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Liberdade provisória:

das distorções no campo da fiança criminal a serem corrigidas pelo intérprete

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08/01/2014 às 07:08
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2. O INSTITUTO DA LIBERDADE PROVISÓRIA ANTES E DEPOIS DA LEI Nº 12.403/2011

2.1.  A relação da prisão em flagrante com o instituo da liberdade provisória

Antes da Lei 12.403/2011, a liberdade provisória funcionava como sucedâneo somente da prisão em flagrante e era incompatível com a prisão preventiva e temporária. A antiga posição dos tribunais era de que o juiz não era obrigado a se manifestar de ofício quanto ao cabimento da liberdade provisória depois do flagrante. Após a reforma imposta por aquela lei, o novo art. 310 do CPP determina uma análise judicial obrigatória acerca do cabimento da liberdade provisória, com ou sem fiança, assim que o juiz receber o auto de prisão em flagrante.

Atualmente, a liberdade provisória ainda se presta como medida cautelar diversa da prisão, porém não é vista mais apenas com essa função, mas como explicitação das hipóteses de medidas cautelares, art. 319 CPP, por ocasião da restituição da liberdade sempre a partir da prisão em flagrante (OLIVEIRA, 2011 p. 502), podendo ser utilizada de forma autônoma ou em substituição à prisão cautelar do preso em flagrante ou do preso preventivamente (OLIVEIRA, 2011 p. 571). O fundamento constitucional da liberdade provisória está no art. 5º, LXVI, da CF, segundo o qual ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.

Na época em que foi elaborado, o CPP trazia a ideia de que haveria presunção de culpa inequívoca daquele que fosse preso em flagrante delito. Com isso, a liberdade provisória, com fiança ou sem ela, somente tinha validade a partir da prisão em flagrante e por causa daquela presunção o termo “liberdade” estava acompanhado do termo “provisória”, eis que a certeza da culpa era patente. Entretanto, visto que o regramento atual presa pela liberdade como regra e pela presunção de não culpabilidade antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o termo “provisória” não tem mais sentido em acompanhar o instituto da liberdade.

Pela nova redação do art. 319 do CPP, especialmente com a inclusão da fiança como forma de medida cautelar, evidencia-se que a liberdade provisória pode ser adota como providencia cautelar autônoma. Sabendo que as medidas alistadas no mencionado art. 319 podem ser aplicadas independente de o indivíduo ser preso em flagrante ou não, então da mesma forma, poderá ser imposta a liberdade provisória, inclusive, podendo ser convertida em prisão preventiva, em caso de descumprimento de medida cautelar. 

A nova mudança introduzida no CPP deu ao magistrado o poder de tratar a liberdade provisória como forma de manter a liberdade do acusado condicionando-a a uma das medidas cautelares do art. 319 do CPP, bem como manteve a possibilidade de o magistrado usar a liberdade provisória como forma substitutiva da situação de carceragem em flagrante e estendeu essa possibilidade aos casos de prisão preventiva e temporária. A própria fiança não é mais exclusivamente uma medida de contracautela substitutiva da prisão em flagrante, pois poderá ser concedida de forma autônoma independente de prévia prisão em flagrante.

Eugenio Pacelli traça o seguinte quadro atual das liberdades provisórias:

a) liberdade provisória em que é vedada a fiança: cabível sempre após a prisão em flagrante, com a obrigatória imposição de qualquer das cautelares do art. 319 e do art. 320, CPP, com exceção da fiança, quando não for necessária a prisão preventiva e quando for expressamente proibida a imposição daquela (fiança-art. 323 e art. 324);

b) liberdade provisória com fiança: cabível sempre após a prisão em flagrante e quando não necessária a preventiva. Será imposta, obrigatoriamente, a fiança, além de outra cautelar, se entender necessário o juiz;

c) liberdade provisória sem fiança: cabível após a prisão em flagrante, quando inadequada ou incabível a preventiva, com a imposição de qualquer outra medida cautelar, por julgar o juiz desnecessária a fiança;

d) liberdade provisória vinculada, ao comparecimento obrigatório a todos os atos do processo, sob pena de revogação (art. 310, parágrafo único) (OLIVEIRA, 2011 p. 574, grifo nosso).

