Para onde caminha nossa soberania? E nosso país?

19/11/2013 às 09:37
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Não pretendemos esgotar o tema, nem tampouco criar polêmica, apenas desempenhar ativamente o papel dos filósofos -embora não me ache digno deste epíteto-, com o intuito de viver ativamente a tão falada DEMOCRACIA, em relação a discussão das idéias.

Na história temos exemplos de atitudes que levaram o mundo ao caos, por total falta de reflexão.  Daí ser a reflexão importante para a vida do homem, pois as consequências advindas dela podem ser benéficas ou maléficas. Mario Sergio Cortella[1] afirma que percalços são inevitáveis, toda vida é composta por erros e acertos, por dores e delícias. A maioria das pessoas acredita piamente que aprendemos com erros. Cautela com isso. Na opnião do renomado filósofo, aprendemos é com a correção dos erros; se aprendêssemos com os erros, o melhor método pedagógico seria errar bastante. NÃO É O ERRO; É A CORREÇÃO DO ERRO QUE ENSINA.

No mesmo sentido René Descartes[2]ensina que a razão ou bom senso é formalmente igual em todos, o que distingue é a sua aplicação, pois essa deriva dos costumes, da religião, dos conhecimentos adquiridos, daquilo que ganhou o estatuto da verdade, embora não o seja. A razão iguala, as opniões diferenciam os homens. O problema consiste, porém, em que essas opniões podem impossibilitar a ciência, a filosofia e o próprio convívio regrado e pacífico entre os homens.

Utilizar-se do bom senso, da razão, é uma santa ferramenta para sanar grandes problemas ou, no mínimo, ter grandes soluções.

É pensando assim que ressaltamos um aspecto primordial na questão da Copa do Mundo a ser realizado no Brasil, a soberania do país. Segundo o renomado dicionário Aurélio tal vocábulo significa :

Propriedade que tem um Estado de ser uma ordem suprema que não deve a sua validade a nenhuma outra ordem superior.  O complexo dos poderes que formam uma nação politicamente organizada.

No dizer do mestre Celso Ribeiro Bastos, a soberania é, pois, um atributo do Estado. Traduz a soberania pela circunstância de não reconhecer nenhum outro poder superior nem igual ao seu na ordem interna nem outro superior na externa. Nesta, a relação que se instaura entre os Estados é de coordenação, em que todos se limitam reciprocamente, não podendo um invadir a esfera de ação dos outros.

A nossa Constituição Federal, em seu artigo 1º, no inciso I, dita o fundamento do Estado Democrático de Direito Brasileiro, A SOBERANIA. No mesmo diploma  artigo 4º elenca a independência, autodeterminação dos povos entre outros princípios em que baseiam-se  as relações internacionais de nosso país. E, não menos importante, o primeiro inciso do artigo 170 dita o princípio da soberania como embasador da ordem econômica, tendo como fim assegurar uma existência digna.

Nossa Carta Magna traz o direito à vida insculpido em suas páginas e, no dizer do mestre Jose Afonso da Silva, o direito à vida significa o direito à vida digna, incluindo aqui sua proteção. Eis o motivo pela qual a comissão encarregada da confecção do novo Código Penal quer introduzir a pena de prisão para quem dirigir bêbado.[3]

Ir contra a ordem jurídica pátria é imenso retrocesso e verdadeiro atentado contra nossa soberania. Legislações importantíssimas, tais como Estatuto do Torcedor, a Lei Seca, onde ficam? Jogadas no lixo?  A Lei Seca prima pela segurança dos motoristas e pedestres – pois, não só aqueles que dirigem embriagados podem ser vítimas de um acidente como também outros motoristas e até pedestres podem  sofrer com a imprudência e total falta de bom senso/razão.   O Estatuto do Torcedor, criado para evitar e punir  confrontos entre torcidas,  no inciso II do artigo 13-A, veta o ingresso e a permanência em estádios e ginásios de "bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência"{C}[4]será esquecido momentaneamente por conta de imposição da Fédération Internationale de Football Association (FIFA)?

O mestre Geralado Atabiliba[5], em sua obra República e Constituição, cita que para Tércio Samaio Ferraz Jr., “uma Constituição não é apenas o seu texto, mas é, principalmente, uma prática”. Assevera ele que Ruy Barbosa dizia que ainda que a Constituição  fosse tão perfeita, como se tivesse sido baixada dos Céus, o país haveria de ser julgado não pelo seu texto, mas sim segundo o modo pelo qual a pusesse em prática .Importa, assim, conhecer a Constituição, para assegurar-lhe eficácia, realizando seus princípios, como forma de tornar efetivos os desígnios que-bem ou mal- o povo nela expressou.

Ressalta o renomado jurista sobre a responsabilidade dos representantes do povo ao exercerem seu papel. Devem eles obedecerem aos mandos populares e ao ordenamento jurídico. Dita que  características da república são: a eletividade, a periodicidade e a responsabilidade, explicando que a eletividade é instrumento da representação; a periodicidade assegura a fidelidade aos mandatos e possibilita a alternância no poder e que a responsabilidade é o penhor da idoneidade da representação popular. E termina o saudoso mestre:

É traição ao povoe pois, negação da democracia – consagrar apenas retoricamente os princípios popularmente fixados e, ulteriormente, estabelecer regras que os esvaziem, emasculem ou contravenham. Todas as normas constitucionais devem dispor de modo a dar plena e cabal garantia de eficácia aos princípios.

