nº 22 – 1/2010 – ISSN 1517-8471 – Páginas 155 à 170 Revista CEPPG – CESUC – Centro de Ensino Superior de Catalão, Ano XIII, Nº 22 – 1º Semestre/2010.

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