Renato Brasileiro trouxe em sua obra a classificação das espécies de liberdade provisória em:

a)quanto à fiança:

a.1)liberdade provisória sem fiança(CPP, arts. 310, parágrafo único, e 350);

 a.2)liberdade provisória com fiança (CPP, arts. 322 a 349).

b) quanto à possibilidade de concessão:

b.1)liberdade provisória obrigatória;

b.2) liberdade provisória proibida. 

c) quanto à sujeição ao cumprimento de obrigações:

c.1) liberdade provisória com vinculação;

c.2) liberdade provisória sem vinculação. (LIMA R.B., 2011 p. 390)

No caso do ato relaxamento de prisão, este não pode ser entendido como espécie de liberdade provisória eis que pende para o lado de uma espécie de anulação de ato praticado com violação à lei (OLIVEIRA, 2011 p. 577) e não imporá qualquer outra medida restritiva de direito ao acusado no momento da soltura, ou seja, não seria caso de liberdade vinculada, mas pelo poder geral de cautela, o magistrado pode impor determinada medida cautelar, art. 798 do CPC. 

2.2. O art. 350 do CPP como espécie da liberdade provisória sem fiança

Em uma breve listagem sobre os casos de liberdade provisória sem fiança, cabe dizer que a primeira hipótese de liberdade provisória inafiançável encontra-se no parágrafo único do art. 310 do CPP, para o qual, se o juiz verificar que o agente praticou o crime acobertado por uma das excludentes de ilicitude, deverá conceder a liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação. No entanto, essa revogação parece sem efeito, eis que a liberdade provisória concedida nesse caso não se reveste de cautelaridade diante da inaplicabilidade de coerção posterior mediante decretação da preventiva, a qual está impossibilita de ser imposta, pelo art. 314 do CPP, ao agente que praticou o fato ao abrigo de uma excludente de ilicitude.

 A Lei nº 12.403/2011 extinguiu a antiga hipótese da concessão de liberdade provisória sem fiança prevista no art. 321 do CPP, na qual o conduzido se livrava solto, após a lavratura do auto de prisão em flagrante.  Para aquele artigo, o indivíduo livrava-se solto quando a infração cometida não era penalizada com pena privativa de liberdade, ou assim sendo, ela não excedesse a três meses, salvo se o réu fosse condenado por outro crime doloso ou houvesse prova de ser réu vadio.

Foi revogada também a liberdade provisória sem fiança pela inexistência de hipótese que autorizasse a prisão preventiva, antiga redação do parágrafo único do art. 310 do CPP. Por esse, o juiz podia conceder liberdade provisória sem fiança, mediante termo de comparecimento aos atos processuais, sob pena de revogação, quando verificasse, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizassem a preventiva. Esse benefício era cabível tanto para crimes afiançáveis quanto para inafiançáveis. Assim, a circunstância de ser o crime afiançável, crime menos grave, não era capaz de obrigar o arbitramento da fiança, porque seria desproporcional já que os crimes inafiançáveis, crimes mais graves, comportavam a liberdade provisória sem o pagamento da fiança e vinculava o autor apenas a uma única obrigação, a de comparecer a todos os atos do processo.

A Lei nº 12.403/2011 tentou mudar essa configuração quando fez a liberdade provisória sem fiança voltar ao regime anterior à vigência da Lei nº 6.416/77, que havia abrandado a fiança, ou seja, a liberdade provisória sem fiança somente voltou a ser possível quando diante de caso amparado por excludente de ilicitude. Para os casos restantes, o juiz tem a opção de associar a liberdade provisória às medidas do art. 319 do CPP, que inclui a fiança.