A Constituição, sendo a Lei máxima de um país, deve ser  respeitada. Qualquer legislação infraconstitucional que vá contra seus mandamentos estará eivada de uma inconstitucionalidade tremenda. Ainda mais se desejar “derrubar” a soberarania!

O mestre Konrad Hesse[6]explicou que as funções da Constituição na vida da comunidade são aplicáveis, antes de mais nada a duas tarefas fundamentais: à formação e manutenção da unidade e à criação e manutenção do ordenamento jurídico. Ambas estão estreitamente ligadas.

Dita o mestre Alemão que a unidade política de ação que denominamos Estado não é hoje, como se pressupõe na descrição de Jellinek, algo que venha dado sem outros motivos. Necessita-se estabelecer tal unidade, e se requer tanto mais sua conservação enquanto não corporificada vontade uniforme do povo soberano ou de uma classe dirigente.

E cita Hesse:

Esse êxito depende, em último extremo, do grau de adesão que encontre Estado. Depende de que esse êxito seja sustentável, de que os cidadãos se façam responsáveis por ele, e, se for o caso, o defendam; só na medida em que isso seja assim, pode-se dizer que se trata de um Estado consolidado, de um Estado robusto. Essas condições dependem de numerosos fatores extrajurídicos, como a tradição, o nível de consciência política ou os líderes; e, em medida não determinável exatamente, e crescente, porém necessária, também do Direito. Isso porque qualquer processo necessita do ordenamento jurídico: a colaboração, que conduz à formação de uma unidade política e na que devem ser levadas a cabo competência do Estado, necessita da organização e de um processo ordenado, também a conciliação de vontades que não depende menos de que se configure o conteúdo do ordenamento de modo tal, que encontre a adesão das pessoas que hão de viver sob ele. Essa tarefa fundamental a cumpre a Constituição mediante seus direitos fundamentais. Nessa medida, a Constituição pode considerar-se como o ordenamento jurídico do processo de integração estatal.

A integração depende da aceitação da Norma Máxima como legítima pela população de um Estado. O Brasil tem na sua Constituição este objeto de integração e organização e descumpri-la, “rasgá-la” seria, repito, verdadeiro atentado contra a soberania e enorme retrocesso.

O Brasil é um país pobre. Segundo o governo temos 16,27 milhões de pessoas em estado de extrema pobreza[7].  Legislações que dão direito a idosos e estudantes[8]poderem pagar meia-entrada estão sendo suprimidas por ordem da FIFA. E nossa soberania, pra onde vai???

O professor  e Desembargador Rizzatto Nunes nos brinda com maravilhosa e humana lição acerca do tema pobreza. Mostra-nos que nossa Carta Magna propugna a erradicação da pobreza no inciso III do artigo 3º e cita que o texto maior é tão cioso deste problema que ao designar um piso vital mínimo de cidadania  estabelece que a assistência aos desamparados é direito social fundamental. E termina frisando:

Logo, quando vai se estudar o Código de Defesa do Consumidor, tem-se que levar em consideração esse dado real e fundamento constitucional: a população é pobre; o consumidor é pobre.

Estudar a Lei 8.078/90 não é, portanto, avaliar aspectos jurídicos de uma comunidade rica, mas ao contrário é compreendê-la na sua incidência num mercado constituído de pessoas pobres, para perceber por que é que a proteção deve ser bastante ampla.

E quer a FIFA cobrar  US$ 50,00(cinquenta dólares) pelos ingressos de categoria 4 – os mais baratos. Baratinho! Só R$ 96,00 (noventa e seis reais), levando-se em consideração o dólar do dia 02/05 que custa R$ 1,92 (um real e noventa e dois centavos)!!! Com o salário mínimo “milionário” recebido pelos trabalhadores – que equivale a  R$ 20,73{C}[9]{C}(vinte reais e setenta e três centavos) por dia – dará para o brasileiro ir à todos os jogos com certeza.

A Grécia, ao sediar os jogos olímpicos de Atenas afundou-se em dívidas. Em excelente matéria sobre o assunto Leonardo Trevisan{C}[10]{C}cita:

Um professor da London School of Economics, Spyros Economides, foi taxativo: “No fim, os jogos não são a causa fundamental da dívida grega, mas talvez o país não devesse aceitar fazê-los”. Victor Matteson, um economista americano que se especializou em estudos sobre impacto de grandes jogos, foi ao ponto exato: “as Olimpíadas certamente são um reflexo dos problemas que o país enfrenta”.