O art. 325 do CPP tinha em seu § 2º a redação entregue pela Lei nº 8.035/90 e determinava que nos casos de prisão em flagrante pela prática de crime contra a economia popular ou de crime de sonegação fiscal não se aplicava a liberdade provisória sem fiança quando verificada a inocorrência das hipóteses que autorizassem a prisão preventiva. Na verdade, aplicava-se a liberdade provisória com fiança a ser fixada pelo juiz que poderia reduzir o valor ou aumentá-lo, conforme a situação econômica do réu. As novas mudanças do CPP acabaram revogando também esse §2º do art. 325.

 Agora, aos crimes contra a economia popular ou de sonegação fiscal aplica-se a liberdade provisória com fiança, fixada nos limites do novo art. 325 do CPP e podendo ser dispensada se houver enquadramento no art. 350 do mesmo diploma legal: “Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares, se for o caso”. Antes da atual mudança, a utilidade do art.350 do CPP estava restrita aos crimes contra a economia popular e de sonegação fiscal, eis que o parágrafo único do art. 310 do CPP havia extirpado a importância da liberdade provisória com fiança.

O conceito de miserabilidade é extraído do §1º do art. 32 do CPP, para o qual se considerará pobre a pessoa que não puder prover às despesas do processo, sem privar-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento ou da família. Tem-se o entendimento de que o ônus da prova quanto à situação de pobreza é do requerente.

Somente ao juiz é permitido conceder a liberdade provisória sem fiança do art. 350 do CPP. Mesmo assim, o magistrado manterá as mesmas obrigações exigidas para a fiança, quais sejam: comparecer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução e para o julgamento; o acusado afiançado não poderá, sob pena de quebramento da fiança, mudar de residência, sem prévia autorização da autoridade processante; o acusado afiançado não poderá ausentar-se por mais de oito dias da sua residência, sem comunicar ao magistrado o lugar onde possa ser encontrado.

O parágrafo único do art. 350 do CPP possibilita ao magistrado substituir a medida cautelar imposta, impor outra cumulativamente ou decretar a prisão preventiva do beneficiado quando esse, sem justo motivo, descumpra qualquer das obrigações ou medidas impostas na concessão do benéfico liberatório da fiança.

2.3. Não admissão da fiança x admissão da liberdade

Em termos de progresso, o atual ordenamento jurídico diminuiu o rol de crimes inafiançáveis para fazer da liberdade provisória do tipo com fiança a regra, art. 323 do CPP. São seis os casos de infrações inafiançáveis que passaram a admitir fiança:

1) Os crimes punidos com reclusão em que a pena mínima cominada fosse superior a dois anos;

2) As contravenções tipificadas no art. 59 e no revogado art. 60 da Lei de Contravenções penais;

3)  Crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade, se o réu já tivesse sido condenado por outro crime doloso em sentença transitada em julgado;

4) Em qualquer caso em que se houvesse no processo prova de ser o réu vadio;

5) Crimes punidos com reclusão, que provocassem clamor público ou que tivessem sido cometidos com violência contra a pessoa ou grave ameaça;

6) Preso em gozo de suspensão condicional da pena ou de livramento condicional.

O autor Renato Brasileiro (2011 p. 411/414) explica que a nova redação do art. 323 permite a fiança ainda que o crime tenha pena mínima superior a dois anos. Do mesmo modo, permite o cabimento da fiança, cumulada ou não com outras medidas cautelares, ao reincidente específico em crime doloso punido com pena privativa de liberdade. Além disso, agora não se segrega cautelarmente a liberdade de alguém apenas na repercussão ou clamor causado pelo crime. Ao que parece, em tese, também é cabível a liberdade provisória com fiança àquele que estiver no gozo de suspensão condicional da pena ou de livramento condicional.

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Entrementes, a liberdade provisória com fiança ainda é proibida para os crimes contra o sistema financeiro nacional, prática de racismo, crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo, hediondos, tortura, crimes contra a segurança e a ordem política e social, participação em organização criminosa, lavagem de capitais, porte, disparo e posse ilegal de arma de fogo de uso permitido. Nucci (2011b p. 19) chama a proibição constitucional de liberdade provisória mediante fiança, a inafiançabilidade, de demagogia, eis que ela tenta criar um quadro terrível para o acusado de certos crimes, formando-se a ideia de um processo mais rigoroso no desenho de segregação cautelar do acusado antes da sentença penal condenatória transitar em julgado. Sobre a relação da liberdade e da fiança o Ministro Cezar Peluzo, em decisão monocrática proferida no HC 99.043-MC, julgamento em 28-5-2009, DJE de 4-6-2009, aclarou:

os institutos da fiança – que é vedada na hipótese de crimes hediondos - e da liberdade provisória não se confundem. A liberdade provisória, como gênero, pode apresentar-se sob a modalidade vinculada à fiança (liberdade provisória com fiança) ou de forma independente (liberdade provisória sem fiança). (...) As duas espécies de liberdade provisória têm previsão no art. 5º, LXVI, da Constituição da República. É o que parece suficiente para demonstrar que o instituto da fiança não se confunde com o da liberdade provisória, senão que é apenas requisito para a concessão de uma das espécies desta. (...) Tem-se, de um lado, a proibição constitucional da fiança e, de outro, a garantia da concessão de liberdade provisória. A questão é, portanto, de precisar o alcance de cada uma das determinações. (...) Diante disso, tenho que o inciso LXVI garante a liberdade, sem necessidade de prestação de fiança, quando ausentes requisitos legais autorizadores da prisão cautelar; e a proibição do inciso XLIII não abrange a liberdade provisória sem fiança. Ora, a edição da Lei nº 11.464/2007 eliminou a proibição de liberdade provisória, objeto da antiga redação da Lei dos Crimes Hediondos. Logo, já não está presente a razão por que me inclinei, anteriormente, à manutenção da prisão preventiva em caso similar (...). Diante da inexistência de proibição legal, deve-se observar agora o disposto no parágrafo único do art. 310 do Código de Processo Penal, que permite ao juiz conceder liberdade provisória a réu preso em flagrante delito, quando verifique a não ocorrência de nenhuma das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (STF, 2009, P.103).

Quanto à liberdade provisória em que se é vedada a fiança, a Constituição primeiramente previu uma inafiançabilidade para delitos considerados mais graves, de forma a proibir qualquer forma de restituição de liberdade nesses casos. Entretanto, atualmente, a própria Constituição e o art. 283 do CPP prevêem a necessidade de ordem escrita e fundamentada para imposição de qualquer prisão. Por essa exigência, que segundo Pacelli (2011 p. 575) inaugurou uma nova ordem no sistema prisional, instaurou-se uma nova interpretação na sistemática do direito processual penal, para recusar qualquer norma que vede a restituição da liberdade ao preso em flagrante sem ordem judicial escrita e fundamentada, baseada nos fundamentos das cautelares.

Assim sendo, a necessidade da prisão para esses crimes mais graves deverá ser analisada, e em não sendo necessária, a autoridade judiciária deverá conceder a liberdade, contudo sem fiança, eis que a lei inocuamente exigiu que não se concedesse a fiança. De maneira conclusiva, para crimes menores, a liberdade e a possibilidade de imposição de todas as cautelares serão possíveis. De outro modo, para os crimes mais graves, arrolados no art. 323 do CPP, somente caberá a liberdade e algumas das cautelares.

Diante da exigência de ordem escrita e fundamentada para manutenção da prisão, há evidente inconstitucionalidade para os crimes de racismo, de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos e cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, conforme previstos no art. 323 do CPP e art. 5º incisos XLII, XLIII, XLIV, da CF, quando é veda a concessão da liberdade provisória mediante fiança. Vedação, e inconstitucionalidade, também imposta para alguns crimes definidos em legislação especial, como na lei que cuida dos crimes hediondos, Lei nº 8.072/90; das organizações criminosas, Lei nº 9.034/95; dos crimes de lavagem de dinheiro, Lei nº 9.613/98, e na lei do Estatuto do Desarmamento, nº 10.826/2003, além da Lei nº 11.343/2006, intitulada de Lei de Tóxicos. 