Essa é a questão. A dívida grega está estimada em um total de US$ 300 bilhões. Impagável para o pequeno país de 10 milhões de habitantes que vivem essencialmente de turismo, agricultura incipiente e uma falida indústria náutica. Os cálculos do professor americano são de que os jogos acrescentaram cinco pontos percentuais nessa dívida. Mas os jogos “reiniciaram o hábito do país de gastar em excesso”. Na verdade, a Olimpíada se transformou em exemplo de “má administração, corrupção, clientelismo e pensamento de curto prazo”.

Qualquer semelhança será mera coincidência? Será que estamos caminhando rumo ao abismo brutal de uma recessão sem precedentes? Por que não se utilizar de bilhões gastos em obras faraônicas e olímpicas para a construção de escolas, hospitais e de uma rede de saneamento básico melhores?  Em seu Manual de Direito Empresarial, a professora Wilges Bruscato[11]informa que segundo o Boletim Estatístico do SEBRAE, baseado em dados do IBGE, em 2002, das 4.918.370 empresas formais existentes no Brasil, 4.879.616 eram micro e pequenas empresas, portanto 99,21% do total. Das 27.561.924 pessoas empregadas naquele mesmo ano, 15.757.076 estavam nas micro e pequenas empresas, ou seja, 57,15% da mão de obra ocupada[12]. Isto prova que somos um país pobre e que sua população, em sua maioria esmagadora vive na pobreza.

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O célebre, e talvez maior orador da língua portuguesa, Padre Antônio Vieira[13], em 1655 discorreu brilhantemente sobre a missão do semeador da palavra divina, lição que até hoje é aplicável aos oradores e, por tabela, aos políticos de nossos tempos. Não basta falarem palavras difíceis, de entendimento quase impossível pela população mais pobre, mas devem seguí-la à risca, dando o exemplo. Fazemos constar parte deste belíssimo sermão:

 Se os ouvintes ouvem uma coisa e vêem outra, como se hão de converter? Jacó punha as varas manchadas diante das ovelhas quando concebiam, e daqui procedia que os cordeiros nasciam manchados. Se quando os ouvintes percebem os nossos conceitos, têm diante dos olhos as nossas manchas, como hão  de conceber virtudes? Se minha vida é apologia  contra a minha doutrina, se as minhas palavras vão já refutadas nas minhas obras, se uma coisa é o semeador e outra o que semeia, como se há de fazer fruto? 

A reflexão, utilizando-se por óbvio da razão, e a correção dos erros poderá ser de muita valia para a construção de um país melhor, mas infelizmente não é isso que estamos vendo.

Alguns pensamentos encaixam-se perfeitamente neste assunto. O primeiro é do mestre pintor, matemático e inventor  italiano Leonardo Da Vinci que escreveu “ QUEM PENSA POUCO MUITO ERRA”. O segundo pensamento é de um grande brasileiro, escritor e cronista Humberto de Campos que ensinava “PREFIRA AFRONTAR O MUNDO SERVINDO A SUA CONSCIÊNCIA A AFRONTAR SUA CONSCIÊNCIA SERVINDO O MUNDO”.

Portanto, está mais do que na hora de nossos políticos cumprirem com o que prometem frente as câmeras de televisão e já passou da hora da população brasileira conscientizar-se de seu papel de suma importância no crescimento deste país.

Acorda Brasil!


Notas

[1]Cortella, Mario Sergio. Não Nascemos prontos! Provocações filosóficas. 10.ed. Petrópolis, RJ: Vozes,2010.

[2]Descartes, René. Discurso do Método. Tradução de Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2008.

[3]http://www.conjur.com.br/2012-abr-17/comissao-codigo-penal-defende-prisao-motoristas-bebados

[4]http://www.conjur.com.br/2012-abr-12/deputados-polemizaram-pontos-importantes-lei-geral-copa

[5]Ataliba, Geraldo. República e Constituição. 3.ed. Sã Paulo, SP: Malheiros Editora,2011.

[6]Hesse, Konrad. Temas Fundamentais do Direito Constitucional: textos selecionados e traduzidos por Carlos dos Santos Almeida, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Martins Coelho-São Paulo: saraiva,2009.

[7]http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/05/brasil-tem-1627-milhoes-de-pessoas-em-situacao-de-extrema-pobreza.html

[8]http://www.conjur.com.br/2012-abr-12/deputados-polemizaram-pontos-importantes-lei-geral-copa

[9]http://exame.abril.com.br/economia/noticias/novo-salario-minimo-nacional-de-r-622-entra-em-vigor-hoje

[10]http://leonardotrevisan.com.br/blog/?p=1220

[11]Bruscato, Wilges. Manual de direito empresarial brasileiro.. – São Paulo: Saraiva,2011.p.47.

[12](Boletim Estatístico da MPE.Biblioteca on-line. Disponível em HTTP:??201.2.114.147/bds/BDS.nsf/03DE0485DB219CDE0325701B004CBD01/$File/NT000A8E66.pdf.Acesso em: 11jul.2008)

[13]Verdasca, José. Sermões Escolhidos-Padre Antônio Vieira.São Paulo :Editora Martin Claret,2008.

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Sobre o autor
Marcio Andrade Vieira

Advogado da Empresa Gerencial de Projetos Navais (EMGEPRON).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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