Todas essas vedações legais da liberdade provisória constituem hipóteses de prisão cautelar obrigatória, afrontando os princípios da presunção de inocência e da análise judicial na necessidade da manutenção da prisão cautelar do agente por ordem escrita e fundamentada. Esta análise da prisão cautelar é função e atuação obrigatória dada ao judiciário pelos artigos 5º, LXI, e 93, inc. IX, da CF e art. 310, inc. II, do CPP, devendo ela ser fundada nos motivos da preventiva, art. 312 do CPP.

Renato Brasileiro (2011 p. 433/434) explica que de modo algum está se dizendo que todo e qualquer agente preso em flagrante por um desses delitos será necessária e automaticamente posto em liberdade. Mas, será cabível a concessão da liberdade provisória sem fiança, ficando a manutenção da prisão do agente condicionada à existência de decisão judicial devidamente fundamentada, que aponte a necessidade de sua segregação cautelar (LIMA R.B., 2011 p. 433/434). Da mesma forma, poderia o magistrado agir quando o acusado alegar sua condição do art. 350 do CPP, bastando mantê-lo em liberdade e invocar as outras medidas cautelares diversas da prisão e da fiança.

A natureza cautelar da prisão deve ser fundada em uma necessidade vista de perto em cada caso e não abstratamente na exigência da lei. Nesse sentido, vem entendendo o STF, que já se manifestou que, quanto aos crimes hediondos, eles por si só não impedem a concessão da liberdade provisória, eis que toda prisão imposta antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, por ser cautelar, deverá ser determinada excepcionalmente e quando demonstrada sua necessidade a partir da concretude exprimida nos autos.

2.4.  O novo procedimento em vigor da Liberdade provisória mediante pagamento de fiança.

Antes da Lei nº 12.403/2011, a liberdade provisória era vista como medida contracautelar que substituía a prisão em flagrante. Agora, ela passa a funcionar também como medida cautelar autônoma, inciso III do art. 310 do CPP. A liberdade provisória com fiança consiste em direito subjetivo constitucional do acusado e sendo ela negada diante dos casos em que a lei a admite estará caracterizado o constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, além de abuso de autoridade, conforme art. 4º, alínea “e”, da Lei nº 4.898/65.

A liberdade provisória em sentido amplo consiste na fiança e na liberdade provisória em sentido estrito, essa é o mesmo que liberdade sem fiança. De forma mais ampla, existem as formas de liberdade provisória vinculada e não vinculada. Na primeira espécie, vinculada, o acusado é posto em liberdade, porém fica vinculado a certos deveres processuais, podendo ser concedida com ou sem fiança. As hipóteses de liberdade provisória com vinculação estão previstas no art.350, caput, do CPP, que trata do acusado pobre; art. 322 a 349 do CPP, em que o acusado se vincula às obrigações dos artigos 327 e 328 do CPP; liberdade provisória sem fiança do art. 310, parágrafo único, do CPP, nos casos de cometimento do crime com excludentes de ilicitude; liberdade provisória cumulada com uma ou mais das medidas cautelares diversas da prisão, quando o direito liberatório é concedido como medida cautelar autônoma.

Na espécie de liberdade provisória sem vinculação, o acusado é posto em liberdade sem qualquer dever processual. Assim era no caso em que o réu livrava-se solto, antiga redação do art. 321 do CPP, mas nesse caso a liberdade não era do tipo provisória, porque não existia vínculos a serem descumpridos que possibilitassem a substituição da medida, imposição de outra em cumulação ou decretação da preventiva em último caso. 

 O momento para concessão da fiança pelo art. 334 do CPP é até o trânsito em julgado da sentença condenatória. O art. 330 do CPP explica que a fiança poderá ser prestada por qualquer pessoa e consiste em depósito de dinheiro, pedras, objetos ou metais preciosos. Se a fiança for declarada sem efeito ou for o acusado absolvido ou extinta sua punibilidade, o valor da fiança será integralmente restituído, com a devida atualização monetária, art. 337 do CPP. Entretanto, entender-se-á perdido, na totalidade, o valor da fiança, se, condenado, o acusado não se apresentar para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta, art. 345 do CPP. No caso de perda da fiança, o seu valor, deduzidas as custas e mais encargos a que o acusado estiver obrigado, será recolhido ao fundo penitenciário, na forma da lei.

 O procedimento em vigor da fiança permite ao Delegado de Polícia arbitrar a fiança imediatamente nos casos de infração penal não superior a quatro anos, art. 322 do CPP. No caso de recusa ou retardo na restituição da liberdade mediante fiança, basta dirigir uma petição ao juiz que deverá decidi-la no prazo de quarenta e oito horas, art.335 do CPP. O intento da lei foi dar praticidade e imediatidade à restituição da liberdade, para que o autor não aguarde ainda o prazo de vinte quatro horas para que o auto de prisão em flagrante chegue às mãos no magistrado, quando então se pronunciaria sobre a prisão e a liberdade.

Mesmo não sendo o caso de instituição da fiança pelo Delegado, o prazo para decisão sobre o requerimento de liberação da fiança será de quarenta e oito horas, parágrafo único do art. 322 do CPP. Na mesma oportunidade em que o magistrado for decidir sobre a fiança, ele poderá impor outra medida cautelar. A fiança pode ser imposta de ofício, quando da chega do auto de prisão em flagrante nas mãos do juiz, que deverá proferir decisão sobre a prisão, a liberdade e eventual fiança dentro do prazo de vinte e quatro horas, ou a requerimento do autor, quando então, o prazo será de quarenta e oito horas para se conceder ou negar a fiança. 

O caráter da fiança não é de benefício, mas de restrição de direito em situação cautelar. A Lei 12.403/2011 manteve indevidamente, em vários dispositivos, as expressões “concessão” e “benefício”, sendo que a fiança agora é tratada como imposição. Os critérios para sua imposição abarcam a natureza da infração, as condições pessoais do preso e o custo geral das despesas processuais, art. 326 do CPP. O parâmetro monetário da fiança é o salário mínimo.

Antes das mudanças sobre as novas medidas cautelares, os valores previstos para a fiança no art. 325 do CPP eram de R$61,89 a R$309,45 para infrações punidas com até dois anos de prisão, e de R$309,45 a R$1.237,80 para infrações punidas com até quatro anos de prisão, e de R$1.237,80 a R$6.189,00 para infrações punidas com grau máximo superior a quatro anos de prisão. A nova redação do art. 325 do CPP elevou por demais os valores para fiança, que será fixado pela autoridade que a conceder nos limites de um a cem salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a quatro anos; de dez a duzentos salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a quatro anos. Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser dispensada, na forma do art. 350 do CPP, reduzida até o máximo de dois terços ou aumentada em até mil vezes.

A imposição da fiança figura como uma forma de exigência do afiançado em comparecer ao processo sempre que intimado. Mesmo assim, a natureza da fiança permanece como de cautelar, devendo ser exigida somente para garantir aplicação da lei penal, resguardar a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais. Além do mais, deverá estar adequada à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

Os artigos 327 e 328 do CPP determinam obrigações ao autor quando for prestada a fiança, que o coagirá a comparecer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento. Quando o réu não comparecer, a fiança será havida como quebrada.  O réu afiançado não poderá, sob pena de quebramento da fiança, mudar de residência, sem prévia permissão da autoridade processante, ou ausentar-se por mais de oito dias de sua residência, sem comunicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado. Todas essas obrigações também podem ser impostas ao réu que por condições econômicas não puder prestar a fiança, mas que tem direito à liberdade.

Se houver descumprimento dessas obrigações fixadas pelo art. 327 e 328 do CPP, será considerada quebrada a fiança, bem como quando o acusado praticar ato de obstrução ao andamento do processo, descumprir outra medida cautelar imposta, resistir injustificadamente a ordem judicial ou praticar outra infração penal dolosa. O dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, se o réu for condenado. A fiança quebrada gera a perda da metade do seu valor, a impossibilidade de, naquele mesmo processo, prestar nova fiança e poderá o juiz impor outras medidas cautelares mais gravosas, incluindo a prisão preventiva, art. 343 do CPP.

Dizer que a fiança será cassada é o mesmo que afirmar que ela foi julgada inidônea ou sem efeito. O valor deverá ser devolvido a quem a prestou e o juiz verificará a necessidade de se decretar outras medidas cautelares diversas da prisão ou impor a própria preventiva. A fiança será cassada em qualquer fase do processo se for concedida por equívoco, art. 338 do CPP; quando ocorrer uma inovação na tipificação do delito, reconhecendo-se a existência de infração inafiançável, art. 339 do CPP; se houver o aditamento da denúncia, acarretando a inviabilidade de concessão da fiança.

Foi modificado pela Lei nº 12.403/2011 o art. 340 do CPP, que trata do reforço da fiança e o exige quando for inovada a classificação do delito; quando a autoridade tomar, por engano, fiança insuficiente; quando houver depreciação material ou perecimento dos bens hipotecados ou caucionados, ou depreciação dos metais ou pedras preciosas. Se o réu não reforçar o valor da fiança poderá ser recolhido à prisão, desde que presentes os requisitos da preventiva. Se o réu for pobre, poderá ser dispensado do reforço, permanecendo em liberdade e sendo garantido o efeito da fiança.

Há também a dispensa da fiança quando, se estiver diante do art. 350 do CPP, o juiz conceder a liberdade provisória do acusado. Nesse caso a dispensa é uma obrigatoriedade do magistrado, porque se trata de direito do beneficiário. A fiança será considerada sem efeito quando ela for cassada; quando não houver o seu reforço e quando, recolhido o seu valor, advier sentença absolutória do acusada ou declarando a extinção da ação penal. Nesses casos o valor da fiança deverá ser restituído sem desconto.

Ao se falar do destino da fiança, deve-se analisar a situação do réu. Se o réu se apresentou para cumprir a pena imposta, lhe será restituído o valor dado em garantia, atualizado, abatendo o valor das custas, indenização do dano, prestação pecuniária e multa. Se o réu for absolvido ou extinta a sua punibilidade, o valor será restituído sem desconto, atualizado. Se for declarada extinta a punibilidade em razão da prescrição da pretensão executória, não se fala em restituição, já que o parágrafo único do art. 336 do CPP demanda que o dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, se o réu for condenado. No caso de fiança quebrada ou perdida, a destinação do valor será para o fundo penitenciário nacional.

Fiança prestada por meio de pedras ou objetos preciosos será executada mediante ordem judicial para que o leiloeiro promova a venda desses bens. Sabendo que existe a possibilidade de se prestar fiança por meio de hipoteca, a execução da fiança desse tipo será promovida no juízo cível por meio do Ministério Público. 

2.5.    Fiança estipulada pelo Delegado de Polícia

Como explicado no capítulo primeiro deste trabalho, na época em que o povo brasileiro convivia com o poder moderador, designado pela concentração de poder nas mãos do imperador, este nomeava os magistrados, aos quais cabia exercer também a chefia da polícia, nos termos do Código de Processo Penal de 1832. Naquela época, quem detinha realmente poderes para processar e julgar as contravenções e crimes punidos com prisão, degredo ou desterro até seis meses eram os próprios juízes de paz. Em razão disso, estes detinham mais poderes do que os próprios juízes de direito.

Posteriormente, as funções dos juízes de paz foram entregues aos chefes de polícia, que passaram a exercer assim poderes judiciais, formando um sistema denominado de “policialismo judiciário”, em que a justiça criminal era baseada em uma polícia que prendia, investigava, acusava e pronunciava os acusados de certos crimes. O art. 54 da Lei nº 261, de 1841 abordava esse status judicial do investigador ao dizer que “as sentenças de pronúncia nos crimes individuais proferidas pelos Chefes de Polícia, Juízes Municipais, e as dos Delegados e Subdelegados, que forem confirmadas pelos Juízes Municipais, sujeitam os réus à acusação, e a serem julgados pelo Jury”. Já que detinha poderes para condenar, a polícia poderia conceder liberdade mediante fiança, sendo que o Promotor Público deveria ser ouvido antes de a polícia conceder a fiança. 

Com o advento do CPP de 1941, apesar de já se estar em uma República, mantiveram-se os princípios do império e das monarquias absolutistas do passado. Naquele Código, a regra era a prisão e somente a polícia podia conceder a fiança no caso do preso em flagrante e era a própria polícia que poderia cassar essa fiança, prendendo novamente e não havia necessidade de oitiva do MP quando o delegado fosse decidir sobre a fiança. O juiz somente poderia soltar mediante fiança após o término das investigações. Caso o delegado se negasse a arbitrar a fiança, o juiz somente poderia se manifestar sobre a recusa se o delegado fosse ouvido antes da decisão, porém este não precisava consultar os órgãos da Justiça quando decidia sobre a fiança (LIMA F.R., 2011).

Com o tempo a fiança perdeu sua importância e anteriormente à vigência da Lei nº 12.403/2011, a autoridade policial somente poderia conceder fiança nos casos de infração punida com detenção ou prisão simples e desde que não se tratasse de crime contra a economia popular ou crime de sonegação fiscal. Nos demais casos, somente a autoridade judiciária poderia arbitrar.

Agora em que vigoram as mudanças da lei das novas medidas cautelares, a autoridade policial somente pode conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos. Constitui abuso de autoridade levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar a fiança permitida em lei.  Assim, o delegado não poderá negar a fiança quando esta for cabível. Caso a autoridade policial retarde ou não conceda fiança, caberá ao preso prestá-la mediante petição dirigida ao juiz competente que terá o prazo de quarenta e oito horas para proferir decisão, art. 335 do CPP. Não a proferindo, caberá habeas corpus diante do constrangimento ilegal.

A autoridade policial passa a ter o dever de arbitrar a fiança nos casos permissivos da legislação. Em outro giro, a fiança é direito do acusado diante da manifestação do artigo 5º, LXVI, CF, eis que o status libertatis deve ser conservado. Porém, a fiança arbitrada por aquela autoridade pode ter o condão de ferir esse direito à liberdade, tanto porque o acusado não tem condições de arcar, necessitando da redução do valor, ou porque não tem condição alguma de arcar com qualquer valor. A lei, art. 325, § 1º, incs. II e III, do CPP, entrega um poder discricionário muito grande à autoridade a autoridade policial ao permiti-la reduzir o valor da fiança até o máximo de 2/3, assim como aumentá-la até mil vezes. Diante disso, se faz necessário o crivo judicial sobre essa delimitação de direitos, não configurando uma intromissão judicial, mas uma luz à guarda da liberdade daquele acusado, ressaltando que somente à autoridade judiciária é dado o poder de dispensar a caução fiança.

Resquício histórico que agora foi revigorado, a manutenção legislativa dessa atribuição do delegado em arbitrar fiança quando da concessão da liberdade após as formalidades do auto de flagrante reveste aquele de poder judicial, que não lhe é próprio, ferindo o campo de atribuição judicial e permitindo abusos ao direito da liberdade do acusado. A fiança policial não permite a análise do art. 350 do CPP pelo delegado e impossibilita a imediata soltura do suspeito acuado pelo valor instituído como fiança. Ademais, somente a jurisdição penal, realizada pelo magistrado a partir de dados concretos da situação fática, tem o condão de impor uma medida cautelar.

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Sobre a autora
Suellen da Costa Gonçalves

Servidora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Pós-Graduada pela Escola da Magistratura do Distrito Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Suellen Costa. Liberdade provisória:: das distorções no campo da fiança criminal a serem corrigidas pelo intérprete. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3843, 8 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26327. Acesso em: 18 nov. 2024.

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